Apreensão dos sentidos das idéias psicológicas
Embora as produções relacionadas às artes marciais
orientais sejam muito vastas, o papel central da figura e da obra de
Masatoshi Nakayama na difusão mundial de um estilo específico de karate,
justamente aquele que acabou se tornando o mais praticado no mundo, impõe
que se identifiquem os elementos essenciais a partir dos quais a prática e
seus sentidos desenvolveram-se centrifugamente. Previamente elencados por
Gichin Funakoshi, os sentidos do karate shotokan encontram um
momento distinto na história de suas idéias psicológicas a partir da
aproximação feita por Nakayama da experiência com textos antigos da
tradição japonesa. Este momento foi próximo à chegada do karate no
Ocidente.
Esta investigação objetiva identificar e apreender, em seu
conjunto, os sentidos das idéias psicológicas vinculadas ao karate
desenvolvidas no intervalo compreendido entre suas origens okinawenses,
próprias dos escritos de Funakoshi, e sua difusão pelo Brasil. Este
momento é especialmente representado pelos trabalhos de Masatoshi Nakayama.
De modo prognóstico,
pesquisas referentes a uma história das idéias psicológicas do karate
devem propiciar condições teórico-conceituais, sustentadas historicamente,
que permitam a aproximação fenomenológica junto àquelas vivências
inerentes à sua prática e à sua proposta de formação do caráter. Assume-se
que a dinâmica de formação do caráter ocorra, não somente com fundamento
nos textos que constituem a tradição, mas também na experiência
contemporânea de seus praticantes.
Metodologia
A história da psicologia e das idéias psicológicas atende
às demandas pertinentes aos objetos de cada pesquisa específica para optar
pelos rumos metodológicos que melhor lhe convenham. Assim, no caso da
história das idéias psicológicas inerentes ao caminho do karate, as
próprias condições de acesso ao objeto indicam trilhas à opção
metodológica, perfazendo simultaneamente objeto e método.
A obra escrita de Masatoshi Nakayama (1913-1987), bem como
uma entrevista que concedeu poucos anos antes de sua morte (2),
permitem, não apenas identificar e relacionar as idéias psicológicas, mas
também o lugar fundamental que ocupam como descritoras dos principais
objetivos atribuídos ao karate. Sucedendo, derivando e modificando
os saberes tradicionais, expressos na obra de seu mestre Funakoshi, o
discípulo Nakayama, quando já mestre, impôs-se como um dos principais
intermediários da linhagem histórica da arte que germina em Okinawa e se
expande pelo mundo.
Conforme trabalhos
anteriores (Barreira e Massimi, 2002; Barreira e Massimi, 2003), as
pesquisas referentes a essas idéias psicológicas visam apreender os
sentidos globais das mesmas, de acordo com seus próprios escopos e na
perspectiva da visão de mundo que lhes subjaz. Portanto, após identificar
o conteúdo dessas idéias psicológicas, busca-se, naquilo que as precede e
motiva, o auxílio para compreensão de sua finalidade e horizonte. Tal
conteúdo corresponderia ao sentido evocado pelas experiências vivenciais
inerentes ao karate, praticado em longo prazo, compreendidas como
influenciadas pela moral confuciana, pela espiritualidade zen budista e
por textos da tradição guerreira japonesa, o bushido – tradição
esta que é também tocada pelas mensagens de Confúcio e Buda. Relacionam-se
as características técnicas associadas a uma prática e a um saber que, a
rigor, não cindem idéias de ações, mas as conjugam. O intuito é observar,
com maior clareza, as decorrências de certos desenvolvimentos práticos do
karate.
Aspectos técnicos e conceituais
Seria improvável o sucesso da descrição de idéias psicológicas que
subjazem na prática do karate, sem que se considerassem as variadas
formas técnicas assumidas e ali desenvolvidas. Inicialmente serão
enfocados práticas e métodos que constituem o que, provisoriamente, é
denominado o caminho do corpo. Essa nomenclatura é considerada
provisória por prefigurar o deslocamento do corpo em relação ao espírito,
o que, apenas parcialmente encontra respaldo nos textos de Nakayama,
principalmente se considerado o argumento de cientificidade por ele
desenvolvido com intuito de tornar o ensino da arte mais compreensível
pelos ocidentais.
My
experience in teaching students from Western countries after the war has
also provided me with valuable hints, such as the habit of seeking answers
to questions from the fields of physiology and body kinetics.
(Nakayama, 1997, p. 11).
Dessa maneira Nakayama realiza certa
compartimentalização dos conhecimentos do karate, que não havia nas
formas mais antigas da arte. Portanto, sobretudo em Nakayama, uma leitura
disjuntiva entre técnica e espírito é compatível com a apropriação de uma
visão ocidentalizada do karate, bem como de sua metodologia, embora
tal disjunção não encerre toda sua a perspectiva.
O karate antigo era ensinado e
transmitido através de um método principal chamado kata. O kata
é como uma luta que o praticante realiza contra diversos adversários
imaginários. Cada kata tem seu próprio nome e um criador, não
necessariamente conhecido, que nele expressava suas preferências técnicas
para a luta. Os kata modificam-se com o passar do tempo de acordo,
principalmente, com os estilos dos que os praticam. Para o observador
externo, o kata é uma seqüência de vários golpes e defesas em
movimento ritmado, através dos quais se nota uma intensa concentração no
praticante. Todo kata começa com uma defesa representando a idéia
de que no karate não existe o primeiro ataque (karate-do ni
senti nashi), princípio sempre enfatizado por Gichin Funakoshi.
Em termos práticos, o kata
transmitiria quase toda a tradição do karate (salvo o artifício dos
treinos com makiwara). Gichin Funakoshi menciona ter aprendido
karate apenas por meio do kata; entretanto, desenvolveu outros
métodos para facilitar o ensino e o treino de aspectos isolados. A
ocorrência de tal sistematização da prática foi especialmente motivada
pelo grande número de alunos aos quais ele ensinava no Japão, enquanto, no
seu tempo, a aprendizagem era individual, junto ao seu mestre. Nakayama
considera que as novas sistematizações eram motivadas pelo fato de que os
novos praticantes no Japão, em sua maioria, já tinham contato anterior com
outras artes marciais, como o Judô e o Kendo, artes estas que
incluíam combates. Atendendo aos ímpetos desses novos praticantes,
Funakoshi lentamente foi desenvolvendo e introduzindo exercícios para luta
entre parceiros (3).
Três conjuntos de métodos passaram a ser praticados no
karate: kata, kihon (fundamento) e kumite
(trabalho a dois). Segundo Nakayama, Funakoshi “dizia que estas três áreas
são uma só e que não podem ser separadas” (Hassel, 1983, p. 14). Levando
em conta o fato de que a maneira moderna de ensino do karate
pretende que a assimilação técnica seja realizada do mais simples em
direção ao mais complexo – o kihon, seguido pelo kata e
depois pelo kumite, constituem, desde então, a ordem comum de
ensino.
