Hipervídeo

Janaina Moreira do Patrocínio


Introdução

Na atual configuração social e cultural, em que as imagens e os meios técnicos estão cada vez mais presentes nas práticas sociais, o campo de estudo da comunicação volta-se para a investigação das interações comunicacionais. Esta abordagem enfatiza a participação dos sujeitos como interlocutores do processo comunicativo. Portanto, não estamos interessados em abordagens que privilegiam apenas as dimensões produtivas ou de recepção. Hoje é necessária uma investigação que compreenda a complexidade dos processos que se apresentam para a comunicação social, tanto no âmbito da produção como da recepção. Nossa abordagem busca investigar o potencial e os desdobramentos da interação comunicacional que um modelo do hipervídeo pode propor. Neste sentido abordaremos o hipervídeo como um processo midiático fortemente marcado pela interlocução, onde os sujeitos são postos em relação dialógica com autores e obras, co-participando da produção de sentido.

Nesta concepção o hipervídeo seria idealmente o de um “sistema de comunicação que convida o espectador a explorar possibilidades de construção de uma narrativa” (1) espacial e/ou temporal em um ambiente digital composto por seqüências de imagens em movimento.

Primeiramente, apresentaremos nossa abordagem sobre as chamadas ‘novas tecnologias’ e como o hipervídeo pode ser entendido neste contexto. Em seguida a caracterização dos meios digitais, conforme Manovich e Murray, nos serve tanto para definirmos o hipervídeo, como para analisarmos modelos distintos. Nossa análise busca diferenciar os modelos em sua dimensão comunicativa, evidenciada pela co-participação dos sujeitos na produção de sentido. Esta distinção nos leva ao Hypercafe, modelo proposto por Sawhney onde uma proposta estética sistematiza possibilidades de interação com a obra. Entretanto o papel dos sujeitos, produtores e receptores, neste modelo, será problematizado pelas investigações de Janet Murray e Vicente Gosciola. Tais autores trazem a discussão para além da relação ‘interativa’ dos sujeitos com a obra e nos ajudam a verificar a complexidade da autoria nos processos comunicativos interativos. Finalmente buscaremos apontar caminhos de estudo e aplicação do hipervídeo na indústria audiovisual e possíveis desdobramentos sobre as práticas comunicativas contemporâneas.

Buscamos não apenas compreender as possibilidades técnicas da interação com imagens digitais, mas também compreender a qualidade desta mediação e como tal experiência pode fazer transparecer a lógica deste processo comunicativo no contexto social em que vivemos e viabilizar novas formas de estruturação dos produtos distribuídos em meios digitais. Neste modelo, onde os sujeitos ocupam lugar central no processo comunicativo em ambientes hipermidiáticos de natureza interativa, as tecnologias e o desenvolvimento dos processos técnicos refletem ideologias e formas de estruturação de uma lógica social. Portanto, como nos apresenta Manovich, trata-se de uma maneira de ver, relacionar e dialogar com o mundo por meio de práticas que constituem a forma cultural do nosso tempo.

Novas Tecnologias  – Novas Linguagens

As chamadas ‘novas’ tecnologias não serão aqui abordadas a partir apenas de uma caracterização tecnológica, visto que o que as tornam relevantes para nosso estudo não é o fato de inaugurarem ‘interatividade’ ou ‘manipulação’ dos conteúdos. A ‘novidade’ é o rompimento com a positividade de uma ordem tradicional tida como imutável e identificada como a estrutura objetiva do mundo, na direção de uma lógica que contesta os valores clássicos de “acabado” e “definitivo”, mais aberta e indefinida, onde o enunciado não determina simetricamente as significações. Estas tecnologias não inauguram, mas viabilizam a experimentação da pluralidade de significados que convivem num só significante. Manifestam um comportamento fundamentado numa lógica cultural que emerge na sociedade contemporânea.

Então só faz sentido falarmos em novas tecnologias a partir de suas estruturas para compreendermos tanto como propõem a inserção dos sujeitos no processo comunicativo e os desdobramentos desta configuração. Nesta perspectiva entendemos o sentido como resultado de um processo e não mais como algo dado que deve ser compreendido por um sujeito posicionado como espectador.

O hipervídeo vai ao encontro a esta caracterização dos processos comunicativos contemporâneos. Identificar suas características constituintes nos ajuda a compreender o que demandam dos sujeitos nesta proposta de relação interlocutiva, que constitui sua dimensão comunicativa.

