Barreira, C.R.A e Massimi, M. (2006). O caminho espiritual do corpo: a dinâmica psíquica no karate-do shotokan. Memorandum, 11, 85-101. Retirado em / / , da World Wide Web http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a11/barreiramassimi03.htm

O caminho espiritual do corpo: a dinâmica psíquica no karate-do shotokan

The spiritual way of body: karate-do shotokan psychological dynamic

Cristiano Roque Antunes Barreira
Marina Massimi
Universidade
de São Paulo
Brasil

 

Resumo
O karate-do é uma arte marcial de origem japonesa que tem como objetivo principal formar o caráter do praticante. A presente investigação explora percursos históricos, técnicos, conceituais e vivenciais das idéias psicológicas identificadas como inerentes ao karate, visando conhecer seus estratos de base. Para tanto, o estilo shotokan do karate, fundado por Gichin Funakoshi, é analisado pelo prisma de pensamento de seu discípulo Masatoshi Nakayama, um dos responsáveis pela diáspora mundial da arte. A essência do karate é expressa pelo conceito de kime que define formas determinadas de ação em função de exigências materiais e intencionais. O conceito de sun-dome contrapõe-se ao kime, correspondendo a uma necessária contenção da intenção inicial. O equilíbrio de kime e sun-dome resulta no controle de si. Sob tais conceitos emerge zanshin, o espírito de luta, que possibilita o acesso à essência do karate-do.

Palavras-chave: idéias psicológicas; karate; artes marciais; corporeidade; fenomenologia.

Abstract
Karate-do is a Japanese martial art that has as its essential goal to form the character of the practitioner. The present investigation explores historical, technical, conceptual paths and lived experiences of karate’s psychological ideas aiming at comprehending its basic stratus. Shotokan Karate style, founded by Gichin Funakoshi, is analyzed by the exam of Masatoshi Nakayama’s thoughts, as one of the persons responsible for the worldwide spread of this art. Karate essences are expressed by the kime concept, which defines determined ways of acting in function of material and intentional exigencies. As a counterpoint, there is sun-dome, needed continence to kime with which it negotiates the balance of self-control. Under that concept emerges zanshin, the fight spirit, which opens the access to the karate-do’s essence.

 Keywords: psychological ideas; karate; martial arts; corporeity; phenomenology.

 

Introdução

 

O presente artigo dá seqüência a trabalhos de pesquisa que tomam o karate como objeto de investigação no âmbito da psicologia, mais especificamente no campo da história das idéias psicológicas. O interesse inicial da psicologia pelo karate se consolida primariamente pela constatação de que a finalidade dessa arte é a formação do caráter do praticante. A investigação não se restringe a apurar a percepção cultural de centenas de milhares de praticantes brasileiros, dentre alguns milhões de praticantes ocidentais. Como objeto de pesquisa, em se tratando de um saber de raízes orientais, evoca um recorte privilegiado de experiências e de produções culturais que levam ao aprofundamento de conhecimentos. Estes, por sua vez, em decorrência da difusão da prática, transitam de leste a oeste do globo, ainda que partam de uma dinâmica psicológica que, em função de sua origem, se distingue do dualismo próprio da percepção da modernidade do Ocidente.

Tendo como referência o conjunto das idéias psicológicas vinculadas a um recorte do karate shotokan, esta investigação propõe-se a localizar e apreender os sentidos que definem tais idéias. O recorte que delimita o objeto deste trabalho corresponde a um momento de mediação, representado pelos trabalhos de Masatoshi Nakayama (1913-1987), entre as origens okinawenses do karate próprias dos escritos de Gichin Funakoshi (1868-1957) e sua posterior difusão pelo Brasil. O método de pesquisa empregado, inspirado na história das idéias psicológicas, orienta-se pela perspectiva fenomenológica.

Breve enfoque histórico: a difusão do karate shotokan

 

O karate aportou em Tóquio, na década de 1920, trazido do arquipélago de Okinawa, localizado no extremo sul do Japão. A década seguinte seria conhecida como os anos de ouro do karate. Embora esse período presencie a aparentemente simples difusão de um saber cultural no interior de um mesmo país, durante séculos Okinawa viu seus laços comerciais e culturais apontando mais à China do que ao restante do Japão. Quando em 1868 ocorreu a Reforma Meiji, profundas e drásticas modificações estruturais viriam afetar a vida de um país que, iniciando seus contatos com o mundo Ocidental, pretendia modernizar-se politicamente. Naquele mesmo ano, nascia em Okinawa Gichin Funakoshi que, aos onze anos de idade, iniciar-se-ia nas práticas de karate, tornar-se-ia professor escolar e, mais tarde, seria o responsável pela chegada daquela arte marcial a Tóquio. Sentindo a necessidade de contribuir para a solidificação dos laços nacionais, conforme relato autobiográfico, Funakoshi dedicou-se à educação – tanto como professor escolar, quanto como professor de karate – com intuito de aproximar a cultura de Okinawa à do restante do Japão. A região em que vivia era dotada de algumas peculiaridades – dialeto próprio, afinidades com a China, traços fenotípicos da população distintos dos predominantes na população do restante do país – que contribuíam para uma visão depreciativa da região pelo arquipélago central.

 

Dada a situação política que se desencadeava no Japão no início do século XX, em que a tensão com a China eclodiria belicamente na década de 1930, se avolumava a tendência da população okinawense em fortalecer sua identidade japonesa. A afirmação e a valorização da cultura local ganhavam força e, na esteira dessa necessidade, Gichin Funakoshi (1868-1957), professor que, além do dialeto okinawense, dominava o japonês e tinha uma educação diferenciada – era mestre nos clássicos confucianos – foi encarregado de dirigir uma demonstração de karate diante do Imperador em 1921. Em 1922 foi a Kyoto (arquipélago central) para outra demonstração e acabou convidado e incentivado por Jigoro Kano (1860-1938), o fundador do judô (1882), a ensinar sua arte em Tóquio. Segundo sua autobiografia, diante do encorajamento de Kano e da possibilidade de divulgar este braço de sua cultura local, Funakoshi decidiu por se instalar ali e, após anos de intensas dificuldades e mesmo penúrias, seu intuito inicial tomou vulto. Sua permanência ali se estenderia até sua morte, em 1957.

 

A religiosidade nativa e plural do Japão (cuja unificação atende pelo nome de xintoísmo), o confucionismo e o budismo atravessam os direcionamentos morais e espirituais instalados na prática e na conduta dos praticantes de karate desde suas raízes okinawenses. Ao se difundir pelo Japão, tais direcionamentos encontraram-se com a já bastante desenvolvida tradição do bushido, “caminho do guerreiro”, oriunda da experiência de séculos de transmissão das práticas de combate dos samurais. Apesar de proveniente de uma localidade pouco prezada pelo restante do país, o esforço de mestres como Funakoshi e outros resultou no reconhecimento do karate como genuinamente japonês. A partir da década de 1930, o karate passou a ser adotado e desenvolvido por milhares de praticantes.

