O presente trabalho tem o objetivo de verificar os pontos de vista que a crítica brasileira especializada exprimiu sobre o filme Munique, de Steven Spielberg. A partir de uma obra de ficção baseada em fatos reais, são construídos textos sobre a ficção e sobre a realidade, oferecendo um diagnóstico do filme e da sociedade. De acordo com Douglas Kellner, um filme pode oferecer um diagnóstico sobre a sociedade de onde surge e na qual se insere. O diagnóstico pode ser feito levando em consideração a obra mas também os textos jornalísticos, resenhas críticas, que repercutem seu lançamento. Desse modo, é possível verificar, a partir do ponto de vista de espectadores específicos, no caso, os jornalistas, certos pontos que se sobressaem na produção cinematográfica e como ele se comunica com características de nossa sociedade.
1. Critérios de noticiabilidade 2.Crítica diagnóstica 3. Cultura.
Fantasia e entretenimento podem ser veículos diagnósticos de nossa época, de acordo com Douglas Kellner (2001). A afirmativa se relaciona com o filme “Munique”, de Steven Spielberg, que retrata o ataque terrorista ocorrido nas Olimpíadas de 1972, na Alemanha. De um lado, onze israelenses foram assassinados pelo grupo terrorista “Setembro Negro”. Por outro lado, após o ataque, o Estado de Israel enviou um grupo de contraterroristas para assassinar também onze homens de origem árabe, responsáveis diretos ou indiretos pelas mortes na vila olímpica.
O ciclo de violência formado a partir de um ato que serve de causa e conseqüência para novas investidas violentas de um grupo contra o outro, a fim de vingar as baixas sofridas em cada lado, não é apenas o tema do filme, tampouco se restringe à realidade da década de 1970. Ao contrário, a história permanece atual, o conflito entre israelenses e palestinos não cessou e, junto a esse, há outros tantos conflitos em andamento ao redor do globo.
Partindo de uma obra de ficção que guarda grande proximidade com a realidade e da análise das resenhas críticas do filme publicadas nas três revistas jornalísticas com maior tiragem no país – “Veja”, “IstoÉ” e “Época” –, o presente trabalho se propõe a descobrir: qual diagnóstico a crítica jornalística brasileira – representada pelas três revistas citadas – oferece sobre o filme “Munique” e como tal diagnóstico se relaciona à nossa sociedade?
Para responder a pergunta, além da leitura das resenhas críticas, comparamos as leituras do filme “Munique” e do livro que deu origem a seu roteiro, “A Hora da Vingança”, de George Jonas. As pesquisas de Douglas Kellner sobre a Crítica Diagnóstica guiam a análise do filme, assim como o conceito de cultura definido por Boris Schinaidermn (1979). O suporte das Teorias da Comunicação de Nelson Traquina (1999) e Mauro Wolf (1987) servem de suporte para elucidar a questão da imparcialidade e da objetividade.
Com o final da década de 1980 e o fim da Guerra Fria, de acordo com a análise de Douglas Kellner, os vilões de Hollywood, sofrendo influência do novo panorama geopolítico mundial, deixaram, gradativamente, de ser russos e passaram a ter origem árabe. Desde então, a cada ano, há novas produções cujo tema se relaciona a esse povo e seus conflitos com os judeus, ou com o Estado de Israel, os Estados Unidos, a civilização ocidental. Há também uma minoria de filmes que abordam os árabes noutros papéis, em que diferentes características e não a vilania – ou não apenas a vilania – são exploradas. Dentre todos os filmes inseridos nesse grupo, que tratam do conflito entre israelenses e árabes com enfoque não-maniqueísta, “Munique” (Munich, Estados Unidos, 2005), do diretor Steven Spielberg, se destaca pela visibilidade que alcançou – concorreu a seis Oscars, incluindo o de melhor filme (1), gerou bilheteria superior a seis milhões de dólares apenas em sua semana de estréia e obteve grande cobertura da mídia, em todo o mundo.
De acordo com os critérios de noticiabilidade (2), série de características que norteiam a seleção de notícias que são publicadas pela imprensa, a bem-sucedida carreira comercial do filme, a direção assinada por um diretor famoso e a distribuição feita por um grande estúdio, o “DreamWorks”, estão entre os fatores que justificam o interesse da imprensa pelo longa-metragem. Entretanto, no caso de “Munique”, há outras razões que estimularam a cobertura do lançamento e influenciaram o material produzido pelos jornalistas. A história é baseada em fatos reais ocorridos há três décadas, repercutidos amplamente pela imprensa, à época. O tema é polêmico, pois as animosidades entre palestinos e israelenses, no Oriente Médio, continuam na ordem do dia, gerando repercussão na agenda política internacional e, conseqüentemente, ocupando espaço nos jornais diários. Spielberg é um judeu americano, declaradamente interessado na causa sionista, que dirigiu um filme inspirado no livro do também judeu, George Jonas, escritor e jornalista canadense. Tais características serviram de motivação para que as críticas feitas acerca do filme, não se restringissem a analisar a obra cinematográfica de ficção, mas tocassem em pontos referentes à história e à política da região onde se desenrola o conflito, na realidade.
