Nascimento, A.R.A. e Menandro, P.R.M. (2005). Reinações de menino: a memória saudosa da infância na música popular brasileira. Memorandum, 9, 09-27 . Retirado em    /   /   , do World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a09/nascimenan02.htm

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Reinações de menino: a memória saudosa da infância na música popular brasileira
 
Boy’s pranks: the longing memory of childhood in Brazilian popular songs
 
Adriano Roberto Afonso do Nascimento
Universidade Federal de Minas Gerais
 
Paulo Rogério Meira Menandro
Universidade Federal do Espírito Santo
Brasil

 

Resumo
Os “tempos de menino” têm sido identificados recorrentemente como saudosos tanto nas produções artístico-culturais quanto nas lembranças do homem comum no Brasil. Numa perspectiva que considera que a partilha de elementos socialmente recordados pode condicionar também a delimitação de elementos aos quais podemos direcionar nossas saudades, buscamos identificar de que forma elementos recorrentes na lembrança saudosa da infância estão articulados sob a própria dinâmica da memória social, submetendo 70 letras de canções populares brasileiras a três procedimentos de análise: análise lexical, análise de conteúdo e redes de conteúdos. Os resultados apontaram uma significativa presença de lembranças de atividades, interações sociais e lugares indicativos de espaços exteriores ao doméstico, bem como de uma série de elementos que poderiam sugerir a caracterização dessas memórias como lembranças de migrantes. O tratamento integrado dos resultados permitiu a identificação da dinâmica do discurso saudoso analisado como estreitamente relacionada à dinâmica mais geral da Memória Social.

Palavras-chave: memória social; saudade; infância; música popular; metodologia

Abstract
“Boy's times” have been identified usually as longing in the artistic-cultural productions and in the common man's memories in Brazil. Considering that the elements socially remembered can condition the delimitation of elements to which we can address our longings, we try to identify how recurrent elements in the longing memory of the childhood are joined under the dynamics of social memory itself, submitting 70 lyrics of Brazilian popular songs to lexical analysis, content analysis and nets of contents. The results pointed a significant presence of memories of activities, social interactions and places that indicate external spaces to the domestic one, as well as of a series of elements that could suggest the characterization of those memories as migrants' memories. Integrated treatment of results allowed the identification of dynamics of the longing speech analyzed as deeply related to the general dynamics of Social Memory.

 Keywords: social memory; longing; childhood; popular song; methodology

 

INTRODUÇÃO

Produzidos em quantidade considerável por escritores brasileiros do Século XX, principalmente a partir da Década de 40 (Souza, 2001; Zagury, 1982), os relatos autobiográficos sobre a infância podem ser considerados fontes de evidente relevância para o estudo da interação entre os temas Memória e Infância no contexto brasileiro desse período.

Na esteira desse aumento de interesse pelo escrever sobre os “tempos de menino”, interesse certamente relacionado a uma tendência mais geral de valorização de relatos autobiográficos de maior abrangência (Nora, 1993), também com muita recorrência esse tema pode ser encontrado numa outra importante produção cultural do nosso país: a canção popular.

Numa perspectiva que tem possibilitado se considerar a produção de compositores populares como crônicas sobre aspectos marcantes de nossa história e de nossos costumes (Matos, 1982; Napolitano, 2002), é possível admitir-se que letras de músicas populares que falam sobre a infância de seus compositores, portanto também discursos autobiográficos, podem, assim como os relatos orais ou escritos, representar fonte relevante, ainda que pouco usual, para o estudo sobre a Memória da Infância no Brasil do Século XX.

O conceito/sentimento moderno de Infância, que começa a ganhar significado a partir do Século XVII (Ariés, 1981; Gélis, 1991) e que, segundo Postman (1999), está em vias de desaparecer, tem assumido a fragilidade, a inocência e a felicidade como características idealmente associadas à categoria social dele derivada: a criança. Entretanto, como atestam Kuhlmann Jr. & Fernandes (2004), “se é possível falar de um sentimento moderno da infância, isso não quer dizer que as crianças reais das diferentes classes e grupos sociais vivam a representação sonhada pelos adultos” (p. 24). Tem mostrado tal fato boa parte da produção acadêmica sobre a história da infância no Brasil (por exemplo, Freitas, 2003; Del Priore, 2000). Ainda assim, pode-se considerar que essa “representação sonhada pelos adultos” condiciona diretamente o recontar a infância por esses mesmos adultos (Chombart de Lauwe, 1991), seja no sentido de confirmar essa representação ou de nega-la através das suas próprias recordações.

Com a utilização de relatos orais sobre a infância, trabalhos realizados no Brasil sobre memórias de nascidos a partir do final do Século XIX (Bosi, 1999; Caldana; 1998; Silva, Garcia e Ferrari, 1989; Fernandes, 2002, Cardoso, 2004) têm apresentado pontos coincidentes: a) a tendência considerável dos entrevistados em relatarem acontecimentos de suas infâncias vividas em locais sobre os quais também tecem avaliações sobre elementos que desaparecem ou mudam ao longo do Século XX; b) a caracterização das atividades infantis como o conteúdo mais recorrentemente evocado; c) para aqueles entrevistados criados em famílias mais pobres, aparecem como relevantes a situação de privação em suas infâncias, bem como a descrição de atividades que poderiam ser caracterizadas atualmente como trabalho infantil; d) um certo tom saudoso presente em vários relatos.

Esse último elemento, que conjuga lembrar e sentir, nos parece fundamental na proposição de uma linha investigativa sobre a Memória Social no nosso país. Tal entendimento está baseado na freqüência com que, cotidianamente, utilizamos o termo Saudade para indicar a existência de um componente explicitamente afetivo no que é recordado. Esse componente certamente implica a articulação, ainda que em níveis diferentes, de uma série de fatores responsáveis pela determinação do que pode ser considerado socialmente como saudoso: a representação mais geral do objeto do qual se tem saudade, a dinâmica dessa representação em contextos adversos à mesma e, por fim, uma concepção mais cotidiana de que sentir saudade é algo caracteristicamente brasileiro (Nascimento e Menandro, 2005).

