Miziara, K.B.; Mahfoud, M. (2006). Contar histórias como experiência enraizadora: análise de vivências do Grupo de Contadores de Estórias Miguilim. Memorandum, 10, 98-122. Retirado em   /  /  , do World Wide Web http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/miziaramahfoud01.htm

Contar histórias como experiência enraizadora: análise de vivências do Grupo de Contadores de Estórias Miguilim

Storytelling as a rooting experience: analysis of the experiences of life from the Miguilim story telling group

Karina Braga Miziara
Miguel Mahfoud
Universidade Federal de Minas Gerais
Brasil
 

Resumo
Nosso objetivo geral é apreender como a experiência de contar histórias pode ser enraizadora. Examinamos as vivências do “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim” de Cordisburgo-MG, que contam histórias do escritor João Guimarães Rosa. A partir da fenomenologia, apresentamos entrevistas ordenadas em três eixos de análise: quais relações que os contadores fazem entre as histórias contadas e suas vidas; como a singularidade aparece em sua experiência e a ressonância da presença do ouvinte na prática do contador. Os resultados revelam que no contexto de Cordisburgo a arte de contar histórias representa uma experiência enraizadora por levar em consideração as características da cultura de seu povo ao mesmo tempo em que proporciona abertura para a troca com outras culturas. Concluímos que esta arte possui características de manutenção de ancestralidade, preocupação com as gerações futuras e com a singularidade, que permitem a inserção da pessoa em sua comunidade e na história humana.

Palavras-chave: contadores de histórias; enraizamento; psicologia e cultura; psicologia e literatura; fenomenologia

Abstract
This work intends to understand and to explicit the connections between the act of telling histories and the human rooting process. It tries to comprehend how the experience of telling histories can promote the rooting process. It analyzes the connections between the life experiences and the histories that are told by the teenagers of the “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim”, from the city of Cordisburgo/MG, Brazil. These teenagers tell histories from João Guimarães Rosa, a famous Brazilian writer. Ten subjects were interviewed under the phenomenological approach. The results show that the process of becoming a history teller is a truly rooting process, which leads to feelings of belonging, to a new and amplified connection with the local traditions and culture. We conclude that this art – telling histories – brings awareness of participation in the community and in the human history for each one of the subjects.

Keywords: history tellers; Human rooting process; psychology and culture, psychology and literature, phenomenology

 

Introdução

 

Ao percorrermos a trajetória dos contadores de histórias, refazemos um percurso da própria humanidade e da forma como esta vem se comunicando através dos tempos. Isto porque a tradição de contar histórias, ou a tradição oral - ou ainda a literatura oral, como também é conhecida -, é talvez tão antiga quanto a própria história dos seres humanos. Como nos conta Mário de Andrade (citado por Peloso,1996) (1), ela vem das civilizações mais longínquas, como a África, a Índia, a Grécia, o Egito e a Palestina. Como descreve Gislayne Matos (2005), seu início é marcado pelas sociedades de tradição oral, definidas por Ong (1998; também Matos, 2005) como culturas designadas por “oralidade primária” ou “cultura oral”, sendo estas desprovidas de contato com a linguagem escrita ou impressa. A forma dessas sociedades conservarem e transmitirem seus conhecimentos era através da repetição pela comunicação verbal.

No Brasil, como escreve Câmara Cascudo (1984), ela traz características dos três povos que mais marcaram a cultura de nosso país: o indígena, o africano e o português. Todos três possuíam cantos, danças, canções de ninar, anedotas, lendas, histórias de heróis e de guerras, para contar e cantar. Além disso, os portugueses trouxeram, em suas embarcações, culturas do além-mar - árabe, castelhana, galega e tantas outras -, fruto de anos de ocupações e disputas peninsulares. A arte de contar histórias confunde-se com a própria história do Brasil e representa uma poderosa fonte de identidade. Sua vivacidade se expressa no corpo e na alma (2) dos contadores, pois como afirma Cascudo, referindo-se à experiência do Brasil no início do século XX:

todos sabiam contar estórias. Contavam à noite, devagar, com gestos de evocação e lindos desenhos mímicos com as mãos. Com as mãos amarradas não há criatura vivente para contar uma estória (p. 16).

Ou ainda, referindo-se às suas experiências pelo sertão, “a narração é viva, entusiástica, apaixonada. Não ouvi uma estória desinteressante nos anos em que vivi no sertão” (p. 232). Da mesma forma, Araújo (1973) ressalta estas características ao referir-se à “velha que contava estória com o corpo todo, isto é, gesticulando, vivendo a narração...” (p. 166). Ao contar uma história, o contador está, ao mesmo tempo, atualizando a sua história pessoal e a universal. Isto se dá pelo aspecto atemporal do conto, como também pelos aspectos de vitalidade e reelaboração presentes no ato do contar. Há sempre algo que remete ao contexto e singularidade de quem conta.

Sendo o enraizamento proveniente do fato de o ser humano ter suas raízes a partir de uma participação real, ativa e natural em uma coletividade que, como afirma Weil (2001): “conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos de futuro” (p. 43). E sendo ainda a partir desta participação que se constrói uma noção de eu e de pertencimento à história humana, que intuímos ter a arte de contar histórias um forte poder enraizador. Restava-nos verificar se este potencial se concretiza na prática do contador de histórias e como.

Para isso, analisamos as vivências dos adolescentes do “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim”, de Cordisburgo, Minas Gerais.

Foi apostando na afirmativa de João Guimarães Rosa de que: “No sertão, o que pode uma pessoa fazer do seu tempo livre a não ser contar estórias?” (Rosa, João Guimarães, citado por Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa, 2003, p. 6), que, em 1995, a médica Calina da Silveira Guimarães, prima do escritor, ao retornar à sua terra natal, Cordisburgo, teve a idéia de criar o “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim”. Este grupo que, como afirma a Dra. Calina:

Tem como objetivo primordial atravessar uma adolescência alegre, saudável e feliz; tornar mais atraentes as visitas ao Museu Casa Guimarães Rosa, incentivar a leitura e divulgar a obra Roseana, narrando contos retirados da obra de João Guimarães Rosa (citado por Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa, 2003, p.4),

conta atualmente com a participação de cinqüenta jovens da cidade e, além de acompanhar as visitas feitas ao Museu, faz apresentações por todo o país.

Assim, o objetivo geral deste artigo é apreender como a experiência de contar histórias pode ser enraizadora a partir da prática dos adolescentes do “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim”, e os objetivos específicos são: analisar quais as relações que os contadores de histórias fazem entre as histórias contadas e suas vidas; analisar como a singularidade aparece na experiência do contador - no caso de um conto autoral - na medida em que este deve ser totalmente fiel ao texto; e verificar a ressonância do olhar do outro na experiência dos contadores de histórias.

Referencial teórico-metodológico

Como demarcação teórico-metodológica, discorremos sobre os temas da cultura e do mundo-da-vida a partir da perspectiva fenomenológica. Vimos como esses conceitos vão ao encontro do tema do enraizamento e alguns de seus desdobramentos na contemporaneidade. Essas discussões nos levaram ao caso específico da linguagem e da produção literária como vemos a seguir.

O “mundo” descrito por Husserl (1992,1996; cf.também Ales Bello, 1998), envolve aspectos físicos, culturais e intelectuais, nos quais estamos mergulhados e reconhecemos de forma parcialmente consciente como sendo o nosso mundo. Assim, como escreve Ales Bello (1998), “o mundo não é somente o conjunto das coisas físicas, mas é constituído por toda a bagagem de experiências vivenciais que cada ser humano possui e compartilha com o grupo ao qual pertence” (p. 38). O termovida”, tal como o define, “significa aquele complexo de atos, momentos e aspectos da nossa existência que é ao mesmo tempo pessoal e coletiva” (p. 38). O “mundo-da-vida” representa, assim, o nosso mundo circunstante, que faz sentido para nós, ou seja, dentro de uma experiência humana e de intersubjetividade.

Dentro desta perspectiva, cultura refere-se fundamentalmente à atividade humana e sua ação no ambiente natural. Ela define um modo particular de produção humana que, ao relacionar-se com os objetos da natureza de uma forma tal, reflete ao mesmo tempo a historicidade, a tradição, a mentalidade e o território de uma dada comunidade. O que Husserl (citado por Ales Bello, 1998) definiu como uma “natureza espiritualizada” (p. 43), remete à importância da atividade do ser humano para compreendermos a passagem da natureza para a cultura. Daquilo que ele nomeou como “mundo pré-dado” (p. 43), que é “sucessivamente espiritualizado através da obra humana” (p. 43). Sendo a ação do espírito, para além de nossas reações instintivas e imediatas, aquela que exprime a “capacidade tipicamente humana de usar a inteligência, a vontade, a liberdade e a criatividade” (p. 44), a atividade do espírito é um posicionamento, e o que resulta deste posicionamento é a cultura, que nos permite viver e criar formas sociais, assim como modula e possibilita o acesso a um recorte de mundo. Esta ação é, ao mesmo tempo, singular e coletiva; remete à ação criativa de uma pessoa, da comunidade à qual pertence, e dos que virão.