 

Masatoshi Nakayama (1913-1987), de tradicional família japonesa, iniciou sua prática de karate em 1931, quando ingressou na Universidade de Takushoku (1) tendo Funakoshi como mestre. Entre 1937 e 1946, Nakayama esteve na China onde, além de se manter treinando karate, deu continuidade aos estudos de mandarim e de história chinesa, por cinco anos, na Universidade de Pequim. Posteriormente, trabalhou junto ao governo. Por ocasião de seu retorno no pós-guerra, a maioria de seus colegas de treinamento havia morrido ou abandonado o karate. Diante das restrições legais à prática de artes marciais impostas pelos Aliados, Nakayama movimentou-se no sentido de apresentar o karate como uma espécie de boxe, conseguindo liberar o ensino e a prática das restrições ainda em vigor para as demais tradições marciais do país. Nakayama fez parte, então, do grupo que fundou a Nihon Karate Kyokai em 1949, mais conhecida por Japan Karate Association, tornando-se posteriormente seu líder. A JKA foi afiliada ao Ministério da Educação japonês promovendo ainda mais o crescimento do karate. Entre suas principais ações, agrupou karatekas e procurou formar instrutores e combatentes que tivessem a mais extrema eficácia. No que tange à continuidade da difusão do karate, entretanto, o papel decisivo da JKA se deu via implementação do karate esportivo com normas para competições. Sob sua liderança, o estilo de karate vinculado a Funakoshi, denominado shotokan, espalhou-se por todo o mundo, sob as novas feições da JKA. No Brasil, a década de 1960 assistiu a chegada de professores provenientes dessa organização. Masatoshi Nakayama enviou instrutores japoneses a vários países, escreveu diversos livros, produziu vários filmes de divulgação técnica e circulou pelo mundo difundindo o karate shotokan como modalidade esportiva competitiva, bem como o pensamento que permeia sua prática. É diretamente dessa concepção de karate que se deriva a compreensão da arte pela maioria de seus praticantes em todo o mundo. A despeito da inclusão do conceito de esporte competitivo e das vastas transformações que a prática sofreu, a concepção atual do karate é distante, mas não totalmente desvinculada da proposta original de Funakoshi.

Apreensão dos sentidos das idéias psicológicas

Embora as produções relacionadas às artes marciais orientais sejam muito vastas, o papel central da figura e da obra de Masatoshi Nakayama na difusão mundial de um estilo específico de karate, justamente aquele que acabou se tornando o mais praticado no mundo, impõe que se identifiquem os elementos essenciais a partir dos quais a prática e seus sentidos desenvolveram-se centrifugamente. Previamente elencados por Gichin Funakoshi, os sentidos do karate shotokan encontram um momento distinto na história de suas idéias psicológicas a partir da aproximação feita por Nakayama da experiência com textos antigos da tradição japonesa. Este momento foi próximo à chegada do karate no Ocidente.

Esta investigação objetiva identificar e apreender, em seu conjunto, os sentidos das idéias psicológicas vinculadas ao karate desenvolvidas no intervalo compreendido entre suas origens okinawenses, próprias dos escritos de Funakoshi, e sua difusão pelo Brasil. Este momento é especialmente representado pelos trabalhos de Masatoshi Nakayama.

De modo prognóstico, pesquisas referentes a uma história das idéias psicológicas do karate devem propiciar condições teórico-conceituais, sustentadas historicamente, que permitam a aproximação fenomenológica junto àquelas vivências inerentes à sua prática e à sua proposta de formação do caráter. Assume-se que a dinâmica de formação do caráter ocorra, não somente com fundamento nos textos que constituem a tradição, mas também na experiência contemporânea de seus praticantes.

Metodologia

A história da psicologia e das idéias psicológicas atende às demandas pertinentes aos objetos de cada pesquisa específica para optar pelos rumos metodológicos que melhor lhe convenham. Assim, no caso da história das idéias psicológicas inerentes ao caminho do karate, as próprias condições de acesso ao objeto indicam trilhas à opção metodológica, perfazendo simultaneamente objeto e método.

A obra escrita de Masatoshi Nakayama (1913-1987), bem como uma entrevista que concedeu poucos anos antes de sua morte (2), permitem, não apenas identificar e relacionar as idéias psicológicas, mas também o lugar fundamental que ocupam como descritoras dos principais objetivos atribuídos ao karate. Sucedendo, derivando e modificando os saberes tradicionais, expressos na obra de seu mestre Funakoshi, o discípulo Nakayama, quando já mestre, impôs-se como um dos principais intermediários da linhagem histórica da arte que germina em Okinawa e se expande pelo mundo.

Conforme trabalhos anteriores (Barreira e Massimi, 2002; Barreira e Massimi, 2003), as pesquisas referentes a essas idéias psicológicas visam apreender os sentidos globais das mesmas, de acordo com seus próprios escopos e na perspectiva da visão de mundo que lhes subjaz. Portanto, após identificar o conteúdo dessas idéias psicológicas, busca-se, naquilo que as precede e motiva, o auxílio para compreensão de sua finalidade e horizonte. Tal conteúdo corresponderia ao sentido evocado pelas experiências vivenciais inerentes ao karate, praticado em longo prazo, compreendidas como influenciadas pela moral confuciana, pela espiritualidade zen budista e por textos da tradição guerreira japonesa, o bushido – tradição esta que é também tocada pelas mensagens de Confúcio e Buda. Relacionam-se as características técnicas associadas a uma prática e a um saber que, a rigor, não cindem idéias de ações, mas as conjugam. O intuito é observar, com maior clareza, as decorrências de certos desenvolvimentos práticos do karate.

Aspectos técnicos e conceituais

Seria improvável o sucesso da descrição de idéias psicológicas que subjazem na prática do karate, sem que se considerassem as variadas formas técnicas assumidas e ali desenvolvidas. Inicialmente serão enfocados práticas e métodos que constituem o que, provisoriamente, é denominado o caminho do corpo. Essa nomenclatura é considerada provisória por prefigurar o deslocamento do corpo em relação ao espírito, o que, apenas parcialmente encontra respaldo nos textos de Nakayama, principalmente se considerado o argumento de cientificidade por ele desenvolvido com intuito de tornar o ensino da arte mais compreensível pelos ocidentais.

My experience in teaching students from Western countries after the war has also provided me with valuable hints, such as the habit of seeking answers to questions from the fields of physiology and body kinetics. (Nakayama, 1997, p. 11).

Dessa maneira Nakayama realiza certa compartimentalização dos conhecimentos do karate, que não havia nas formas mais antigas da arte. Portanto, sobretudo em Nakayama, uma leitura disjuntiva entre técnica e espírito é compatível com a apropriação de uma visão ocidentalizada do karate, bem como de sua metodologia, embora tal disjunção não encerre toda sua a perspectiva.

O karate antigo era ensinado e transmitido através de um método principal chamado kata. O kata é como uma luta que o praticante realiza contra diversos adversários imaginários. Cada kata tem seu próprio nome e um criador, não necessariamente conhecido, que nele expressava suas preferências técnicas para a luta. Os kata modificam-se com o passar do tempo de acordo, principalmente, com os estilos dos que os praticam. Para o observador externo, o kata é uma seqüência de vários golpes e defesas em movimento ritmado, através dos quais se nota uma intensa concentração no praticante. Todo kata começa com uma defesa representando a idéia de que no karate não existe o primeiro ataque (karate-do ni senti nashi), princípio sempre enfatizado por Gichin Funakoshi.

Em termos práticos, o kata transmitiria quase toda a tradição do karate (salvo o artifício dos treinos com makiwara). Gichin Funakoshi menciona ter aprendido karate apenas por meio do kata; entretanto, desenvolveu outros métodos para facilitar o ensino e o treino de aspectos isolados. A ocorrência de tal sistematização da prática foi especialmente motivada pelo grande número de alunos aos quais ele ensinava no Japão, enquanto, no seu tempo, a aprendizagem era individual, junto ao seu mestre. Nakayama considera que as novas sistematizações eram motivadas pelo fato de que os novos praticantes no Japão, em sua maioria, já tinham contato anterior com outras artes marciais, como o Judô e o Kendo, artes estas que incluíam combates. Atendendo aos ímpetos desses novos praticantes, Funakoshi lentamente foi desenvolvendo e introduzindo exercícios para luta entre parceiros (3).

Três conjuntos de métodos passaram a ser praticados no karate: kata, kihon (fundamento) e kumite (trabalho a dois). Segundo Nakayama, Funakoshi “dizia que estas três áreas são uma só e que não podem ser separadas” (Hassel, 1983, p. 14). Levando em conta o fato de que a maneira moderna de ensino do karate pretende que a assimilação técnica seja realizada do mais simples em direção ao mais complexo – o kihon, seguido pelo kata e depois pelo kumite, constituem, desde então, a ordem comum de ensino.

