Entre o real e o virtual: a edição fotojornalística
                                                      e o impacto causado pelas novas tecnologias
                                                                   Cláudia Oliveira Gastelois

Introdução

As novas tecnologias trouxeram novos ares a fotografia, sugerindo uma nova maneira de ver e in-terpretar o mundo. Sua história, já marcada por diversos momentos de ruptura e reconfigurações, vive hoje uma das suas mais marcantes revoluções, com o advento de novos suportes tecnológicos, capazes de aumentar potencialmente os seus poderes. No fotojornalismo, principal espaço onde a imagem se legitima como documento e prova, ela se abre a outras possibilidades, mostrando novas faces e sugerindo uma diversidade de associações do sujeito.

Em torno desse novo contexto que se apresenta à técnica fotográfica, quais adaptações tem sido propostas pela imprensa para a adequação a essa tendência e em que medida isso altera o estatuto fotográfico-noticioso da mídia diária? Estaria a imagem jornalística condenada a se constituir como um mero processo de edição, abandonando definitivamente a antiga poética da marca deixada pela luz sobre uma superfície sensível?

Para refletir sobre essas questões, este estudo parte da observação de quatro fotografias jornalísticas, publicadas nos jornais Estado de Minas, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e no espanhol El País, nos anos de 2004 e 2005, escolhidas, justamente, por apresentarem vestígios de que seus conteúdos foram alterados digitalmente. Uma análise atenta do tratamento editorial concedido a essas fotos pode nos levar a entender como se comporta o Jornalismo diante desse novo paradigma, certos  de que essas manipulações começam bem antes do click final.

O trabalho será dividido em três partes, onde serão investigados os diversos elementos que compõem as imagens jornalísticas na atualidade. O primeiro momento, de caráter mais teórico, abordará os diversos aspectos que fizeram da fotografia, por um longo período de tempo, um espelho dos fatos, tomando como suporte os estudos feitos na área por Bóris Kossoy (2002), Lúcia Santaella (2001) e outros. Na segunda parte serão investigados o discurso fotográfico e a estreita relação que se estabelece entre o texto e a imagem. Adriano Duarte Rodrigues (1999) e Alberto Manguel (2001) darão o embasamento necessário a esta etapa, em busca de uma convergência entre o discurso visual e o universo das letras.

A terceira parte abordará a maneira como se concebe uma imagem no Jornalismo e como acontecem os processos de edição fotográfica, na mídia. Isaac Antonio camargo (2000) e Arlindo Machado (2005) formarão o corpo teórico, considerando a maneira como o leitor deve se portar diante dessa “nova realidade” que surge, visando am-pliar a compreensão acerca dessa nova maneira de receber os produtos visuais jornalísticos.

1 -  A Pretensa Probabilidade Da Verdade

Como ponto de partida para um mergulho eficiente na interseção entre o universo das letras, aqui representado pelo Jornalismo, e o das imagens, composto neste estudo pela fotografia, podemos recorrer ao livro VII da República (514a -517c), onde Platão narra o Mito da Caverna e sua analogia acerca de nossos próprios hábitos de pensamento. Segundo o filósofo, estamos condicionados a aceitar os objetos concretos que nos cercam como "reais". Ou seja, o mundo "real", que percebemos com todos os nossos sentidos, é um mundo ilusório e confuso, feito de sombras e percepções distorcidas.
Tomando como exemplo a própria fotografia, como um recorte reproduzível daquilo que chamamos de realidade, ela acaba por se tornar, em alguns casos, mais "real" que o próprio episódio retratado - como veremos nos exemplos apresentados a seguir - e passa a ilustrar o cotidiano de maneira a não restar dúvidas quanto a sua credibilidade. Entretanto, Bóris Kossoy (2002) alerta que, por mais que uma fotografia tenha esse aspecto de reflexo preciso de um instante real, em geral, sempre existe, um interesse específico, uma intenção, tanto no registro quanto na interpretação da imagem.
 