Ainda sobre a cultura, Safra (2004) escreve:

A obra humana se apresenta na cultura. A cultura é compreendida como mundo em marcha, fruto da ação criativa do homem, orientada pelas questões do destino humano, sobre o mundo natural e sobre o mundo humano pré-existente ao nascimento de alguém (p. 45).

Voltemo-nos ao tema do enraizamento. As concepções de cultura e mundo-da-vida que nos remetem ao fato de nascermos em uma comunidade pré-existente, dentro de um tempo histórico, que contém uma tradição própria e de agirmos de forma ao mesmo tempo individual e coletiva neste mundo circunstante, vai ao encontro da participação real, ativa e natural definida por Weil (2001) como fonte de experiência enraizadora. Da mesma forma que nossa ação atrelada ao passado, presente e futuro relaciona-se aos tesouros do passado e pressentimentos do futuro problematizados pela autora. Assim Simone Weil escreve: “participação real, ativa e natural em uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos de futuro” (p. 43).

É por que não conseguimos nos reconhecer ou participar de forma ativa e consciente dentro de uma dada cultura e tempo, que encontramos o desenraizamento tão fortemente presente nas sociedades contemporâneas.

Ao debruçar-se sobre aquilo que conhecemos hoje como crise da civilização ocidental, Grygiel (2000; cf. também Tomka, 1997) nos traz uma reflexão profunda sobre a relação entre cultura e civilização e seus desdobramentos em nosso modo de lidarmos com o tempo, conosco mesmos e com a própria vida. Para o autor, a cultura está diretamente ligada à colaboração que se estabelece entre o homem e a natureza, como uma simbiose, onde se respeita o tempo de cada coisa para nascer e tornar-se si mesma. Por natureza entendem-se os elementos essenciais de cada ser, aquilo que ele é e seu modo singular de agir. Assim, o homem da cultura possui uma relação de respeito e cuidado com o tempo, estabelecendo uma conexão entre seu trabalho, seu modo de estar no mundo e principalmente sua forma de relacionar-se com o passado, o presente e o futuro. Presentificado na figura arquetípica do agricultor, confia na terra, nos frutos de seu trabalho e na sabedoria da espera. Não gasta suas forças tentando prever o futuro, mas desempenha seu ofício semeando a terra, respeitando suas tradições e lendo seus sinais.

Na contrapartida desta postura está o homem da civilização, figura estupefata diante dos fatos e medrosa, não sabendo ao certo as conseqüências provenientes deste mundo ancorado na técnica, na produção, na fé cega na razão científica, que, junto com o progresso, gera insegurança e desespero. Por civilização, Grygiel compreende um conjunto de instituições produzidas pelo homem para viabilizar sua vida individual bem como social. A civilização está relacionada às produções humanas ancoradas na necessidade imediata e desvinculadas da tradição. Este homem não possui memória, não consegue relacionar seu trabalho com algo anterior a si e nem mesmo com seu futuro, sente-se alijado de seu mundo e das decisões concernentes ao seu próprio ser. Diante da “crise” anunciada assumimos uma postura que, segundo o autor definiu, representa um infantilismo científico, ou seja, no lugar de reconhecer que estamos passando por uma crise e nos perguntarmos o que fazer agora, seguimos esperando que as respostas venham do futuro, da razão, da técnica, de qualquer coisa exterior a nós.

Na medida em que o homem da civilização não consegue fazer parte do mundo que habita de forma real e participativa, acaba esperando respostas provisórias e transitórias sobre sua existência e vivendo em constante estado de angústia. Grygiel nos ensina que a cultura nasce da consciência moral que nos faz perguntar pelo bem e pelo belo, por aquilo que é perene e faz parte de nosso ser pessoal, e não só pelo desejo desenfreado. Assim escreve:

Onde não há futuro, isto é, onde não há aquele realizar-se do Passado, ali não há esperança. Por isso a civilização dos que não têm identidade, aquela identidade que se realiza no homem entre o Passado e o Futuro, a civilização da atualidade e da produção, constrói o mundo da dúvida e do desespero, no qual a mudança é considerada como progresso, e o libertarismo, ou o despotismo, como liberdade (p. 55).

O autor finaliza seu texto dizendo que “a cultura deve entrar na civilização, a fim de que esta não destrua o homem” (p. 57). Só assim, teremos a chance de transformar o “fazer” destituído de sentido no “agir” em consonância com nosso ser pessoal, encontrando assim um porquê e um lugar.

Outros autores que nos ajudam a refletir sobre nosso momento atual são Berger, Berger e Kellner (1979) que, ao falarem sobre o fenômeno de pluralização do mundo-da-vida, explicam como este conceito é social tanto em suas origens, como em sua conservação. Aquilo que os autores chamaram de “ordem significativa das vidas humanas” (p. 63), foi estabelecido e se mantém em virtude de um consentimento coletivo. Por isso, afirmam que para compreendermos a realidade cotidiana de um dado grupo, não basta conhecermos os símbolos e modelos de interação próprios das situações individuais, mas “a estrutura global de significação onde esses modelos e símbolos particulares estão localizados” (p. 63), ou seja, o mundo-da-vida social.

Desta forma, Berger e outros (1979), nos mostram como, nas sociedades modernas, as relações sociais não obedecem a uma ordem integradora de significações, mas esta é feita com mundos de significações muito diferentes. Essa segmentação (ou pluralização) não se manifesta unicamente na conduta social observável, mas também ao nível da consciência, o que acaba gerando fortes influências na identidade. Os autores definem identidade como a experiência real do eu em uma situação social determinada. Ou seja, a maneira como os indivíduos se definem a si mesmos. É esta capacidade de definir-se e de se reconhecer que acaba sendo minada em uma situação de vida onde os laços de pertença e de unidade são rompidos.

Segundo os autores, no mundo pré-moderno existe uma ordem integradora de significação, a saber, a religiosa, que perpassa os diversos setores da vida social; seja o familiar, o profissional, a escola etc. Esta ordem integradora é rompida no mundo moderno, resultando em mundos de significações totalmente diferentes, às vezes até discrepantes, que geram uma vivência fragmentada da realidade. Na esfera pública, a complexidade das divisões de trabalho cria tipos de ocupações que levam as pessoas a terem de se relacionar com mundos totalmente segmentados. Assim, acabamos buscando alguma ordem de significação na esfera privada, tentado fazer do ambiente doméstico o centro significativo de nossas vidas. Esta tentativa, por vezes, parece frágil: na medida em que os casais acabam sendo formados por pessoas que também carregam experiências pessoais discrepantes entre si, os filhos acabam criando um mundo também diferenciado em seus princípios e a insatisfação gerada neste contexto leva à busca de outros contatos fora do casamento.

Dentro de uma perspectiva clínica, Safra (2002, 2003a, 2003b, 2004) relata que ao longo do tempo, passou a ouvir de seus pacientes um tipo de sofrimento que, para além das biografias pessoais, refletia uma dor característica do mundo contemporâneo. Esse sofrimento, fruto de uma sociedade ancorada no excesso de tecnologias, técnicas, nomeações, explicações e que, como afirmou Grygiel (2000), deposita na fé científica todas as suas expectativas, por mais que alcance o registro psíquico, se origina no registro ontológico (3). A era do “totalmente pensado” (Safra, 2003b) afeta diretamente o acontecer humano, aquilo que nos faz, para além do nascimento biológico, entrar no mundo. Como afirmou Safra (2004):

O homem se encontra na fragilidade do entre: entre o dito e indizível, entre o desvelar e o ocultar, entre o singular e o múltiplo, entre o encontro e a solidão, entre o claro e o escuro, entre o finito e o infinito, entre o viver e o morrer. (p. 24)

Quando tudo já foi dito, explicado, nomeado sobre nós, não temos espaço para vivenciar aquilo que é da ordem do enigmático, do mistério, do não dito; tão constitutivos do humano quanto nosso próprio corpo. Esta situação impulsionou o autor a buscar respostas mais fundamentais da condição humana, respostas para além das concepções psicológicas e psicanalíticas. Deste modo, Safra (2004) passou a estudar o ethos humano como método de investigação. Este termo, que pode ser entendido tanto no sentido da práxis, ou costumes, quanto como morada, pátria, é utilizado pelo autor fundamentalmente pelo seu sentido de ethos-morada, que reúne os elementos mais fundamentais do acontecer humano.