Numa perspectiva que admite que tanto a identificação dos objetos aos quais relacionamos nossa Saudade (Botelho e Teixeira, 1986; DaMatta, 1993) quanto a construção de conteúdos de Memória são eminentemente negociadas no jogo das práticas cotidianas, implicando uma partilha de concepções e imagens que pode permitir a produção de um campo de significados comuns (Sixto & Justicia, 2003; Halbwachs, 1990; Jedlowski, 2001; Olick, 1999; Connerton, 1999), parece-nos relevante analisar a interação entre elementos saudosamente recordados num jogo de coerências identificado como próprio da organização das lembranças (Santos, 2003; Pollak, 1992; Lowenthal, 1998; Fentress e Wickham, s/d). No nosso caso específico, das lembranças saudosas da infância.

Assim, este trabalho teve como objetivo identificar e analisar os principais elementos do discurso sobre a saudade da infância presentes em letras de canções populares compostas ou gravadas a partir de 1927 (a partir da Década de 20 a produção fonográfica, principalmente a popular, cantada em português, vai progressivamente se avolumando).

METODOLOGIA

Foram analisadas 70 letras de músicas compostas e/ ou gravadas a partir de 1927, que ficaram assim distribuídas pelas décadas: a) 1927-1934 (05 letras); b) 1935-1944 (08); c) 1945-1954 (07); d) 1955-1964 (12); e) 1965-1974 (07); f) 1975-1984 (11); g) 1985-1994 (09); e h) 1995-2002 (11). A coleta de letras de sambas, marchas, modas de viola, repentes, guarânias, valsas, xotes, frevos, entre outras modalidades, foi realizada em livros, revistas, discos e CDs de acervos particulares volumosos e representativos, pelo fato de abrangerem todo o século XX a partir dos anos 1920, e no acervo da Rádio Espírito Santo AM, em Vitória/ES. Como critérios para a inclusão de uma letra no banco de dados, utilizamos:

1) Presença da palavra “saudade”. Pelo fato de se tratar de palavra que não tem sinônimo exato, os letristas empregam, com freqüência, exatamente essa palavra quando querem mencionar o assunto. Uma alternativa possível foi lançar mão de expressões, correntes ou originais, que pretendessem transmitir a mesma idéia. Isso remete ao próximo critério.

2) Presença de elementos que comuniquem um estado ou sentimento explicitamente saudoso, ainda que não esteja presente a palavra “saudade”, valendo-se de expressões que podem ser consideradas como pertencentes a esse âmbito. São expressões do tipo “tempo bom que não volta mais”, “quem dera voltar àquele tempo”, “que falta sinto da terra em que cresci”, “como era bom meu tempo de brincar”, que são expressões claramente relacionadas com a idéia de saudade.

Deve-se ainda observar que, seguindo uma tendência da produção musical brasileira em geral, no banco de dados analisado o número de letras de compositores excedeu em muito o de compositoras. Assim, esse trabalho refere-se explicitamente às memórias de infâncias masculinas. Sobre tal aspecto, a literatura tem mostrado que a diferenciação entre memórias masculinas e femininas é significativa, pelo menos quanto ao conteúdo: as memórias femininas têm como característica geral se relacionarem com mais freqüência ao espaço privado/ doméstico, em oposição às lembranças masculinas, que possuem forte referência ao lado de fora da casa (Perrot, 1989; Bosi, 1999; Fentress e Wickham, s/d) (1).

Para o tratamento desse banco de letras sobre lembranças saudosas da infância foram utilizados três procedimentos de análise: 1) um programa computacional para análise estatística de dados textuais, o ALCESTE (Analyse Lexicale par Context d’un Ensemble de Segments de Texte - Kalampalikis, 2003; Reinert, 1998 e 2001); 2) um procedimento clássico de Análise de Conteúdo (Bardin, 1979; Bauer, 2002; Vala, 2003); e num terceiro momento, 3) um procedimento que acreditamos ter promovido a articulação dos dois primeiros e proporcionado uma apresentação mais contextualizada dos vínculos entre as letras analisadas. Identificamos esse processo como “Redes de Conteúdo”.

RESULTADOS

Devido às limitações que esse formato de texto pressupõe, optaremos por apresentar os principais resultados dos três procedimentos, procurando conjugá-los na seção de Discussão.

ALCESTE

De forma mais geral, o software ALCESTE parte do pressuposto de que grupos diferentes se expressam utilizando vocabulários também diferentes (Kronberger e Wagner, 2002). Nessa direção, o programa trabalha com a identificação de co-ocorrências de palavras em segmentos de texto, objetivando detectar agrupamentos maiores de elementos que possam sugerir também agrupamentos de representações sobre determinado objeto alvo do discurso analisado. Da série de resultados dos procedimentos estatísticos realizados pelo software utilizaremos para esse trabalho os resultados da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) (2), da Análise Fatorial de Correspondência (AFC), assim como exemplos de Unidades de Contexto Elementar  características de cada uma das classes.

Na Figura 1 podemos observar as quatro classes resultantes da CHD, bem como a porcentagem de Unidades de Contexto Elementar contidas em cada classe, as formas reduzidas de palavras relacionadas a cada uma das classes, com o Q² de associação, e os títulos dados por nós às classes.

Figura 01: Formas reduzidas distribuídas por Classe (CHD)

Além das Classes e formas reduzidas, o programa produz uma lista de UCE características de cada Classe, acompanhadas pelo Q² que indica associação, ou seja, quanto maior o Q², mais característica da Classe é a UCE apresentada. Essa lista serve como primeira informação a ser utilizada para se nomear as Classes, pois permite recuperar as palavras associadas com a classe (em negrito) em seu contexto mais próximo. As UCE devem ser lidas em conjunto, a fim de que se possa extrair sentido no confronto das informações gerais de cada uma das Classes.

UCE Características da Classe 01:

Q²      Unidade de Contexto Elementar

23      “estou velho e a saudade da infância vai chegando e eu fico sempre a recordar que soltava o meu barquinho na torrente e ele ia para nunca mais voltar”. Barquinho de papel (Antônio Vieira); 2002.

19      vou rodar pião, vou brincar na areia lá do meu terreiro. Quem chegar primeiro vai ter seu lugar. Vou cantar ciranda, vou sujar a cara, vou crescer depressa, vou me agigantar”. Ciranda (Manuelito); 1996.