A imagem fotográfica não é um simples registro físico-químico ou eletrônico do obje-to fotografado: qualquer que seja o objeto da documentação não se pode esquecer que a fotografia é sempre uma representação a partir do real intermediada pelo fotógrafo que a produz segundo sua forma particular de compreensão daquele real, seu repertó-rio, sua ideologia. (...) Temos portanto uma fantasia que é tornada realidade concreta uma vez que veiculada pela mídia e consumida enquanto produto (Kossoy, 2002: 52).


Com as novas tecnologias digitais, no entanto, múltiplas possibilidades se abrem para que qualquer usuário possa modificar e até criar uma cena. Já não se pode atestar a realidade de um objeto fotografado. Entretanto, Lúcia Santaella & Winfried Nöth (2001) observam que, se por um lado a fotografia perde essa característica de registro dos fatos, por outro ela também ganha, ao apresentar produtos originais e de grande qualidade estética, podendo, mesmo, sugerir uma nova realidade, nunca vista antes. Esse poder revelatório já estaria de tal forma inscrito na natureza da imagem fotográfica, bastando o flagrante da câmara para que as coisas adquiram um caráter singular, diferente, que as coisas têm quando são fotografadas.
 

Do mesmo modo que as fotografias alteram nossa apreensão da realidade, essa apreensão alterada cria novos modos de produzir e interpretar as próprias fotos. (...) Embora tenham, de fato, um certo poder de duplicar o real, essa duplicação é geradora de ambigüidades insolúveis. O fato de funcionarem como réplicas não significa que as fotografias deixam de ser partes, habitantes legítimos da realidade mesma que replicam (Santaella & Nöth, 2001: 127).
Ao contrário de uma simulação da realidade, como ocorria anteriormente, o que se passa hoje, ainda que modestamente, é o afastamento dessa mesma realidade, uma violação entre as barreiras do real e do virtual. Arlindo Machado (2005) acredita que todo esse movimento em torno de uma “nova” imagem que surge, mediada por programas de computador, não é sinal de catástrofe ou motivo de alvoroço, como sugerem os mais apocalípticos. Essa nova situação abre um espaço para se repensar a fotografia e seu futuro - especialmente na mídia -, por trazer à tona seus mitos e pressupostos e, sobretudo, para reestruturar suas metas e estratégias visando a recolocação do seu novo papel no milênio.
A conseqüência mais óbvia e mais alardeada da hegemonia da eletrônica é a perda do valor da fotografia como documento, como evidência, como atestado de uma preexistência da coisa fotografada, ou como árbitro da verdade. A crença mais ou menos generalizada de que a câmara não mente e de que a fotografia é, antes de qualquer outra coisa, o resultado imaculado de um registro dos raios de luz refletidos pelos seres e objetos do mundo, tudo isso está fadado a desaparecer rapidamente. No tempo da manipulação digital das imagens, a fotografia não pode mais atestar a existência de coisa alguma (Machado, 2005: 312).
A fotografia deixa de espelhar apenas pontos luminosos captados de uma cena passada para também projetar, com bastante verossimilhança, o futuro. O resultado é um referente híbrido, oriundo da conjunção entre a técnica e a sensibilidade e que po-de endossar, negar ou mesmo antecipar o real. Por isso mesmo, a imagem eletrônica e a fotografia processada digitalmente já não autorizam um tratamento no nível da mera referencialidade, do registro documental puro e simples.
Como já se constituem uma realidade nas redações de jornais e revistas, os programas de edição da imagem se tornaram algo mais que uma ferramenta eficiente, se transformaram em um importante arcabouço para instaurar uma reflexão sobre essa desconcertante fusão entre o real e o simulado. Nos próximos momentos nos voltaremos a exemplos concretos de fotografias veiculadas na mídia, visando ampliar esses limites, em busca de uma conceituação acerca do universo da fotografia e do Jornalismo e para que melhor possamos compreender como se constitui a imagem fotojornalística, hoje, nas páginas dos jornais.

2 -  O Discurso Da Imagem

Mesmo com a evolução histórica, a fotografia jornalística continuou, perante o senso comum, a passar pelo espelho do real como este se apresenta perante as câmaras, “o que a foto registra, aconteceu, e o fotógrafo esteve lá para testemunhar” (Sousa, 2000: 222). Hoje em dia, como observa Jorge Pedro Sousa (2000), a fotografia é considerada, antes de mais nada, uma lin-guagem, mesmo se levando em conta a multiplicidade de pontos de vista a que ela dá margem. Ao se juntar ao texto, como ocorre com o  fotojornalismo, acontece o que Adriano Duarte Rodrigues (1999) chama de “simbiose entre linguagens”.