No fundamento do ethos, encontramos o conceito de Sobórnost, que é uma palavra russa que significa unidade, conciliar, comunitário (Safra, 2004). Esta noção é central no pensamento desse país e perpassa os campos tanto filosóficos, como psicológicos e teológicos. Fala daquilo que é mais fundamental na forma de viver desse povo, assim como de sua maneira de compreender o humano ao longo dos séculos. A partir deste conceito, compreendemos que na cultura russa não há a noção de indivíduo assim como a concebemos no ocidente. Em Sobórnost “cada ser humano é a singularização da vida de muitos” (p. 43), cada ser humano traz em si tanto seus ancestrais, como, em potencialidade, aqueles que virão. Em Sobórnost o ser é comunidade. Safra (2004) escreve:

Essa concepção compreende que o acontecimento humano é acontecimento que ocorre em meio à comunidade humana, como fenômeno transgeracional enraizado nos solos do mundo cultural humano e do mundo natural. O homem não existe sem a natureza e sem a cultura. A posição do homem na natureza é compreendida, não tanto como uma relação de dependência, mas sim, como uma relação de aparentamento com a natureza (p.44).

O conceito de “aparentamento” reforça a noção de que a relação que o homem estabelece com a natureza é familiar, bem como com as coisas e os artefatos culturais. Os objetos são mensageiros de humanidade, da história, do tempo, dos costumes de uma dada população. Como apontou Safra (2004) este conceito em muito se assemelha ao conceito de enraizamento proposto por Simone Weil, que dentre as causas do desenraizamento apontava o distanciamento do homem de seu mundo circunstante. As relações baseadas prioritariamente na produtividade, no lucro, tornam a ligação do homem com a natureza, consigo mesmo e com as coisas distanciada e sem razão.

A partir da noção de Sobórnost entendemos que, quando há uma ruptura na relação do homem com o ethos-morada, e como vimos nos diversos aspectos envolvidos nesta concepção, este adoece.

Ainda dentro desta noção de Sobórnost, vale ressaltarmos dois aspectos de suma relevância para nossa pesquisa, a saber, os relacionados à criatividade humana e à linguagem.

Em Sobórnost a criatividade não está necessariamente relacionada ao fazer artístico, como costumamos entendê-la socialmente, mas na realidade expressa a capacidade humana de se singularizar dentro do acontecer humano. Através da singularidade de seu gesto, o ser humano inscreve seu ser no mundo. Como diz Safra (2002): “Todo gesto humano, genuinamente criativo, transmite e rompe a memória do povo. Transmite, pois em sua etnia, passa adiante a etnia do povo; rompe, pois a ação criativa insere o novo, o singular na história de todos” (p. 24). O ser humano busca ser reconhecido pelo outro em sua singularidade, ao mesmo tempo em que traz sua ancestralidade e anseios pelos que virão (Safra, 2004).

Neste contexto, é importante pensarmos na experiência do tempo em seus aspectos cósmico, histórico e existencial. O primeiro refere-se à “experiência cíclica natural” (Safra, 2004, p. 76), que corresponde ao ser natural do homem. Ele está presente nas estações do ano, no dia e noite, nas mamadas, enfim na experiência temporal passível de mensuração. Ele revela ao homem sua finitude.

O tempo histórico, ao contrário do círculo cósmico, aparece na figura de uma linha e, apesar de estar inserido no primeiro, traz consigo um porvir. Ele traz repetições e algo de inédito. Neste tempo incluímos a tradição e memória humanas, ele é conservador e ao mesmo tempo revolucionário (Safra, 2004).

Porém, o acontecer humano através do gesto criativo que o singulariza, é representado no tempo existencial. Tempo que fala da “experiência vivida em um agora, que não tem como referência, necessariamente, o passado ou o futuro, mas é vivenciado como um eterno” (Safra, 2004, p. 79).

Dentro dessa perspectiva voltemos nossos olhares para a linguagem: para além dos signos a partir dos quais estamos acostumados a concebê-la, em Sobórnost esta aparece em seu sentido ontológico. Através da linguagem, há a possibilidade de restauração do próprio ethos, na medida em que “é fluxo histórico, presença do passado, do presente e do futuro, que permite que o dizer seja gesto humano, ação transgeracional geradora de possibilidades de existência” (Safra, 2004, p. 46).

A linguagem é resistente, na medida em que fala e preserva. Na poesia e mesmo na literatura em geral, como afirmou Safra (2003b), vemos acontecer o inusitado, aquilo que escapa ao poeta e aparece de forma reveladora, não somente da pessoa que está falando, mas principalmente da experiência fundamental do ser humano. Para além das categorizações, a linguagem traz em si a possibilidade do acontecer do gesto criativo, daquilo que inscreve o homem no mundo em sua singularidade.

Ramos (1974) atribui à obra literária uma existência sui generis, na medida em que não pode ser definida nem como real, nem mental ou tampouco ideal. Não pode ser confundida como um artefato, uma sensação nem mesmo como tendo uma existência ideal, sendo ela histórica e com raízes em determinado tempo e lugar. Ramos afirma que a obra literária já foi apresentada como “sistema de significações”, “causa potencial de experiências” ou ainda “protótipo de espécie”, e que todas essas explicações evidenciam o caráter de “multivocidade da expressão poética” (p. 32).

Foi levando em conta essas características que Alfonso López Quintás (1992, 1994, 1997, s/d) encontrou, na literatura, um meio fecundo de desenvolver uma formação humana baseada em questões éticas básicas. Estas incluem, na medida em que a pessoa se sinta respeitada em sua liberdade, pautas de interpretação que a orientem nas “encruzilhadas” e lhe dêem poder de discernimento, o que, para o autor, acontece quando conhecemos as leis que regem o desenvolvimento da vida humana (Quintás, s/d). Para o autor, isso se dá na medida em que conseguimos estabelecer com a obra literária “uma relação autêntica de encontro” (Quintás, 1992, p. 9). Ao explanar sobre seu método, ao qual se refere comoescola de formação integral” (Quintás, 1997, p. 11), ele ressalta aspectos da obra literária de especial relevância para nossa pesquisa como veremos a seguir.

O primeiro está relacionado ao fato de o autor tomar a obra literária não como um objeto, mas como um “âmbito de realidades”, ou seja, a expressão de um encontro entre o autor e um aspecto de sua realidade circunstante. Por âmbito entende-se, em primeiro lugar, “uma realidade dotada de iniciativa, de liberdade, do poder de superar o tempo e espaço e abarcar outros campos” (4) (Quintás, 1997, p. 15) e, em segundo lugar, “um campo de possibilidades de ação” (p. 16). O que significa que, apesar de uma realidade - como uma obra de arte, um violão, um jogo de xadrez, e tantas outras - ter um aspecto objetivo, não podemos reduzi-la a ele, na medida em que nos oferece diversas possibilidades de jogo criador, de intercâmbio entre diversas realidades. Assim, uma obra literária:

não narra feitos, mas expressa acontecimentos, não mostra somente o significado das ações, sugere ademais seu sentido, não descreve objetos, nos faz assistir melhor a processos de confrontamento de âmbitos, que dão lugar a outros âmbitos ou os destroem (Quintás, s/d).

Quintás afirma que, se conhecemos esses processos, descobrimos as leis do desenvolvimento humano. Vejamos como eles se dão a partir do contato com a obra literária.

Em primeiro lugar, a obra literária deve ser entendida como campo de jogo e iluminação. Campo de jogo significa que, ao escrever, um autor não está simplesmente comunicando uma experiência que teve a priori, mas que está, no momento da escrita, vivenciando tal experiência. Desta forma, o ato de escrever deve ser entendido como momento de encontro entre o autor e alguns aspectos da realidade descritos em sua obra. Isto faz dela uma história viva que não representa um conjunto de objetos, mas uma trama de âmbitos com os quais o autor entra em jogo. Como afirma Quintás, “como o encontro é fonte de luz e sentido, todo campo de jogo é um campo de iluminação” (Quintás, 1997, p. 12).

Esta afirmação é válida conseqüentemente para a experiência do leitor também. Interpretar uma obra não significa examiná-la de forma extrínseca, mas da mesma forma que o autor, entrar em jogo com ela, refazendo pessoalmente as experiências por ela descritas. Quintás (1997, s/d) escreve que, na base de toda obra literária de qualidade, podemos encontrar uma ou várias experiências que impulsionam as ações e lhes conferem sentido. Ao experienciá-las, o leitor acaba tendo as intuições fundamentais que estão na gênesis da obra, compreendendo-a, assim, em seus pormenores, independentemente do seu grau de dificuldade (Quintás, s/d).