Ao contrário do que se esperava do diretor que concebeu “A Lista de Schindler” (The Schindler List, Estados Unidos, 1993), em “Munique”, Spielberg não se dedicou a relatar as mortes dos esportistas israelenses feitos reféns e assassinados pelo “Setembro Negro” (3), organização terrorista composta por palestinos. O que se viu foi um filme cujo roteiro focalizou a vingança pela morte dos atletas e não a morte dos israelenses inocentes.
Nesse sentido, a produção é fiel ao livro que a originou, “A Hora da Vingança”, de George Jonas, em que toda a operação do “Setembro Negro”, da invasão da vila olímpica ao assassinato da delegação israelense, é restrita ao prólogo, narrada em cinco de suas 417 páginas. No filme, o ataque terrorista é contado em pouco mais de 10 minutos do total de seus 164 minutos de duração. O restante das páginas do livro e dos minutos do longa-metragem é dedicado a contar de que forma Israel recrutou o agente Avner para liderar o grupo que tinha objetivo de perseguir os onze militantes da causa palestina que, se acreditava, estavam direta ou indiretamente relacionados com o atentado das Olimpíadas e como, junto com seus companheiros Hans, Carl, Steve e Robert, Avner cumpriu sua missão, passando pelas principais capitais da Europa, eliminando a maior parte de seus alvos, comprando informações e armas da mão de mercenários, analisando o próprio desempenho e prestando contas sobre ele, de tempos em tempos, à Mossad.
Seguindo a linha da Crítica Diagnóstica, que se baseia em múltiplas análises de uma mesma obra, a fim de descobrir mais sobre o que essa representa, os textos devem ser lidos como expressão de várias vozes, e não como enunciação de uma única voz ideológica, que precise então ser especificada e atacada. Para Kellner (2001), o que é periférico no texto pode ser tão significativo quanto o que é nuclear em termos de posições ideológicas, de modo que o não-dito é tão importante quanto o que foi realmente dito.
O tema do filme, o que ocorreu em “Munique”, é o ato isolado contra onze civis israelenses cometido há 34 anos. Mas não apenas. Por isso, tudo o que se relaciona àquelas mortes - a resistência inicial dos atletas, a violência empregada pelos fedayeen (“homens de sacrifício”, palavra árabe com a qual os militantes pela causa palestina se identificam), a negociação feita com as autoridades alemãs e o desfecho trágico, com nove reféns mortos no aeroporto, além dos outros dois já assassinados no apartamento – é sintetizado. O roteiro trata da existência do terror como luta política e a criação de grupos de contraterrorismo, também com apelo político. A narração se concentra no eixo Israel-Palestina, mas os diálogos do filme dão mostras de que há outros grupos travando outras lutas, motivados por outras ideologias. As táticas adotadas por eles são parecidas e não é dado um veredicto sobre a eficácia ou não das estratégias empregadas. Mas, no caso dos israelenses e dos palestinos mostrados em “Munique”, as táticas não se mostraram capazes – naquela época ou agora – de determinar o fim do conflito, tampouco de eleger um vencedor para ele. Ao final do filme, as Torres Gêmeas, recriadas por efeitos de computador, dispostas atrás do personagem Avner, são um exemplo de “elemento periférico” que sinaliza que o filme se relaciona não apenas com o atentado de Munique, em 1972, mas com o terrorismo ocorrido nos mais diferentes locais do mundo, há décadas atrás ou mais recentemente.
Apesar de figurar nas páginas destinadas às resenhas culturais de filmes, os textos escritos sobre o filme “Munique”, na semana de seu lançamento no Brasil, não se restringiram ao julgamento técnico e estético da obra. As resenhas não criticaram apenas as atuações, o roteiro ou a direção. Os textos publicados nas principais revistas jornalísticas do país – “Veja”, “IstoÉ” e “Época” – ultrapassaram os comentários acerca da ficção, relatando fatos e até dando opiniões sobre a história do conflito ontem e hoje. Os critérios de noticiabilidade, dentre os quais, o fato do conflito entre palestinos e israelenses, bem como o terrorismo de modo mais geral, ser parte da agenda política e jornalística internacional, motivaram a inclusão de uma perspectiva histórica e política nos textos que apreciaram o filme quando de seu lançamento.