Na lista acima queremos chamar a atenção para o elevado número de verbos que indicam movimento (chegar, rodar, brincar, soltar, cantar, por exemplo) apontando para uma tendência à caracterização da Classe como um agrupamento que envolve atividades relacionadas preferencialmente a contextos que poderiam ser identificados como de brincadeiras. A própria noção de brincadeira, assim como as menções a “crescer depressa” e “agigantar” deixam evidente um componente de imaginação sempre presente.

UCE Características da Classe 04:

Q²      Unidade de Contexto Elementar

29       “imagens que guardo tão minhas dos bons tempos para trás, do bate-papo alegre na pracinha, oi, amor, o amor de criança que aqueceu minha ilusão”. Bons tempos (Raul Sampaio); 2001.

26       dos meus tempos de criança guardo tanta coisa boa. Dos sonhos, ilusões e da lembrança da vida que eu levava à toa, da primeira namorada, do primeiro beijo amigo”. Meus primeiros carnavais (Silvio Silva e Romeo Nunes); 1968.

Como pudemos observar na Figura 1, as classes 01 e 04 possuem uma maior proximidade, formando um grupo que deve ser entendido como não vinculado ao grupo formado pelas classes 02 e 03. Ainda que as Classes 01 e 04 possuam essa maior proximidade relativa, nas suas identificação e nomeação, elas devem ser consideradas como também formadas por elementos que se excluem, mesmo que menos radicalmente. Se assim não fosse, seriam uma só Classe. Dessa forma, a leitura das UCE características da Classe 04, onde elementos como ilusão, alegria, amor, sonhos e feliz estão presentes, parece já apontar para um agrupamento maior relacionado aos sentimentos associados às atividades próprias do mundo da infância, o que pode ser reforçado pela idéia de que algo da infância ficou guardado, algo não propriamente material. Temos, então, para as Classes 01 e 04, a formação de uma dupla referência: atividade-imaginação e sentimento-lembrança. Veremos depois como essa dupla referência pode ser entendida na comparação com a dupla referência produzida pelas Classes 02 e 03.

UCE Características da Classe 02:

Q²        Unidade de Contexto Elementar

24       “quando eu saí de casa, me atropelei no espaço. Tudo era aço e todo inteiro que eu pensei era pedaço [eu sei]. Eu sei, eu via o mundo com os olhos presos num segundo”. Eterno Instante (Gê Lara); 1997.

19       “E você queria que o mar fosse no quintal, e ancorar lá no terreiro numa ilha de isopor. O meu farol era uma flor daquelas que o cheiro incendeia, ioiô”. Cirandinha (Josino Medina); 1996.

16      “O remédio era chá de quinequina, erva doce, canela e agrião. Alimento cuscuz, queijo e feijão, milho assado, canjica e melancia. [Se a viola falasse, cantaria a saudade que sinto do sertão]. O sertão que morei de antigamente sei que o povo era mais ignorante, mas sabia prezar seu semelhante, respeitar a Jesus onipotente”. Saudades do sertão (Luiz Antônio, Damião da Silva); 2000.

14       “tempinho bom que não volta mais! Em Minas Gerais tem ferro, tem ouro, tutu, tem gado zebu, tem também umas toadas, alma sonora das quebradas, encanto das noites de luar”. Aquarela mineira – Parte 1 (Ary Barroso); 1950.

Note-se que, de maneira geral, as UCE características da Classe 02 estão relacionadas à identificação/ descrição de lugares (casa, mundo, terreiro, sertão, Minas Gerais), de elementos caracterizadores de determinados lugares (gado, flor) e de elementos que podem estar se referindo também a uma identificação da rede de sociabilidade lembrada (povo).

UCE Características da Classe 03:

Q²      Unidade de Contexto Elementar

41       “eu corria acelerado pra segurar na sua mão que, de macia, parecia papel fino de balão. E hoje, quando chega São João, eu vejo quanta coisa se acabou”. Olhando o céu todo enfeitado (Assis Valente); 1935.

41       “Chegou a hora da fogueira, é noite de São João. O céu fica todo iluminado, fica o céu todo estrelado, pintadinho de balão”. Chegou a hora da fogueira (Lamartine Babo); 1933.

A direção do agrupamento dessa Classe é mais evidente que as anteriores. Trata-se das Festas de São João. Estão aí os seus elementos mais tradicionais: a fogueira e os balões. Nessa Classe também o elemento visual desempenha um papel importante: ver o céu estrelado, pintadinho de balão.

Na nomeação das Classes 02 (Povo, terra, casa) e 03 (Festa de São João) levamos em consideração a polaridade entre uma descrição estrita de espaço físico (aqui povo e mãe, conforme a Figura 1, são entendidos como elementos que também compõem esse espaço) e a particularidade de um momento que apresenta, por suas características, um acontecimento totalmente associado a tal espaço. É necessário observarmos que, embora nessa Classe também existam verbos de movimento, esses verbos se referem às atividades relacionadas a um acontecimento específico: a Festa de São João.

Tomando as 04 Classes em suas inter-relações, numa visão mais abrangente, podemos estabelecer dois grandes pólos. O primeiro, formado pelas Classes 01 e 04, representa, na nossa avaliação, um grupo que se refere a algo que foi ou é sentido como decorrência da vivência do mundo infantil “por dentro”, ou seja, com atividades, brincadeiras, imaginação, emoções, ilusões e inocência. O pólo refere-se ao sujeito: é ele quem corre contra o vento e essa lembrança de felicidade tem caráter diverso de uma simples descrição da atividade. No segundo pólo, os elementos visual e sonoro das festas de São João (Classe 03) e a descrição do lugar (Classe 02) se “unem” na oposição ao que é eminentemente sentimento recordado. Nomeamos, assim, o grupo formado pelas Classes 01 e 04 como “Interpretativa – Imaginativa, ‘O sentimento do mundo infantil’” e o grupo formado pelas Classes 02 e 03 como “Descritiva – Visual – Sonora, ‘Imagens do pequeno mundo outrora’”, numa tentativa de ilustrar a partir de uma perspectiva mais simbólica o que até agora discutimos (3).