Um segundo aspecto da obra literária, ressaltado por Quintás (1997, s/d), diz respeito aos diversos níveis de realidade. Ao entrarmos em contato com um simples gesto - como dar as mãos – devemos ter em mente que neste gesto estão envolvidos diversos planos da realidade: físicos, psíquicos, espirituais, sociais etc. Da mesma forma acontece no plano literário. É de extrema relevância sabermos que a cada momento estamos lidando com níveis de realidade distintos e devemos distingui-los. Com isto, podemos ultrapassar o significado, para alcançar o sentido de uma dada situação. É isto que transforma objetos em âmbitos, ou o simples fato de lermos um livro em um momento de encontro e iluminação.

Um terceiro aspecto ressalta que a obra literária possui um realismo peculiar, na medida em que pode ser ficção em seu argumento, mas não no tema que busca demonstrar. Se, por um lado, personagens, tramas e passagens podem ser fruto de pura imaginação, os âmbitos expressos através deles nos trazem uma lógica que pode expressar temas concernentes à experiência humana. (Quintás, 1997).

Ressaltamos ainda aquilo que Quintás (1997) definiu como forma de se fomentar, através da literatura, a capacidade criativa do homem. Por criatividade entende “a capacidade de assumir ativamente diversas possibilidades com o fim de dar origem a algo novo valioso” (Quintás, s/d). Essas possibilidades nos são dadas a partir das relações que estabelecemos, e neste sentido o contato com obras literárias, na medida em que nos proporcionam o confronto com âmbitos de realidades tão ricos, distintos, valiosos e expressivos de nossa própria experiência cotidiana, são fontes inesgotáveis dessas relações.

A partir das considerações acima elencadas, entendemos que, para estes autores, a obra literária está longe de ser um simples objeto de manipulação ou mesmo um conjunto de sistemas lingüísticos formais. Sua existência não se deve à pessoa do escritor, à objetividade do texto e tampouco ao leitor, mas exatamente à relação estabelecida entre esses diversos aspectos. Ela ganha vida no entre, e qualquer tentativa de relacioná-la com um desses estratos separadamente implica perder sua riqueza e sua própria identidade.

Procedimentos metodológicos

Após alguns contatos preliminares com os representantes das instituições onde se desenvolve o projeto do grupo (5), apresentamos o projeto de pesquisa e estabelecemos um clima de confiança e parceria, e fizemos a proposta para os adolescentes. Nessa etapa, realizamos um primeiro encontro em grupo, respeitando a própria dinâmica de funcionamento deles, onde falamos de nossa pesquisa e do desejo de conhecer suas vivências como contadores de histórias: desde o modo como começaram a fazer parte daquele universo, até os diferentes aspectos envolvidos no dia-a-dia de um contador de histórias. Foi interessante notar que eles ficaram surpresos com essa perspectiva, pois, como relataram, estavam muito acostumados a dar entrevistas sobre a história do grupo, sobre a vida de Guimarães Rosa, mas nunca de suas próprias experiências. Logo após esse encontro, marcamos entrevistas individuais com os adolescentes que se interessaram em participar. Desta forma, utilizamos o procedimento de amostragem acidental (6) (Moura, Ferreira e  Paine, 1998, p. 60), tendo como critério o fato de serem participantes do “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim” e de terem vontade de relatar suas vivências como contadores de histórias.

No processo de coleta e tratamento dos dados, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, individuais, com dez adolescentes do “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim”. Estas entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra para que pudéssemos realizar a análise dos depoimentos (7). Após uma primeira leitura, optamos, através do método de saturação, por trabalhar com oito entrevistas, na medida em essas traziam elementos significativos das experiências vividas.

Nas entrevistas, buscamos conhecer suas vivências no ato de contar histórias. Para atingir nosso objetivo, propusemos o recurso de história de vida temática, onde procuramos saber seu percurso como contador de histórias.

As entrevistas foram orientadas por campos de análise atentos aos objetivos da pesquisa. Assim temos:

Um primeiro relacionado ao “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim”, onde compreendemos a noção de “grupocomo grupo de pertença, que envolve a relação da pessoa com o ato de contar histórias, com a vontade de participar desse universo, dos motivos envolvidos nesta escolha e de como esta atividade passou a fazer parte da dinâmica de vida de cada um deles.

Um segundo relacionado às histórias trabalhadas por eles e à possibilidade de manterem a singularidade diante de um conto autoral: de que forma se dá o contato dos contadores com os textos do autor, qual o critério de escolha dos textos que serão trabalhados por eles – na medida em que sabemos que são os contadores que escolhem os textos que irão trabalhar. Considerando os critérios: grau de dificuldade, familiaridade do tema, enfim, como é feita esta escolha? Bem como a relação que estabelecem com Guimarães Rosa: qual a repercussão da obra do autor para o próprio contador?

E, por fim, outro campo que foi contemplado destinou-se ao lugar do outro em suas vivências. Buscamos entender como é contar estas histórias para as pessoas que não são de Cordisburgo, que muitas vezes nem conhecem a região, na medida em que são preparados para contar histórias aos turistas, diferente dos “contadores do povo”, que fazem isto dentro de sua comunidade, de forma espontânea. Qual o lugar que o outro ocupa em suas atividades, desde a escolha do conto, à preparação, à apresentação?

Após uma primeira leitura dos depoimentos, elaboramos três eixos de análise apresentando questões descritas no momento das entrevistas. São estes:

1-    Qual a relação que os contadores de histórias fazem entre contar histórias e suas vidas?
a.      O grupo.
b.      Ser contador de histórias e a relação com Cordisburgo.
c.      Sobre si mesmo.
2-    Como a singularidade aparece na experiência do contador, em se tratando de um conto autoral?
a.      Relação com a história e expressão da singularidade do contador.
b.      Relação com Guimarães Rosa.
c.      Critérios de escolha de uma história e histórias preferidas.
3-    A ressonância do olhar do outro.
a.      Presença da alteridade.

Os dados colhidos nos depoimentos foram analisados a partir do método fenomenológico (van der Leeuw 1970; cf. também Mahfoud, 2003).  

Análise dos resultados

Após as análises individuais dos oito meninos e meninas entrevistados, buscamos organizá-las a partir de nossos eixos de análise formulando temas comuns que pudemos elaborar a partir de suas vivências singulares. Assim temos:

1-    Qual a relação que os contadores de histórias fazem entre contar histórias e suas vidas?

 

a.      O grupo

No que se refere ao ponto 1.a, que aborda basicamente como cada um elabora sua entrada no mundo dos Miguilins, definimos o tema ao qual denominamos posicionamento diante do grupo.

Por este entendemos o fato de cada um ter que se posicionar diante daquela novidade inaugural em sua vida: tornar-se um contador de histórias, ser um Miguilim. A forma como isso se deu na história pessoal deles é muito diferente. Vejamos o exemplo de Marcos Vinícius:

Marcos Vinícius: Primeiro eu estava passando de frente o Museu e escutei alguém contando história. Aí eu fui lá pro fundo, quando eu fui ver era o Fábio que estava narrando. Eu fiquei... Sabe quando a gente entra na história assim, que a gente está dentro da história? Parece que aconteceu aquilo comigo, eu gostei muito.

Assim como ele, cada um tem sua história, alguns foram convidados, outros procuraram Calina, para alguns houve seleção, para outros não, mas todos tiveram que dizer em algum momento: eu quero!

Este é um aspecto importante do ponto de vista do enraizamento. Para se ter uma participação real na vida natural de sua comunidade, a pessoa tem que em algum momento se posicionar de forma ativa em sua história e não simplesmente aceitar o fluxo dos acontecimentos. Mesmo em se tratando de uma atividade como a exercida pelo grupo Miguilim, que como veremos mais adiante, fala da construção de um processo de enraizamento, e até mesmo por isso, ao aceitar fazer parte deste grupo, esses meninos e meninas estão dizendo sim a algo bem mais amplo: aceitam de forma pessoal fazer parte de uma ancestralidade, de um lugar, da tradição e cultura transmitidas a partir da obra de um autor de lá e a partir disso descobrem outras possibilidades para si.

Um ponto essencial que permeia este momento de início diz respeito à forma de seleção.