O Hipervídeo

O hipervídeo pode ser definido como uma forma de estruturação de conteúdos audiovisuais em ambientes digitais, articulando imagens técnicas com a linguagem da hipermídia e viabilizando uma nova forma de estruturação discursiva. O hipervídeo tem um funcionamento muito próximo ao hipertexto. Porém, diferente de uma página da Web, que apresenta vários links simultaneamente no mesmo espaço, as oportunidades de associação no hipervídeo aparecem e desaparecem à medida que as seqüências de vídeo são reproduzidas. O link assume uma nova dimensão dentro do espaço do vídeo, a temporal. Num hipervídeo as seqüências de vídeo são reproduzidas continuamente enquanto o usuário realiza escolhas que direcionam o desenvolvimento do fluxo audiovisual.

Uma primeira aplicação de hipervídeo explora o relacionamento entre seqüências de vídeo de forma simplesmente hierárquica. Este tipo de hipervídeo é chamado de “detail-on-demand”, ou detalhamento por demanda. Durante a exploração do hipervídeo, usuário pode selecionar conteúdos que oferecem detalhamento sobre algum objeto ou tema apresentado em vídeo principal. Exemplos desta estrutura podem ser encontrados em alguns DVDs comerciais, como no caso do filme Matrix. Durante a exibição do filme um ícone de um coelho branco pode surge no canto inferior da tela indicando a possibilidade de link. Quando o espectador pressiona a tecla ‘enter’  de seu controle remoto neste instante o filme é interrompido por um vídeo detalhado sobre a produção desta cena, ao final, o filme é retomado a partir do ponto em que foi interrompido.

Nossa discussão concentra-se na segunda forma de estruturação do hipervídeo, mais preocupada com a experiência de navegação do que com o detalhamento dos conteúdos. Uma forma de narrativa multiperspectiva, onde as escolhas do usuário determinam o desdobramento da narrativa.

O potencial desta experiência de navegação ainda não tem sido amplamente explorado na distribuição de filmes ou outros conteúdos audiovisuais. Entretanto, este tipo de hipervídeo oferece possibilidades reais para o desenvolvimento de processos comunicativos mais dialógicos e inclusivos em meios digitais como o DVD e a Televisão Digital.

As múltiplas possibilidades de desdobramentos a partir de uma única situação já foram exploradas pelo cinema. Diversos filmes apresentam versões ‘possíveis’ de acontecimentos a partir de uma mesma cena, onde as escolhas ou ações dos personagens interferem nas narrativas decorrentes. O hipervídeo proporciona ao espectador a experiência de interferir no fluxo de imagens a partir de suas escolhas. Esta interferência causa um efeito cascata sobre o desenvolvimento da narrativa. Mais do que navegar por diversas possibilidades de desenvolvimento da história, há a reestruturação da história, impulsionada pelas escolhas realizadas pelo espectador.

Este modelo de hipervídeo funciona a partir de um complexo de seqüências de vídeo que dialogam. Uma rede de seqüências é construída considerando associações lógicas entre as seqüências viabilizando mudanças de enfoque e contra-pontos. Portanto o hipervídeo amplia a possibilidade de manipulação do ponto de vista, como ocorre com o recurso explorado pela indústria do DVD, que permite assistir a uma cena gravada por mais de um ângulo de câmera. Nesta estrutura de rede o espectador pode atuar após determinada fala de um ator escolhendo qual o personagem deve reagir a aquela situação. Assim, a cada escolha o espectador conduz o foco da narrativa, podendo enfatizar determinados personagens ou temas, prosseguindo por uma narrativa que só se manifesta por suas opções.

A digitalização das imagens e das formas de produção e distribuição nos permite hoje construir este tipo de produto audiovisual, onde mais de um fluxo lógico de narrativa podem ser experimentados.

Meio Digitais

O hipervídeo, como um meio expressivo inserido em ambiente digital, apresenta algumas características que incidem sobre suas possibilidades estéticas. Lev Manovich e Janet Murray apresentam conceitos para pensarmos como o hipervídeo integra este universo dos meios digitais.