Na Figura 2 encontraremos a representação da Análise Fatorial de Correspondência realizada pelo Alceste. Nessa figura estão as formas reduzidas relacionadas a cada uma das Classes, o que nos permite acompanhar as inter-relações acima descritas. Aqui convém observar que os resultados do cruzamento entre classes e períodos (também realizado pelo programa) não apresentou, com exceção para o período 1955-1974 na Classe 04, uma maior identificação entre grandes períodos consecutivos e as Classes.  Isso demonstra que há uma manutenção de vocabulário no discurso saudoso sobre a infância ao longo do século. A Figura 2 também apresenta de maneira mais visível a polarização por nós identificada entre as Classes 01 e 04 e as Classes 02 e 03. Observe-se que no Eixo 01 (x) encontramos se contrapondo os agrupamentos de palavras que indicam predominantemente “Contexto” (mundo, rio, sertão, lua, chão, terra, gente, por exemplo) ou “Atividade” (brincar, jogar, correr, voltar, bola, por exemplo). O Eixo 2 (y) é constituído pelos pólos “Sentimento” (notar que a Classe 04 tem todos os seus elementos aí localizados) e “Mundo” (agrupam-se aqui as palavras que se referem a atividades, incluindo as juninas, e aos locais onde essas ocorrem).

Figura 02 - Análise Fatorial de Correspondência (Classes, formas reduzidas e eixos)

ANÁLISE DE CONTEÚDO

Optamos por apresentar no Quadro I os resultados gerais da Análise de Conteúdo, apontando as Categorias e o total de itens (subcategorias) classificados em cada uma delas. Como se pode observar nesse quadro, as categorias que mais concentraram elementos foram: Atividades (43 subcategorias), Brincadeiras, jogos, brinquedos (26) e Elementos Naturais (23). Essas categorias continham, por exemplo:

  • Atividades: Correr/ correr de pé descalço (11 letras), Brincar (08), Banhar-se no rio/ cacimba/ nadar (06), Andar à toa/ ganhar a rua/ vadiar (05), Fazer travessura (04), Ir ao cinema (03), Trocar gibi/ figurinha (02), Jogar pedra em mangueira/ colher mexericas (02), Pescar (02), Pular fogueira (02), Sambar/ sambar de pé no chão (02), Pular na rua/ pular (02), Caçar passarinho (02), Brigar (02) e Andar no mato (02).

Exemplo: “Garoto da rua que corre na frente da turma valente, que tasca balão, na bola de meia é craque afamado, é rei coroado cravando pião”. Garoto da Rua (René Bittencourt); 1947.

  • Brincadeiras, jogos, brinquedos: Roda/ ciranda (09 letras), Pião (08), Futebol (07), Balão (06), Papagaio/ pipa (06), Bolas de gude (04) e Polichinelo/ boneco de palha/ boneca (03).

Exemplo: “Ai, que saudades que eu tenho duma travessura, o futebol de rua, sair pulando muro, olhando fechadura e vendo mulher nua”. Doze anos (Chico Buarque); 1979.

  • Elementos Naturais: Rio/ cachoeira/ lagoa/ regato (12 letras), Árvores frutíferas/ frutas (09), Pássaros (08), Luz do sol/ sol (05), Campina/ mato/ serra verde (04), Chuva (04), Palmeira/ pé de cedro/ paineira/ plantas (03), Flores (03), Vento/ brisa (03), Luar (03).

Exemplo: “Quisera ver-te no passado, Olinda, quando ainda eras cheia de ilusões, para contemplar a tua paisagem, para olhar teus mares, ver teus coqueirais”. Olinda, Cidade Eterna (Capiba); 1950.

Quadro I – Categorias da Análise de Conteúdo

REDES DE CONTEÚDO

Antes de iniciarmos a apresentação dos resultados desse procedimento, é necessário que façamos mais algumas considerações, além daquelas já realizadas na Metodologia, sobre a construção das Redes de Conteúdos. Como já anteriormente dito, as categorias formadoras das redes são provenientes da análise do Alceste e das principais categorias da Análise de Conteúdo (4). Isso nos possibilitou a reunião de algumas categorias presentes nessa segunda análise (AC) sob uma categorização mais geral proposta pelo software, como pode ser vista a seguir:

* Atividades infantis, brincadeiras, jogos = Atividades + Brincadeiras, jogos, brinquedos (maior quantidade de elementos reunidos no Alceste na Classe 01: Atividade e Imaginação);

* Um tempo feliz, sonhos, ilusões = concepções (positivas) de infância + sonhos e ilusões + ontem (maior quantidade de elementos reunidos no Alceste na Classe 04: Sentimentos guardados);

* Vínculo com o lugar = Vínculo com o lugar;

* Hoje sofrido, triste = Hoje + Ilusões perdidas/ sonhos mortos;

* Rua, praça, quintal = “Rua” + “Praça/ Largo” + “Quintal/ terreiro” da categoria Lugares;

* Sociabilidade = Sociabilidade menos “Primeiro amor/ meninas/ mocinhas/ primeira namorada”;

* Amores infantis = Elementos amorosos + “Primeiro amor/ meninas/ mocinhas/ primeira namorada” da categoria Sociabilidade;

* Elementos musicais = Elementos musicais;

* Festas = Festas (maior quantidade de elementos reunidos no Alceste na Classe 03: Festa de São João);

* Quem dera voltar = Quem dera voltar;

* Não volta mais = Não volta mais;

* Elementos naturais = Elementos naturais.

Observe-se que alguns elementos constitutivos da Classe 03 do Alceste (Terra, povo, casa) estão distribuídos nas categorias Sociabilidade, Vínculo com o lugar e Elementos naturais. Preferimos manter essa pulverização, pois a intenção aqui foi unir previamente apenas os resultados das duas análises que apontassem de forma mais evidente para uma mesma direção. No nosso entender, tal possibilidade não se dava para a formação de apenas uma categoria que juntasse elementos aparentemente tão diversos (Sociabilidade, Vínculo com o lugar e Elementos naturais); somente os resultados da construção de uma Rede de Conteúdos poderiam representar na co-ocorrência de elementos um agrupamento que se assemelhasse ao resultante da Classe 03 do Alceste.

