Capalbo, C. (2005). Fenomenologia e ciências humanas. Memorandum, 9, 155-156. Retirado em    /   /   , do World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a09/capalbo01.htm

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Resenha

Fenomenologia e ciências humanas

 

 Phenomenology and Human Sciences

 Creusa Capalbo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Brasil
 
Ales Bello, A. (2004). Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e religião. (M. Mahfoud e M. Massimi, Org.s e Trad.s). Bauru: Edusc.

Conforme informa a editora, esta obra é o resultado da tradução realizada de dois cursos ministrados pela autora no Brasil, em 2002 e 2003, com o apoio da UFMG e da USP. É interessante ressaltar que foi feliz a manutenção, por parte dos tradutores, do estilo coloquial e o trabalho de transcrição e editoração realizados pelos organizadores e participantes dos cursos, pois tornaram o texto bastante acessível à compreensão da fenomenologia de E. Husserl e das interligações da fenomenologia com a psicologia, a história e a religião.

Na verdade o objetivo maior de Angela Ales Bello é o de chegar à estrutura universal, presente em cada um de nós, descoberta em nossas vivências pessoais, na historicidade da nossa vida humana tal como ela se dá na vivência do mundo da vida.

A obra se apresenta em duas partes, contendo, nove capítulos e dois apêndices. Estes se referem a “observações metodológicas sobre a História das Idéias” e sobre “Husserl, Heidegger e Scheler”, onde procura responder a questões levantadas pelos ouvintes de seu curso. No caso de Husserl trata de responder à dificuldade de se entender o seu pensamento em confronto com Descartes (ego cogito), com Kant (a noção de transcendental) e o positivismo (subjetividade versus objetividade). No caso de Scheler, por este ter-se interessado pela análise da esfera afetiva e da ética dos valores e da religião - assuntos publicados em vida por Scheler, e que dizem não ter sido do interesse de Husserl, o que não é verdade. Tais assuntos foram estudados por Husserl, tal como hoje podemos saber graças à publicação de parte de seus manuscritos. No caso de Heidegger a afirmação, por parte de certas pessoas, de que é mais fácil entender a via fenomenológica por meio de Heidegger, como se não houvessem diferenças entre o que ambos entendiam por fenomenologia.

A. Ales Bello se detém, em sua exposição, à análise “da estrutura transcendental do ser humano”, procurando mostrar ser indissociável intencionalmente dos atos entendidos como vivências, fazendo parte, pois, da subjetividade, tendo destes atos consciência.

Ela mostra claramente que os atos psíquicos têm o sentido geral – desde a antiguidade grega – pertencer à alma; já serão considerados do espírito quando os atos se referem à vontade, ao ato de querer. Mas, como ela o diz, a estrutura transcendental do homem é tripartida, pois ela implica na corporeidade.

Convém destacar que a questão do método fenomenológico - a análise das vivências, da intencionalidade, da empatia, da relação noético-noemática, da redução transcendental - são exposições as mais claras e corretas publicadas em língua portuguesa aqui no Brasil, provenientes das análises dos textos de Husserl. Por si só, estas páginas (de 80 a 101, de 163 a 186, de 205 a 220) já são essenciais para se compreender as relações possíveis da fenomenologia com a psicologia (ver páginas 103 a 137, 180 a 184), com a história (páginas 135 a 163, 198 a 204), e a religião – temas que A. Ales Bello desenvolve em seu livro.

Na parte dois, intitulada pela autora de “Arqueologia Fenomenológica do Sagrado e do Religioso”, Ales Bello mostra que Husserl não se interessa tão somente pela universalidade da estrutura da subjetividade transcendental. Ele se interessa também pelos “diferentes conteúdos”, pois cada pessoa tem seu mundo, tem “um mundo circundante diverso” que nos leva a necessidade de considerar e olhar “a diversidade das culturas” (p. 189). Daí advém, segundo Ales Bello, o tema da “fenomenologia da cultura ocidental”, estando nele inserido o da análise do fenômeno religioso (p. 193ss). É claro que a autora não nega a existência de manifestações filosóficas em outras culturas fora da ocidental, sendo esta originária da filosofia grega. Ela mesma diz: “na cultura oridental há a filosofia indiana, a filosofia asiática, mas uma racionalização teórica como as da filosofia ocidental, não” (p. 203). A tese que interessa à autora é a de mostrar que, se há diversidade cultural, o que importa é nela examinar as estruturas humanas universais que aí se mostram presentes.

No término de seu livro, Ales Bello se dedica à fenomenologia da religião, ou seja, o sentido do que chamamos “sagrado e religioso”. Ela parte da análise do que vem a ser “experiência religiosa”, tomando como referência o primeiro autor que publicou uma obra sobre este tema: Gerardus van der Leeuw.

Ales Bello termina aprofundando temas já publicados em obra anterior, intitulada “Culturas e religiões” (tradução brasileira também publicada pela Edusc). Tais temas são o da relação entre o sagrado e o religioso, a encarnação da divindade, os sacramentos no cristianismo, a contribuição da cultura ocidental cristã.

Por tudo o que aqui procuramos apresentar ao leitor sobre a obra de Ales Bello, resta-nos dizer que é, não só “clara e distinta”, mas faz-nos vivenciar com ela a fenomenologia no seu ato intersubjetivo de ensinar e aprender, próprio ao educador. É uma obra recomendável a professores, alunos e a todos que venham a se interessar pela compreensão não só da fenomenologia pura transcendental, mas também da relação desta com a psicologia, a história e a religião.

Nota sobre a autora

Creusa Capalbo é doutora em filosofia, dedicando-se particularmente à fenomenologia, principalmente a de E. Husserl e A. Schutz. No campo das pesquisas empíricas tem contribuído especialmente ao campo da saúde. Foi professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Contato: Rua Fernando Osório, 18, ap.402, Flamengo, CEP 20230-040 – Rio de Janeiro – RJ, Brasil.

 

Data de recebimento: 14/09/2005
Data de aceite: 20/09/2005

Memorandum 9, out/2005
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a09/capalbo01.htm

 

 

 

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