Lev Manovich enumera características básicas das novas mídias que se aplicam ao hipervídeo ao mesmo tempo em que moldam suas possibilidades comunicativas. Manovich considera que a partir da representação numérica, viabilizada pelo procedimento de digitalização, não só novos processos são inaugurados como os existentes são redefinidos. De fato, a digitalização tornou o hipervídeo possível pela construção algorítmica de imagens, que só então se tornam programáveis, permitindo a construção de um sistema de ‘navegação’. O aspecto modular do hipervídeo garante sua composição por partes, rompendo com a idéia de objeto inteiro que só poderia ser manipulado e compreendido em uma’forma’ única, além de explicitar como diferentes formas de articulação estruturais podem se manifestar. A automação torna-se a chave para o diálogo entre usuário e o sistema de navegação que aciona comportamentos, pré-estabelecidos por algoritmos, a partir da interação dos sujeitos.

Assim podemos ilustrar muito facilmente como estas três características, digitalização, modularidade e automação, tornam-se presentes e constituintes da estrutura do hipervídeo. Entretanto, há ainda duas outras características que Manovich aponta como determinantes dos meios digitais, a variabilidade e a transcodificação.

Segundo Manovich, um objeto das novas mídias não é algo fixo, mas que pode potencialmente existir em infinitas versões. Esta variabilidade é conseqüência direta da codificação numérica e da estruturação modular. O armazenamento digital das seqüências audiovisuais torna possível a construção de diversos arranjos estruturais pela atuação sobre o sistema. Assim, a lógica da ‘nova mídia’ corresponde a uma produção por demanda, onde uma versão ‘customizada’ surge em resposta a uma ação de um usuário neste sistema. A variabilidade permite a manifestação de diversas narrativas pelas escolhas que o espectador realiza durante sua navegação.

O principio da transcodificação diz respeito, como foi referido anteriormente, a maneira como as formas de estruturação dos discursos podem traduzir formas culturais, e vice-versa. Manovich defende que são reflexivas a lógica dos softwares e a lógica cultural.

Neste pano de fundo circunscrevermos um modelo de hipervídeo que evidencia a multiplicidade de sentidos onde os sujeitos, explicitamente, co-participam da significação, tanto pela denotação que atribuem aos elementos individuais, como por sua efetiva ação sobre os conteúdos e formas discursivas. Este processo representa uma lógica menos determinista a favor da ambigüidade e da indeterminação que acompanham e moldam formas de cultura contemporâneas. Contraditoriamente, este modelo de hipervídeo não tem sido explorado pelos meios de comunicação e distribuição de conteúdos digitais, que ainda ensaiam uma relação mais interativa com os espectadores.

Justamente nestas possibilidades, de inserção e ação, que os estudos de Janet Murray ampliam o potencial deste contexto, visto que as propriedades essenciais dos ambientes digitais, segundo esta autora, caracterizam dimensões interativa e imersiva. A dimensão interativa refere-se às possibilidades de ação dos sujeitos sobre os textos e estruturas discursivas, enquanto a dimensão imersiva, ilustra as formas de inserção destes sujeitos nos processos.

Segundo Murray, na dimensão interativa os ambientes são procedimentais e participativos, enquanto que na dimensão imersiva apresentam-se espaciais e enciclopédicos. O caráter procedimental do hipervídeo pode ser entendido como o ‘motor’ de uma montagem de sentido dinâmica. Os procedimentos codificam as regras que possibilitam a ação no hipervídeo, são materializados pelas formas de ‘oportunidades de link’. O cerne do processo comunicativo no hipervídeo manifesta-se na ação do participante, denominado interator, que se aventura pelas regras que permitem sua atuação sobre a narrativa. O hipervídeo representa espaços exploráveis por onde o interator pode deslocar-se pela dimensão espacial e temporal, explorando uma rede de associações entre seqüências audiovisuais. O caráter enciclopédico do hipervídeo pode ser considerado a dimensão mais promissora para criação de narrativas pois oferece a possibilidade de multiperspectivas e entrecruzamentos por onde os sujeitos podem construir um percurso próprio.

Acreditando que o hipervídeo pode apontar novas formas de proposição de produtos audiovisuais em meios digitais como a Televisão e o DVD, a caracterização dos meios digitais, conforme Manovich e Murray, nos ajuda a analisar  criticamente os dois tipos de hipervídeo apresentados anteriormente,  “detail-on-demand” e o de narrativa multiperspectiva.