Constituídos o que a partir de agora chamaremos de “nós” de conteúdos, efetuamos uma nova leitura do banco de dados, anotando para uma mesma música a co-ocorrência de elementos passíveis de serem incluídos em cada um desses nós nas suas linhas de união. Temos, portanto, nas figuras das redes a freqüência dessas ligações entre as letras das canções. A somatória dessas freqüências em cada uma das figuras não é necessariamente menor ou igual a 70 (número total de letras) porque uma mesma letra, e esse é o objetivo, está classificada, no mínimo, em dois nós. Como procuramos proceder à análise letra por letra até que para cada uma delas estivessem esgotadas as possibilidades de classificação em outros nós, além dos já identificados, obtivemos uma rede total de relações entre os agrupamentos de elementos. Como é possível imaginar, tal processo teve como resultado uma figura que se revelou, com linhas cruzadas entre 12 nós e com a distribuição de 70 pontos entre essas linhas, impossível de ser representada de uma forma mais clara nos limites de uma página. Optamos, por esse motivo, para o presente artigo, pela apresentação dos dois nós que mais agregaram elementos, ou seja, que se articulam de forma mais consistente com os demais: são eles “Atividades infantis, brincadeiras, jogos” e “Elementos naturais” (Figura 03).

Figura 03 – Nós “Atividades infantis, brincadeiras, jogos” e “Elementos naturais” da Rede de Conteúdos

O primeiro nó apresentado é o que representa as “Atividades infantis, brincadeiras e jogos”. Considerando a alta freqüência já observada na AC para as categorias que compõem esse nó, é possível perceber as também significativas freqüências de relação entre ele e os demais nós. Esse é, provavelmente, o mais significativo agrupamento de elementos de todo o corpus, pois se articula de forma significativa com todos os demais. Pode-se observar na Figura 03 uma caracterização geral de que as atividades infantis lembradas se deram predominante na rua, na praça, ou no quintal (19 letras/co-ocorrências), que são lugares onde foi possível o contato com elementos da natureza, como árvores frutíferas e rios (21), foram predominantemente realizadas em situações de sociabilidade com outros meninos ou parentes (20), e foram relacionadas a uma lembrança significativa de elementos musicais (14) e ao contexto de vínculo com algum lugar específico lembrado (08). Essa recordação de atividades e brincadeiras, confirmando a relevância dos elementos de sociabilidade, também propiciou a recordação dos primeiros amores (11). Por todas essas características apontadas já seria possível prever que as atividades e brincadeiras estariam fortemente associadas à idéia de um tempo feliz (16), havendo ocorrência de tal associação em todas as décadas consideradas.

O outro nó representado na Figura 03 é o que apresenta os “Elementos Naturais” recordados pelos compositores. Note-se a relação significativa desses elementos com os nós “Um tempo feliz, sonhos, ilusões” (11) e “Rua, praça, quintal” (19). Além desses nós, são relevantes, em suas co-ocorrências com a lembrança de elementos naturais, os “Elementos musicais” (14), o “Vínculo com o lugar” (15) e a “Sociabilidade” (22). A associação expressiva de “elementos naturais” com “vínculo com o lugar” e com “rua, praça, quintal” parece decorrer do imperativo óbvio de estar em jogo uma mesma esfera de ocorrências ou situações.

DISCUSSÃO

Como havíamos apontado anteriormente, os resultados encontrados indicam a recorrência de elementos recordados que podem ser considerados como constituintes de um mundo representado tradicionalmente como de meninos: as Atividades Infantis (correr, andar à toa, fazer travessura), as Brincadeiras e Jogos (futebol, pião, balão, papagaio), a Sociabilidade (meninada, moleques, companheiros, turma) e os Lugares onde tudo isso acontece (rua, quintal, terreiro, praça). Podemos acrescentar a esses os Elementos Naturais (também indicativos de locais exteriores ao espaço da casa).

O grupo formado por elementos relacionados às atividades infantis, brincadeiras e jogos caracterizou-se como o mais recorrentemente lembrado. No Alceste, a Classe “Atividade e Imaginação” concentrou 41% das UCE analisadas. Convém observar também sua alta freqüência no quadro da Análise de Conteúdo (Quadro I – Atividades: 43 subcategorias; Brincadeiras, jogos, brinquedos: 26 subcategorias), bem como sua também alta relação com os demais nós das Redes de Conteúdos (Figura 03), o que aponta para a possibilidade desse agrupamento ser, ao mesmo tempo, fator de agregação e de articulação entre os demais elementos recordados. Seguindo essa informação, pode-se observar que no quadro da Análise Fatorial de Correspondência a palavra saudade encontra-se ligada mais fortemente ao “mundo” do que ao “sentimento”. Isso indica que a saudade aqui é entendida como relacionada primordialmente a objetos e ações, “tenho saudade disso ou daquilo”, aparecendo de maneira menos forte uma possível tendência a contextualizar o vocábulo saudade no jogo sentimental mais estrito. Queremos dizer com isso que os dados apontam não para um sentimento de saudade gerando a enumeração dos elementos da infância, mas, contrariamente, para o fato de que a enumeração de elementos recordados traz consigo a saudade como medida de valor afetivo dos objetos e ações lembrados.

Nas letras analisadas a rua é recordada como o lugar onde mais freqüentemente eram realizados os jogos e as brincadeiras e faz parte de um conjunto maior formado também pela praça e pelo quintal, o que caracteriza a infância lembrada, como dissemos acima, basicamente relacionada ao espaço não doméstico. Tradicionalmente, esse espaço é considerado como “perigoso”, pois que lugar oposto, numa perspectiva relacional, ao da casa, entendida como familiar e segura (DaMatta, 1991). Por isso, a rua das memórias da infância é um mundo a ser descoberto e dominado.

A identificação dos espaços externos à casa deve ser também considerada em seus aspectos de relação com a Sociabilidade e com os Elementos Naturais. Esses espaços são lembrados como os espaços da meninada (observe-se que boa parte dos jogos e brincadeiras recordados é essencialmente coletiva), das aventuras, dos primeiros amores.