Sem estes dois tipos de imagens, a que a escrita forma no papel e a que o texto sugere a nossa imaginação, não há leitura possível. (...) Só na medida em que podemos dizer algo a respeito de uma imagem é que a percebemos e lhe atribuímos uma significação (Rodrigues, 1999: 122).
A afirmação de Rodrigues pode ser complementada pelo exemplo a seguir (Figura 1). Uma fotografia de conteúdo aparentemente comum, ganha um ar diferenciado, com o tratamento editorial recebido no Departamento de Imagem do jornal Folha de S. Paulo. A imagem apresenta um segundo plano levemente abstrato, sem foco nos contornos do empresário, supostamente surpreendido, levando às mãos vários de seus produtos, sugerindo casualidade à cena retratada – como quer a mídia.
 
Figura 1 - imagem produzida pelo fotógrafo Caio Guatelli e publicada no jornal Folha de S. Paulo, no dia 07 de julho de 2005

Um outro detalhe presente na edição desta página diz respeito à hierarquia estética visual entre a imagem e o texto correspondente. A foto – de maior destaque na página B2, do caderno Dinheiro - não se refere à matéria destacada pelo título acima – como se poderia prever, num primeiro olhar - e, sim, a uma pequena coluna no canto inferior direito da página. Nesse caso, especificamente, a legenda esclarece ao leitor do que se trata a foto, mas o conteúdo textual não tem relevância suficiente para pautar a principal foto da página. A diagramação gráfica do texto, em relação a imagem abordada, pode gerar confusão por não corresponder ao texto superior da página.

Entretanto, dois aspectos corroboram para um melhor entendimento dessa imagem pelo leitor. O primeiro diz respeito ao próprio espaço, normalmente dedicado a participações empresariais desse tipo - sendo usual a utilização desse mesmo recurso editorial para fazer a junção entre a figura do empresário e a imagem do seu produto. O segundo aspecto diz respeito aos créditos fotográficos, que além de apontarem o nome do fotógrafo, no caso da Folha de S. Paulo, sempre acompanham, a observação de que a imagem obteve os cuidados do Departamento de Imagem - embora nenhuma indicação de tratamento editorial tenha sido feita, para que o leitor obtenha as informações necessárias para diluir o teor jornalístico da imagem e julgar, de acordo com os seus valores e crenças, de que maneira a manipulação pode, nesse caso, enriquecer a notícia. Tudo isso contribui para que essas imagens já não causem tanta estranheza ao público em geral .
 

O recurso visual do jornalismo moderno deve ser entendido como uma possibilidade complementar e suplementar à informação textual. Não serve apenas para arejar a página ou valorizar a notícia, tampouco para preencher eventuais vazios que a falta de planejamento tenha criado. (...) Em geral, a foto é uma decorrência da agenda de assuntos já contemplados pela pauta geral do jornal, o que não quer dizer que ela de-va se limitar a isso. Cabe ao repórter-fotográfico, em sintonia com o editor de foto-grafia e os seus prepostos, buscar uma identidade própria ao produto que vai ofe-recer pa-ra a elaboração da página que chegará ao leitor (Manual da Folha de S. Paulo, 2002: 32).


Somente a partir da última década é que os jornais brasileiros perceberam a importância em manter suas redações atualizadas, ganhando tempo, agilidade e novas possibilidades editoriais. Para isso, têm investido na digitalização de seus equipamentos e em programas de tratamento da imagem - embora ainda estejamos engatinhando no domínio dessas tecnologias. Apesar disso, os exemplos já são muitos na mídia, exigindo uma sintonia perfeita entre as editorias de texto e imagem. Agora, partamos para uma observação mais aprofundada das nuanças que caracterizam o texto e a imagem, buscando o ponto onde eles se encontram e se completam, dando forma ao que chamamos Jornalismo.