Na fala de Luana fica muito explicitado o valor que teve em sua experiência ter passado por uma seleção tão rígida (“...Aí já foi uma coisa mais rígida... Eu era muito tímida, era sem noção... Engraçado que eu fui a que recebeu as notas mais altas”...).Comenta inclusive que os oito participantes que passaram na sua época estão no grupo até hoje, reforçando a qualidade do processo. Assim como ela Isabela também comenta que hoje é diferente, fica quem quer, mas que em sua época houve seleção, alguns foram eliminados e ela passou. Daiana e Mércia enfatizam o fato de terem sido selecionadas entre os primeiros lugares dos grupos de teatro na escola... Mariana que não passou por este processo, em algum momento foi chamada a mostrar seu empenho (“Então eu achava muito assim, bonito o que ela falava, como eu era muito pequena, eu não entendia muito... Aí teve um dia que a Calina, ela me chamou e falou comigo assim: - Você quer ficar no grupo? Eu falei assim: - Eu quero...”), assim como Meliza teve que se haver com a escolha de uma história só dela para decorar (“eu falei com a Calina, pedi pra entrar... ela deixou, pelo fato de eu ser irmã da Mércia e saber muito Guimarães Rosa.... aí eu estou aqui até hoje... No princípio foi muito difícil eu pegar Guimarães Rosa... Aí eu gostei da "Morte do Touro Calundu", aí eu falei: "vou ler pra ver se eu consigo"...). André fez o curso por três anos e isto foi fundamental para sua formação como Miguilim e Marcos também enfatiza o fato de ter passado por um curso onde aprendeu a dar entonação, como decorar..., e está no grupo até hoje. Este fato nos faz pensar no outro lado do posicionamento: ao aceitarmos fazer parte de algo, há sempre um outro na contrapartida de nossa decisão. Quem decide se expressar o faz para alguém e a partir de alguém. O fato de terem sido selecionados, testados, desafiados, mostra-lhes que eles têm um valor, que não estão ali unicamente por que quiseram, mas antes de tudo, porque são capazes de desempenhar aquela atividade, e isto nos remete às possibilidades concretas que a pessoa desenvolve no ato de enraizar-se. Não se trata de realizar algo abstrato, fruto de puro desejo, mas de descobrir possibilidades concretas dentro de seu mundo.

 a.      Ser contador de histórias e a relação com Cordisburgo

Dentro dessa perspectiva de descoberta de possibilidades, um dos fatores mais fortemente ressaltado pelos relatos dos entrevistados foi a oportunidade de viajar que adquiriram através do grupo. O fato de viajarem e conhecerem um mundo tão maior que eles, fez com que tivessem um novo olhar sobre Cordisburgo, o que nos leva ao ponto 1.b de nosso eixo e à formulação de um segundo elemento fundamental: o diálogo entre o dentro e o fora. Cada um deles tem um testemunho a fazer sobre suas viagens, e sobre Cordisburgo a partir de então. Vejamos alguns exemplos:

Marcos Vinícius: Mas antes eu nem tinha idéia do que era Guimarães Rosa, o quê que era Cordisburgo, quê que era nada...
Meliza: Não, assim, porque eu não achava graça em Codisburgo antes dos Miguilins, né? (...) Aí com os Miguilins eu já fiquei mais aqui, já conheci Guimarães Rosa, já conheci outras pessoas, fiz umas amigas em São Paulo, aí a gente mantém correspondência, aí...
Mariana: Eu achava que Cordisburgo era uma cidade vazia...
Daiana: ...Quando a gente viaja assim pra contar história eu gosto é lógico, mas fico doida pra voltar pra minha cidade.
Isabela: Só porque eu tô no grupo mesmo que eu viajo (...) Porque é muito bom, a gente conhece outras pessoas, outras culturas, a gente viajar...

O fato de se tornarem Miguilins abriu portas para conhecerem um mundo antes inimaginável. Um mundo cultural, através do cinema, literatura, museus, exposições, até mesmo shoppings, além de uma pluralidade de costumes, de outros adolescentes da mesma idade que eles, de paisagens, de oportunidades... Este olhar para fora inevitavelmente inaugura um diálogo com o que há dentro, no caso Cordisburgo. Como bem assinalou Meliza: antes não achava graça em Cordisburgo, mas depois dos Miguilins, por conhecer outras pessoas, lugares, e manter correspondência, passou a ficar mais lá. Parece contraditório? Mas de fato não é. Mariana também afirma que antes do grupo, Cordisburgo era uma cidade vazia, não tinha nada para fazer, mas hoje já não fica nervosa com os ônibus que chegam para conhecer a cidade de João Guimarães Rosa e conseqüentemente a sua também. Este orgulho expresso em falas como “a nossa cidade”, “a cidade onde nasci e vivi”, ou ainda de forma tão emocionada quando André diz: “Ah, porque aqui é uma terra que é muito abençoada por Deus, em primeiro lugar. E ainda tem Guimarães Rosa, que e ele é um escritor muito famoso que nasceu em Cordisburgo, por isso que eu tenho orgulho daqui dessa terra”, nos faz compreender o efeito deste grupo em sua relação com a cidade.

Mas uma das conseqüências em conhecer e ser conhecido é a pergunta que cada um deles precisa se responder: o fazer então diante da possibilidade de sair de lá?

As respostas são múltiplas, tanto quanto as vivências... Marcos Vinícius quer sair para estudar, mas faz questão de acrescentar que a cidade é importante para ele, André também. Mércia já o fez, mas se mantém totalmente ligada a Cordisburgo participando ativamente de dois grupos de contadores de histórias, o Miguilim e a Caminhada Ecoliterária. Meliza a tem como exemplo de como pode vincular as duas coisas, passar um tempo fora não significa necessariamente um rompimento... Daiana por sua vez sente-se obrigada a sair para estudar por imposição dos outros, pois ela está perfeitamente integrada à atividade que exerce junto aos mais novos do grupo e faz aquilo que mais preza: continua um processo... Entre as falas de Isabela e Luana há uma contradição interessante: enquanto Luana identifica na cidade grande a oportunidade de se tornar uma “pessoa de grandeza”, como afirma ao descrever a trajetória do personagem Miguilim, por poder conquistar as coisas por sua própria capacidade e vencer os obstáculos sozinha, Isabela teme a hora de partir. Acredita que indo para a cidade grande vai acabar saindo do grupo e conseqüentemente perdendo todas as oportunidades conquistadas através dele.

O fato é que, independente das saídas encontradas por cada um deles, o diálogo entre o dentro e o fora foi inaugurado e isto é outro elemento fundamental para a experiência de enraizamento: saber de onde se vem, para poder, de forma sustentável, decidir para onde se vai. Sem a noção de terra, de lugar de origem, a pessoa se perde olhando para frente, porém sem enxergar nenhum horizonte. O ponto de partida é condição sine qua non para um viajante.

Um outro aspecto que nos chama atenção diz respeito ao posicionamento diante da cidade. O posicionamento pessoal de fazer parte do grupo traz como conseqüência a necessidade de se posicionar diante das pessoas de Cordisburgo. Fazer parte de um grupo polêmico, amado por uns, desprezado por outros, que traz consigo a marca de idealizações, preconceitos e rejeições, embates que fazem parte de qualquer movimento em construção, repercute, conseqüentemente na própria postura de cada um. Vejamos a seguir:

Marcos se posiciona de forma mais pessoal em relação a este aspecto e a partir de sua própria experiência de ser capturado, busca fazer isto com os outros também. Daiana da mesma forma através de sua atividade empenha-se em dar continuidade à experiência que transformou sua vida e está totalmente envolvida no processo de formar novos Miguilins. Sente-se fazendo algo do bem e acredita que pode contribuir convidando novas pessoas a participarem. Percebe que contagia as pessoas de sua família e influencia inclusive no trabalho da mãe. Da mesma forma Luana percebe que fez com que sua família se interessasse mais por Guimarães Rosa a partir de sua atividade como contadora de histórias. Isabela traz uma contradição interessante: antes de participar do grupo ouviu da mãe que não deveria entrar, pois a fama dos Miguilins era de chatos, metidos a saber tudo... Porém ao sustentar sua decisão e entrar, percebe que, por outro lado, as pessoas passam a lhe dar mais valor. Lidar com esses pólos e não acatar as impressões alheias lhe ajudou a se importar menos com o que os outros falam dela. André mostra que no ato de contar não gagueja pois se sente mais calmo e fala mais devagar e esta forma diferente de se posicionar lhe ajuda a melhorar fora do grupo também. Mariana, Meliza e Mércia enfatizam a rejeição e a pouca valorização que percebem no povo da cidade, mas não ligam muito e “vão levando os Miguilins assim mesmo!”. O fato é que ao se tornarem contadores de histórias passam a responder a partir deste grupo, já não estão sós, e por outro lado cada um descobre seu jeito singular de se posicionar diante dos outros.

 c.      Sobre si mesmo

Este posicionamento ativo diante do fato de se tornarem Miguilins e suas repercussões exemplificadas acima através dos contatos com outras realidades ao viajarem e com as pessoas de lá mesmo sob uma nova perspectiva, traz mudanças concretas em seus relacionamentos.

Em suas falas vemos bem delimitadas as noções de antes, hoje, depois, ou seja, passado, presente, futuro. Frases como: “passei e continuei”, “e assim a gente vai”, “e estou aqui até hoje”, ou aindaeu queria continuar”, trazem a noção de que estavam entrando em algo que falava de continuidade e eles têm esta vivência em suas falas.

