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Ales
Bello, A. (2004). Fenomenologia
e ciências humanas:
psicologia, história e religião. (M. Mahfoud e M. Massimi, Org.s e
Trad.s). Bauru: Edusc.
Conforme
informa a editora, esta obra é o resultado da tradução realizada de
dois cursos ministrados pela autora no Brasil, em 2002 e 2003, com o apoio
da UFMG e da USP. É interessante ressaltar que foi feliz a manutenção,
por parte dos tradutores, do estilo coloquial e o trabalho de transcrição
e editoração realizados pelos organizadores e participantes dos cursos,
pois tornaram o texto bastante acessível à compreensão da fenomenologia
de E. Husserl e das interligações da fenomenologia com a psicologia, a
história e a religião.
Na
verdade o objetivo maior de Angela Ales Bello é o de chegar à estrutura
universal, presente em cada um de nós, descoberta em nossas vivências
pessoais, na historicidade da nossa vida humana tal como ela se dá na vivência
do mundo da vida.
A
obra se apresenta em duas partes, contendo, nove capítulos e dois apêndices.
Estes se referem a “observações metodológicas sobre a História das
Idéias” e sobre “Husserl, Heidegger e Scheler”, onde procura
responder a questões levantadas pelos ouvintes de seu curso. No caso de
Husserl trata de responder à dificuldade de se entender o seu pensamento
em confronto com Descartes (ego cogito), com Kant (a noção de
transcendental) e o positivismo (subjetividade versus objetividade). No
caso de Scheler, por este ter-se interessado pela análise da esfera
afetiva e da ética dos valores e da religião - assuntos publicados em
vida por Scheler, e que dizem não ter sido do interesse de Husserl, o que
não é verdade. Tais assuntos foram estudados por Husserl, tal como hoje
podemos saber graças à publicação de parte de seus manuscritos. No
caso de Heidegger a afirmação, por parte de certas pessoas, de que é
mais fácil entender a via fenomenológica por meio de Heidegger, como se
não houvessem diferenças entre o que ambos entendiam por fenomenologia.
A.
Ales Bello se detém, em sua exposição, à análise “da estrutura
transcendental do ser humano”, procurando mostrar ser indissociável
intencionalmente dos atos entendidos como vivências, fazendo parte, pois,
da subjetividade, tendo destes atos consciência.
Ela
mostra claramente que os atos psíquicos têm o sentido geral – desde a
antiguidade grega – pertencer à alma; já serão considerados do espírito
quando os atos se referem à vontade, ao ato de querer. Mas, como ela o
diz, a estrutura transcendental do homem é tripartida, pois ela implica
na corporeidade.
Convém
destacar que a questão do método fenomenológico - a análise das vivências,
da intencionalidade, da empatia, da relação noético-noemática, da redução
transcendental - são exposições as mais claras e corretas publicadas em
língua portuguesa aqui no Brasil, provenientes das análises dos textos
de Husserl. Por si só, estas páginas (de 80 a 101, de 163 a 186, de 205
a 220) já são essenciais para se compreender as relações possíveis da
fenomenologia com a psicologia (ver páginas 103 a 137, 180 a 184), com a
história (páginas 135 a 163, 198 a 204), e a religião – temas que A.
Ales Bello desenvolve em seu livro.
Na
parte dois, intitulada pela autora de “Arqueologia Fenomenológica do
Sagrado e do Religioso”, Ales Bello mostra que Husserl não se interessa
tão somente pela universalidade da estrutura da subjetividade
transcendental. Ele se interessa também pelos “diferentes conteúdos”,
pois cada pessoa tem seu mundo, tem “um mundo circundante diverso” que
nos leva a necessidade de considerar e olhar “a diversidade das
culturas” (p. 189). Daí advém, segundo Ales Bello, o tema da
“fenomenologia da cultura ocidental”, estando nele inserido o da análise
do fenômeno religioso (p. 193ss). É claro que a autora não nega a
existência de manifestações filosóficas em outras culturas fora da
ocidental, sendo esta originária da filosofia grega. Ela mesma diz: “na
cultura oridental há a filosofia indiana, a filosofia asiática, mas uma
racionalização teórica como as da filosofia ocidental, não” (p.
203). A tese que interessa à autora é a de mostrar que, se há
diversidade cultural, o que importa é nela examinar as estruturas humanas
universais que aí se mostram presentes.
No
término de seu livro, Ales Bello se dedica à fenomenologia da religião,
ou seja, o sentido do que chamamos “sagrado e religioso”. Ela parte da
análise do que vem a ser “experiência religiosa”, tomando como referência
o primeiro autor que publicou uma obra sobre este tema: Gerardus van der
Leeuw.
Ales
Bello termina aprofundando temas já publicados em obra anterior,
intitulada “Culturas e religiões” (tradução brasileira também
publicada pela Edusc). Tais temas são o da relação entre o sagrado e o
religioso, a encarnação da divindade, os sacramentos no cristianismo, a
contribuição da cultura ocidental cristã.
Por
tudo o que aqui procuramos apresentar ao leitor sobre a obra de Ales
Bello, resta-nos dizer que é, não só “clara e distinta”, mas
faz-nos vivenciar com ela a fenomenologia no seu ato intersubjetivo de
ensinar e aprender, próprio ao educador. É uma obra recomendável a
professores, alunos e a todos que venham a se interessar pela compreensão
não só da fenomenologia pura transcendental, mas também da relação
desta com a psicologia, a história e a religião.
Nota
sobre a autora
Creusa
Capalbo é doutora em
filosofia, dedicando-se particularmente à fenomenologia, principalmente a
de E. Husserl e A. Schutz. No campo das pesquisas empíricas tem contribuído
especialmente ao campo da saúde. Foi professora da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Contato:
Rua Fernando Osório, 18, ap.402, Flamengo, CEP 20230-040 – Rio de
Janeiro – RJ, Brasil.
Data
de recebimento: 14/09/2005
Data de aceite: 20/09/2005
Memorandum
9, out/2005
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a09/capalbo01.htm