2.1 A Imagem e o Texto

No segundo caso apresentado neste estudo (Figura 2), duas fotografias ganham o auxílio de programas de edição, que promovem uma fusão entre elas, transformando-as em uma única imagem. Ao colocar frente a frente dois técnicos de futebol de times rivais, compartilhando a mesma página, os programas digitais proporcionam um universo novo e promissor para que a fotografia encare agora uma nova função, indo além da realização do imaginário literário e da fixação de uma realidade preexistente: a de elaboração ou construção de uma nova realidade, podendo, até mesmo, ir além do próprio fato ocorrido.
 

 
Figura 2 - Imagens produzidas pelos fotógrafos Jorge Gontijo e Auremar de Castro, publicadas no caderno Esportes, do jornal Estado de Minas, no dia 10 de maio de 2005

De acordo com Alberto Manguel (2001), essa segunda realidade apresentada na foto nos impeli a buscar em nosso arsenal ima-ginário - pinturas, esculturas, fotografias etc. -, e em nosso amplo espectro de circunstâncias, reflexos de nossa própria emoção, as referências necessárias para a construção da narrativa fotográfica, buscando um sentido que pode ir muito além da própria imagem representada.
 

Para aqueles que podem ver, a existência se passa em um rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentidos; imagens, cujo significado (ou suposição de significado) varia constantemente, configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e de palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e com-preender nossa própria existência (Manguel, 2001: 21).
Tanto quanto no texto, cada nova leitura pode sugerir outras interpretações, novas associações e combinações. Essa incerteza quanto à natureza de uma imagem, de acordo com Adriano Duarte Rodrigues (1999), é o que incita ao espectador/ leitor a recorrer ao comentário verbal, buscando respostas no texto a perguntas que, anteriormente, já estariam contidas na foto, considerada como um documento do “real”. No caso específico da foto acima, o texto enquadra corretamente a cena retratada, esclarecendo ao leitor de que a matéria trata da má fase dos dois times, de maneira geral - embora ainda não fique totalmente claro de que se trata de uma montagem fotográfica.
 
Sem suporte lingüístico, uma fotografia jornalística tornar-se-ia quase sempre enigmática. Daí a necessidade de um enquadramento verbal que tanto pode ser dado pela legenda como pelo título e pelo texto do artigo que a enquadra e lhe reduz substancialmente as significações potenciais (Rodrigues, 1999: 125).
Quando o mundo discute se uma imagem vale mesmo mil palavras é fundamental ressaltar que cabe a legenda o fator determinante da sua verdadeira face. O mais importante, contudo, é que se respeite o leitor e as normas éticas jornalísticas, para que os novos artifícios digitais possam sugerir, de fato, mais criatividade e perspectiva às páginas dos veículos, indicando um novo – e quem sabe promissor - futuro para o jornal impresso, tantas vezes ameaçado pelas novas tecnologias.

3 -  A Janela Do Mundo

Como vimos, uma fotografia pode ir muito além da realidade que lhe deu razões para existir, podendo gerar inesperadas interpretações do sujeito. Com a modernização da imprensa e o rápido desenvolvimento tecnológico, essa credibilidade tem aberto um espaço para que surja uma imagem de caráter mais ilustrativo, próxima de um fazer artístico, exigindo um maior questionamento acerca da maneira de se produzir e de se receber a notícia. No entanto, o que nos chama a atenção, aqui, é o fato das novas tecnologias propiciarem um tipo de prática editorial que pode tanto favorecer o enriquecimento da informação, quanto corromper a sua livre interpretação, colocando em risco os principais paradigmas sustentados pelo jornalismo: o da objetividade e da  fiel reprodução dos fatos – como veremos a seguir .

3.1  A Edição Fotográfica
 
 

As imagens acima referem-se ao atentado a bomba a uma estação de trem em Madri, na Espanha, no dia 11 de março de 2004, onde o fotógrafo Pablo Torres Guerrero teve a oportunidade de realizar uma fotografia que causou polêmica na imprensa mundial. A imagem teve parte de seu conteúdo adulterado por alguns veículos de imprensa, tornando-se capa dos principais jornais do mundo. Na foto original (Figura 3), visualiza-se um membro decepado que, em outras publicações – como o Jornal do Brasil –, foi eliminado por tratamento digital (Figura 4). A atitude do jornal repercutiu em todo imprensa mundial, principalmente por optar pelo retoque, retirando um elemento de cena, uma vez que a agência havia disponibilizado outras imagens.