Acerca do kihon, afirma Nakayama: “começamos a
praticar cada técnica isoladamente, caminhando para frente e para trás no
tablado de treino, repetindo as técnicas muitas vezes. Este hoje é o
método fundamental de treinamento” (Hassel, 1983, p. 11). Um único golpe
praticado seqüencialmente permite maior atenção a elementos técnicos
específicos que podem, assim, ser mais facilmente corrigidos. Mas o motivo
de Funakoshi para sistematizá-lo teria sido “desenvolver o sentimento do
ikken hissatsu (matar ou parar o oponente com um único golpe) no
combate”. A importância de ikken hissatsu será abordada mais
adiante.
As formas iniciais de luta (kumite) (4)
foram seqüenciadas em quatro tipos sucessivos (5).
Cada um deles é ensinado gradualmente, visando dirimir a necessidade de
atenção consciente aos princípios mais importantes do karate,
obedecendo ao processo de aprendizagem explorado neste artigo.
O Makiwara é uma peça usada para golpear e “seu
valor não está só no fortalecimento das partes do corpo usadas para atacar
e bloquear, mas também no aprendizado da concentração da força de todo o
corpo no punho na hora do impacto” (Nakayama, 1996a, p.135). É uma prática
antiga que aprimora e treina a definição (6) e,
conseqüentemente, o ikken hissatsu, já que essa é a intenção de um
kime ideal. Daí a consideração de que “a prática com makiwara
é a alma do karate” (idem). Mas, por quê? Seria essa a alma do
karate, a eliminação de um adversário com um golpe?
Para que isso seja compreendido, é preciso deixar o escopo simplificado
das descrições ocidentalizadas de Nakayama e penetrar nas entrelinhas de
seus textos, bem como buscar as informações referentes às influências
sofridas pelo karate. Nesse momento, é importante recordar
afirmações feitas pelo próprio Nakayama de que “o treino nos kata
tanto é espiritual quanto físico” (1996c, p.13) e assim é para todo o
karate, uma “busca da perfeição do caráter através da expressão
física” (Hassel, 1983, p.17).
Kime:
o espírito impelido
Nos volumes da série
“O Melhor do Karate”, Masatoshi Nakayama chama a atenção para
interpretações inapropriadas do que é o karate. No texto trata da
importância de aspectos que são abordados no presente estudo, quais sejam
os espirituais, neles enquadrando-se a necessária atitude
apropriada, a cortesia e etiqueta, a luta em nome da justiça,
o “cultivo de um espírito sublime, de um espírito de humildade”.
É
lamentável que o karate seja praticado apenas como uma técnica de
luta. As técnicas foram desenvolvidas e aperfeiçoadas através de longos
anos de estudo e de prática; mas, para se fazer um uso eficaz dessas
técnicas, é preciso reconhecer o aspecto espiritual dessa arte de defesa
pessoal e dar-lhe a devida importância. É gratificante para mim constatar
que existem aqueles que entendem isso, que sabem que o karate-do é
uma genuína arte marcial do Oriente, e que treinam com a atitude
apropriada.
Ser capaz de infligir danos devastadores no adversário com um soco ou com
um único chute tem sido, de fato, o objetivo dessa antiga arte marcial de
origem okinawana. Mas, mesmo os praticantes de antigamente colocavam maior
ênfase no aspecto espiritual da arte do que nas técnicas. Treinar
significa treinar o corpo e o espírito e, acima de tudo, a pessoa deve
tratar o adversário com cortesia e a devida etiqueta. Não basta lutar com
toda a força pessoal; o verdadeiro objetivo do karate-do é lutar em
nome da justiça.
Gichin Funakoshi, um grande mestre de karate-do, observou repetidas
vezes que o propósito máximo da prática dessa arte é o cultivo de um
espírito sublime, de um espírito de humildade. E, ao mesmo tempo,
desenvolver uma força capaz de destruir um animal selvagem enfurecido com
um único golpe. Só é possível tornar-se um verdadeiro adepto do
karate-do quando se atinge a perfeição nesses dois aspectos: o
espiritual e o físico. (Nakayama, 1996a, p. 09).
Nakayama considera que a eficácia das técnicas depende de
uma atitude apropriada. Em meio a textos que têm, mormente, um caráter
técnico, ocasionalmente surgem referências à atitude necessária à
aplicação das técnicas quando o autor as descreve. Se Nakayama aponta o
objetivo do karate-do como o de possibilitar uma potente capacidade
física (infligir danos devastadores no adversário), alerta também
que a ênfase seja no aspecto espiritual, o que serviria não só como
catalisador do poder físico, mas, principalmente, como contentor do uso
desse poder. Nesse sentido, ter vasto poder implica em utilizá-lo em
nome da justiça, ladeado pela cortesia e etiqueta. Numa remissão a
Funakoshi, este manifestou seu pensamento de que a moralidade vem de
encontro com a finalidade, fundamentada no pensamento confuciano, de
estabelecimento da paz e da harmonia (7).
Ressalte-se que Funakoshi foi o grande responsável pela difusão de uma
série de cinco kata básicos denominados Heian, que se traduz
por paz e harmonia. O pensamento de Funakoshi permeia, ao menos
parcialmente, a mensagem de Nakayama, reafirmando o karate como uma
busca de perfeição espiritual e física, fortalecendo uma concepção em que
se conjuga a presença de uma enorme força com humildade.
Após a Introdução,
cada volume da série traz uma parte intitulada “O que é o karate-do”,
que se inicia com o recorte transcrito abaixo:
Decidir quem é o vencedor e
quem é o vencido não é o seu objetivo principal. O karate-do é uma
arte marcial para o desenvolvimento do caráter através do treinamento,
para que o karateka possa superar quaisquer obstáculos, palpáveis
ou não. (Nakayama, 1996a, p.11).
O autor define,
pois, como um dos principais objetivos do karate, não o que está
restrito à possibilidade de uma luta real e concreta entre dois homens e
sim a potencialização de algo que pode ser considerado como similar ao
âmbito do psíquico. Nesse sentido, ter-se-ia a prática com a atenção e
pensamento voltados a um objetivo concreto, que é o de postar-se e
habilitar-se à luta, potencializando uma força que, sem mediação, se
estende à disposição, à mente, ao não palpável, ao simbólico. É o próprio
pensamento do autor, portanto, que autoriza a extensão de suas
considerações como irrestritas ao uso técnico e ampliáveis ao universo das
idéias psicológicas e morais. Tal ampliação é adicionalmente respaldada
nas palavras de orientação ao treinamento escritas por Funakoshi e
oriundas da tradição que o precede:
... pense
na vida de cada dia como um treinamento em karate. Não limite
apenas ao dojô, nem o considere apenas como um método de luta. O
espírito da prática do karate e os elementos do treinamento se
aplicam a todos e a cada um dos aspectos da nossa vida diária. (Funakoshi,
1998, p.51)
Volta-se ao texto de Nakayama, assumindo-se agora que da boa condição
psíquica dependa a correta aplicação da técnica, condição que corresponde
à meta a ser assimilada para proporcionar a formação do caráter e como
recurso à vida de maneira geral: “As técnicas do karate-do são bem
controladas de acordo com a força de vontade do karateka e são
dirigidas para o alvo de maneira precisa e espontânea” (Nakayama, 1996a,
p.11).
