Poliana Pinto Lima

O grupo Coragem sempre propõe discussões apoiadas nas reflexões e contribuições de autoras e autores negros, incentivando  diálogos e reflexões sobre a realidade das pessoas negras no Brasil, através de uma ótica interseccional. 

Entre os dias 28 de outubro e 06 de novembro, o grupo contou com a presença da professora Claudia Bernard, da Goldsmiths, University of London. Ela esteve na UFMG e ajudou a enriquecer a discussão que o Coragem levanta. Claudia Bernard é professora titular vinculada ao curso de Serviço Social, coordenadora de Pesquisa em Pós-Graduação no Departamento de Estudos Sociais, Terapêuticos e Comunitários. Ela também é autora de artigos e livros sobre Interseccionalidade, além de ser referência internacional em sua área de atuação, principalmente quando o assunto é a junção “gênero, raça e classe”. 

Claudia apresentou os seminários sobre interseccionalidade e a Conferência “Voz, Poder e Resistência: abordagens interseccionais”, com ênfase na interseccionalidade. Esse conceito é associado às maneiras como diferentes modos de opressão, como racismo, sexismo, homofobia e etarismo,  operam juntos sobre um indivíduo e resultam em experiências individuais de opressão, mas também evidenciam elementos de poder, controle e privilégio. 

Através de uma autoetnografia, a autora explorou sua jornada acadêmica sob a ótica interseccional, apoiando-se nos conceitos de Voz, Poder e Resistência, elaborando sua autopercepção enquanto uma acadêmica negra e traçando maneiras de se fortalecer nesse ambiente dominantemente branco e resistir às hostilidades desse universo. O cenário acadêmico dominado por pessoas brancas, dificulta que mulheres negras consigam “conciliar e conectar suas experiências, identidades, valores e perspectivas com aqueles que são dominantes na academia”, afirma Claudia. 

No Brasil, a realidade não é muito diferente. Dados recentes do IBGE mostram que pessoas negras são maioria nas universidades públicas do país, ocupando 50,3% das vagas nas instituições. Podemos considerar isso como um avanço que veio depois de muito tempo, mas é importante lembrar  que essa parcela da população ainda é sub representada nas universidades, considerando que a população negra do país corresponde a 55,8%, segundo o IBGE. Os dados também denunciam uma diferença gritante entre a presença de acadêmicos negros e brancos dentro das Universidades do Brasil. Em 2010, apenas 11,5% dos professores universitários eram autodeclarados pretos. 

Ao procurar formas de resistência, Claudia aponta para inteligência emocional, a autoconsciência, agilidade para responder aos obstáculos dentro da academia (como as micro agressões), ser persistentes em suas aspirações e procurar suporte junto à outras pessoas negras, como componentes fundamentais para a representação da força num ambiente de trabalho hostil para pessoas como ela. 

Ela também aprofundou as discussões sobre o conceito de misogynoir. O termo trata da misoginia associada ao racismo e anti-negritude experienciada por mulheres negras. A partir disso, a autora explorou a maneira como o racismo,  associado às questões de gênero, é estabelecido por pessoas não negras mas acaba, mesmo assim, internalizado por pessoas negras que, por fim, também reproduzem essas atitudes prejudiciais. 

Observado os papéis da mulher negra atrevida (que tem sempre uma resposta na ponta da língua, estala os dedos e move o pescoço  de um lado para o outro), da mulher negra raivosa (que está sempre brigando e nervosa, sendo vista como louca), da “Jezabel Hiperssexualidada” (a mulher negra sempre sexualmente disponível) e da mulher negra forte (que carrega todo o peso do mundo nas costas, é independente e consegue suportar todas as adversidades da vida sem precisar de nenhum tipo de suporte emocional), é possível perceber como os estereótipos impactam na vida das mulheres, atravessando suas relações interpessoais. A platéia do seminário chamou atenção para a forma como esses estereótipos podem ser percebidos no Brasil através da “mulher barraqueira” e da “mulata exportação”, por exemplo. 

A autora também mostrou como a perspectiva pode contribuir com pesquisas e com a educação. Um modelo de pedagogia interseccional evidencia recortes, mostrando privilégios e opressões, indica outras formas de opressão além de somente gênero e raça, inclui o privilégio como uma parte do aprendizado e envolve educador e estudantes nas percepções interseccionais. A interseccionalidade como metodologia também foi um ponto abordado por Claudia. Nas pesquisas de cunho social, o viés interseccional ajuda a perceber com clareza  desigualdades e oferece uma nova perspectiva ao pesquisador sobre sua pesquisa.  

Confira o material audiovisual dos eventos.

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