De acordo com o editor executivo do Jornal do Brasil, Marcos Barros Pinto (2005), a decisão pela foto foi feita por essa ser, indiscutivelmente, a melhor e a mais chocante, tendo auto-rizado ao Departamento de Imagem a eliminar o pedaço do corpo, pois, de acordo com ele, o fragmento era de conteúdo insignificante e nada acrescentaria ao teor jornalístico da cena.
 

Quando demos a foto de um palestino sendo torturado, a seção de cartas foi tomada por leitores indignados com a publicação da imagem, com frases do tipo “não exponham isso na primeira página, dêem essa opção aos nossos filhos”. Mas acho, agora, friamente, que deveria ter avisado o leitor que a imagem [do atentado] foi alterada (Rodrigues & Cherobino, 2004).
De fato, como nos alerta Isaac Antonio Camargo (2000), a edição fotográfica de um jornal deve englobar aspectos que vão desde a conduta ética e política do jornal, até questões, tais quais a seleção, a organização, o ordenamento e a estética visual das páginas. Uma fotografia não pode ser analisada individualmente, pois ela é parte integrante de um todo, cabendo ao editor a  dura tarefa de compô-la.
 
Estes princípios têm por finalidade realizar a apropriação dos fatos e eventos que ocorrem no meio social dando-lhes sentido enquanto notícia, ou seja, tratá-los enquanto informação, mas, ao mesmo tempo, lapidá-los segundo os critérios da mídia jornalística pela qual é construído (Camargo, 2000: 232).
Também o apelo visual e a capacidade de atrair os leitores são levados em conta na edição de uma foto, o que Camargo define como âncora visual. Entretanto, embora neste caso específico a intenção do editor – e do jornal -, fosse transformar a fotografia  num poderoso lead visual e instantâneo, a ausência de quaisquer esclarecimentos no texto sobre a decisão editorial acaba por colocar em dúvida até que ponto a sua atitude foi coerente com os princípios defendidos pela imprensa. O editor optou por construir a mesma cena, retirando elementos; faltou, contudo, tornar explícito os métodos e procedimentos utilizados para que a informação não seja afetada e para que o leitor não se sinta enganado naquilo vê.

3.2 -  A Recepção Fotográfica

Um outro aspecto de grande relevância diz respeito à maneira como o leitor/observador se apropria dessas imagens, dando-lhes sentido. De acordo com Arlindo Machado (2005), ainda não há uma preparação consciente do público acerca do real teor dessas mudanças que se processam no interior das imagens que ele consome cotidianamente. Entretanto, o que marca de forma mais expressiva essa nova fase é a imprescindível necessidade de mudança nos hábitos perceptivos do público, acostumado a receber os produtos imagéticos – sobretudo na mídia – de modo a não deixar dúvidas quanto a sua autenticidade.
 

A convivência diária com a televisão e com os meios eletrônicos em geral vem mudando substancialmente a maneira como o espectador se relaciona com as imagens técnicas, e isso tem conseqüências diretas na abordagem da fotografia. A imagem se oferece agora como um “texto” para ser decifrado ou “lido” pelo espectador, e não mais como paisagem a ser contemplada (Machado, 2005: 313).
Sujeita, hoje, aos desmandos do imediatismo diário da mídia e de uma cultura de mercado, onde tudo se torna rapidamente ultrapassado, a fotografia vem sendo forçada a constituir-se sob novas convenções e idéias, tomando rumos mais prósperos à comunicação e às artes. Na medida em que cria uma outra estética, transforma-se em importante elemento comunicativo e torna-se, por si mesma, o próprio discurso.
 