A comparação entre o antes e o agora é expressa na percepção de Marcos Vinícius ao afirmar: “Mas antes eu nem tinha idéia do que era Guimarães Rosa, o que era Cordisburgo, o que era nada”. “E eu achei engraçado porque antes de ter entrado para o grupo eu era um malandro, só ficava na rua, não tirava nota boa na escola. Aí, depois que eu entrei no grupo parece que deu uma outra visão, sabe? Até no meu mundo. Na escola hoje eu tiro nota boa...”, de Isabela que antes ligava muito para o que os outros falavam dela e hoje já não liga tanto, de Luana que sempre foi independente mas era mais “malandrinha”, da mãe de Daiana que afirma serem duas Daianas, a Daiana antes de ser Miguilim e depois, em André que já não é tão bagunceiro, só um tiquinho..., em Meliza que vê transformações principalmente na escola... Por um lado o fato de terem mudado o comportamento na escola, tirarem notas boas, serem menos bagunceiros, tem ligação com a exigência imposta por Calina, mas também nos traz a dimensão, mais uma vez, de que agora respondem por um grupo e não mais por eles sozinhos. Além disto têm um apoio dos professores, dos familiares que desde então passaram a prestar mais atenção nos filhos, enfim, uma participação mais intensa das pessoas em suas vidas. A escola acaba sendo um parâmetro desta mudança na medida em que é o lugar por excelência onde passam grande parte de seu dia e onde travam suas relações sociais. Mas o reflexo que se traduz neste espaço de convivência aponta para uma transformação na forma desses meninos e meninas se relacionarem com a vida como um todo: eles têm fortemente arraigada em seus valores a dimensão de como eram, o que são, e principalmente, o que podem vir a ser, de forma  palpável,  através  de  planos  para  o  futuro.  Quererem estudar, arrumar um emprego, mantendo a interlocução com Cordisburgo, lhes dá uma noção de pertencimento e parâmetro, como uma bússola de si mesmos. Esta atividade ressoa em todos os seus espaços sociais.

O futuro e a continuidade aparecem fortemente em falas como: “É porque eu gosto assim, a gente pegar as coisas e continuar”, “Aí vai vir mais alguns Miguilins aí, daqui a pouco a gente precisa ter filhos” ou ainda: “É legal a gente saber que tá fazendo alguma coisa do bem, né? Uma coisa que tá dando resultado, que tá convidando novas pessoas a entrarem no grupo, então é legal”.

2-    Como a singularidade aparece na experiência do contador em se tratando de um conto autoral?

a.      Relação com a história e expressão da singularidade do contador

Seguimos agora para o eixo 2 de análise, onde nos deparamos com a relação estabelecida entre os contadores de histórias e seus contos. A partir da forma como cada um se relaciona com seu conto, vemos dois temas fundamentais em sua busca por expressão e singularidade: a apreensão através de imagens e aquele que chamamos: âmbitos de realidades.

Marcos tenta entrar no texto o máximo possível, Daiana, assim como Isabela, fala em fazer um esqueleto, uma imagem da história na cabeça, Isabela ainda acrescenta que se não gostar, todo este esforço será inútil. Luana busca se identificar o máximo possível, ligar os fatos, entender bem a história. Mariana também ressalta o papel da imaginação, que lhe permite se colocar dentro do conto, ser igual a ele. Mércia, antes mesmo de gostar, se imagina contando e relata uma experiência, que de tão real, via as coisas acontecendo atrás dela. André pensa muito na história e busca visualizá-la para se acalmar. Ao contar a passagem com os desenhistas, Meliza nos dá uma luz sobre a força da imagem em sua vivência. Esta demonstra uma relação de intimidade e apropriação que faz com que seu olhar seja totalmente diferente das pessoas de fora. A apreensão pela imagem, que por ser unânime na experiência dos Miguilins parece fazer parte da técnica do contador de histórias, ainda assim demonstra aquilo que constantemente vemos afirmarem em seus relatos: o ato de decorar vem bem depois, pois fundamental na experiência de um contador é estabelecer um relacionamento com o conto. Imaginá-lo é uma forma de manter um contato pessoal com ele, ou seja, de buscar singularidade em sua interpretação.

Ao falarmos de relacionamento, é importante ressaltarmos que este se dá a partir do que definimos como âmbitos de realidade, ou seja, como ocasião de entrarem em contato com experiências estruturais do humano e não somente com os conteúdos dos contos.

Marcos, ao relatar a história que o capturou, expressa uma estrutura de abandono e resistência, que culmina em uma canção que une a todos. Daiana ao mesmo tempo em que se define a partir da complexidade: tímida e contadora de histórias, expressa seu conto da mesma maneira. O que lhe chama atenção é a complexidade de sentimentos de uma criança de oito anos diante da morte: triste e alegre. Isabela que desde sempre se posiciona de forma centrada na vida, também o faz em seu relacionamento com o conto, ressaltando algo estrutural que em seu caso chega através desta relação. Luana ressalta o incentivo da mãe que impulsiona o filho a tornar-se alguém de grandeza. Mariana, Meliza e André nos falam da dosagem de sentimentos, da quantidade certa que devemos ter de alegria e tristeza para tocar o outro, para não sucumbir, para viver, e ainda fazem as devidas separações entre os sentimentos que devem existir nos contos e na vida, mostrando não haver entre esses momentos uma sobreposição. Por fim Mércia ressalta em sua história o fato de uma menina especial não ser ouvida pelos outros e ainda assim continuar...

Não pretendemos fazer com essas observações uma ligação direta entre as histórias e as vidas de nossos entrevistados, pois como eles mesmos nos ensinaram, não há, necessariamente esta sobreposição. Mas chamar atenção para a forma pessoal que cada um escolhe para narrá-las remetendo a uma apropriação singular e estrutural. Para além do conteúdo, há uma apropriação pela estrutura que cada história traz, sendo esta universal.

b.      Relação com Guimarães Rosa

Outro aspecto deste relacionamento nos remete à figura do autor. Por um lado familiar, por outro, como acabamos de ver, universal.

A partir das falas de nossos entrevistados fica evidente que a relação com Guimarães Rosa se dá de forma íntima e pessoal. Através dele passam a se conhecer, a conhecer Cordisburgo, e também a serem reconhecidos. Sentem-se próximos a ele, inspiram-se nele, mas o que é importante dizer: neste relacionamento descobrem a si. E Guimarães Rosa lhes ajuda nesse reconhecimento, traduzindo ao mesmo tempo uma experiência regional e universal através de seus contos.

c.      Critérios de escolha de uma história e histórias preferidas

A partir de frases como: “ser fiel ao conto”, “sei lá o que dá na gente, mas eu gosto”, “o principal é gostar para se identificar e contar bem”; vemos mais um aspecto do que vem sendo ressaltado até então: o contato com o conto passa por um relacionamento. Naquilo que é expresso na forma de escolhê-lo, de apreendê-lo, de passá-lo, de se relacionar com autor; são etapas diferentes do mesmo processo. A singularidade aparece através de um relacionamento pessoal e coletivo.

3-    A ressonância do olhar do outro

a.      Presença da alteridade

A partir de suas descrições da experiência de contar um conto, entramos em contato com diversos elementos envolvidos neste ato. Desde o lugar, o eco, o barulho, até a atenção das pessoas, fazem parte deste contexto reforçando a idéia de relacionamento que aqui aparece de uma forma peculiar.

Trabalhar a entonação, expressão corporal, facial, gestos, postura, pronuncia das palavras, respiração etc., são caminhos para se chegar à emoção do outro. É disto que se trata: emocionar o outro no ato de contar. Fazer com que ele vibre na mesma sintonia, com que o conto em si chegue até ele. A partir de então é que o trabalho do contador é reconhecido, assim como ele próprio.

Estabelece-se uma relação a três na medida em que o contador ao transmitir um conto e tocar o outro, descobre um eu.

Experiência-tipo

Após entrarmos em contato com vivências tão singulares e diversificadas, é chegado o momento de elaborarmos a vivência nuclear desse processo. Afinal, qual a experiência-tipo que podemos formular a partir da conexão entre contar histórias e a experiência de enraizamento?

Ao se tornar um contador de histórias, a pessoa, antes de tudo, vivencia uma experiência de pertencimento. Pertencimento a um grupo peculiar que traz em si a transmissão da tradição, a continuidade e o gesto criativo de cada um. Pertencimento que favorece ao mesmo tempo, a noção de se fazer parte de um grupo; de responder por um grupo, um povo, um lugar; e a busca por uma expressão singular. Que não se constitui como uma atividade a mais em seu cotidiano, mas ao contrário, passa a exercer uma influência que ecoa em todos os seus espaços sociais, possibilitando assim uma integração entre eles: escola, família, cidade, planos para o futuro...