Portanto, o treinamento proporciona ao karateka a
aplicação de sua força de vontade, isto é, a realização daquilo que
decididamente quer, de maneira objetiva e natural. Nota-se, claramente,
que o karate de Nakayama explicita uma intenção de orientar um
padrão desejável de atitude pessoal (8), não
como uma imposição, mas como uma constatação imperativa diante das
condições forjadas no treinamento.
A força de vontade é o primeiro motor, primeira energia que deve
ser preparada, treinada para dirigir-se aos objetivos com um formato
determinado. Observe-se como Nakayama define este formato:
A
essência das técnicas do karate-do é o kime. O propósito do
kime é um ataque explosivo ao alvo usando a técnica apropriada e o
máximo de força no menor tempo possível. (Antigamente, havia a expressão
ikken hissatsu, que significa “matar com um golpe”, mas concluir
disso que matar seja o objetivo dessa técnica é tão perigoso quanto
incorreto. É preciso lembrar que o karateka de antigamente podia
praticar o kime diariamente e com uma seriedade mortal usando o
makiwara). (Nakayama, 1996a, p.11)
Essa idéia – alusiva
a toda a tradição de que é herdeiro e que tem na obra escrita de Funakoshi
a maior representação – é o princípio de todo o pensamento a respeito do
karate na visão de Nakayama, devendo fazer-se sempre presente, pois
define o próprio karate: “Uma técnica sem kime jamais pode
ser considerada um verdadeiro karate, por maior que seja a
semelhança” (1996a, p.11). Como será destacado, várias descrições de
Nakayama são derivações do conceito de kime, mais sugestivas do que
concerne ao estado de determinação da atitude mental necessária ao
uso do karate, de suas técnicas e do próprio kime.
Sun-dome:
o perigo e a regra
Entretanto, da
potência do kime derivam-se riscos relacionados à sua aplicação:
A disputa
não é nenhuma exceção, embora seja contrário às regras estabelecer contato
por causa do perigo envolvido.
Sun-dome
significa interromper a técnica imediatamente antes de se estabelecer
contato com o alvo (um sun equivale a cerca de três centímetros).
Mas excluir o kime de uma técnica não é o verdadeiro karate,
de modo que o problema é como reconciliar a contradição entre kime
e sun-dome. A resposta é a seguinte: determine o alvo levemente
adiante do ponto vital do adversário. Ele então pode ser atingido de uma
maneira controlada com o máximo de força, sem que haja contato.
O treino
transforma as várias partes do corpo em armas a serem usadas de modo livre
e eficaz. A qualidade necessária para se conseguir isso é o autocontrole.
Para tornar-se um vencedor, a pessoa antes precisa vencer a si mesma. (Nakayama,
1996a, p.11)
Com o sun-dome, Nakayama agrega à determinação de
realização da vontade (associada ao kime) a necessidade de
controle, de contensão, de outro tipo de auto-controle que exige que o
praticante se volte sobre si mesmo e considere o perigo. Conforme o
texto inicialmente transcrito, é o perigo que exige a existência da regra.
A regra delimitaria as fronteiras obedecidas pelo controle e, quando
assimilada e esquecida, acarretaria a naturalidade e a espontaneidade do
controle. Pois então, se o karate para Nakayama proporciona o
método de realizar a vontade, exige também que a mesma seja contida,
controlada, submetida aos limites delineados pela realidade do perigo.
Considera-se que todas as coisas começam e acabam na
mente (Hassel, 1983, p.31) e que esta deva estar em harmonia com o
corpo, para que haja o auto-controle. Ainda que em nenhum momento Nakayama
faça alusão explícita ao que são exatamente o corpo e a mente, o fato de
recorrentemente expressar que o karate não é apenas uma luta mas um
método de formação do caráter faz supor que não se refira ao corpo apenas
como organismo físico, a ser treinado para habilitar-se a responder aos
comandos da mente. Ao corpo estariam associadas também as emoções, que
devem ser controladas, isto é, habilitadas a responder aos comandos da
mente que, por sua vez, precisa seguir alinhada com os princípios da moral
e da razão. Todavia, a própria mente não está dissociada dos aspectos
emocionais a serem controlados, pois Nakayama é claro ao dizer que para
haver a habilidade física exige-se total controle da mente, o que
traz implícito que a mente não é gerenciada por uma razão fria, destacada
do corpo e, por isso, hermética às suas influências. Nesse sentido, ainda
que se constate um discurso que separa mente e corpo, tratando-os de forma
semelhante à cartesiana (9), reconhece-se a
presença, ainda que ambígua, da tradição oriental, que não admite real
disjunção entre mente e corpo (10). Há uma
interdependência entre mente e corpo, que já sugere a condição de unidade
do homem, unidade que tem sua harmonização como ideal na espiritualidade
oriental. De toda forma, essa ambigüidade evidencia o plano de intersecção
Oriente/Ocidente, no qual se configura, nas palavras de Masatoshi Nakayama,
esse karate moderno e científico que é, ao mesmo tempo, uma
genuína arte marcial do Oriente. Nesse plano, os traços do fantasma
cartesiano, com seu dualismo, começam a provocar marcas profundas na
prática e pensamento do karate.
O treinamento baseado apenas na prática esportiva, visando
os pontos que levam à vitória, não é tido como suficiente para que haja
real controle de técnicas, nem autocontrole e tampouco para que sejam
realizados os objetivos do karate-do. O treinamento que
proporcionaria controle seria aquele em que há o ikken hissatsu
(matar com um golpe), isto é, em que existe a intenção mais
próxima da realidade do combate, da disputa entre vida ou morte e não uma
intenção de entreter-se na busca por pontos. É necessária a proximidade
com a representação da máxima violência potencial, aquela que se aproxima
da morte, para obter-se controle e se fazer do karate um caminho de
vida. Isso porque os limites que o controle visa assimilar são limites de
risco absoluto, do paroxismo do perigo, ou seja, é a potencialidade do
extremo – como a morte através de um golpe no karate – que mostra a
necessidade de limites.
Os limites tomam
dois itinerários inversos, dependendo da tessitura de sua configuração. O
limite posto pelo karate esportivo - em que se colocam praticantes
frente a frente para combater, sob a condição de se respeitar a
integridade física do adversário – está no perigo de golpear sem contenção
do impacto. Há uma ambigüidade entre vontade de acertar e vontade de
controlar o golpe, isto é, em fazer o movimento ir e em seguida
interrompê-lo. Já no karate não esportivo, idealmente, não há
predisposição alguma à luta, mas apenas prontidão imediata diante da
necessidade, o que corresponde a um evento de vida e morte. O limite é
compelido no perigo contrário, o de ineficiência do golpe, de ineficiência
em conjugar força de vontade e capacidade física. Aqui, o risco de morte é
o risco de que esse golpe não se realize por falta de resistência física,
potência muscular, capacidade técnica ou força de vontade, já que o evento
imaginário do qual se parte no treinamento, evento ligado ao mito fundador
do karate, não deixa dúvida de que ou se golpeia para matar e se é
eficiente, ou a derrota e a morte de si são certas e idênticas. Esses
tratamentos diversos dados ao perigo e ao limite, de acordo com as
condições reais e imaginárias que constituem toda prática de karate,
incorrem em duas concepções de controle diversas, que merecerão um exame
minucioso em outro trabalho.
