“Estranhando” o Doméstico

Enise de Castro Silva, orientada pela professora coordenadora do Gris, Paula Simões, defendeu a dissertação  “A reconfiguração da experiência de ser doméstica através da página ‘Eu, empregada doméstica’”. A defesa aconteceu na última quarta-feira, dia 26 de junho, na sala 3020 da Fafich. A banca foi composta pelas professoras Lígia Lana (PUC Rio) e Laura Guimarães Corrêa (PPGCOM-UFMG).

A pesquisadora iniciou a apresentação contextualizando seu trabalho de mestrado com números: o Brasil tem a maior proporção de emprego doméstico no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho, sendo 94,5% desta mão de obra composta por mulheres e 62% por pessoas negras, de acordo com dados do IBGE. A página pesquisada na dissertação, “Eu, empregada doméstica”, da militante Joyce Fernandes, obteve 20 mil curtidas já no primeiro dia de publicação. A página recebeu relatos de várias pessoas que vivem ou viveram a situação do trabalho doméstico.

Durante a apresentação, Enise Silva aprofundou alguns conceitos importantes na formulação de seu problema de pesquisa, como trabalho (incluindo a divisão sexual e o fator racial na definição do valor deste) e experiência (especialmente a partir do filósofo John Dewey). Na análise da página, os relatos foram divididos em seis grupos temáticos, dentre eles tanto as experiências de humilhação quanto as de violência vividas pelas domésticas.

Na arguição, a professora Lígia Lana elogiou a densidade do trabalho teórico, apontando como a dissertação foi buscar em outras áreas do conhecimento definições para suprir uma deficiência do campo da Comunicação: “somos uma área de conceito fraco”. Lígia também destacou como o trabalho doméstico escancara o encontro da desigualdade de gênero e raça no Brasil – o que tornou adequado o uso dos conceitos operadores de racismo e gênero. Outros aspectos elogiados foram o corpus de pesquisa bem delimitado e a força dos relatos: “falam de coisas duras, mas falam de forma eloquente”.

Laura Corrêa lembrou que o emprego doméstico é um tema tabu no Brasil, mesmo entre os progressistas: nos acostumamos com esse tipo de trabalho. A professora argumentou que, a despeito de se alegar que ele não gera lucro, patrão e patroa lucram quando desenvolvem outras atividades enquanto o serviço da casa é delegado a outros. No contexto contemporâneo, em que há precarização do trabalho, Laura relatou alguns casos do cotidiano que demonstram como o emprego doméstico é uma exacerbação das relações capitalistas – mas uma exacerbação que não é mal vista, inclusive por se dar no âmbito privado (e não no público). Ter uma empregada doméstica é menos desconfortável do que ter as compras carregadas na rua, por exemplo.

Laura também criticou o autor Jessé de Souza, referenciado na dissertação, que em alguns momentos soa preconceituoso com os pobres; e lembrou como a classe média brasileira muitas vezes se mostra preguiçosa, herança de um passado escravagista mais recente e duradouro que em outros países – como em um caso relatado na página, em que a patroa, com uma jarra em frente a ela, pede para ser servida pela empregada doméstica. Encerrando a banca, a professora Paula destacou como o tema toca o nosso cotidiano, e como é importante pensar sobre ele.

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