Quando o senhor Prudêncio, morador de 81 anos da zona rural de Coronel Murta, pediu ajuda a um grupo de desconhecidas vindas da UFMG, não imaginava o impacto que faria. Ele temia que o lugar em que morou toda a vida fosse alagado pela barragem de uma usina hidrelétrica. Falava com dificuldade devido a um derrame, que segundo seus parentes era fruto da angústia gerada pelo projeto da usina. “Eu estava com um grupo de dez estudantes, na faixa dos 18 anos. Ele nos recebeu na sala e nos fez um apelo. Dizia ‘Dona Andréa, eu imploro, nos ajude’. Isso nos afetou muito. Disse a ele que não era do governo nem da empresa, que não tinha poder para barrar o empreendimento, que era apenas uma professora e eles eram apenas meus alunos. Ele me confrontou dizendo que nós tínhamos um conhecimento que eles não tinham”, conta a professora Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta).
O encontro com o senhor Prudêncio aconteceu na primeira viagem ao Vale do Jequitinhonha feita por um grupo de alunos de graduação e pela professora Andréa, no ano de 2001. Estavam na região para ver de perto o impacto da construção da Usina Hidrelétrica de Irapé na população do Vale. O temor do morador de Coronel Murta era por outra usina, denominada de Projeto Murta, que devido à mobilização da população não saiu do papel até hoje. Esse foi o primeiro caso pesquisado pelo Gesta, que nos últimos 15 anos atua em caráter interdisciplinar e desenvolve ensino, pesquisa e extensão dedicados a compreensão dos conflitos territoriais. Os pesquisadores vêm de áreas como Antropologia, Sociologia, Geografia, Direito e Ciências Socioambientais. Dentre as atividades estão o fortalecimento de comunidades afetadas por minerodutos e barragens para que possam garantir seus direitos. Nesse tempo acumularam muitos êxitos e histórias. “Aconteceu de atravessarmos o rio Salinas com água no joelho e carregando vídeo cassete e uma televisão na cabeça para chegar a escola de uma comunidade que era o único lugar que tinha luz e mostrar o que era uma audiência pública e como a população poderia participar”, relembra Andréa.
A partir dessas primeiras experiências, novos casos foram observados pelo Grupo. Da catalogação desses conflitos nasceu o Mapa de Conflitos Ambientais de Minas Gerais, feito em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de São João Del Rei e da Unimontes. O projeto elaborou um mapeamento qualitativo dos conflitos ambientais ocorridos entre 2000 e 2010 no estado, a partir da identificação, caracterização e classificação dos casos de violação dos direitos humanos e ao meio ambiente. “O grande desafio era como manter atualizada essa ferramenta. Com as novas tecnologias resolvemos transformá-la em um portal. Então o Mapa passa a ser uma parte de um Observatório, que reúne ainda notícias, teses e livros”, explica a coordenadora. Hoje o Observatório de Conflitos Ambientais de Minas Gerais dispõe todas as informações na internet e pode ser acessado por qualquer pessoa.
O Grupo também estuda conflitos ambientais urbanos. É o caso da Mata do Planalto – um dos últimos resquícios de Mata Atlântica em Belo Horizonte e que está ameaçada por um projeto imobiliário – e do incinerador de lixo hospitalar e industrial no bairro Camargos. Através da mobilização da comunidade o incinerador saiu do bairro, mas esse não foi o fim do problema. “A empresa não conseguiu a renovação da licença de operação. Mas a demanda continua hoje para entender um quadro de muitos adoecimentos na população. Vários casos de câncer podem estar relacionados à exposição ao incinerador e consequente contaminação”, conta Raquel Oliveira, vice-coordenadora do Gesta. Raquel foi uma das alunas que acompanhou Andréa na primeira viagem ao Vale do Jequitinhonha. Hoje é professora do Departamento de Sociologia da Fafich e pesquisa justamente conflitos ambientais como aquele em que o senhor Prudêncio se viu envolvido.
O entrelaçamento entre pesquisa, ensino e extensão marca a atuação do Gesta. Dele surgem alunos interessados em pesquisar conflitos ambientais e pesquisadores interessados em prestar assessoria junto às comunidades afetadas. A ponta desse processo é o exercício da cidadania.