Descrição e Narrativa no Hipervideo

O foco de nossa investigação está no potencial do hipervídeo como estrutura aberta e inclusiva que permite a construção de um fluxo lógico durante processo interação. Não nos interessam os modelos e estudos que privilegiam somente o potencial descritivo e sim os que enfatizam as múltiplas possibilidades de narrativas distintas. Os modelos que investem no potencial descritivo do hipervídeo, geralmente, trabalham com o detalhamento de uma narrativa principal. Assim, não viabilizam mudanças de ênfase a partir das escolhas realizadas pelos interatores, e sim um reforço ou explicação de um foco central. Nestes modelos ainda há a presença de uma lógica unívoca, onde todos os conteúdos, independente da forma ou a quantidade de relações que estabelecem, corroboram e convergem para um entendimento preferencial de uma narrativa dominante, variando apenas os percursos.

Esta exploração do caráter enciclopédico do hipervídeo, feita pelos modelos de detalhamento-por-demanda, não explora a coexistência de multiperspectivas sobre uma temática central. Por isso, estes modelos têm servido aos propósitos educacionais e de treinamentos, onde processos e conteúdos devem ser compreendidos de uma forma unívoca.

O modelo de Hipervídeo de Sawhney – Hypercafe

O Hypercafe, apresentado em 1996/97, ilustra um conceito geral de hipervídeo que oferece aos espectadores e autores a riqueza de múltiplas narrativas. Este sistema posiciona o espectador num café virtual, composto por seqüências de vídeo onde atores estão envolvidos em conversas ficcionais. O Hypercafe permite ao usuário seguir diferentes conversas, oferecendo oportunidades dinâmicas de interação que apresentam narrativas alternativas.

Apesar da reconhecerem a co-participação dos usuários na narrativa, seu objetivo principal era a apresentação de uma estética dessa estrutura navegacional. Os autores buscaram redefinir a noção de link para um meio centrado no vídeo e apresentam o Hypercafe como modelo para uma discussão mais ampla sobre a estética de estruturas de narrativa do hipervídeo.

Baseando-se na representação particular da dimensão temporal e espacial das imagens de vídeo consideraram novas convenções para apresentação dos links. Definiram e conceituaram os links como temporais, espaciais e textuais. O link no Hypercafe manifesta-se através da oportunidade de link (2)e materializa uma oportunidade de ação (3)  do usuário, antecipando uma janela no tempo/espaço onde a associação está ativa/disponível. Desta forma, o link foi integrado à imagem de vídeo. Ampliando a idéia de link para além da sua função de "promover a inter-relação entre conteúdos e entre o usuário e estes conteúdos" (4), constitui-o como uma atração áudio/visual sensível e integrada à obra e circunscrevendo a ação dos usuários sobre a própria imagem. Essa abordagem do ‘link’ nos inspira a enxergar o audiovisual como um interface 'viva' de caráter dinâmico, pois, o próprio audiovisual tornou-se sensível.

Esta proposição estética de Sawhney indica uma mudança no posicionamento dos sujeitos em relação à obra. Neste caso, o ambiente é o próprio discurso audiovisual sensível à ação direta do interator. Esta ‘interface viva’ posiciona os sujeitos no interior da narrativa numa ‘forma de entrada no ambiente digital’ (5) que proporciona um tipo eficaz de imersão, característica estética do meio digital segundo Murray.

Para Janet Murray a imersão é a experiência de envolvimento numa realidade estranha que implica numa atividade participativa. Assim, quando os ‘links’  são transformados em ‘objetos virtuais funcionais’ (6) internos ao ambiente, enfatizam nossa percepção de participação sobre fluxo de imagens. A estética do modelo de Sawhney, ao libertar a ação de um lugar delimitado, de um painel de controle ou de um ‘menu’ de comandos, naturaliza nosso controle sobre as imagens e a narrativa, nos posicionando dentro do fluxo de imagens do hipervídeo. Acreditamos que esta concepção pode orientar a elaboração de produtos audiovisuais tanto para distribuição em DVDs como pela Televisão Digital.

Outras questões para o hipervídeo

Entretanto, como nos lembra ainda Murray, “quanto mais bem resolvido o ambiente de imersão, mais ativos desejamos ser dentro dele” (7). A grau de agência dos sujeitos sobre as narrativas é sempre limitado pela estrutura proposta. Esta outra característica estética do meio está relacionada com a discussão anterior da variabilidade e o potencial de oferecer múltiplas narrativas, como no modelo Hypercafe. Este parece ser um dos maiores desafios para o hipervídeo.