Isto se dá porque a partir dessa atividade a pessoa estabelece um relacionamento. Relacionamento com o outro, com o conto, consigo mesma. Relacionamento através do qual a pessoa precisa se posicionar diante de sua decisão de fazer parte desse processo. Ou seja, somente desejar ser um contador de histórias não é o suficiente; é necessário se haver com condições concretas envolvidas nessa arte. Passa-se por uma seleção, formal ou informalmente, na medida em que se é chamado a responder por suas capacidades em escolher um conto, ser sustentado pelo outro em sua escolha, envolver-se com o conto, assimilá-lo, entrar em contato com ele, enfim, vivenciá-lo, para poder transmiti-lo para o outro e ser reconhecido em sua singularidade no modo de contar. Sensibilidade, gestos, expressões corporais, memória, presença, decisão e tantos outros aspectos do ser, estão envolvidos nesta decisão.

Relacionamento que propicia contato e familiaridade com as coisas concretas de seu lugar. Com a natureza, a paisagem, a história, as pessoas, os conflitos, embates, carências, possibilidades, especificidades; que afloram no fato de pertencerem a este grupo e no próprio ato de contar; na práxis, conferindo vitalidade e unicidade a cada experiência. Naquilo que se diferencia e se reconhece, descobre possibilidades para si.

Através desta atividade entra em contato com seus pares, conterrâneos e também com outras culturas, outras realidades, e a partir das trocas que estabelece, reafirma o valor de seu lugar. Lugar que para além da geografia, ocupa o plano de suas referências na vida. Lugar que é ponto de partida e chegada, que guarda os sonhos e nostalgias, que lhe confere identidade, que se chama lar.

A pessoa estabelece um relacionamento com o autor de seus contos, assim como com o próprio conto, que proporciona uma experiência ao mesmo tempo familiar, naquilo que ela compartilha de sua realidade, mas também a oportunidade de entrar em contato com temas estruturais da própria experiência humana, como a complexidade inerente aos sentimentos, a dosagem necessária para que se possa vivenciá-los e não ser sucumbida quando em contato com eles; a tristeza misturada à alegria, a dose certa de drama e de humor.

Diante dessa pluralidade de vivências, a pessoa experimenta diferentes formas de ser e estar que não reconhecia como suas até então, ressoando assim, não somente naquele espaço, mas em sua vida como um todo.

E por fim, ao tornar-se um contador de histórias, a pessoa vivencia um encontro. Encontro a três, que envolve o contador, o conto e seu ouvinte. E a partir de tudo que aprendemos, podemos chegar a dizer que envolve a todos naquilo que podemos compartilhar através dos contos. Ao transmiti-los, a pessoa toca o outro, é reconhecida e também se reconhece naquilo que inaugura em seu gesto.

Ao repetir a história escrita por outra pessoa, mantém viva sua tradição, dá continuidade a este processo e reescreve a sua própria história, com autenticidade, riqueza e direção.

Dessa forma o ato de contar histórias se conecta com a experiência de enraizamento naquilo que ele proporciona de pertencimento que, como vimos, confere um sentimento de si e de muitos, de relacionamento, que envolve diferentes aspectos de seu mundo circunstante, participação e conseqüente posicionamento diante da vida e ainda um encontro, fundante e inaugural, imprescindível ao acontecer humano.

 Resultados

Ao iniciarmos esta pesquisa tínhamos algumas intuições a respeito do ato de contar histórias como uma forma de enraizamento. Por aquilo que esta arte traz de ligação com a ancestralidade, com a transmissão de tradições, com o poder de abordar temas universais através dos mitos, contos etc., assim como por sua capacidade de proporcionar a troca de experiências entre as pessoas, de incluí-las em uma comunidade ao mesmo tempo em que podem inaugurar gestos singulares; enfim, por todas essas características, extremamente relevantes sob o ponto de vista do enraizamento. Restava-nos entender, através de uma experiência concreta, como isto se dá, e se de fato há esta conexão.

Para avançarmos, buscamos embasamento e apoio em nosso referencial teórico que agora retomamos, a partir das demarcações que pudemos elaborar como experiência-tipo, para nos ajudar a elucidar aquilo que colhemos no contato com a experiência vivida.

Na experiência-tipo aprendemos que o pertencimento está na base da vivência de contar histórias. Tornar-se um contador envolve uma entrega, uma adesão e porque não dizer, uma captura, que não podem ser confundidas com uma atividade a mais na vida da pessoa, mas implicam em fazer parte de um universo que se confunde com a própria história da humanidade. Universo este onde a narração de histórias não é separada das atividades laborais e que, por fazer parte do cotidiano, da educação informal e da subjetividade das pessoas, possui caráter vital e conciliador. Ao se tornar um contador de histórias, a pessoa transforma todas as suas relações. Muda na escola, na família, na comunidade, na forma de ver e ser vista. Este fato passa a exercer uma função integradora de significados tão difícil em nossa sociedade pluralizada.

Fazer parte de um grupo de contadores de histórias coloca a pessoa em contato com a concretude da vida, naquilo que ela traz de possibilidades de ser e agir, e que é ponto de partida para a experiência de enraizamento. A “participação real, ativa e natural” apresentada por Simone Weil (2001, p. 43), é traduzida, neste contexto, por todas as etapas pelas quais se deve passar até tornar-se um contador de histórias. Neste processo é necessário um posicionamento pessoal, um dizer: “eu quero”, que como vimos, para além do puro desejo, chama a pessoa a ter que se haver com suas reais possibilidades. Como conseqüência, passa a fazer parte de um grupo e responder por ele, ao mesmo tempo em que se torna una, singular. Referindo-se a Winnicott, Safra (2002) escreve:

Ele dá grande importância aos mitos, que são produtos da tradição oral, pois por eles o relato de uma história se dá junto com a transmissão da tradição. É nela que a singularidade da criatividade do indivíduo pode acontecer (p. 27).

Ao se tornar um contador de histórias, a pessoa passa a olhar para o passado para entender quem é, para aprender com ele, e isto a possibilita pensar no futuro não como ponto de partida para suas realizações, mas como continuidade de um processo enraizado em sua história. Isto é fruto desta vivência de continuidade e pertencimento.

Especialmente naquilo que diz respeito à participação natural em nosso meio circunstante, no mundo-da-vida, esta experiência propicia que a pessoa passe a reconhecer seu lugar como não fazia até então. Através da tradução de um autor que escreve sobre as coisas de , a pessoa começa a saber de onde vem, a que grupo pertence e isto permite que conheça outros lugares sem se perder. Quanto mais enraizadas, mais chances têm de estabelecer trocas estimulantes e intensas, mantendo seu centro.

Como vimos através da experiência-tipo, outro aspecto fundante desta experiência nos remete a um relacionamento. Há uma especificidade no relacionamento estabelecido na vivência do contador de histórias. Ao discorrer sobre as contribuições que a psicologia poderia oferecer à análise da literatura, Leite (1987) refere-se a três momentos a serem pesquisados: o primeiro relacionado ao processo criador, sendo reservado ao artista; o segundo ao produto, ou seja, o texto; e o terceiro àquele que ele chamou de interlocutor silente do artista, que seria o leitor. Da mesma forma Ingarden (1965, 1985; cf. também Rudnick, 1976), bem como Ramos (1974) ao fazerem estudos fenomenológicos da obra literária, abordam três estratos, a saber, aquele referente ao autor, outro ao leitor e por fim à obra. Como vimos eles afirmam que não se pode tomá-los separadamente sem com isto empobrecer qualquer tentativa de compreender o fenômeno da obra literária na medida em que participam de um movimento de mútua cooperação. E ainda Quintás (1992, 1994, 1997, s/d) ao explicitar os processos de confrontamento de âmbitos de realidades presentes na obra literária, refere-se a dois momentos: o primeiro no ato da escrita, quando o autor não simplesmente relata uma experiência vivida a priori, mas entra em contato com ela, e segundo na leitura onde o próprio leitor refaz as experiências ali descritas. Independentemente do enfoque dado por cada um deles, ressaltamos o fato de todos abordam o fenômeno literário a partir do tripé: autor-texto-leitor.