Sendo cultura e informação sinônimos, a partir da definição de Boris Schinaiderman (1979), a análise do filme “Munique” feita pelas revistas jornalísticas nacionais torna-se relevante para entender como, a partir de um filme de ficção, o conflito real e os povos nele envolvidos se configuram sob três diferentes pontos de vista jornalísticos ou três diagnósticos a respeito da obra. Para Kellner (2001) os filmes não têm uma única mensagem simples e podem dar origem a múltiplas leituras, dependendo dos aspectos que a crítica prefira focalizar e da complexidade do texto em si.
Com o subtítulo “Em Munique, Steven Spielberg traça uma fronteira entre a ética judaica e a política de Israel”, a matéria da revista “Época” do dia 23 de janeiro de 2006 mostra ao leitor que, mais do que falar dos atributos do filme, dos elementos que compõem aquela obra de ficção, o texto dos jornalistas Cléber Eduardo e Marcelo Musa Cavallari se propõe a fazer ligações entre o filme e o contexto político-histórico-cultural de onde emergiu o conflito que originou o roteiro – e como esses dois elementos se comunicam, passados 34 anos, desde as Olimpíadas que dão nome à produção.
Além do subtítulo, a primeira frase da matéria afirma que não se deve esperar das reações ao filme “Munique” apenas julgamentos estéticos. E, de fato, o texto é construído dando mais destaque aos dados sobre os acontecimentos que envolveram o ataque terrorista durante as Olimpíadas de 1972, à retaliação israelense e ao papel central da judaicidade do diretor Steven Spielberg no filme, e menos enfoque às opiniões técnicas acerca da obra. De acordo com a matéria, “um filme é mais poderoso que o livro dos historiadores”. Uma mostra da importância atribuída ao fato do Spielberg ser judeu é a forma como afirmam que apesar do pertencimento a esse determinado grupo étnico, o diretor não mostrou condescendência com os atos praticados pela equipe de contraterrorismo israelense. Ao contrário, por terem sido menos mostradas, as ações dos grupos árabes foram consideradas minimizadas, enquanto “o posicionamento, na imagem, é duro com Israel”.
Informações sobre os cuidados que cercaram Spielberg para diminuir o descontentamento de diversos setores – tanto israelenses quanto palestinos – a respeito do filme figuram na matéria da revista “Época” e em nenhuma outra das revistas analisadas. Assim como o tom de sua crítica se difere das demais, ao terminar o texto afirmando, de forma moderada, que, em “Munique”, o combate ao terrorismo acaba por fomentar novos meios violentos e que essa é a visão de Spielberg. “Todo filme oferece uma visão entre tantas”, observou o jornalista.
Na matéria da revista “IstoÉ” do dia 18 de janeiro de 2006, mais uma vez, o subtítulo serve para demonstrar que o leitor terá contato com uma crítica de filme que não se restringe à obra de ficção. O jornalista Osmar Freitas Jr. escreveu: “Munique, de Steven Spielberg, mostra o que aconteceu após o ataque terrorista contra as Olimpíadas de 1972”. Fica subentendido que o leitor sabe que o filme não se trata de um documentário e que o diretor realizou um filme de ficção baseado em fatos reais. Mas a maneira como o texto é estruturado, a começar por seu subtítulo, reforça a idéia de que verdade e fantasia estão misturadas no filme e também de que a crítica à realidade e a crítica à ficção se juntam num mesmo texto. O jornalista afirma, de modo reducionista, que emoções primitivas são o combustível da política do Oriente Médio e enumera: “amor, ódio ou instinto de sobrevivência puro e simples”.
O reducionismo é produto do tênue limite que separa a ficção e a realidade presente tanto na crítica do filme “Munique” como no próprio filme, como sugere a resenha crítica da revista “Veja”. Com o título “Falso cinema-verdade”, a edição do dia 25 de janeiro de 2006, focalizou a crítica ao filme “Munique” acima da análise dos fatos ocorridos em 1972 ou hoje em dia no Oriente Médio e, ao contrário das demais publicações analisadas, a revista fez da conexão entre os fatos históricos e o enredo ficcional apenas um argumento para concluir que o filme “é confuso e causa grande indignação”. A jornalista Isabela Boscov contextualiza o atentado como o ato que tornou a causa palestina um tema de interesse global, cita o fato de vários países árabes não aceitarem fazer parte da homenagem aos atletas mortos durante as Olimpíadas, não aceitando que suas bandeiras fossem baixadas a meio mastro – atitude não mostrada no filme, mas descrita no livro –, e informa o leitor sobre a probabilidade dos maiores responsáveis pelo atentado das Olimpíadas de 1972 terem fugido para os países que compunham a antiga União Soviética e, por isso, estarem fora da possibilidade de serem encontrados pela missão de vingança da Mossad.