Enquanto a interatividade é uma possível qualidade de interação, a agência é que promove, na prática, uma forma de co-participação. A agência amplia a idéia de interatividade para além de uma resposta a demandas do interator, pois, determina o curso da experiência e transforma o ambiente originalmente dado.

A agência permite a variação das estruturas modulares, os interatores podem experimentar diferentes arranjos dos elementos. No hipervídeo, o esboço do potencial de agência é que permite a ‘montagem’ de narrativas diversas a partir de um mesmo universo de seqüências audiovisuais. Um esboço porque a ação sobre os conteúdos é limitada por regras definidas pelo autor da obra. As possibilidades de associação presentes na obra são os limites da agência no universo do hipervídeo.

A princípio esta questão parece cerceadora, entretanto, nos permite retomar a discussão da relação entre produção e recepção, que não correspondem a momentos distintos mas, interligados. Conseqüentemente também se confundem produtor-obra-espectador.

Esta discussão dentro de um modelo de hipervídeo permite abordar a questão de como sua poética conforma a qualidade dialógica de sua mediação. Como vimos até agora, potencialmente, o hipervídeo não só suporta, como demanda, a co-participação dos sujeitos, desde que o autor estabeleça as condições necessárias.

Surge então uma noção de autor procedimental (8). Este autor escreve tanto as regras pelas quais os textos aparecem como os próprios textos, não simplesmente um conjunto de seqüências interligadas, mas um mundo de possibilidades associativas.
Entretanto, como Sawhney discute em seu modelo, um hipervídeo necessita de uma organização hierárquica de suas seqüências, o que pode tornar-se um problema na medida em que o volume de conteúdo aumenta. Muitas vezes, acaba limitando a participação do interator à posição de espectador de várias histórias sobre as quais não interfere, apenas escolhe qual assistir.

Da mesma forma, outros modelos de hipervídeo defendem maneiras distintas de organizar e estabelecer conexões entre as seqüências de vídeo. Em geral, constituem-se como  emaranhados rizomáticos sem fim ou como labirintos que determinam um fim como saída. Assim, alguns não estão preocupados com a construção de uma narrativa lógica durante ‘navegação’ enquanto outros, mesmo construindo caminhos diferentes, conduzem a um único sentido. Estamos diante de outro impasse, a busca por uma equação que proporcione um alto grau de agência, co-participação, sem direcionar ou tornar confuso o processo de interação.

Um caminho possível é enfatizarmos a experiência de exploração na poética do hipervídeo. Este meio não precisa comprometer-se com apenas uma das narrativas possíveis nem envolver o sujeito numa rede de elementos que não se relacionam de forma significante. Ao contrário, não são os conteúdos ou o encadeamento das seqüências que significam, mas a experiência da articulação durante a exploração.

Neste ponto o processo comunicativo do hipervídeo detona qualquer centralidade da mensagem e volta-se para o processo de interação entre sujeitos. Este modelo de hipervídeo é mais um meio de comunicação de uma lógica multiperspectiva do que de histórias e narrativas particulares. A narrativa não está pronta, apresenta-se num processo de transformação. Esta é uma possibilidade de oferecer ao interator a percepção de múltiplos destinos possíveis, pontos de vista e resultados a partir de uma mesma situação.

Alguns autores como Gosciola, Manovich e Murray acreditam que a partir desta percepção os sujeitos também alteram sua percepção sobre o mundo. Assim, pela experimentação de uma estrutura que evidencia a ambigüidade dos elementos constituintes de um discurso, os sujeitos também percebem no mundo a fabricação de discursos preferenciais e dominantes dentre outras possíveis opções.

A concepção de Produtos em Hipervídeo

Neste contexto podemos indicar algumas conseqüências  que o modelo de hipervídeo pode produzir sobre a concepção de produtos audiovisuais em meios digitais, principalmente ao tornar evidente a interdependência das esferas de produção e recepção dos discursos audiovisuais. A autoria procedimental nasce da relação de diálogo entre os sujeitos produtores e receptores. Os produtos tomam forma tanto pela articulação de significados, como pela atividade interpretativa dos sujeitos, que conduz a elaboração e fundamenta a lógica associativa que compõe a obra.

Assim, buscando ilustrar como o modelo de hipervídeo pode ser utilizado para concepção de produtos apresentamos a seguir duas propostas.