É possível, pela quantidade de citações conjuntas de “rua, praça, quintal” e de “elementos naturais” (19 – Figura 03), afirmarmos que a lembrança da infância na música popular refere-se significativamente às cidades do interior, à zona rural e/ ou às cidades que no período de infância dos compositores ainda não tinham trocado as árvores pelos edifícios. Como as informações de cada uma das letras são bastante sintéticas, pela própria natureza que as caracteriza, não encontramos as comparações explícitas entre o espaço geográfico da infância e aquele habitado pelo memorialista no momento da composição, presentes em relatos sobre a infância produzidos em outros estudos, conforme apontamos na Introdução. Entretanto, duas informações podem, mesmo que indiretamente, suprir essa ausência:

A) A primeira é o progressivo aumento, a partir do período 1975-1984, das referências ao “quintal”, tendo como possível explicação a industrialização e a urbanização das principais cidades brasileiras ao longo do Século XX, intensificada após a década de 50, Século no qual a população do país aumentou quase 10 vezes (Berquó, 2001). Ainda que possamos pensar em uma substituição, talvez definitiva, da rua pelo quintal na identificação do palco da infância (correr ou jogar bola entre carros e ônibus é uma travessura arriscada demais...), essa tendência, entretanto, só encontra a possibilidade de ser confirmada numa análise das letras produzidas no futuro.

Mesmo que de forma indireta, um outro fator pode estar aqui envolvido: a popularização do livro O meu pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, que teve sua primeira edição em 1968, com posteriores adaptações para cinema e televisão (Minchillo, 2001), tendo, inclusive, servido como fonte para o enredo da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel no desfile de 1970. O livro foi adotado como leitura obrigatória em várias escolas e representa até hoje uma das obras mais vendidas na história do mercado editorial brasileiro (hoje, 2005, está em sua 100ª edição). Obviamente, não estamos afirmando que todos os compositores tiveram acesso direto à obra. O que estamos dizendo é que uma maior valorização social do tema infância e quintal, que resultou na obra ou foi dela resultante (não é o que nos interessa para o momento), não deve ter passado despercebida pelos letristas.

B) A segunda informação, que, como a primeira, é condizente com a importância do quadro espacial como suporte de lembranças (Halbwachs, 1990), refere-se aos indícios, apontados nos resultados (Figura 03 – Nó “Elementos naturais”), de grupos de elementos que podem estar relacionados a uma memória de migrantes. Essa informação pode ser contextualizada pelos dados apresentados por Berquó (2001) e por Thery (2001) sobre os fluxos de migração interna no Brasil ao longo do Século XX. Exemplificando a importância desses fluxos, sobretudo após 1930, somente para o período entre os anos 1970 e 1980 “estima-se a migração rural-urbana em torno de 15,6 milhões de brasileiros” (Berquó, 2001, p. 24).

C) Outras duas características do próprio conjunto das letras analisadas podem reforçar nossa hipótese. A primeira é a freqüência quase inexpressiva de menções aos elementos litorâneos. Isso poderia, em parte, ser explicado pelo processo de urbanização do Rio de Janeiro (um dos núcleos da indústria fonográfica brasileira), cuja região litorânea foi ocupada, já antes da metade do Século XX, por prédios destinados àqueles com maior poder aquisitivo. Ainda assim, isso não necessariamente impediria que também os moradores mais pobres, como, por exemplo, os das favelas, já difundidas no Rio do início desse mesmo Século, tivessem acesso ao mar, pelo menos através de uma vista privilegiada dele (Marins, 1998). Tais informações podem estar excluindo o próprio Rio de Janeiro como lugar da infância da maior parte dos compositores. Como indicativo da caracterização das letras como lembranças predominantemente de migrantes, outro fator que merece ser apontado, o segundo, é a também ausência significativa das citações aos bondes (02 letras), já no início do Século XX presentes em algumas das principais cidades do país, e mencionados por outros memorialistas para a cidade de São Paulo (Bosi, 1999; Costa Jr., 2001).

Retomando a consideração da importância do quadro espacial como suporte de lembranças, podemos admitir que a recorrência da lembrança de elementos naturais, nos lugares que foram recordados, indica a atual inexistência de vários desses elementos (urbanização) ou indica que o sujeito que recorda se encontra distante dos mesmos (migração). Em ambas as situações, a importância do elemento descritivo nos relatos analisados nos remete à consideração de que as mudanças no ambiente, seja por alterações do mesmo ambiente, seja pela inserção em um novo, estão estreitamente relacionadas tanto ao conteúdo recordado quanto à avaliação do mesmo. Essa perda de quadro espacial pode estar proporcionando a simplificação dos elementos recordados no sentido de transformar o conjunto geral de recordações sobre o espaço da infância num agrupamento esquemático de elementos comuns e partilhados.

É preciso que se considere a percepção da infância como um tempo feliz, ou, como sugere Abramovich (1983), a recorrência, no tratamento tradicionalmente dado ao tema, do “mito da infância feliz”. Pode-se perceber a importância dessa percepção nas letras analisadas através das informações fornecidas pelo Alceste (Classe 04 – Sentimentos guardados). Primeiramente, é conveniente apontar alguns elementos mais específicos da infância feliz relatada pelos compositores. Identificada como um tempo em que estão fortemente associados aspectos lúdicos, a infância recordada também se refere a uma potencialidade. A vida, então, era considerada como o lugar dos sonhos, das ilusões, da imaginação e dos descobrimentos. Perceba-se também que a idéia que dá suporte ao argumento de um presente menos feliz decorre da percepção de que algumas letras retratam a passagem do tempo como “queda”, como perda de ilusões, de sonhos e de alegria.

Deve-se considerar que, admitindo que a infância do migrante esteja fortemente representada no banco de dados, na lembrança do lugar não está descartada a volta a ele, assim como o rever parte de sua gente, mesmo que a possibilidade dessa volta, por algum motivo, seja remota. Num retorno aos resultados do Alceste podemos perceber que as palavras alegria, feliz e amor se unem de forma mais forte àquelas relacionadas às atividades, em oposição a uma descrição do ambiente. Aqui podemos argumentar que, a partir disso, o discurso saudoso não é escapista ou alienado. Ele não fala só de um passado feliz, mas, sobretudo, de um momento atual como sofrimento que se relaciona de maneira umbilical à percepção de um mundo opressor e alheio ao querer do sujeito que recorda. Por isso, os sentimentos guardados são também guardados do mundo (a Análise Fatorial de Correspondência mostra uma possível oposição no eixo y entre os “sentimentos” guardados e o resto desse “mundo”). Nessa mesma direção pode-se apontar para uma particularidade do discurso sobre a memória saudosa da infância: ela não quer a volta do objeto recordado, e sim o que ele representa.