À medida em que o público for se acostumando às imagens digitalmente alteradas, à medida que essas alterações se tornarem cada vez mais visíveis e sensíveis, também  como uma nova forma estética, e que os próprios instrumentos dessas alterações estiverem ao alcance de um número cada vez maior de pessoas, até mesmo para a manipulação doméstica, o mito da objetividade e da veracidade da imagem fotográfica desaparecerá da ideologia coletiva e será substituído pela idéia muito mais saudável da imagem como construção e como discurso visual (Machado, 2005: 315).


Estudos mais recentes na área já se dão conta do papel ativo que os receptores exercem na produção da mídia. O mais importante é que novas possibilidades se abram a fotografia e ao Jornalismo, facilitadas por essas ferramentas, favorecendo novos ares e idéias às páginas dos jornais, exigindo novas reformulações nas redações e atualização constante dos jornalistas, editores e fotógrafos. Embora a veiculação dessas imagens ainda se mostre modesta e a qualidade dos trabalhos, muitas vezes, ainda deixe claro o longo caminho que temos pela frente, não nos restam dúvidas, que esse percurso é sem volta e os novos meios - novos procedimentos, nova estética, novo olhar -  vieram para ficar.

Conclusão

Este estudo sobre o impacto das novas tecnologias na edição fotográfica foi sustentado por três partes distintas, onde buscamos nos aprofundar no contexto em que a fotografia se firma como realidade, no conteúdo do discurso fotográfico e em seu paralelo com o universo textual, bem como nos aspectos relativos à editoração jornalística e à recepção, observando de que maneira ela se processa dentro desse sistema.

As novas tecnologias abriram um espaço sem precedentes para o universo das imagens, tornando a fotografia capaz de expressar muito além da realidade que lhe inspirou. As ima-gens agora aparecem em diversas formas, com diversos tipos de  enquadramento – e nisso em nada diferem à antiga imagem, mais consistente e hegemônica da fotografia tradicional -, entretanto, seu referente pode nem ao menos ter existido, ou ser fruto de um padrão pre-estabelecido, onde o que conta é a “boa foto”, realizada no menor espaço de tempo possível.

Essa urgência em apresentar os fatos - propiciada, muitas vezes, mais pela concorrência e exigências de mercado, que pelo próprio interesse em apresentar uma nova estética, mais criativa - faz com que a mídia impressa busque novo fôlego editorial, nos processos digitais da imagem, que embora apareçam ainda modestos nos veículos impressos, já dão sintomas do que vem pela frente, oferecendo um bom momento para se repensar a fotografia e seu futuro, sobretudo na imprensa, onde ganhou força, sendo mesmo sinônimo de credibilidade.

Com o auxílio das fotografias aqui apresentadas podemos constatar que a primeira e mais urgente necessidade proposta pelas novas tecnologias diz respeito a um aprendizado da leitura dos diferentes tipos de imagens, da sua natureza, de seus processos de produção e de seu modo de transmissão e utilização. Somente com a construção de uma cultura que abranja não somente uma observação direta dos produtos, mas também investigue o contexto em que se estabeleceu o advento da fotografia, bem como um entendimento dos mecanismos técnicos e teóricos, criando, mesmo, uma nova consciência do valor fotográfico é que se pode compreender a dimensão de “realidade” existente numa foto. Sem se esquecer da importância do apoio dos arcabouços textuais necessários, para que a imagem e o texto se completem, dando razões de ser para o que chamamos de Jornalismo.

A digitalização fotográfica é hoje, sem nenhuma dúvida, um processo irreversível, sobretudo nos veículos jornalísticos, por produzir vantagens que beneficiam não apenas as empresas jornalísticas - como a redução dos custos e de pessoal, além de proporcionar mais tempo para o fechamento das edições -, o leitor também ganha, um produto mais atual e criativo, voltado às informações que sejam, de fato, relevantes ao seu dia-a-dia. Sem se esquecer da possibilidade de se enviar uma imagem diretamente do local onde foi captada, minutos após o click da máquina. Apesar de tudo isso, um último argumento ainda poderia parecer um entrave à realidade virtual nas redações jornalísticas: o alto preço das câmeras e softwares. Mas, até mesmo este último argumento já vem sendo descartado, na medida em que os equipamentos se mostram cada dia mais acessíveis, tornando as novas tecnologias uma realidade nada virtual para a fotografia jornalística .

Referências Bibliográficas

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