Acerca do kihon, afirma Nakayama: “começamos a praticar cada técnica isoladamente, caminhando para frente e para trás no tablado de treino, repetindo as técnicas muitas vezes. Este hoje é o método fundamental de treinamento” (Hassel, 1983, p. 11). Um único golpe praticado seqüencialmente permite maior atenção a elementos técnicos específicos que podem, assim, ser mais facilmente corrigidos. Mas o motivo de Funakoshi para sistematizá-lo teria sido “desenvolver o sentimento do ikken hissatsu (matar ou parar o oponente com um único golpe) no combate”. A importância de ikken hissatsu será abordada mais adiante.

As formas iniciais de luta (kumite) (4) foram seqüenciadas em quatro tipos sucessivos (5). Cada um deles é ensinado gradualmente, visando dirimir a necessidade de atenção consciente aos princípios mais importantes do karate, obedecendo ao processo de aprendizagem explorado neste artigo.

O Makiwara é uma peça usada para golpear e “seu valor não está só no fortalecimento das partes do corpo usadas para atacar e bloquear, mas também no aprendizado da concentração da força de todo o corpo no punho na hora do impacto” (Nakayama, 1996a, p.135). É uma prática antiga que aprimora e treina a definição (6) e, conseqüentemente, o ikken hissatsu, já que essa é a intenção de um kime ideal. Daí a consideração de que “a prática com makiwara é a alma do karate” (idem). Mas, por quê? Seria essa a alma do karate, a eliminação de um adversário com um golpe?

Para que isso seja compreendido, é preciso deixar o escopo simplificado das descrições ocidentalizadas de Nakayama e penetrar nas entrelinhas de seus textos, bem como buscar as informações referentes às influências sofridas pelo karate.  Nesse momento, é importante recordar afirmações feitas pelo próprio Nakayama de que “o treino nos kata tanto é espiritual quanto físico” (1996c, p.13) e assim é para todo o karate, uma “busca da perfeição do caráter através da expressão física” (Hassel, 1983, p.17).

Kime: o espírito impelido

Nos volumes da série “O Melhor do Karate”, Masatoshi Nakayama chama a atenção para interpretações inapropriadas do que é o karate. No texto trata da importância de aspectos que são abordados no presente estudo, quais sejam os espirituais, neles enquadrando-se a necessária atitude apropriada, a cortesia e etiqueta, a luta em nome da justiça, o “cultivo de um espírito sublime, de um espírito de humildade”.

É lamentável que o karate seja praticado apenas como uma técnica de luta. As técnicas foram desenvolvidas e aperfeiçoadas através de longos anos de estudo e de prática; mas, para se fazer um uso eficaz dessas técnicas, é preciso reconhecer o aspecto espiritual dessa arte de defesa pessoal e dar-lhe a devida importância. É gratificante para mim constatar que existem aqueles que entendem isso, que sabem que o karate-do é uma genuína arte marcial do Oriente, e que treinam com a atitude apropriada.

Ser capaz de infligir danos devastadores no adversário com um soco ou com um único chute tem sido, de fato, o objetivo dessa antiga arte marcial de origem okinawana. Mas, mesmo os praticantes de antigamente colocavam maior ênfase no aspecto espiritual da arte do que nas técnicas. Treinar significa treinar o corpo e o espírito e, acima de tudo, a pessoa deve tratar o adversário com cortesia e a devida etiqueta. Não basta lutar com toda a força pessoal; o verdadeiro objetivo do karate-do é lutar em nome da justiça.

Gichin Funakoshi, um grande mestre de karate-do, observou repetidas vezes que o propósito máximo da prática dessa arte é o cultivo de um espírito sublime, de um espírito de humildade. E, ao mesmo tempo, desenvolver uma força capaz de destruir um animal selvagem enfurecido com um único golpe. Só é possível tornar-se um verdadeiro adepto do karate-do quando se atinge a perfeição nesses dois aspectos: o espiritual e o físico. (Nakayama, 1996a, p. 09).

Nakayama considera que a eficácia das técnicas depende de uma atitude apropriada. Em meio a textos que têm, mormente, um caráter técnico, ocasionalmente surgem referências à atitude necessária à aplicação das técnicas quando o autor as descreve. Se Nakayama aponta o objetivo do karate-do como o de possibilitar uma potente capacidade física (infligir danos devastadores no adversário), alerta também que a ênfase seja no aspecto espiritual, o que serviria não só como catalisador do poder físico, mas, principalmente, como contentor do uso desse poder. Nesse sentido, ter vasto poder implica em utilizá-lo em nome da justiça, ladeado pela cortesia e etiqueta. Numa remissão a Funakoshi, este manifestou seu pensamento de que a moralidade vem de encontro com a finalidade, fundamentada no pensamento confuciano, de estabelecimento da paz e da harmonia (7). Ressalte-se que Funakoshi foi o grande responsável pela difusão de uma série de cinco kata básicos denominados Heian, que se traduz por paz e harmonia. O pensamento de Funakoshi permeia, ao menos parcialmente, a mensagem de Nakayama, reafirmando o karate como uma busca de perfeição espiritual e física, fortalecendo uma concepção em que se conjuga a presença de uma enorme força com humildade.

Após a Introdução, cada volume da série traz uma parte intitulada “O que é o karate-do”, que se inicia com o recorte transcrito abaixo:

Decidir quem é o vencedor e quem é o vencido não é o seu objetivo principal. O karate-do é uma arte marcial para o desenvolvimento do caráter através do treinamento, para que o karateka possa superar quaisquer obstáculos, palpáveis ou não. (Nakayama, 1996a, p.11).

O autor define, pois, como um dos principais objetivos do karate, não o que está restrito à possibilidade de uma luta real e concreta entre dois homens e sim a potencialização de algo que pode ser considerado como similar ao âmbito do psíquico. Nesse sentido, ter-se-ia a prática com a atenção e pensamento voltados a um objetivo concreto, que é o de postar-se e habilitar-se à luta, potencializando uma força que, sem mediação, se estende à disposição, à mente, ao não palpável, ao simbólico. É o próprio pensamento do autor, portanto, que autoriza a extensão de suas considerações como irrestritas ao uso técnico e ampliáveis ao universo das idéias psicológicas e morais. Tal ampliação é adicionalmente respaldada nas palavras de orientação ao treinamento escritas por Funakoshi e oriundas da tradição que o precede:

... pense na vida de cada dia como um treinamento em karate. Não limite apenas ao dojô, nem o considere apenas como um método de luta. O espírito da prática do karate e os elementos do treinamento se aplicam a todos e a cada um dos aspectos da nossa vida diária. (Funakoshi, 1998, p.51)

Volta-se ao texto de Nakayama, assumindo-se agora que da boa condição psíquica dependa a correta aplicação da técnica, condição que corresponde à meta a ser assimilada para proporcionar a formação do caráter e como recurso à vida de maneira geral: “As técnicas do karate-do são bem controladas de acordo com a força de vontade do karateka e são dirigidas para o alvo de maneira precisa e espontânea” (Nakayama, 1996a, p.11).

Portanto, o treinamento proporciona ao karateka a aplicação de sua força de vontade, isto é, a realização daquilo que decididamente quer, de maneira objetiva e natural. Nota-se, claramente, que o karate de Nakayama explicita uma intenção de orientar um padrão desejável de atitude pessoal (8), não como uma imposição, mas como uma constatação imperativa diante das condições forjadas no treinamento.