Raízes
histórico-culturais da exigência de kime
Fazer presente a
intenção imaginária de matar, ou melhor, a disposição de matar ou morrer
lutando, corresponderia a manter representado aquilo que originou as
práticas de combate, como a violência, que assume seu auge na guerra: “Nas
primeiras guerras, o instinto para a vida trazia consigo, naturalmente, o
conceito de matar ou morrer. Isto é, o guerreiro tinha que matar o inimigo
ou ser morto por ele” (Hassel, 1983, p.19). De acordo com Nakayama, esse
elemento constitui o pilar da cultura nipônica que sustenta uma
filosofia chamada heijo-shin-koro-michi:
Isto quer dizer que o guerreiro deveria se esforçar em ser o mesmo na
aparência, não obstante o que ele estivesse fazendo ou o que estivesse
vestindo. Quer ele esteja simplesmente indo para o seu dia a dia ou indo
para a guerra encarando a morte, ele deve ser o mesmo e agir igual –
confiante, calmo e preparado para agir, e completamente alerta
internamente. (Hassel, 1983, p.19)
Nakayama acresce que o zen, o confucionismo e o xintoísmo
foram estudados pelos guerreiros que passaram a utilizá-los (como até o
hoje o são) para entender esta filosofia que, para ele, é a
espinha dorsal da tradição nipônica. Retoma-se aquilo que se expressa
nas práticas do kime e do ikken hissatsu, que é o “conceito
de que não há segunda chance. Muitas coisas devem ser feitas corretamente
na primeira vez, ou a pessoa morre” (Hassel, 1983, p.10).
Os elementos reunidos até aqui constituem os alicerces do
início da compreensão dos objetivos do karate, segundo a concepção
de Nakayama. Note-se que se associam, invariavelmente, à questão do
controle, controle para dirigir a intenção e força no cumprimento de um
determinado objetivo, controle para conter, dentro daquilo que se delimite
como justo, a força muscular ou as intenções morais. Para que se
desenvolva o verdadeiro saber a respeito daquilo que se delimita como
justo, não bastam nem a norma e nem a razão, é preciso a vivência, o
contato com a natureza; daí a necessidade de proximidade com o risco e com
a violência. Essa experiência criaria certezas morais, oferecidas
diretamente pela natureza (11). Assim, o
perigo impõe a necessidade de regras, as quais delimitam as fronteiras da
ação. As fronteiras são reconhecidas como naturais e somente o contato com
elas possibilitaria a assimilação das regras e o conseqüente auto-controle
(12).
O controle é
adquirido e expresso fisicamente, através dos conceitos de kime e
sun-dome. O kime proporciona controle ao promover a
aplicação máxima da vontade, de maneira dirigida, com total concentração
no objetivo essencial. O sun-dome proporciona controle ao promover
a contenção, de acordo com a regra decorrente do perigo. Ambos devem
atuar, equilibrando realização e contenção da vontade, dentro dos limites
estabelecidos pela regra, pelo que é justo.
Três níveis de
aplicação de si
O karateka é orientado a
aplicar-se a si próprio para que, ao interromper a luta, promova a paz e
harmonia, de acordo com princípios de justiça, garantidos pela experiência
e pela razão. A aplicação de si próprio se dá na relação entre corpo e
espírito, dentro de uma concepção de desenvolvimento humano que se estende
da habilidade de reação à habilidade de antecipação. Nessa extensão não há
verdadeiro privilégio do espírito ou do corpo, pois as reações física e
técnica não determinam solução de continuidade entre atenção e
sensibilidade. Nas descrições de Nakayama, é possível localizar três
níveis para a aplicação de si próprio que estão ao longo da extensão entre
reação e antecipação. Essa aplicação dar-se-ia, em princípio,
tecnicamente: “Com um bloqueio apenas, braços e pernas transformados em
aço pelo treino diário podem causar um tremendo impacto no adversário e
abalar sua vontade de lutar”. (Nakayama, 1998b, p.120)
Se abalar a vontade de lutar pode se
dar em um nível técnico, há também a possibilidade de dominá-lo em outro
aspecto, pormenorizado em Zanshin: “O Espírito de Luta:
Dominando o adversário com seu espírito, você pode induzi-lo à ação e
derrotá-lo. Em suma, o espírito é o ponto principal na vitória” (Nakayama,
1998a, p.44).
Finalmente, tem-se a visão de um momento terciário, um estado de espírito
que – como empenho de si para evitar o combate – se antecipa ainda mais do
que a técnica ou o domínio do espírito do adversário:
... karate ni senti nashi (‘não há primeiro ataque no karate’)
é um desejo para harmonizar as pessoas. No kata Kanku
Daí, este desejo de harmonia está simbolizado em seu primeiro
movimento, como não há em nenhum outro kata e que não demonstra
diretamente nem ataque nem defesa. As mãos estão erguidas e unidas acima
da cabeça, as palmas para fora e o karateka olha para o céu através
do buraco formado pelos seus dedos e o polegar. Este movimento expressa
identificação com a natureza, tranqüilidade de mente e corpo, e desejo de
harmonia. O karateka que entende isso terá um coração modesto, uma
atitude gentil, e um desejo de harmonia. (Hassel, 1983, p.22)
Se para Nakayama
“ser capaz de se proteger sem causar nenhum dano à vida humana é a própria
essência do karate-do" (Nakayama, 1998b, p.120), propõe-se que,
idealmente, essa essência corresponda a busca de um saber para proteger-se
a si, em qualquer momento do processo que se estende do selvagem ao
civilizado, seja através da aplicação técnica ou através da transcendência
espiritual.
Karate seria manter-se passando por e preparando-se para todo e
qualquer nível do processo, selvagem ou civilizado, onde a aplicação de si
preste-se a, ao interromper a luta, obter paz com justiça. A preparação –
interpretada de acordo com a mentalidade ocidental que já se anuncia no
texto de Nakayama – se dá sempre através de um retorno a uma espécie de
violência fundadora, aquela que orienta as fronteiras que servirão de base
para as regras entre os homens, regras que se graduam na configuração da
civilização. Nessa configuração, vários códigos, cujo exame não compete à
presente investigação, definirão regras e significados de conduta. Porém,
o que se destaca como propriamente oriental nesses sentidos sincréticos do
karate é o papel dado à sensibilidade corpórea como protagonista do
processo fluido de um combate que negocia uma conclusão. Na realidade,
quando se trata de abordar as fronteiras entre vida e morte, na situação
imaginária ou factual de um combate de karate, pouca ou nenhuma
regra pré-estabelecida se sustenta. Diferentemente, o combate esportivo de
karate se desenrola dentro de um conjunto de códigos e regras que
se desenvolveram considerando a representação da fronteira vida/morte,
mas, contemporaneamente, afastando cada vez mais uma abordagem realmente
vivencial dessa fronteira. As regras, artifícios racionalizados,
correspondem à proposta levantada por Norbert Elias (Elias e Dunning,
1994), de correlação necessária entre processo civilizatório e minimização
da violência na prática dos jogos e das disputas do Ocidente
moderno que vieram a constituir, respectivamente, os esportes da
maneira atualmente conhecida e a democracia moderna num
sistema jurídico de igualdade de todos perante as normas e a lei.