A despeito dos acontecimentos históricos que fazem parte da crítica da revista Veja, o fator mais importante ainda é o filme. E os dados reais informados no texto servem para a constatação final de sua autora, segundo a qual “a realidade sempre é mais intrigante e perturbadora que a ficcionalização”. E, para a revista, a mistura de mensagens e assuntos importantes com entretenimento em larga escala não funciona.
Kellner (2001) acredita que fantasia e entretenimento podem ser veículos diagnósticos de nossa época. No presente artigo não buscamos descobrir qual o diagnóstico “Munique” oferece sobre a sociedade atual, se é que se pode, de fato, oferecer isso. Talvez filmes mostrem apenas algo como a visão de mundo do diretor, do estúdio ou do país onde a produção foi feita. Nos interessa o diagnóstico das revistas “Época”, “IstoÉ” e “Veja” acerca do filme – apesar de sabermos que também esses textos podem dizer algo sobre os veículos nos quais são veiculados e conter impressões próprias do jornalistas que os escreveram, da mesma forma que ocorre com as obras de cinema - e é interessante perceber quais as opiniões sobre a questão Israel Palestina e como são suscitadas a partir da análise da obra de ficção
O ponto comum citado em todas as análises jornalísticas feitas pelas revistas sobre o filme é a busca do roteiro pela objetividade ou pela “simetria” como os textos das revistas “Época” e “Veja” denominaram, coincidentemente. A simetria que poderia ser apontada como um enfoque não-maniqueísta, como uma fuga ao modelo hollywoodiano que separa o bem de um lado e o mal de outro – os árabes, geralmente, do lado mal -, é considerada, pelas críticas, ponto nocivo.
Voltando ao livro, em seu prefácio, Jonas (2005) explicita seu apoio ao estado de Israel e diz fazer isso por duas razões, “além do fato de ser judeu”: por acreditar na democracia liberal de Israel e por não ter simpatia por aqueles que apóiam a causa palestina por meio do terror. Spielberg também é judeu, e sua etnicidade foi amplamente citada pelos jornalistas que escreveram sobre o lançamento do filme. Mas, em sua obra, o diretor se posiciona de modo diferente do escritor. Ele busca a imparcialidade – apesar da impossibilidade de alcançá-la, como veremos adiante – e, se não nutre simpatia pelos terroristas de grupos e facções civis, tampouco parece demonstrar simpatia pelo terrorismo de Estado. Mas por que, afinal, a simetria perseguida pelo roteiro de “Munique” encontrou descontentamento junto à crítica especializada?
No jornalismo, há diversas vertentes acerca da busca pela objetividade. Modernamente, considera-se impossível alcançá-la – por diversos motivos que incluem teorias como a agenda-setting e os gatekeepers (5), nas quais não iremos nos aprofundar –, mas segue sendo uma meta do bom texto jornalístico a insenção, a capacidade de dar voz aos dois ou quantos lados estejam envolvidos numa certa história noticiada.
Hackett (1999) admite que existe uma noção segundo a qual a parcialidade é evitada por meio do equilíbrio de visões de mundo antagônicas. O parecer da revista “IstoÉ” é semelhante: “o cineasta organiza o problema intrincado em pontos simples, valendo-se de expressões opostas para determinar os valores das variáveis”. Mas, se no jornalismo a parcialidade é, tradicionalmente, sinônimo de virtude, a crítica da revista “Veja” demonstra o porquê do mesmo não ser verificado em obras de ficção cinematográfica. Para a revista, “O problema central de Munique é que ele transpira o pavor de Spielberg de que alguém venha a acusá-lo de ter um ponto de vista”. Assim, o filme é criticado por ser imparcial, pois isso, de acordo com a visão dos jornalistas das revistas analisadas, se relaciona à necessidade de agradar a maior parte do público possível, a fim de obter retorno nas bilheterias. A crítica da revista “Época” afirma que, ao invés de evitar os descontentamentos dos dois lados, a simetria moral do enredo “desagradou a judeus e muçulmanos, a israelenses e palestinos”. Sendo o tema polêmico, dentro da busca por espectadores, desagradar parcialmente a ambos é melhor do que deixar descontente apenas um grupo – o que seria “politicamente incorreto”, outra possibilidade que não combina com os grandes estúdios do cinema americano ou com seus altos investimentos.