A força de vontade é o primeiro motor, primeira energia que deve ser preparada, treinada para dirigir-se aos objetivos com um formato determinado. Observe-se como Nakayama define este formato:

A essência das técnicas do karate-do é o kime. O propósito do kime é um ataque explosivo ao alvo usando a técnica apropriada e o máximo de força no menor tempo possível. (Antigamente, havia a expressão ikken hissatsu, que significa “matar com um golpe”, mas concluir disso que matar seja o objetivo dessa técnica é tão perigoso quanto incorreto. É preciso lembrar que o karateka de antigamente podia praticar o kime diariamente e com uma seriedade mortal usando o makiwara). (Nakayama, 1996a, p.11)

Essa idéia – alusiva a toda a tradição de que é herdeiro e que tem na obra escrita de Funakoshi a maior representação – é o princípio de todo o pensamento a respeito do karate na visão de Nakayama, devendo fazer-se sempre presente, pois define o próprio karate: “Uma técnica sem kime jamais pode ser considerada um verdadeiro karate, por maior que seja a semelhança” (1996a, p.11). Como será destacado, várias descrições de Nakayama são derivações do conceito de kime, mais sugestivas do que concerne ao estado de determinação da atitude mental necessária ao uso do karate, de suas técnicas e do próprio kime.

Sun-dome: o perigo e a regra

Entretanto, da potência do kime derivam-se riscos relacionados à sua aplicação:

A disputa não é nenhuma exceção, embora seja contrário às regras estabelecer contato por causa do perigo envolvido.

Sun-dome significa interromper a técnica imediatamente antes de se estabelecer contato com o alvo (um sun equivale a cerca de três centímetros). Mas excluir o kime de uma técnica não é o verdadeiro karate, de modo que o problema é como reconciliar a contradição entre kime e sun-dome. A resposta é a seguinte: determine o alvo levemente adiante do ponto vital do adversário. Ele então pode ser atingido de uma maneira controlada com o máximo de força, sem que haja contato.

O treino transforma as várias partes do corpo em armas a serem usadas de modo livre e eficaz. A qualidade necessária para se conseguir isso é o autocontrole. Para tornar-se um vencedor, a pessoa antes precisa vencer a si mesma. (Nakayama, 1996a, p.11)

Com o sun-dome, Nakayama agrega à determinação de realização da vontade (associada ao kime) a necessidade de controle, de contensão, de outro tipo de auto-controle que exige que o praticante se volte sobre si mesmo e considere o perigo. Conforme o texto inicialmente transcrito, é o perigo que exige a existência da regra. A regra delimitaria as fronteiras obedecidas pelo controle e, quando assimilada e esquecida, acarretaria a naturalidade e a espontaneidade do controle. Pois então, se o karate para Nakayama proporciona o método de realizar a vontade, exige também que a mesma seja contida, controlada, submetida aos limites delineados pela realidade do perigo.

Considera-se que todas as coisas começam e acabam na mente (Hassel, 1983, p.31) e que esta deva estar em harmonia com o corpo, para que haja o auto-controle. Ainda que em nenhum momento Nakayama faça alusão explícita ao que são exatamente o corpo e a mente, o fato de recorrentemente expressar que o karate não é apenas uma luta mas um método de formação do caráter faz supor que não se refira ao corpo apenas como organismo físico, a ser treinado para habilitar-se a responder aos comandos da mente. Ao corpo estariam associadas também as emoções, que devem ser controladas, isto é, habilitadas a responder aos comandos da mente que, por sua vez, precisa seguir alinhada com os princípios da moral e da razão. Todavia, a própria mente não está dissociada dos aspectos emocionais a serem controlados, pois Nakayama é claro ao dizer que para haver a habilidade física exige-se total controle da mente, o que traz implícito que a mente não é gerenciada por uma razão fria, destacada do corpo e, por isso, hermética às suas influências. Nesse sentido, ainda que se constate um discurso que separa mente e corpo, tratando-os de forma semelhante à cartesiana (9), reconhece-se a presença, ainda que ambígua, da tradição oriental, que não admite real disjunção entre mente e corpo (10). Há uma interdependência entre mente e corpo, que já sugere a condição de unidade do homem, unidade que tem sua harmonização como ideal na espiritualidade oriental. De toda forma, essa ambigüidade evidencia o plano de intersecção Oriente/Ocidente, no qual se configura, nas palavras de Masatoshi Nakayama, esse karate moderno e científico que é, ao mesmo tempo, uma genuína arte marcial do Oriente. Nesse plano, os traços do fantasma cartesiano, com seu dualismo, começam a provocar marcas profundas na prática e pensamento do karate.

O treinamento baseado apenas na prática esportiva, visando os pontos que levam à vitória, não é tido como suficiente para que haja real controle de técnicas, nem autocontrole e tampouco para que sejam realizados os objetivos do karate-do. O treinamento que proporcionaria controle seria aquele em que há o ikken hissatsu (matar com um golpe), isto é, em que existe a intenção mais próxima da realidade do combate, da disputa entre vida ou morte e não uma intenção de entreter-se na busca por pontos. É necessária a proximidade com a representação da máxima violência potencial, aquela que se aproxima da morte, para obter-se controle e se fazer do karate um caminho de vida. Isso porque os limites que o controle visa assimilar são limites de risco absoluto, do paroxismo do perigo, ou seja, é a potencialidade do extremo – como a morte através de um golpe no karate – que mostra a necessidade de limites.

Os limites tomam dois itinerários inversos, dependendo da tessitura de sua configuração. O limite posto pelo karate esportivo - em que se colocam praticantes frente a frente para combater, sob a condição de se respeitar a integridade física do adversário – está no perigo de golpear sem contenção do impacto. Há uma ambigüidade entre vontade de acertar e vontade de controlar o golpe, isto é, em fazer o movimento ir e em seguida interrompê-lo. Já no karate não esportivo, idealmente, não há predisposição alguma à luta, mas apenas prontidão imediata diante da necessidade, o que corresponde a um evento de vida e morte. O limite é compelido no perigo contrário, o de ineficiência do golpe, de ineficiência em conjugar força de vontade e capacidade física. Aqui, o risco de morte é o risco de que esse golpe não se realize por falta de resistência física, potência muscular, capacidade técnica ou força de vontade, já que o evento imaginário do qual se parte no treinamento, evento ligado ao mito fundador do karate, não deixa dúvida de que ou se golpeia para matar e se é eficiente, ou a derrota e a morte de si são certas e idênticas. Esses tratamentos diversos dados ao perigo e ao limite, de acordo com as condições reais e imaginárias que constituem toda prática de karate, incorrem em duas concepções de controle diversas, que merecerão um exame minucioso em outro trabalho.

Raízes histórico-culturais da exigência de kime

Fazer presente a intenção imaginária de matar, ou melhor, a disposição de matar ou morrer lutando, corresponderia a manter representado aquilo que originou as práticas de combate, como a violência, que assume seu auge na guerra: “Nas primeiras guerras, o instinto para a vida trazia consigo, naturalmente, o conceito de matar ou morrer. Isto é, o guerreiro tinha que matar o inimigo ou ser morto por ele” (Hassel, 1983, p.19). De acordo com Nakayama, esse elemento constitui o pilar da cultura nipônica que sustenta uma filosofia chamada heijo-shin-koro-michi:

Isto quer dizer que o guerreiro deveria se esforçar em ser o mesmo na aparência, não obstante o que ele estivesse fazendo ou o que estivesse vestindo. Quer ele esteja simplesmente indo para o seu dia a dia ou indo para a guerra encarando a morte, ele deve ser o mesmo e agir igual – confiante, calmo e preparado para agir, e completamente alerta internamente. (Hassel, 1983, p.19)

Nakayama acresce que o zen, o confucionismo e o xintoísmo foram estudados pelos guerreiros que passaram a utilizá-los (como até o hoje o são) para entender esta filosofia que, para ele, é a espinha dorsal da tradição nipônica. Retoma-se aquilo que se expressa nas práticas do kime e do ikken hissatsu, que é o “conceito de que não há segunda chance. Muitas coisas devem ser feitas corretamente na primeira vez, ou a pessoa morre” (Hassel, 1983, p.10).