A capacidade de
proteção e garantia da justiça, a que o ideal de karate deve servir
pelos três níveis de aplicação de si, são intimamente ligados ao
pensamento confuciano, o qual considera que o rompimento da harmonia causa
uma reatividade natural, não necessariamente imediata. O homem é o
responsável pelo rompimento da harmonia e cabe a ele restabelecê-la, antes
que advenham conseqüências desastrosas. No confucionismo clássico, esses
desastres podem se restringir ao âmbito político, como também se estender
a catástrofes naturais, como tempestades e terremotos, de acordo com as
crenças mais antigas do mundo sino-aculturado. Preparar o praticante,
fazendo-o passar por situações em níveis mais e menos regulados – o que
depende, sobretudo, da época e conjuntura sócio-histórica – é a proposta
das artes marciais japonesas. Elas evoluíram historicamente partindo dessa
relação, inicialmente direta, com a violência extrema e se afastando dela
pouco a pouco, sem perder este evento fundador nem de vista, nem tampouco
do imaginário.
Originalmente, quando as técnicas de karate foram primeiramente
desenvolvidas o raciocínio era muito simples: nós estamos frente a frente,
e então ou você me mata ou eu vou te matar. Estas artes nasceram em épocas
de guerra.
Nos tempos modernos, entretanto, nós não estamos face às mesmas situações
como aquelas que primeiro usamos para autodefesa. O desenvolvimento do
Budo em oposição ao Bujutsu recai sobre o princípio do forte
desenvolvimento espiritual e na firmeza do caráter. Este é o real valor do
Budo para a existência humana. (Hassel, 1983, p.33)
Bujutsu
(13)
é uma prática que se mantém numa perspectiva bélica utilitária, enquanto o
Budo é uma prática de vida e desenvolvimento espiritual que se
propõe a, passando pelo escopo bélico, adquirir o saber para evitá-lo ou
sua superá-lo, de modo justo. Há uma insistência constante de Nakayama, e
anteriormente de Funakoshi, de que devam ser colocados profundos
alicerces, para depois se avançar para estágios mais sofisticados.
Karate-do e Budo fazem da guerra, do conflito como estágio mais
primitivo ou selvagem, a base para o aprimoramento do caráter e do
espírito. Dessa base – estabelecida no sentimento de proteção da própria
vida, vivenciado no conflito de vida e morte – pretende-se um constante
desenvolvimento que, pouco a pouco, ilustra-se neste trabalho. Cite-se
como exemplo os próprios conceitos de kime e sun-dome – de
que ora se trata – e que fundamentam concepções vivenciais de moralidade.
A ênfase no que se
refere ao controle, que não é apenas a contenção (sun-dome), mas
anteriormente convergência, a determinação exigida para que se dirija a
força e intenção (kime), é o objetivo que mais se explicita dentre
as idéias de cunho psicológico da obra de Nakayama, idéias herdadas e
modificadas de Funakoshi. Todavia, em alguns momentos, Nakayama parece
sugerir uma finalidade oculta que transcende a busca por controle, seja o
controle por convergência, seja o controle por contenção. Essa
transcendência é um tema a ser desenvolvido em outro artigo, mas sendo um
dos mais altos objetivos do karate, é mencionada a seguir. Randall
Hassel, redigindo a introdução à entrevista concedida por Nakayama, relata
algo que ele teria dito:
O
mais alto grau do karate-do, ele disse, é transcender o corpo e a
mente, um estado no qual a mente e o corpo movem-se suavemente,
independentemente da idade ou da condição física. Ainda que ele fosse
relutante em admitir isto, os seguidores de Nakayama acreditam que ele
tenha alcançado este estado e se movia para além dele. “Ele não era um
homem comum” disse um instrutor. (Hassel, 1983, p.4)
Zanshin:
o espírito de luta
... O espírito é o ponto principal na vitória... (Nakayama,
1998a, p.44).
Por espírito de luta
entende-se uma gama de condições psicológicas que, de certa forma, define
o caráter do praticante de karate. O espírito de luta faz parte do
caminho do karate, pois é condição para trilhá-lo. Ao mesmo tempo,
o espírito de luta faz parte dos objetivos do karate.
Cabe ressaltar que tanto a busca pela vitória,
quanto o próprio espírito de luta, além de se constituírem como valores em
si em uma luta real, são também – e talvez principalmente – valores de
caráter moral que norteiam a atitude cotidiana do karateka. O
karateka faz de sua experiência uma espécie de fonte conceitual, isto
é, faz da luta uma fonte de referência para a vida e para o modo de
encará-la. A experiência da luta assume o lugar de referência concreta
diretamente dada pela natureza de onde surgem conceitos para a
vida. Esses conceitos são claros em ditar o certo e o errado moral
a partir do envolvimento com a natureza, que só pode acontecer com o
empenho corporal.
O que sustenta tais
considerações pode ser resumido pelo que Nakayama chamou de “o denominador
comum” (Hassel, 1983, p.20) da cultura japonesa, a filosofia
heijo-shin-koro-michi (14). Ela se refere
ao modo de se posicionar frente à vida e à morte, originado das
experiências dos samurais durante os períodos de guerras constantes no
Japão feudal. Além disso, o pensamento confuciano reforça a sustentação dessas
idéias no que diz respeito à naturalidade (15)
do que se define como certo e errado. A necessidade de sobrevivência em
uma luta define o modo de ser do guerreiro e sua atitude nas relações
políticas. Antecipa-se que, para o aprofundamento do desenvolvimento
espiritual, ocorrerá uma importante reorientação de perspectiva quanto a
esse olhar que, no entanto, mantém-se vinculado à questão originária da
vida e da morte.
Mas, por esse
momento, basta que se considere que o zanshin constitui uma atitude
para com a vida – o que não exclui a morte –, suas dificuldades, seus
conflitos.
Pode-se afirmar que,
em relação ao espírito de luta, a ênfase de Nakayama recai sobre
aquilo que estaria manifesto no kime. O kime – já definido –
caracterizar-se-ia como uma manifestação física e técnica de um feroz
espírito de luta (Nakayama, 1996a, p.110), de uma atitude de
determinação, de impetuosidade, de intenção decidida. Nakayama insiste na
necessidade de que haja esse espírito. Tome-se como exemplo a descrição do
jiyû ippon kumite (16): Nakayama
afirma que nenhum dos dois praticantes “deve achar que tem uma segunda
chance; o primeiro ataque, ou o bloqueio, é decisivo” (p.124). A
necessidade de determinação é constantemente referendada e permite que a
decisão seja tomada sem que se vacile. Nakayama apresenta os riscos da
dúvida.