O diagnóstico das revistas “Época”, “IstoÉ” e “Veja” a respeito do filme “Munique”, de Steven Spielberg, passa por pontos comuns e distintos, mas concluem que a obra tenta se posicionar de modo imparcial, sem condenar nenhum dos lados, sem eleger um deles como correto. Para Kellner (2001), a ideologia é uma retórica que tenta seduzir os indivíduos para que esses se identifiquem com o sistema dominante de valores, crenças e comportamentos. No caso de obras culturais, o meio de propagar uma ideologia não é necessariamente por meio de um apelo explícito, mas os não-ditos e os elementos periféricos são formas de sedução bastante eficazes.
No filme, a retaliação empreendida por Israel não é julgada como errada, mas exposta como incompetente na luta contra o terror e na busca pela paz – embora tenha se mostrado eficiente para a existência do Estado de Israel. O diretor se mantém afastado da discussão sobre o que é certo, mas empenha-se em apontar a ineficácia das mortes. O terrorismo de estado e de facções civis expostos em “Munique” dizem respeito a Israel e aos palestinos, mas não se limita a eles, uma vez que o filme é parte, desde sua concepção, comercialização e lançamento, de um contexto histórico e cultural em que o Ocidente e o Oriente – do qual Israel é parte geograficamente, mas não quanto à política – estão divididos e o terrorismo, suas ideologias e atividades, faz parte do mundo, tanto do lado Ocidental, quanto do Oriental.
Ao combater a objetividade do filme, a busca pela imparcialidade, a crítica jornalística brasileira – representada por aquelas três revistas – evidenciou que se espera de uma obra cultural – feita para entretenimento ou fruição artística – apresente um ponto de vista, que vá além da ideologia segundo a qual se deve permanecer “politicamente correto” – com a justificativa dos interesses econômicos, como sugeriu a crítica da revista “Veja”. Uma obra simétrica não condiz com a realidade, com o mundo assimétrico, desproporcional, desigual onde ocorrem os atos terroristas que o filme retrata.
Não buscamos o diagnóstico que o filme oferece sobre nossa sociedade, mas ao ler o parecer da mídia a respeito do filme, verificamos que há um descontentamento a respeito da distorção da realidade, ainda que ele seja esperado e permitido numa obra de ficção. Os conflitos mundiais e a possibilidade de acompanhá-los, no exato momento em que estão acontecendo, pela televisão, e a abordagem que os demais veículos de comunicação fazem das lutas por reconhecimento de grupos religiosos e políticos, parece ter elevado o nível de exigência do espectador. Espera-se que a realidade esteja diante dos olhos todo o tempo, ainda que se esteja dentro da sala de cinema e diante da projeção de um longa-metragem de ficção.
1 Munique concorreu a seis Oscars: melhor filme, produção, trilha sonora, roteiro adaptado e montagem, além da sexta indicação de melhor diretor na carreira de Steven Spielberg. O filme não venceu em nenhuma das categorias que disputou.
2 Estudo clássico apresentado por Johan Gaultung e Mari Ruge, em 1965 e que aponta os critérios que levam certos fatos a serem convertidos em notícias, enquanto outros são descartados pela imprensa.
3 A Organização Setembro Negro (BSO - Black September Organization) foi fundada em 1970. O nome do grupo vem do conflito conhecido como "Setembro Negro", que começou em 16 de setembro de 1970, quando o rei Hussein da Jordânia, em resposta ao atentado para tomar o seu reino, expulsou milhares de palestinos da Jordânia. O BSO começou como uma pequena célula dos homens determinada a se vingar do rei Hussein.
4 Texto de Julia Dorfman produzido para mesa redonda sobre Oriente Médio, na Semana de História do Uni-BH, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2003. A descontinuidade, segundo a autora, caracteriza uma peculiaridade em relação a outras nações orientais, como Índia e China, cuja continuidade da tradição cultural culminou com a fundação de dois impérios
5 Para mais informações sobre o assunto: Wolf (1987)
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. Um retrato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003
CATTAN, Henry. A Palestina e o direito internacional. Aspectos jurídicos do conflito árabe-israelense; tradução de Aurélio de Lacerda. Curitiba : Grafipar, (s.d)
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1985
HACKETT, Robert. Declínio de um paradigma? A parcialidade e a objetividade nos estudos dos media noticiosos.
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