Os elementos reunidos até aqui constituem os alicerces do início da compreensão dos objetivos do karate, segundo a concepção de Nakayama. Note-se que se associam, invariavelmente, à questão do controle, controle para dirigir a intenção e força no cumprimento de um determinado objetivo, controle para conter, dentro daquilo que se delimite como justo, a força muscular ou as intenções morais. Para que se desenvolva o verdadeiro saber a respeito daquilo que se delimita como justo, não bastam nem a norma e nem a razão, é preciso a vivência, o contato com a natureza; daí a necessidade de proximidade com o risco e com a violência. Essa experiência criaria certezas morais, oferecidas diretamente pela natureza (11). Assim, o perigo impõe a necessidade de regras, as quais delimitam as fronteiras da ação. As fronteiras são reconhecidas como naturais e somente o contato com elas possibilitaria a assimilação das regras e o conseqüente auto-controle (12).

O controle é adquirido e expresso fisicamente, através dos conceitos de kime e sun-dome. O kime proporciona controle ao promover a aplicação máxima da vontade, de maneira dirigida, com total concentração no objetivo essencial. O sun-dome proporciona controle ao promover a contenção, de acordo com a regra decorrente do perigo. Ambos devem atuar, equilibrando realização e contenção da vontade, dentro dos limites estabelecidos pela regra, pelo que é justo.

Três níveis de aplicação de si

O karateka é orientado a aplicar-se a si próprio para que, ao interromper a luta, promova a paz e harmonia, de acordo com princípios de justiça, garantidos pela experiência e pela razão. A aplicação de si próprio se dá na relação entre corpo e espírito, dentro de uma concepção de desenvolvimento humano que se estende da habilidade de reação à habilidade de antecipação. Nessa extensão não há verdadeiro privilégio do espírito ou do corpo, pois as reações física e técnica não determinam solução de continuidade entre atenção e sensibilidade. Nas descrições de Nakayama, é possível localizar três níveis para a aplicação de si próprio que estão ao longo da extensão entre reação e antecipação. Essa aplicação dar-se-ia, em princípio, tecnicamente: “Com um bloqueio apenas, braços e pernas transformados em aço pelo treino diário podem causar um tremendo impacto no adversário e abalar sua vontade de lutar”. (Nakayama, 1998b, p.120)

Se abalar a vontade de lutar pode se dar em um nível técnico, há também a possibilidade de dominá-lo em outro aspecto, pormenorizado em Zanshin: O Espírito de Luta: Dominando o adversário com seu espírito, você pode induzi-lo à ação e derrotá-lo. Em suma, o espírito é o ponto principal na vitória” (Nakayama, 1998a, p.44).

Finalmente, tem-se a visão de um momento terciário, um estado de espírito que – como empenho de si para evitar o combate – se antecipa ainda mais do que a técnica ou o domínio do espírito do adversário:

... karate ni senti nashi (‘não há primeiro ataque no karate’) é um desejo para harmonizar as pessoas. No kata Kanku Daí, este desejo de harmonia está simbolizado em seu primeiro movimento, como não há em nenhum outro kata e que não demonstra diretamente nem ataque nem defesa. As mãos estão erguidas e unidas acima da cabeça, as palmas para fora e o karateka olha para o céu através do buraco formado pelos seus dedos e o polegar. Este movimento expressa identificação com a natureza, tranqüilidade de mente e corpo, e desejo de harmonia. O karateka que entende isso terá um coração modesto, uma atitude gentil, e um desejo de harmonia. (Hassel, 1983, p.22)

Se para Nakayama “ser capaz de se proteger sem causar nenhum dano à vida humana é a própria essência do karate-do" (Nakayama, 1998b, p.120), propõe-se que, idealmente, essa essência corresponda a busca de um saber para proteger-se a si, em qualquer momento do processo que se estende do selvagem ao civilizado, seja através da aplicação técnica ou através da transcendência espiritual. Karate seria manter-se passando por e preparando-se para todo e qualquer nível do processo, selvagem ou civilizado, onde a aplicação de si preste-se a, ao interromper a luta, obter paz com justiça. A preparação – interpretada de acordo com a mentalidade ocidental que já se anuncia no texto de Nakayama – se dá sempre através de um retorno a uma espécie de violência fundadora, aquela que orienta as fronteiras que servirão de base para as regras entre os homens, regras que se graduam na configuração da civilização. Nessa configuração, vários códigos, cujo exame não compete à presente investigação, definirão regras e significados de conduta. Porém, o que se destaca como propriamente oriental nesses sentidos sincréticos do karate é o papel dado à sensibilidade corpórea como protagonista do processo fluido de um combate que negocia uma conclusão. Na realidade, quando se trata de abordar as fronteiras entre vida e morte, na situação imaginária ou factual de um combate de karate, pouca ou nenhuma regra pré-estabelecida se sustenta. Diferentemente, o combate esportivo de karate se desenrola dentro de um conjunto de códigos e regras que se desenvolveram considerando a representação da fronteira vida/morte, mas, contemporaneamente, afastando cada vez mais uma abordagem realmente vivencial dessa fronteira. As regras, artifícios racionalizados, correspondem à proposta levantada por Norbert Elias (Elias e Dunning, 1994), de correlação necessária entre processo civilizatório e minimização da violência na prática dos jogos e das disputas do Ocidente moderno que vieram a constituir, respectivamente, os esportes da maneira atualmente conhecida e a democracia moderna num sistema jurídico de igualdade de todos perante as normas e a lei.

A capacidade de proteção e garantia da justiça, a que o ideal de karate deve servir pelos três níveis de aplicação de si, são intimamente ligados ao pensamento confuciano, o qual considera que o rompimento da harmonia causa uma reatividade natural, não necessariamente imediata. O homem é o responsável pelo rompimento da harmonia e cabe a ele restabelecê-la, antes que advenham conseqüências desastrosas. No confucionismo clássico, esses desastres podem se restringir ao âmbito político, como também se estender a catástrofes naturais, como tempestades e terremotos, de acordo com as crenças mais antigas do mundo sino-aculturado. Preparar o praticante, fazendo-o passar por situações em níveis mais e menos regulados – o que depende, sobretudo, da época e conjuntura sócio-histórica – é a proposta das artes marciais japonesas. Elas evoluíram historicamente partindo dessa relação, inicialmente direta, com a violência extrema e se afastando dela pouco a pouco, sem perder este evento fundador nem de vista, nem tampouco do imaginário.

Originalmente, quando as técnicas de karate foram primeiramente desenvolvidas o raciocínio era muito simples: nós estamos frente a frente, e então ou você me mata ou eu vou te matar. Estas artes nasceram em épocas de guerra.

Nos tempos modernos, entretanto, nós não estamos face às mesmas situações como aquelas que primeiro usamos para autodefesa. O desenvolvimento do Budo em oposição ao Bujutsu recai sobre o princípio do forte desenvolvimento espiritual e na firmeza do caráter. Este é o real valor do Budo para a existência humana. (Hassel, 1983, p.33)

Bujutsu (13) é uma prática que se mantém numa perspectiva bélica utilitária, enquanto o Budo é uma prática de vida e desenvolvimento espiritual que se propõe a, passando pelo escopo bélico, adquirir o saber para evitá-lo ou sua superá-lo, de modo justo. Há uma insistência constante de Nakayama, e anteriormente de Funakoshi, de que devam ser colocados profundos alicerces, para depois se avançar para estágios mais sofisticados. Karate-do e Budo fazem da guerra, do conflito como estágio mais primitivo ou selvagem, a base para o aprimoramento do caráter e do espírito. Dessa base – estabelecida no sentimento de proteção da própria vida, vivenciado no conflito de vida e morte – pretende-se um constante desenvolvimento que, pouco a pouco, ilustra-se neste trabalho. Cite-se como exemplo os próprios conceitos de kime e sun-dome – de que ora se trata – e que fundamentam concepções vivenciais de moralidade.