Na
iminência de um chute ou de um soco, se você for assaltado pela dúvida ou
se titubear diante do ímpeto do oponente, você vacilará no momento de
desferir o ataque, o corpo se enrijecerá e uma abertura mental ocorrerá. (Nakayama,
1998a, p.19)
Isso é o mesmo que
perder o controle, solidariamente, do corpo (que se enrijecerá) e da mente
(na qual uma abertura ocorrerá). Estar altamente determinado e tomar a
decisão, aplicando-a com todo o ímpeto, é condição para que haja real
controle da situação, tomando como princípio o próprio autocontrole. Dessa
maneira indica-se, como uma das primeiras fases do desenvolvimento da
atitude ideal, que a vontade, o ímpeto, aprendam a ser direcionados
incisivamente, em oposição a uma possível difusão, uma divergência da
intenção e da energia, que impossibilita objetivar a ação. Isto é, o
kime, manifestando a condição de se estar decidido e determinado,
educa um controle no qual:
A
potência máxima é a concentração da força de todas as partes do corpo no
alvo, não apenas a força de braços e pernas.
Igualmente importante é a eliminação das forças desnecessárias ao se
executar uma técnica, o que resultará na aplicação de uma maior potência
onde ela for necessária. (Nakayama, 1996a, p.50)
Essa forma de controle, que direciona e concentra a
intenção e a força, não é tida como tudo o que é necessário ou suficiente.
Corresponde
apenas a um aspecto que, por outro lado, exige a descontração.
Para a competição do kata “os principais aspectos levados em
consideração no julgamento são a força e o espírito, mas também a
moderação” (Nakayama, 1996a, p.133).
Como critério de
avaliação da maneira de ser apontam-se o equilíbrio, o autodomínio e, não
meramente, uma expressão de raiva concentrada, por exemplo.
O equilíbrio é
educado com a experiência; não é a tentativa consciente e racional que
proporciona o equilíbrio. Tanto a força quanto a moderação têm origem, e podem ser
expressas, em uma localidade do corpo que centraliza a atitude de
espírito: “além de ser uma fonte de potência, os quadris constituem a base
de um espírito estável, de uma forma correta e da manutenção de um bom
equilíbrio” (Nakayama, 1996a, p.52). A estabilidade e a força do espírito
manifestam-se através dos quadris, que têm um vínculo estreito com o
hara, ventre, centro da energia vital do homem e responsável por seu
estado de espírito no entendimento da tradição japonesa (17).
Mas, “se você estiver obcecado por ter boa forma, será impossível manter
uma postura realmente correta” (Nakayama, 1996b, p.56), o que significa
que uma atenção consciente obcecada não resultará na estabilidade do
espírito. A tentativa forçada de manifestar-se estavelmente não faz a
estabilidade, mas antes a impossibilita. O desenvolvimento é mútuo (corpo
e espírito) e gradual, o homem evoluindo como um todo. Se há um
direcionamento da força e da intenção que precisa ser aprendido, há também
um estado de espírito ideal que deve gerenciá-lo, o que significa evitar
que força e intenção sejam obsessões que aprisionem o espírito do
karateka. Esse ideal é o perfeito zanshin.
“O que nós precisamos, acredito, é um equilíbrio em todas as coisas” (Hassel,
1983, p.34).
Esse equilíbrio deve acompanhar aquilo que a situação exige; é, portanto,
dinâmico e não estático.
Numa forma
confuciana de pensar, o homem é responsável pelo equilíbrio e pelo
desequilíbrio de qualquer situação, devendo estar preparado para,
constantemente, retomar o balanço,
de modo que “relaxe sempre a força desnecessária, mas esteja alerta e
pronto para aplicar toda a força do seu corpo e seu espírito de luta no
instante em que for chamado” (Nakayama, 1996b, p.110). Esse princípio
dinâmico rege a maneira acertada de equilibrar. Referindo-se ao verdadeiro
praticante do budo, Funakoshi versava que “seu sorriso pode
conquistar até o coração das crianças, sua ira pode fazer um tigre
encolher-se de medo” (Funakoshi, 1998, p.50). Esse modelo contrapõe-se ao
estereótipo do praticante de artes marciais como pessoa sempre tensa. A
tensão surge como exigência de restabelecimento do equilíbrio.
São dois, portanto, os aspectos solicitados ao espírito de
luta: determinação e descontração. Nakayama (1996a, p.28) define como
princípio de descontração alerta a postura natural (shizen-tai)
em que “o corpo está relaxado, mas em estado de alerta, pronto para
enfrentar qualquer situação”.
Esse princípio parece ser uma definição que, num paralelo
ao trabalho muscular do karateka, pede que “ao dar o soco comece
com a posição correta e mantenha toda a força desnecessária afastada da
mão ou do braço” (Nakayama, 1996b, p.110). Os praticantes de karate
experimentam que a rigidez muscular prévia ao soco atrasa seu disparo e o
torna mais lento, sendo, portanto, preferível um quase completo
relaxamento da musculatura do braço ou da perna antes de golpear. Para o
espírito de luta, o funcionamento é semelhante. Deve-se estar alerta, ter
atenção verdadeira, mas uma qualidade de atenção desprendida à qual
Musashi, citado por Nakayama, se refere: “cuide para que a mente não se
fixe num único ponto, mas vagueie tranqüilamente sobre todas as coisas” (Nakayama,
1998a, pp.22-23). É algo semelhante a um relaxamento atento, que permite à
mente agir de imediato sobre o que lhe seja solicitado: “Muitas vezes eu
digo aos estudantes que há postura e não há postura. O que eu quero dizer
é que há uma postura mental, mas não há postura física” (Hassel, 1983,
pp.22-23).
O termo zanshin é quase sempre traduzido nas academias brasileiras
de karate pela expressão espírito de luta, tradução que,
embora não seja incorreta, não evidencia, o significado mais sutil de seu
conteúdo. Se não há nenhuma referência à postura concebida pela filosofia
heijo shin koro michi, a expressão espírito de luta está
aberta a diversas compreensões, que podem ir de ferocidade à incitação
pelo gosto de bater, dependendo do hábito corrente numa academia, ou mesmo
do imaginário pessoal a respeito da atitude ideal para o combate. De toda
forma, pode-se avaliar que a imitação foi a principal referência ao longo
da história do karate no Brasil e teve a capacidade de manter o
espírito de luta associado à resolução, determinação e tranqüilidade, ou
serenidade, para o combate (18). Zanshin,
no entanto, vai além desses significados e, com suas raízes nos clássicos
de Musashi, Takuan e Munemori no séc. XVI, tem uma conotação que refina
essas características do estado psicológico. Trata-se de um
estado de espírito calmo, vigilante, mas não tendendo a uma intenção
precisa enquanto esta intenção não tenha sido decidida e, a cada vez que
nenhuma ação está ocorrendo, então, tanto antes como imediatamente após o
combate. Zanshin é a manifestação de um estado mental livre,
neutro, que não está fixo sobre nada, então, capaz de reagir
instantaneamente à primeira solicitação, em face de toda eventualidade.