Hiperdocumentário

Se acreditarmos que todo discurso é resultado de uma articulação de linguagem, então, um vídeo documentário apresenta-se como uma narrativa elaborada na perspectiva de um realizador. Um enfoque da realidade que é modulado pelo produtor, que apresenta um dos desdobramentos possíveis de um tema. Toda narrativa é resultando e opções realizadas durante o processo de produção, partes tornam-se visíveis e outras invisíveis aos olhos do espectador. Não subestimamos entretanto a capacidade dos espectadores de perceberem desdobramentos implícitos, mas, a forma apresentação dos discursos audiovisuais, impõe uma conformação linear e contínua.

O hipervídeo permite que estes produtos sejam apresentados ao público de uma outra mais complexa, não precisando render-se a linearidade ou eleição de uma único desenvolvimento do fluxo de imagens.

Um documentário pode ser elaborado como uma rede de depoimentos e personagens, onde o realizador não opta apenas por uma lógica de encadeamento na mesa de montagem mas deixa outras disponíveis ao espectador.

Na ilustração que apresentamos a seguir podemos visualizar de forma esquemática um ‘hiperdocumentário’. Certamente, um projeto como este demanda um enorme esforço para elaboração de um roteiro onde as diversas histórias se entrecruzam. A princípio, o esquema apresentado pode parecer resultar numa narrativa circular. Buscamos somente ilustrar um modelo, sendo necessário um árduo trabalho de planejamento para que a experiência de exploração, independente das escolhas realizadas, mantenha-se coerente e consistente.
 


Neste esquema, o espectador pode posicionar-se diante do vídeo e simplesmente assistir o desenrolar de uma história montada pelo diretor, representada pela coluna central, mas, também pode exercitar outras possibilidades de conexão entre o material bruto. As opções realizadas pelo diretor evidenciam um dos possíveis caminhos, enquanto as linhas vermelhas apresentam oportunidades de link apresentadas ao espectador.
 


Nesta outra figura, a coluna da direita apresenta outro arranjo como resultado das escolhas do interator. Percebemos então que tanto uma narrativa pré-estabelecida, como uma montada dinamicamente, durante o processo de exploração, podem coexistir. Portanto, as formas convencionais de produção e proposição dos produtos audiovisuais podem servir de ponto de partida para implementação deste modelo.

Perspectivas

Nossa intenção final é de levantar algumas questões suscitadas pelo potencial da interação comunicacional que o modelo do hipervídeo inspira. No desenvolvimento deste ensaio apresentamos o hipervídeo como uma alternativa para elaboração de produtos que buscam estabelecer uma relação dialógica com os sujeitos.

Tanto o DVD quanto a Televisão Digital ainda não estabeleceram padrões que explorem o potencial expressivo ou a relação com o público. O DVD ainda é subestimado como meio digital (participativo, procedimental, enciclopédico e espacial) , servindo apenas como meio de distribuição de produtos da industria cinematográfica e televisiva.  A Televisão Digital tem levantado grandes debates quanto a definição de um modelo comercial, enquanto discussões em torno de seu potencial interativo tem se limitado às questões de feedback. Estes meios demandam e possibilitam outras formas de produção e recepção dos discursos audiovisuais. É neste terreno que o hipervídeo pode desenvolver-se. O modelo de hipervídeo pode inspirar produtos que explorem de forma mais significativa o potencial imersivo e interativo da Televisão Digital e do DVD, transcodificando formas culturais contemporâneas.

Notas

(1)   GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias: do game à TV interativa.São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.

(2)   SAWHNEY, N., D. BALCOM, and I. Smith, HyperCafe: Narrative and Aesthetic Properties of Hypervideo. In Proc. Hypertext ’96, ACM, 1996.

(3)   Idem

(4)   GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias: do game à TV interativa.São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.

(5)   MURRAY, Janet. Hamlet no Holodek: o futuro da narrativa no ciberespaço; tradução Elisa Khoury Daher, Marcelo Fernandes Cuzziol. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003

(6)   Idem

(7)   MURRAY, Janet. Hamlet no Holodek: o futuro da narrativa no ciberespaço; tradução Elisa Khoury Daher, Marcelo Fernandes Cuzziol. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003

(8)   MURRAY, Janet. Hamlet no Holodek: o futuro da narrativa no ciberespaço; tradução Elisa Khoury Daher, Marcelo Fernandes Cuzziol. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003

Referências Bibliográficas

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