A ênfase no que se refere ao controle, que não é apenas a contenção (sun-dome), mas anteriormente convergência, a determinação exigida para que se dirija a força e intenção (kime), é o objetivo que mais se explicita dentre as idéias de cunho psicológico da obra de Nakayama, idéias herdadas e modificadas de Funakoshi. Todavia, em alguns momentos, Nakayama parece sugerir uma finalidade oculta que transcende a busca por controle, seja o controle por convergência, seja o controle por contenção. Essa transcendência é um tema a ser desenvolvido em outro artigo, mas sendo um dos mais altos objetivos do karate, é mencionada a seguir. Randall Hassel, redigindo a introdução à entrevista concedida por Nakayama, relata algo que ele teria dito:

O mais alto grau do karate-do, ele disse, é transcender o corpo e a mente, um estado no qual a mente e o corpo movem-se suavemente, independentemente da idade ou da condição física. Ainda que ele fosse relutante em admitir isto, os seguidores de Nakayama acreditam que ele tenha alcançado este estado e se movia para além dele. “Ele não era um homem comum” disse um instrutor. (Hassel, 1983, p.4)

Zanshin: o espírito de luta

... O espírito é o ponto principal na vitória... (Nakayama, 1998a, p.44).

Por espírito de luta entende-se uma gama de condições psicológicas que, de certa forma, define o caráter do praticante de karate. O espírito de luta faz parte do caminho do karate, pois é condição para trilhá-lo. Ao mesmo tempo, o espírito de luta faz parte dos objetivos do karate.  Cabe ressaltar que tanto a busca pela vitória, quanto o próprio espírito de luta, além de se constituírem como valores em si em uma luta real, são também – e talvez principalmente – valores de caráter moral que norteiam a atitude cotidiana do karateka. O karateka faz de sua experiência uma espécie de fonte conceitual, isto é, faz da luta uma fonte de referência para a vida e para o modo de encará-la. A experiência da luta assume o lugar de referência concreta diretamente dada pela natureza de onde surgem conceitos para a vida. Esses conceitos são claros em ditar o certo e o errado moral a partir do envolvimento com a natureza, que só pode acontecer com o empenho corporal.

O que sustenta tais considerações pode ser resumido pelo que Nakayama chamou de “o denominador comum” (Hassel, 1983, p.20) da cultura japonesa, a filosofia heijo-shin-koro-michi (14). Ela se refere ao modo de se posicionar frente à vida e à morte, originado das experiências dos samurais durante os períodos de guerras constantes no Japão feudal. Além disso, o pensamento confuciano reforça a sustentação dessas idéias no que diz respeito à naturalidade (15) do que se define como certo e errado. A necessidade de sobrevivência em uma luta define o modo de ser do guerreiro e sua atitude nas relações políticas. Antecipa-se que, para o aprofundamento do desenvolvimento espiritual, ocorrerá uma importante reorientação de perspectiva quanto a esse olhar que, no entanto, mantém-se vinculado à questão originária da vida e da morte. Mas, por esse momento, basta que se considere que o zanshin constitui uma atitude para com a vida – o que não exclui a morte –, suas dificuldades, seus conflitos.

Pode-se afirmar que, em relação ao espírito de luta, a ênfase de Nakayama recai sobre aquilo que estaria manifesto no kime. O kime – já definido – caracterizar-se-ia como uma manifestação física e técnica de um feroz espírito de luta (Nakayama, 1996a, p.110), de uma atitude de determinação, de impetuosidade, de intenção decidida. Nakayama insiste na necessidade de que haja esse espírito. Tome-se como exemplo a descrição do jiyû ippon kumite (16): Nakayama afirma que nenhum dos dois praticantes “deve achar que tem uma segunda chance; o primeiro ataque, ou o bloqueio, é decisivo” (p.124). A necessidade de determinação é constantemente referendada e permite que a decisão seja tomada sem que se vacile. Nakayama apresenta os riscos da dúvida.

Na iminência de um chute ou de um soco, se você for assaltado pela dúvida ou se titubear diante do ímpeto do oponente, você vacilará no momento de desferir o ataque, o corpo se enrijecerá e uma abertura mental ocorrerá. (Nakayama, 1998a, p.19)

Isso é o mesmo que perder o controle, solidariamente, do corpo (que se enrijecerá) e da mente (na qual uma abertura ocorrerá). Estar altamente determinado e tomar a decisão, aplicando-a com todo o ímpeto, é condição para que haja real controle da situação, tomando como princípio o próprio autocontrole. Dessa maneira indica-se, como uma das primeiras fases do desenvolvimento da atitude ideal, que a vontade, o ímpeto, aprendam a ser direcionados incisivamente, em oposição a uma possível difusão, uma divergência da intenção e da energia, que impossibilita objetivar a ação. Isto é, o kime, manifestando a condição de se estar decidido e determinado, educa um controle no qual:

A potência máxima é a concentração da força de todas as partes do corpo no alvo, não apenas a força de braços e pernas.

Igualmente importante é a eliminação das forças desnecessárias ao se executar uma técnica, o que resultará na aplicação de uma maior potência onde ela for necessária. (Nakayama, 1996a, p.50)

Essa forma de controle, que direciona e concentra a intenção e a força, não é tida como tudo o que é necessário ou suficiente. Corresponde apenas a um aspecto que, por outro lado, exige a descontração. Para a competição do kata “os principais aspectos levados em consideração no julgamento são a força e o espírito, mas também a moderação” (Nakayama, 1996a, p.133). Como critério de avaliação da maneira de ser apontam-se o equilíbrio, o autodomínio e, não meramente, uma expressão de raiva concentrada, por exemplo.

O equilíbrio é educado com a experiência; não é a tentativa consciente e racional que proporciona o equilíbrio. Tanto a força quanto a moderação têm origem, e podem ser expressas, em uma localidade do corpo que centraliza a atitude de espírito: “além de ser uma fonte de potência, os quadris constituem a base de um espírito estável, de uma forma correta e da manutenção de um bom equilíbrio” (Nakayama, 1996a, p.52). A estabilidade e a força do espírito manifestam-se através dos quadris, que têm um vínculo estreito com o hara, ventre, centro da energia vital do homem e responsável por seu estado de espírito no entendimento da tradição japonesa (17). Mas, “se você estiver obcecado por ter boa forma, será impossível manter uma postura realmente correta” (Nakayama, 1996b, p.56), o que significa que uma atenção consciente obcecada não resultará na estabilidade do espírito. A tentativa forçada de manifestar-se estavelmente não faz a estabilidade, mas antes a impossibilita. O desenvolvimento é mútuo (corpo e espírito) e gradual, o homem evoluindo como um todo. Se há um direcionamento da força e da intenção que precisa ser aprendido, há também um estado de espírito ideal que deve gerenciá-lo, o que significa evitar que força e intenção sejam obsessões que aprisionem o espírito do karateka. Esse ideal é o perfeito zanshin.

“O que nós precisamos, acredito, é um equilíbrio em todas as coisas” (Hassel, 1983, p.34). Esse equilíbrio deve acompanhar aquilo que a situação exige; é, portanto, dinâmico e não estático. Numa forma confuciana de pensar, o homem é responsável pelo equilíbrio e pelo desequilíbrio de qualquer situação, devendo estar preparado para, constantemente, retomar o balanço, de modo que “relaxe sempre a força desnecessária, mas esteja alerta e pronto para aplicar toda a força do seu corpo e seu espírito de luta no instante em que for chamado” (Nakayama, 1996b, p.110). Esse princípio dinâmico rege a maneira acertada de equilibrar. Referindo-se ao verdadeiro praticante do budo, Funakoshi versava que “seu sorriso pode conquistar até o coração das crianças, sua ira pode fazer um tigre encolher-se de medo” (Funakoshi, 1998, p.50). Esse modelo contrapõe-se ao estereótipo do praticante de artes marciais como pessoa sempre tensa. A tensão surge como exigência de restabelecimento do equilíbrio.