Este estado de calma aparente é, no entanto, vigilante (atenção ativa),
não um estado de inatividade mental. (Harbersetzer e Harbersetzer, 2000,
p.793)
A chave para o zanshin é a confiança na capacidade
de agir instantânea, determinada e eficazmente. Para adquirir tal
confiança, que pode ser interpretada como o que subjaz ao próprio kime,
é necessário o treinamento através de muita repetição e concentração.
Pode-se ler o zanshin como a contra-face da mesma peça em que está
talhado o conceito de kime. Para a determinação e definição, antes
é preciso o desprendimento e a contemplação; para a contração, antes é
preciso a descontração.
Sendo a categoria
complementar do kime e tomando parte na essência do karate,
o zanshin possibilita a eficácia do kime, e vice-versa.
Nesse equilíbrio dinâmico encontra-se, não apenas o princípio do
karate-do, mas também o princípio da vida como um todo. Esse
princípio, no mundo sino-aculturado, assume a mescla dos paradoxos como a
via ternária pela qual a vida flui (Cheng, 1997).
É verdade que o
karate do século XX centrou sua prática no conceito de kime e
na aquisição de potência, muitas vezes levando os karatekas a
assumirem uma postura rígida e militarizada. Nakayama, mesmo tendo sido um
dos mais importantes expoentes desse karate competitivo, faz
afirmações na contramão dessa tendência: No mais alto grau de
desenvolvimento, penso, o karateka deverá ter uma não postura para tudo –
não postura para a mente, e não postura para o corpo (Hassel, 1983,
pp.22-23).
Sinopse conclusiva
A expressão corporal da aplicação dirigida da vontade é o
kime, com a explosividade da técnica e com a intenção determinada.
Assume-se a existência do ikken hissatsu (matar com um golpe) que,
conforme Nakayama, é exigido pelo fato de que muitas coisas devem ser
feitas corretamente na primeira vez, ou a pessoa morre (Hassel, 1983,
p.10). Em contrapartida, a expressão corporal da contenção é o sun-dome
(interrupção da técnica imediatamente antes de estabelecer contato com o
alvo), exigência imposta pelo perigo do impacto dos golpes. Para Nakayama,
o controle se dá, portanto, através do kime e do sun-dome, o
primeiro ao promover a aplicação máxima da vontade de maneira dirigida, o
segundo ao promover a contenção da mesma: ambos devem equilibrar-se,
dentro dos limites impostos pela regra, pelo que é justo.
O retorno à representação da gênese do karate,
representação da luta real, da violência e da possibilidade de morte, é
tido como essencial para que verdadeiramente se promova o controle como
modo de vida, uma vez que hikken hissatsu e kime deveriam
deixar de ser opções para se tornarem imperiosos. Isso não significa armar
uma predisposição ao combate e sim uma predisposição a evitá-lo, a
antecipar-se ao perigo. Isso faria com que o karate sirva para que
haja uma aplicação de si próprio no sentido de, ao interromper a luta e
sua germinação, promover a paz e a harmonia de acordo com princípios de
justiça, modulados intersubjetivamente, isto é, de modo coletivo. A
prática seria uma busca de uma espécie de sabedoria sobre como nortear-se
por estes princípios em qualquer instância, da mais primitiva à mais
civilizada.
A assimilação do controle, que permite agir no espectro
delimitado pela regra, dá-se até um momento de transcendência do próprio
controle, isto é, de esquecimento do auto-domínio, que tornar-se-ia
natural e espontâneo. Isso ocorreria, tanto no âmbito corporal quanto do
pensamento moral que, a rigor, pela concepção zen budista ou confuciana,
são inseparáveis.
A condição de possibilidade do kime é um gênero de
abertura que pode se restringir ao aspecto técnico, mas também abranger um
alargamento da espiritualidade. Se o kime é o conceito para uma
ação que define uma confluência de energia, força, impetuosidade.
Preferencial e idealmente define a integração espiritual do corpo numa
ação não planejada, não pensada. Já o espírito de luta, que antecede e
sucede o kime, possibilita sua plena realização. Zanshin
– uma espera sem expectativa, uma prontidão não pré-parada,
sinteticamente, o espírito de luta ideal – corresponde ao esvaziamento que
dá acesso ao bem, à essência positiva da natureza que, no caso do
karate, se realiza como kime, exigência para se salvar.
É fazendo o caminho, tao, em chinês, do, em
japonês, sujeitando-se às suas penosas exigências e empenhando-se em
cumpri-las, que as técnicas de combate sem arma podem levar ao
esvaziamento, associado a imagens tais como, figura sem figura, forma sem
forma, matéria vazia. O esvaziamento é a ascensão maior na mais profunda
das conotações possíveis para a palavra karate-do. Ao se realizar
uma tentativa de compreensão interna daquelas suas idéias psicológicas ou,
simplesmente, daquela sua inerente dinâmica psíquica, não se pode
prescindir de uma ancoragem nesta conotação de karate-do. Sem ela,
o magnetismo das leituras superficiais e moralistas – tão freqüentes na
expressividade apressada de não raros karatekas – intensifica sua
força de atração interpretativa, impedindo o esclarecimento do olhar. Uma
vez que uma suposição do presente objeto é de que o treinamento leve, como
conseqüência natural, a uma moral, é grande o risco de um escorregamento a
uma tendência moralista associada, sobretudo, em decorrência reais
influências militares e nacionalistas exercidas sobre as artes marciais
japonesas. Para que no karate sobressaia o âmbito da moralidade, e
não do moralismo, é necessário trazer como auxílio de fundo o pensamento
sino-aculturado.
Há, contudo, uma
base vivida de experiências que perpetua alguns princípios condensados e
inscritos em saberes conceituais mais ou menos abertos a horizontes
que se podem chamar por existenciais. É assim, por exemplo, com o primeiro
objetivo da gênese do karate – objetivo este implícito no
pensamento de Nakayama. Sua gênese é a absoluta necessidade de vitória em
um combate no qual a derrota é idêntica à morte. Dessa situação axial, não
limitada aos combates entre pessoas, mas extensiva às diversas formas de
combate pela vida, desenvolvem-se as conseqüentes atitudes, tais como a
perseverança e a determinação. Uma aproximação da forma peculiar assumida
por essas atitudes na tradição do karate implica na exploração
compreensiva daqueles conceitos inseparáveis de sua dimensão corporal, de
seus movimentos e técnicas, pois esse é o modo pelo qual a tradição se
realiza, atualiza e perpetua. Conquanto seja pertinente verificar posturas
utilitárias em torno destes saberes, presentes num karate
desacompanhado de do (caminho), a ênfase própria ao karate-do
abre-se a perspectivas espirituais. De uma maneira ou de outra, utilitária
ou atenta à espiritualidade, no treinamento orientado por estes nortes
conceituais – retomados nos parágrafos preliminares – a demanda
prática é a de catalisar e dirigir a vontade e, também, contê-la de
maneira a delimitar a ação naquilo que é depreendido justo pela razão e
pela moral.