De forma mais abrangente, é possível se considerar que o discurso saudoso nas letras das músicas analisadas não é particularizado. Ele não está dirigido a um ouvinte específico, talvez porque, pelas próprias características do tema, esteja subentendido para os compositores que todos os seus ouvintes saibam exatamente do que estão falando, uma vez que também já tiveram uma infância. Note-se que esse “saber” indica a percepção da existência de uma avaliação compartilhada sobre alguns elementos relacionados ao passado. Os textos das letras são, em quase sua totalidade, bastante reduzidos. Tal fato, longe de se caracterizar como uma desvantagem, proporciona a análise de um material que se condiciona quase exclusivamente ao que não pode deixar de ser dito, mesmo num pequeno texto, sobre determinado assunto. Não estamos afirmando que as letras seguem uma lógica do clichê, até porque os próprios compositores nos mostram freqüentemente que sempre é possível inovar em temas considerados até então esgotados. O que a análise de letras oferece, segundo nosso entendimento, é a identificação mesma dos elementos partilhados na avaliação de um determinado tema.

De fato, se através da simplificação e da esquematização o conteúdo memorizado pode ser organizado para formar o passado como um todo coerente e articulado (Fentress e Wickham, s/d), é possível, através da identificação dos elementos mais constantes nos discursos dos memorialistas, apontar quais desses elementos também podem ser submetidos mais facilmente a esse processo de esquematização.

Como mencionamos anteriormente, as letras devem conter um máximo de informações possível em texto que, na maioria das vezes, é pequeno. Assim, pode-se admitir que as diferentes seqüências/ estruturas que compõem as letras, ao mesmo tempo em que possuem uma organização interna bastante definida, articulam-se de modo também recorrente. Tal fato possibilita que uma mesma letra descreva elementos da infância, como imagens e sons, à medida que traça um significado geral desses elementos a partir da ótica de quem lembra. Num sentido mais específico, que é o da própria organização do conteúdo da memória, vale a pena apontarmos que não há possibilidade de se afirmar, apesar da admissão de que as estruturas do discurso possuem uma lógica interna, a existência de elementos puros na recordação. O caráter eminentemente multi-referencial das letras, conforme demonstrado nas Redes de Conteúdos, confirma o que estamos afirmando. Ao falar sobre a infância de uma forma saudosa o compositor evoca os elementos que, partilhados socialmente, precisam ser ditos a fim de que o discurso saudoso se caracterize como tal. É assim que se considera possível que sentimentos, sons e imagens, ainda que pareçam sob determinado ponto de vista diferentes coisas, possam se misturar - e é necessário que se misturem freqüentemente. Tal característica só encontra viabilidade se considerarmos que tanto o sentimento, quanto imagens e sons devem se transformar em conceitos a fim de que sejam verbalizados em narrativas da memória. Nessa direção é possível se pensar em encadeamentos de elementos fixados socialmente constituindo padrões de histórias. É a utilização desse encadeamento no próprio ato de narrar lembranças um fator que pode também atuar na organização da memória. Para Fentress e Wickhan (s/d), a função primordial da palavra num contexto de transmissão essencialmente oral de histórias é o de encadear imagens, constituindo-se a própria história numa “espécie de contentor natural de memória, uma maneira de seqüenciar um conjunto de imagens, através de conexões lógicas e semânticas, numa forma de si fácil de reter na memória” (p. 70). Sobretudo nesse sentido palavra e imagens devem ser consideradas como estreitamente relacionadas.

Pelos nossos dados é possível afirmar, como fazem os autores acima citados, que não partilhamos somente os elementos recordados, mas os partilhamos numa seqüência que deve também ser comum a fim de que a história contada se caracterize como essencialmente o relato de uma infância saudosa. Assim, aprendemos socialmente, além do que se deve lembrar com saudade, como transmitir essa lembrança. Conteúdo lembrado e articulação verbal desse conteúdo são amalgamados de tal forma que ao mesmo tempo em que a verbalização organiza as lembranças, a partilha de conteúdos e da forma de encadeá-los condiciona a narrativa saudosa. Nesse sentido, é possível afirmar que a caracterização de uma letra como saudosa prescinde da presença do vocábulo saudade, uma vez que é a menção a determinados elementos mais gerais e partilhados que assim a definem. O fato da presença do vocábulo saudade não ser condição imprescindível para a caracterização de um discurso sobre a infância como saudosista não significa que tal presença não tenha função particular nas narrativas sobre lembranças.

Falar saudade explicita uma concepção da lembrança como carregada de sentimento. Dessa forma, o que se encontra nas letras das canções não é apenas um conjunto partilhado de imagens e sons: a narrativa saudosa sobre a infância é sustentada também pela idéia de partilha de sentimentos. Só assim pode-se entender, em parte, porque o vocábulo saudade adquire essa particularidade que o distingue de forma tão significativa na língua portuguesa. Como acima já dissemos, deve-se admitir então sua presença não como indício de um discurso alienado ou retrógrado, mas com o sentido de afirmar: “essa lembrança, no conjunto total de minhas recordações, faz diferença para mim”. O próprio narrador, enquanto fala, pontua o discurso com um indicativo de valor afetivo que tradicionalmente tem sido desprezado.

Não estamos desconsiderando a possibilidade de que esta concepção da infância como sempre feliz, que está presente em diversas produções culturais (Brites, 2000; Lajolo, 2003), tenha o papel de tornar relativo, pelo menos para determinado grupo, as condições precárias de vida às quais estão submetidas grandes parcelas das crianças do país. Entretanto, para o nosso caso em particular, ter saudade da infância pode ser considerado como fator que irmana compositores e, nesse nível, possibilita a percepção da formação de um grupo, uma vez que possuem lembranças comuns coerentes sobre seu próprio passado e, como vimos, também uma percepção do seu presente como menos feliz. Na direção de um discurso comum pode-se admitir que o critério de “veracidade” dos fatos lembrados tende à não particularização dos elementos mencionados a fim de que a memória de cada compositor concorde com a de seus pares e sustente um agrupamento de lembranças que necessita ser coerente.