São dois, portanto, os aspectos solicitados ao espírito de luta: determinação e descontração. Nakayama (1996a, p.28) define como princípio de descontração alerta a postura natural (shizen-tai) em que “o corpo está relaxado, mas em estado de alerta, pronto para enfrentar qualquer situação”.

Esse princípio parece ser uma definição que, num paralelo ao trabalho muscular do karateka, pede que “ao dar o soco comece com a posição correta e mantenha toda a força desnecessária afastada da mão ou do braço” (Nakayama, 1996b, p.110). Os praticantes de karate experimentam que a rigidez muscular prévia ao soco atrasa seu disparo e o torna mais lento, sendo, portanto, preferível um quase completo relaxamento da musculatura do braço ou da perna antes de golpear. Para o espírito de luta, o funcionamento é semelhante. Deve-se estar alerta, ter atenção verdadeira, mas uma qualidade de atenção desprendida à qual Musashi, citado por Nakayama, se refere: “cuide para que a mente não se fixe num único ponto, mas vagueie tranqüilamente sobre todas as coisas” (Nakayama, 1998a, pp.22-23). É algo semelhante a um relaxamento atento, que permite à mente agir de imediato sobre o que lhe seja solicitado: “Muitas vezes eu digo aos estudantes que há postura e não há postura. O que eu quero dizer é que há uma postura mental, mas não há postura física” (Hassel, 1983, pp.22-23).

O termo zanshin é quase sempre traduzido nas academias brasileiras de karate pela expressão espírito de luta, tradução que, embora não seja incorreta, não evidencia, o significado mais sutil de seu conteúdo. Se não há nenhuma referência à postura concebida pela filosofia heijo shin koro michi, a expressão espírito de luta está aberta a diversas compreensões, que podem ir de ferocidade à incitação pelo gosto de bater, dependendo do hábito corrente numa academia, ou mesmo do imaginário pessoal a respeito da atitude ideal para o combate. De toda forma, pode-se avaliar que a imitação foi a principal referência ao longo da história do karate no Brasil e teve a capacidade de manter o espírito de luta associado à resolução, determinação e tranqüilidade, ou serenidade, para o combate (18). Zanshin, no entanto, vai além desses significados e, com suas raízes nos clássicos de Musashi, Takuan e Munemori no séc. XVI, tem uma conotação que refina essas características do estado psicológico. Trata-se de um

estado de espírito calmo, vigilante, mas não tendendo a uma intenção precisa enquanto esta intenção não tenha sido decidida e, a cada vez que nenhuma ação está ocorrendo, então, tanto antes como imediatamente após o combate. Zanshin é a manifestação de um estado mental livre, neutro, que não está fixo sobre nada, então, capaz de reagir instantaneamente à primeira solicitação, em face de toda eventualidade. Este estado de calma aparente é, no entanto, vigilante (atenção ativa), não um estado de inatividade mental. (Harbersetzer e Harbersetzer, 2000, p.793)

A chave para o zanshin é a confiança na capacidade de agir instantânea, determinada e eficazmente. Para adquirir tal confiança, que pode ser interpretada como o que subjaz ao próprio kime, é necessário o treinamento através de muita repetição e concentração. Pode-se ler o zanshin como a contra-face da mesma peça em que está talhado o conceito de kime. Para a determinação e definição, antes é preciso o desprendimento e a contemplação; para a contração, antes é preciso a descontração. Sendo a categoria complementar do kime e tomando parte na essência do karate, o zanshin possibilita a eficácia do kime, e vice-versa. Nesse equilíbrio dinâmico encontra-se, não apenas o princípio do karate-do, mas também o princípio da vida como um todo. Esse princípio, no mundo sino-aculturado, assume a mescla dos paradoxos como a via ternária pela qual a vida flui (Cheng, 1997).

É verdade que o karate do século XX centrou sua prática no conceito de kime e na aquisição de potência, muitas vezes levando os karatekas a assumirem uma postura rígida e militarizada. Nakayama, mesmo tendo sido um dos mais importantes expoentes desse karate competitivo, faz afirmações na contramão dessa tendência: No mais alto grau de desenvolvimento, penso, o karateka deverá ter uma não postura para tudo – não postura para a mente, e não postura para o corpo (Hassel, 1983, pp.22-23).

Sinopse conclusiva

A expressão corporal da aplicação dirigida da vontade é o kime, com a explosividade da técnica e com a intenção determinada. Assume-se a existência do ikken hissatsu (matar com um golpe) que, conforme Nakayama, é exigido pelo fato de que muitas coisas devem ser feitas corretamente na primeira vez, ou a pessoa morre (Hassel, 1983, p.10). Em contrapartida, a expressão corporal da contenção é o sun-dome (interrupção da técnica imediatamente antes de estabelecer contato com o alvo), exigência imposta pelo perigo do impacto dos golpes. Para Nakayama, o controle se dá, portanto, através do kime e do sun-dome, o primeiro ao promover a aplicação máxima da vontade de maneira dirigida, o segundo ao promover a contenção da mesma: ambos devem equilibrar-se, dentro dos limites impostos pela regra, pelo que é justo.

O retorno à representação da gênese do karate, representação da luta real, da violência e da possibilidade de morte, é tido como essencial para que verdadeiramente se promova o controle como modo de vida, uma vez que hikken hissatsu e kime deveriam deixar de ser opções para se tornarem imperiosos. Isso não significa armar uma predisposição ao combate e sim uma predisposição a evitá-lo, a antecipar-se ao perigo. Isso faria com que o karate sirva para que haja uma aplicação de si próprio no sentido de, ao interromper a luta e sua germinação, promover a paz e a harmonia de acordo com princípios de justiça, modulados intersubjetivamente, isto é, de modo coletivo. A prática seria uma busca de uma espécie de sabedoria sobre como nortear-se por estes princípios em qualquer instância, da mais primitiva à mais civilizada.

A assimilação do controle, que permite agir no espectro delimitado pela regra, dá-se até um momento de transcendência do próprio controle, isto é, de esquecimento do auto-domínio, que tornar-se-ia natural e espontâneo. Isso ocorreria, tanto no âmbito corporal quanto do pensamento moral que, a rigor, pela concepção zen budista ou confuciana, são inseparáveis.

A condição de possibilidade do kime é um gênero de abertura que pode se restringir ao aspecto técnico, mas também abranger um alargamento da espiritualidade. Se o kime é o conceito para uma ação que define uma confluência de energia, força, impetuosidade. Preferencial e idealmente define a integração espiritual do corpo numa ação não planejada, não pensada. Já o espírito de luta, que antecede e sucede o kime, possibilita sua plena realização. Zanshin – uma espera sem expectativa, uma prontidão não pré-parada, sinteticamente, o espírito de luta ideal – corresponde ao esvaziamento que dá acesso ao bem, à essência positiva da natureza que, no caso do karate, se realiza como kime, exigência para se salvar.