Referências
bibliográficas
Barreira, C.R.A. e Massimi, M. (2002). A
moralidade e a atitude mental no karate-do no pensamento de Gichin
Funakoshi. Memorandum, 2, 39-54. Retirado em 31/05/2002 da
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Barreira, C.R.A. e Massimi, M.
(2003). As idéias psicopedagógicas e a espiritualidade no
karate-do segundo a obra de Gichin Funakoshi.
Psicologia
Reflexão e Crítica,
2(16), 379-388.
Cheng, A. (1997). Histoire de la pensée
chinoise. Paris : Ed. du Seuil.
Elias, N. e Dunning, E. (1994).
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civilisation: la violence maîtrise.
(J.
Chicheportiche e F. Duvigneau, Trad.). Paris: Fayard. (Original publicado
em 1986).
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(E. L. Calloni, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em
1988).
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martiaux de l’extreme Orient:
technique, historique,
biographique et culturelle.
Saint-Nabor:
Ed. Amphora.
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Louis: Palmerston & Reed Publishing Company.
Nakayama, M. (1996a). O melhor do karate: Vol. 1.
Visão abrangente,
práticas. (C. Fischer, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado
em 1977).
Nakayama, M. (1996b). O melhor do karate: Vol. 2.
fundamentos. (C. Fischer, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original
publicado em 1978).
Nakayama, M. (1996c). O melhor do karate: Vol. 5: heian, tekki. (C.
Fischer, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1979).
Nakayama, M. (1997). Dynamic Karate. (H. Kauz e J. Teramoto,
Trad.). New York: Kodansha America. (Original publicado em 1966).
Nakayama, M. (1998a). O melhor do karate: Vol. 3: kumite 1.
(D. C. R. Delela e S. N. Ferreira, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix.
(Original publicado em 1978).
Nakayama, M. (1998b). O melhor do karate: Vol. 4: kumite 2.
(D. C. R. Delela e S. N. Ferreira, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix.
(Original publicado em 1979).
Tokitsu,
K. (1997). Histoire du karate-do. Paris: Ed. SEM.
Notas
(1) Takushoku
pode ser traduzido por colonização, o que é sinal da mentalidade
política que reinava naquele período. A Universidade em questão tem sua
tendência nacionalista de extrema-direita, segundo Tokitsu (1997), bem
conhecida no Japão. Apesar deste dado, nada irrelevante, o objeto a que se
destina este artigo, tão bem quanto o conjunto documental a que se tem
acesso, não favorece maiores considerações a este respeito.
[volta]
(2) Tal material segue
referido na Bibliografia. Inclui-se no material de autoria de Nakayama a
entrevista concedida a Randall Hassell que, salvo menção direta ao
entrevistador, deverá ter a referência bibliográfica Hassel (1983) lida
como sendo conteúdo de autoria de Nakayama.
[volta]
(3) Conforme Nakayama relata. Em Hassel,
R.G. (1983).
Conversations with the
master: Masatoshi Nakayama.
St. Louis:
Palmerston & Reed Publishing Company.
[volta]
(4) Kumi
corresponde a encontro ou agarre e Te a mãos.
Leia-se encontro técnico ou encontro de combate (Habersetzer
e Habersetzer, 2000). Normalmente entendido estritamente como luta.
[volta]
(5) Os quatro tipos são:
gohon-kumite (5 passos, frente a frente), kihon-ippon-kumite
(1 passo, frente a frente), jyu-ippon-kumite (um único golpe
anunciado e aplicado com liberdade de movimentação, frente a frente) e
jyu-kumite (a luta com total liberdade de ação).
[volta]
(6) O conceito de
kime é desenvolvido logo abaixo em Kime: o espírito impelido.
[volta]
(7) A este propósito veja-se
Barreira, C.R.A. e
Massimi, M., 2002: A Moralidade e a Atitude Mental no karate-do no
Pensamento de Gichin Funakoshi.
[volta]
(8) Neste trabalho,
veja-se precisamente “Zanshin: O Espírito de Luta”.
[volta]
(9) Pode-se mesmo supor
a influência ocidental nesse discurso e pensamento, já que Nakayama
apregoa a cientificidade do karate: “transformação do karate
miraculoso e misterioso numa arte marcial moderna e científica.” (Nakayama,
1996a, p. 131).
[volta]
(10) “...Karate-do
serve para desenvolver o indivíduo como um todo, é este indivíduo que deve
responder por qualquer situação que surja.” (Hassel, 1983, p.35).
[volta]
(11) Deve-se considerar
aqui a concepção confuciana de ordem do Céu e da Terra que orienta o homem
no modo natural de se comportar.
[volta]
(12) Vale-se do
seguinte exemplo que pode ser lido de forma estrita ou ilustrativa no que
se refere aos limites ou fronteiras naturais: “Quando centro de gravidade
é mudado para a extremidade da área de base, o equilíbrio diminui. Se o
centro de gravidade ultrapassa a área de base, a harmonia do corpo é
rompida e se perde o equilíbrio. (...) Entretanto, não é incomum que o
centro de gravidade ultrapasse a área do único pé de apoio. Quando isso
acontece em pequena proporção, os órgãos sensoriais, os nervos e os
músculos agem automaticamente para trazer o corpo de volta e o equilíbrio
pode ser mantido, embora apenas com uma margem muito estreita de
eficiência.” (Nakayama, 1996b, p.96). Equilíbrio, harmonia e também
eficiência, nessa compreensão, dependem da natureza e do conhecimento da
extensão física em que se pode atuar o corpo.
[volta]
(13) “Técnica de
combate” ou “Técnica do guerreiro”, de Bu = marcial e Jutsu
= técnica. [volta]
(14) Visto em Raízes
histórico-culturais da exigência de kime. [volta]
(15) O que não
corresponde a um naturalismo biológico, mas a uma compreensão cosmológica
de natureza. [volta]
(16) Luta de um único
golpe, anunciado e aplicado com liberdade de movimentação. [volta]
(17) A este propósito recomenda-se Graf
Dürckheim, K. (1974).
Hara: centre vital de l’homme.(C.
Vic, Trad.).
Paris: Le courrier du livre. (Original publicado em 1967).
[volta]
(18) Pode-se supor com
segurança que a compreensão limitada de zanshin junto às
peculiaridades culturais dos praticantes instou a produção de um espírito
de luta à brasileira no karate, algo ainda não pesquisado que
poderia revelar os modos de apreensão, assimilação e transformação da arte
no universo cultural brasileiro. [volta]
Nota
sobre os autores
Cristiano Roque Antunes
Barreira
é professor junto à Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
Universidade de São Paulo, Brasil. Contatos: crisroba@usp.br
Marina Massimi
é Livre Docente e trabalha junto ao Departamento de Psicologia e Educação
na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, Brasil. Especialista na área de História das
Idéias Psicológicas na Cultura Luso-Brasileira. Contatos:
Avenida Bandeirantes, 3900 – CEP 14040-901 - Ribeirão Preto (SP) / Brasil.
E-mail: mmarina@ffclrp.usp.br
Data
de recebimento: 12/02/2006
Data de aceite: 28/10/2006
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Memorandum 11, out/2006
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
-
ISSN 1676-1669
-
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a11/barreiramassimi03.htm