A percepção mais geral de que, ainda que pobre, a infância é um período especial é, certamente, também produto da luta travada pela constituição de conteúdos da Memória Social. Entretanto, aceitar tal fato implica, sobretudo, a busca do entendimento sobre a maneira como tal constituição se dá no nível do discurso cotidiano, inclusive no daqueles menos favorecidos nesse embate. A infância feliz, assim, não pode ser entendida como uma percepção estática da realidade, uma vez que a própria organização da Memória obriga a uma comparação, muitas vezes penosa, entre essa concepção e as situações concretas do presente de quem narra a infância e daqueles que estão ao seu redor. É nesse sentido que o discurso da saudade aponta um quadro mais geral, na fala do memorialista, que expõe um critério de valor significativo das lembranças e, portanto, também do presente do narrador. Tal critério não pode ser desconsiderado ou tomado de forma apressada como caracterizador de uma fala conformista, sob pena de ocultarmos mais uma vez, pela coerência do nosso discurso, o que as próprias pessoas estão dizendo que é realmente importante.

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FONOGRAMAS CITADOS NO ARTIGO

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Bons tempos (Raul Sampaio). Raul Sampaio. 50 anos depois... S.M. de Cultura e Turismo de Cachoeiro de Itapemirim RSC-001.2001. CD 

Chegou a hora da fogueira (Lamartine Babo). Carmem Miranda e Mário Reis. Reminiscências juninas. RCA/CAMADEN CALB 5047. S/D. LP. (Ano de lançamento do fonograma: 1933).

Ciranda (Manuelito). Dércio Marques. Monjolear. Luz do sol/ Anjos da Terra S/L 1996. CD.

Cirandinha (Josino Medina). Pereira da Viola e Titane. Tawaraná. Lapa CD038074. 1996. CD.

Doze anos (Chico Buarque). Chico Buarque e Moreira da Silva. Ópera do Malandro. Philips 6349400. 1979. LP.

Eterno Instante (Gê Lara). Gê Lara e Lemão. Herança. Zen Records Z02079709. 1997. CD.

Garoto da Rua (René Bittencourt). Augusto Calheiros. RCA/Victor 800496 Lado A. 1947. 78 RPM.

Meus primeiros carnavais (Silvio Silva e Romeo Nunes). Dalva de Oliveira. Carnaval 1969 vol. 2. Odeon MOFB 3562. 1968. LP.

Olhando o céu todo enfeitado (Assis valente). Francisco Alves. O rei da voz, vol. 02. RCA/BMG 7432150217-2. S/D. CD. (Ano de lançamento do fonograma: 1935). 

Olinda, Cidade Eterna (Capiba). Capiba e Paulo Molin.  Continental 16215 Lado A. 1950. 78 RPM.

Saudades do sertão (Luiz António e Damião da Silva). Luiz António e Damião da Silva. Cantiga Sertaneja 2. Projeto Cantiga Sertaneja TCD-60028. 2000. CD.

Observação: Os fonogramas “Aquarela Mineira – Parte 1” (Ary Barroso), “Chegou a hora da fogueira” (Lamartine Babo), “Garoto da Rua” (René Bittencourt), “Olhando o céu todo enfeitado” (Assis valente) e “Olinda, Cidade Eterna” (Capiba) estão disponíveis no site do Instituto Moreira Sales (www.ims.com.br). Para escutar as faixas, é necessário entrar no site e clicar Acervos _ pesquisa on-line. Em seguida, a opção Entrar. Escolha o item Músicas. Quando a página de consulta estiver na tela, digite o título da canção.

Notas

(1) Pode-se perceber também essa diferenciação numa comparação ainda que superficial entre as memórias de infância de Jorge Amado (1996), José Lins do Rego (1993), Rubem Braga (1997), e aquelas descritas por Lya Luft em Mar de dentro (2002). Para as particularidades das memórias de Graciliano Ramos (1976), relacionadas fortemente aos ambientes doméstico e escolar, ver, por exemplo, Lemos (2002) e Souza (2001). [volta]

(2) O Alceste realiza o cálculo de três cruzamentos (Classificação Hierárquica Descendente -CHD): a) Todas as UCE (trechos do corpus definidos pelo Alceste segundo critérios de tamanho do texto - número de palavras analisadas - e pontuação) x todas as formas reduzidas (os vocábulos “amores”, “amoroso” e “amor”, por exemplo, são transformados na forma reduzida “amor+”); b) UC (conjunto de UCE sucessivas que contenha um determinado número de palavras diferentes fixado pelo programa, segundo o número total de palavras analisadas no corpus) tamanho 1 x formas reduzidas selecionadas; c) UC tamanho 2 x formas reduzidas selecionadas. Uma matriz é formada para cada um desses cruzamentos, onde os valores 0 e 1 indicam, respectivamente, ausência ou presença de determinada palavra em uma UCE ou UC. “O conjunto total de unidades contextuais na matriz de indicadores inicial (unidades contextuais por palavras) constitui a primeira classe. O objetivo do próximo passo é conseguir uma divisão dessa classe em duas, que separem, da maneira mais nítida possível, as classes resultantes, de tal modo que as duas classes contenham diferentes vocabulários e, no caso ideal, não contenham nenhuma palavra sobreposta” (Kronberger e Wagner, 2002, p. 429). O procedimento é continuamente efetuado até que não resulte em novas classes. [volta]

(3) Os títulos dados aos pólos foram inspirados por títulos de obras de Carlos Drummond de Andrade e Macedo Miranda, respectivamente. [volta]

(4) Como critérios para a escolha das categorias a serem utilizadas nesse terceiro momento: a) Freqüência de citações; b) Temas tradicionalmente relacionados à saudade, como o amor, o “querer voltar”, o lugar do qual se partiu e o sofrimento de quem lembra; c) Para o caso da inclusão de “Festas”, a formação no Alceste de uma Classe especificamente sobre as festas de São João. [volta]

Nota sobre os autores

Adriano Roberto Afonso de Nascimento é Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Endereço para contato: Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6.627, Campus Pampulha, Belo Horizonte/MG. CEP: 31270-901. E-mail: fgian@uol.com.br

Paulo Rogério Meira Menandro é Doutor em Psicologia – USP/SP, Docente do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Endereço para contato: Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento, Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, Vitória/ES. CEP: 29075-910. E-mail: paulomenandro@uol.com.br

 

Data de recebimento: 28/07/2005
Data de aceite: 01/09/2005

Memorandum 9, out/2005
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a09/nascimenan02.htm

 

 

 

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