É fazendo o caminho, tao, em chinês, do, em japonês, sujeitando-se às suas penosas exigências e empenhando-se em cumpri-las, que as técnicas de combate sem arma podem levar ao esvaziamento, associado a imagens tais como, figura sem figura, forma sem forma, matéria vazia.  O esvaziamento é a ascensão maior na mais profunda das conotações possíveis para a palavra karate-do. Ao se realizar uma tentativa de compreensão interna daquelas suas idéias psicológicas ou, simplesmente, daquela sua inerente dinâmica psíquica, não se pode prescindir de uma ancoragem nesta conotação de karate-do. Sem ela, o magnetismo das leituras superficiais e moralistas – tão freqüentes na expressividade apressada de não raros karatekas – intensifica sua força de atração interpretativa, impedindo o esclarecimento do olhar. Uma vez que uma suposição do presente objeto é de que o treinamento leve, como conseqüência natural, a uma moral, é grande o risco de um escorregamento a uma tendência moralista associada, sobretudo, em decorrência reais influências militares e nacionalistas exercidas sobre as artes marciais japonesas. Para que no karate sobressaia o âmbito da moralidade, e não do moralismo, é necessário trazer como auxílio de fundo o pensamento sino-aculturado.

Há, contudo, uma base vivida de experiências que perpetua alguns princípios condensados e inscritos em saberes conceituais mais ou menos abertos a horizontes que se podem chamar por existenciais. É assim, por exemplo, com o primeiro objetivo da gênese do karate – objetivo este implícito no pensamento de Nakayama. Sua gênese é a absoluta necessidade de vitória em um combate no qual a derrota é idêntica à morte. Dessa situação axial, não limitada aos combates entre pessoas, mas extensiva às diversas formas de combate pela vida, desenvolvem-se as conseqüentes atitudes, tais como a perseverança e a determinação. Uma aproximação da forma peculiar assumida por essas atitudes na tradição do karate implica na exploração compreensiva daqueles conceitos inseparáveis de sua dimensão corporal, de seus movimentos e técnicas, pois esse é o modo pelo qual a tradição se realiza, atualiza e perpetua. Conquanto seja pertinente verificar posturas utilitárias em torno destes saberes, presentes num karate desacompanhado de do (caminho), a ênfase própria ao karate-do abre-se a perspectivas espirituais. De uma maneira ou de outra, utilitária ou atenta à espiritualidade, no treinamento orientado por estes nortes conceituais – retomados nos parágrafos preliminares – a demanda prática é a de catalisar e dirigir a vontade e, também, contê-la de maneira a delimitar a ação naquilo que é depreendido justo pela razão e pela moral.

Referências bibliográficas

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Barreira, C.R.A. e Massimi, M. (2003). As idéias psicopedagógicas e a espiritualidade no karate-do segundo a obra de Gichin Funakoshi. Psicologia Reflexão e Crítica, 2(16), 379-388.

Cheng, A. (1997). Histoire de la pensée chinoise. Paris : Ed. du Seuil.

Elias, N. e Dunning, E. (1994). Sport et civilisation: la violence maîtrise. (J. Chicheportiche e F. Duvigneau, Trad.). Paris: Fayard. (Original publicado em 1986).

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Nakayama, M. (1996c). O melhor do karate: Vol. 5: heian, tekki. (C. Fischer, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1979).

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Tokitsu, K. (1997). Histoire du karate-do. Paris: Ed. SEM.

Notas

(1) Takushoku pode ser traduzido por colonização, o que é sinal da mentalidade política que reinava naquele período. A Universidade em questão tem sua tendência nacionalista de extrema-direita, segundo Tokitsu (1997), bem conhecida no Japão. Apesar deste dado, nada irrelevante, o objeto a que se destina este artigo, tão bem quanto o conjunto documental a que se tem acesso, não favorece maiores considerações a este respeito. [volta]

(2) Tal material segue referido na Bibliografia. Inclui-se no material de autoria de Nakayama a entrevista concedida a Randall Hassell que, salvo menção direta ao entrevistador, deverá ter a referência bibliográfica Hassel (1983) lida como sendo conteúdo de autoria de Nakayama. [volta]

(3) Conforme Nakayama relata. Em Hassel, R.G. (1983). Conversations with the master: Masatoshi Nakayama. St. Louis: Palmerston & Reed Publishing Company. [volta]

(4) Kumi corresponde a encontro ou agarre e Te a mãos. Leia-se encontro técnico ou encontro de combate (Habersetzer e Habersetzer, 2000). Normalmente entendido estritamente como luta. [volta]

(5) Os quatro tipos são: gohon-kumite (5 passos, frente a frente), kihon-ippon-kumite (1 passo, frente a frente), jyu-ippon-kumite (um único golpe anunciado e aplicado com liberdade de movimentação, frente a frente) e jyu-kumite (a luta com total liberdade de ação). [volta]

(6) O conceito de kime é desenvolvido logo abaixo em Kime: o espírito impelido. [volta]

(7) A este propósito veja-se Barreira, C.R.A. e Massimi, M., 2002: A Moralidade e a Atitude Mental no karate-do no Pensamento de Gichin Funakoshi. [volta]

(8) Neste trabalho, veja-se precisamente “Zanshin: O Espírito de Luta”. [volta]

(9) Pode-se mesmo supor a influência ocidental nesse discurso e pensamento, já que Nakayama apregoa a cientificidade do karate: “transformação do karate miraculoso e misterioso numa arte marcial moderna e científica.” (Nakayama, 1996a, p. 131). [volta]

(10) “...Karate-do serve para desenvolver o indivíduo como um todo, é este indivíduo que deve responder por qualquer situação que surja.” (Hassel, 1983, p.35). [volta]

(11) Deve-se considerar aqui a concepção confuciana de ordem do Céu e da Terra que orienta o homem no modo natural de se comportar. [volta]

(12) Vale-se do seguinte exemplo que pode ser lido de forma estrita ou ilustrativa no que se refere aos limites ou fronteiras naturais: “Quando centro de gravidade é mudado para a extremidade da área de base, o equilíbrio diminui. Se o centro de gravidade ultrapassa a área de base, a harmonia do corpo é rompida e se perde o equilíbrio. (...) Entretanto, não é incomum que o centro de gravidade ultrapasse a área do único pé de apoio. Quando isso acontece em pequena proporção, os órgãos sensoriais, os nervos e os músculos agem automaticamente para trazer o corpo de volta e o equilíbrio pode ser mantido, embora apenas com uma margem muito estreita de eficiência.” (Nakayama, 1996b, p.96). Equilíbrio, harmonia e também eficiência, nessa compreensão, dependem da natureza e do conhecimento da extensão física em que se pode atuar o corpo. [volta]

(13) “Técnica de combate” ou “Técnica do guerreiro”, de Bu = marcial e Jutsu = técnica. [volta]

(14) Visto em Raízes histórico-culturais da exigência de kime. [volta]

(15) O que não corresponde a um naturalismo biológico, mas a uma compreensão cosmológica de natureza. [volta]

(16) Luta de um único golpe, anunciado e aplicado com liberdade de movimentação. [volta]

(17) A este propósito recomenda-se Graf Dürckheim, K. (1974). Hara: centre vital de l’homme.(C. Vic, Trad.). Paris: Le courrier du livre. (Original publicado em 1967). [volta]

(18) Pode-se supor com segurança que a compreensão limitada de zanshin junto às peculiaridades culturais dos praticantes instou a produção de um espírito de luta à brasileira no karate, algo ainda não pesquisado que poderia revelar os modos de apreensão, assimilação e transformação da arte no universo cultural brasileiro. [volta]

Nota sobre os autores

Cristiano Roque Antunes Barreira é professor junto à Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, Brasil. Contatos: crisroba@usp.br

Marina Massimi é Livre Docente e trabalha junto ao Departamento de Psicologia e Educação na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. Especialista na área de História das Idéias Psicológicas na Cultura Luso-Brasileira. Contatos: Avenida Bandeirantes, 3900 – CEP 14040-901 - Ribeirão Preto (SP) / Brasil. E-mail: mmarina@ffclrp.usp.br

 

Data de recebimento: 12/02/2006
Data de aceite: 28/10/2006

 
Memorandum 11, out/2006
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
ISSN 1676-1669
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a11/barreiramassimi03.htm

 

 

 

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