Quando iniciamos nossas investigações postulamos que, para compreender a dinâmica de incorporação dessas novas terras, deve-se ter em conta o contexto global de fins do século XVIII. Assim entendemos que a presença humana na Antártida se relaciona com a dinâmica de expansão capitalista. Esta incorporação não se deu por meio de nações buscando demarcações de soberania, mas de empresas em busca de um proveito econômico, simultaneamente e em distintas partes do mundo. A partir desse ponto de vista, a presença humana em terras antárticas estava dirigida por uma lógica específica e formou parte de uma estratégia econômica, podendo ser comparada ao processo de incorporação de outras áreas marginais ao sistema, por exemplo, as ilhas do Índico (Richards 1982) ou o sul da Patagônia e ilhas do Atlântico Sul (Silva 1985; Senatore 1999), de acordo com políticas expansivas vinculadas a motivações econômicas.
Existem escassas referências históricas sobre os protagonistas dessas primeiras ocupações. Desconhece-se a vida cotidiana dessas pessoas que, durante os meses de verão, viveram na Antártida. O marco sócio-histórico de finais do século XVIII e princípios do século XIX é caracterizado pela expansão global do capitalismo e pela consolidação da sociedade moderna, determinando mudanças nas práticas cotidianas dos indivíduos. O estudo dos acampamentos dos caçadores de mamíferos marinhos na Antártica se apresenta como uma linha interessante para expandir o conhecimento acerca da sociedade moderna em espaços marginais e para confrontar seus modelos explicativos (de uso generalizado no campo da arqueologia histórica) com evidências geradas em contextos específicos, afastados dos centros de expansão econômica.
Essas empresas efetuavam uma exploração de recursos pontuais, cuja comercialização oferecia importantes ganhos. A distância e a dificuldade de acesso brindavam possibilidades de pouca concorrência, o que gerava expectativas de alto rendimento econômico. O sistema é movido pelo esforço de se obter “ganâncias”, com base em uma equação de custo e benefício. Assim, esses empreendimentos foram estendendo cada vez mais os limites do conhecido e do explorado. A incorporação da Antártida à dinâmica capitalista consistiu na ampliação do alcance de ação destas empresas. Por sua parte, a exploração dos recursos animais também seguiu esta lógica. O descobrimento de novas colônias de mamíferos marinhos e de novas águas para a caça de cetáceos repercutiu em uma maior abundância de produtos derivados – óleo e couros. Isso provocou uma saturação do mercado e, em conseqüência, a queda dos preços vigentes. Para se manter o rendimento, as empresas deviam então aumentar o volume da exploração. Foi dessa maneira que a caça indiscriminada reduziu drasticamente as populações de mamíferos marinhos nas novas áreas incorporadas. Essa redução das populações de mamíferos marinhos e o alto custo de acesso a latitudes austrais provocaram a retração do alcance de ação das empresas. Deste modo, a própria “lógica” capitalista evitou a extinção destas espécies, já que nesse momento se inverteu a balança entre custos e benefícios. Ao final de poucos anos (c.a. 1820-1825) e em decorrência da super exploração, essa atividade deixou de ser rentável, de modo que as empresas se voltaram para outros territórios.
Em conseqüência, entende-se que a presença humana nas ilhas Subantárticas e na Antártica nos séculos XVIII e XIX é de caráter episódico e responde a flutuações no tempo que se relacionam com as mudanças na rentabilidade desta atividade. A partir de dados históricos isolados, é possível se estabelecer que durante o século XIX se realizaram três grandes ciclos de exploração destes espaços austrais, relacionados principalmente com a exploração de couros de lobos marinhos. Além do ciclo que mencionamos do início do século, existem evidências de outro em meados e outro a fins do mesmo século (ver O’Gorman 1963; Martinic 1987). É possível que estas últimas incursões tenham apresentado uma estratégia diversificada, ampliando o alcance de recursos explorados a óleo de elefantes, ou couro de lobos e focas e diversos produtos dos cetáceos.