No caso específico do contador de histórias, esse leitor/contador traz uma peculiaridade: ele é ao mesmo tempo receptor e transmissor da história com a qual entra em contato. Dessa forma o tripé acima exposto caracteriza-se pela existência de um desdobramento. Aquilo que podemos formular como momentos do fenômeno literário através dos esquemas:

AUTOR – TEXTO – (LEITOR SILENTE)

E em um segundo momento:

LEITOR – TEXTO – (AUTOR SILENTE)

Em se tratando de um contador de histórias, comporta uma terceira etapa, que seria:

LEITOR – TEXTO – (OUVINTE SILENTE)

Atentamos para o fato de que o “silente”, que na percepção de Leite (1987) refere-se à figura do leitor, aqui também é atribuído ao autor, presentificado na imaginação do leitor enquanto entra em contato com uma obra literária, bem como do ouvinte, em se tratando de um leitor/contador.

A partir da experiência de nossos entrevistados podemos tornar ainda mais complexo nosso esquema se atentarmos para o fato que em grande parte dos casos o contato e escolha dos contos se dá ao ouvi-lo através de um outro contador. Assim teríamos um outro desdobramento:

CONTADOR – TEXTO – OUVINTE – (CONTADOR SILENTE)

Temos assim presentificado na figura do leitor/contador todos os personagens envolvidos no ato de contar uma história, tornado esse esquema um elo sem começo e sem fim:

Figura 1

Isso nos remete às dimensões temporais de passado, presente e futuro, bem como do tempo existencial - naquilo que o ato de contar uma história pode trazer de inaugural e singular à experiência do contador - (Safra, 2004), também representadas pelo leitor/contador no momento em que entra em contato com um conto e presentificadas no ato de contar. Sendo este ato, como vimos ao longo das entrevistas, representado pelos diferentes momentos envolvidos na vivência do contador; desde a escolha do conto, sua preparação, a entonação, o relacionamento que se estabelece com ele, até a narração propriamente dita.

Figura 2

Assim, além do ato de contar histórias representar a união de tantos personagens que coexistem no contato com uma obra literária – desde os antepassados, ao autor, texto, leitor, ouvinte – bem como os diferentes tempos envolvidos nesta arte e presentificados na práxis do contador, temos ainda um outro desdobramento que devemos considerar.

Retomando o campo de jogo e iluminação desenvolvido por Quintas (1997, s/d), e identificados pelo autor no momento da escrita e da leitura, quando tanto autor como leitor entrariam em jogo com os âmbitos de realidade propostos a partir da obra literária, estabelecendo com ela uma experiência de encontro e iluminação, e não de contato externo, acrescentaríamos a esta dinâmica um terceiro momento, aquele do contato do ouvinte com o conto através da narração do contador. Depois de tudo que apreendemos a partir das experiências relatadas por nossos entrevistados, compreendemos que o próprio ouvinte, ao entrar em contato com uma história, também refaz as vivências ali presentificadas, juntamente com seu narrador, conferindo mais um aspecto vital e enraizador deste ato, naquilo que ele proporciona de encontro e experiência compartilhada entre o contador de histórias, seu ouvinte e todos os elementos por ele presentificados. Desta forma, tanto o contador de histórias como seu ouvinte entram em contato com temas estruturais da experiência humana, para além do conteúdo ali expresso e se encontram naquilo que possuem de universal.

No que se refere ao relacionamento do contador de histórias com o autor, vimos um processo peculiar. Quanto melhor o contador fala do conto escrito por outra pessoa, mais se reconhece e conseqüentemente é reconhecido.

Os depoimentos nos mostraram que se, por um lado, o autor fala das coisas do sertão, gerando proximidade e familiaridade, por outro, proporciona uma experiência universalizante, na medida em que toca em temas estruturais da experiência humana; como por exemplo, a saudade. Ao envolver-se com o conto, “entrar nele” o máximo possível, apreendê-lo através de imagens, o contador não só o decora, mas entra em jogo com ele. Relaciona-se, para além dos conteúdos ali expressos, com os âmbitos de realidades que ele traz, e vivencia um encontro que inclui: ele mesmo, o conto e seu ouvinte. Encontro estrutural, humano e por isso, iluminador.

No caso específico desta pesquisa, apreendemos o jogo complexo de sentimentos que, em muitos casos, aparecia no binômio: tristeza-alegria e talvez fosse o caso de perguntarmos, em outro trabalho, como isto se dá na obra de Guimarães Rosa. Mas o que fica de nuclear desta experiência é que ao estabelecer uma relação com um conto, a pessoa tem a chance de fazer uma experiência que, de tão estrutural, muda a sua vida.

De fato, na contracapa do livro que trata do processo de tradução de Guimarães Rosa para o italiano: “João Guimarães Rosa: correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri”, encontramos as seguintes palavras:

O homem do sertão está em toda a parte e pode falar várias línguas. Como diria o próprio autor, no sertão fala-se a língua de Goethe, de Flaubert, de Dostoiévski e também a de Dante. Todo o “regionalismo”, apontado sempre como característica fundamental, nos leva em Guimarães Rosa ao universal, a um compromisso com o homem sem fronteiras geográficas. (Rosa, João Guimarães, 2003).

Esta experiência de encontro entre contador e ouvinte se faz presente na experiência visível, experimentável nas reações dos ouvintes, no momento em que “vibram” na mesma sintonia, estabelecendo uma relação concreta com o contador.

Neste jogo entre o familiar e o universal, apreendemos outro aspecto relevante sob o ponto de vista do enraizamento a partir de nossos resultados. O enraizamento não se dá de forma espontânea, imediata, imposta; mas deve ser construído a partir daquilo que a pessoa traz de familiar. Ele precisa partir de algo que ressoe na história do lugar, para que a pessoa seja capaz de se reconhecer como parte deste processo.

Ao contar uma história a pessoa se conecta com seu lugar e com toda humanidade. Porque para se contar uma história é necessário muito mais do que saber decorar. É preciso aceitar fazer parte de uma comunidade, saber quem se é, de onde se veio, para onde se quer ir. É preciso ser fiel ao passado e a partir dele inaugurar. Um contador fala de seu mundo e do mundo todo, e toca nele, porque uma história de verdade fala da vida, ao falar da formiga, da maritaca, do familiar.

Fazer parte de um grupo de contadores de histórias, a partir de tudo que aprendemos, é antes de tudo entrar para o ethos-morada (Safra, 2004), naquilo que esta proporciona de pertencimento, de relacionamento, de encontro, sendo, ao mesmo tempo, muitos e único, sendo capaz de continuar, mas também de inaugurar.

Conclusões

Nesta pesquisa, entramos em contato com uma experiência que se revelou enraizadora sob dois aspectos: um relacionado à atividade do contador de histórias em si, e um segundo ao contato com a obra literária.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, aprendemos que, ao se tornar um contador de histórias, a pessoa passa a fazer parte de um grupo que, para além de uma atividade a mais, proporciona um pertencimento capaz de mudar totalmente sua vida. Frases como “antes de entrar para o grupo eu não sabia o que era Guimarães Rosa, o que era Cordisburgo, o que era nada”, ou ainda “antes a cidade era vazia”, nos traz a dimensão do que buscamos explicitar. Esse grupo de pertença coloca a pessoa em confronto direto com suas possibilidades, suas limitações, com seu lugar, com as pessoas dali e de fora dali, e isto traz conseqüências diretas em seu modo de perceber a si mesmas, os outros, sua cidade e seus objetivos.

A pessoa já não está só e passa a responder por esse grupo, a ser reconhecida ou criticada pelo fato de fazer parte dele. Por isso, é necessário mais do que apenas vontade para se tornar um contador de histórias. É preciso um posicionamento pessoal diante dessa novidade e tudo que ela representa. Da mesma forma, neste contexto, a seleção ganha uma dimensão de valor e reconhecimento: o fato de ter sido aprovado também pelo outro.

Da mesma forma, este grupo abre oportunidade de reconhecimento de uma cultura anterior à pessoa, de uma história, e que, ao mesmo tempo, proporciona uma abertura para se conhecerem outras realidades, através de viagens e apresentações. Estas trocas revelam-se ricas e profícuas, mas não dizem aos contadores de histórias quem eles são. Isto lhes é dado a partir do relacionamento com seu grupo, com o autor, com os contos e seu ouvinte. Na repetição daquilo que foi escrito por outra pessoa, tocam o outro e descobrem possibilidades para si.

Isso nos remete àquilo que é característico da relação com a obra literária e que, como vimos, na atividade dos contadores de histórias, alcança outra dimensão.

A força da obra literária, naquilo que ela proporciona de abertura para uma experiência de encontro com âmbitos de realidades, a partir da atividade do autor ao escrevê-la e do leitor ao lê-la, neste contexto, possui um outro desdobramento. Ela é revitalizada na figura do contador, que, ao vivenciar este encontro, quando em contato com um conto, decide compartilhá-lo com outras pessoas, revivendo assim, a cada narração, este momento de encontro e iluminação.

É no ato de repetir e inaugurar que se presentifica o Guimarães Rosa, dando aos contadores a certeza de que ele está lá, bem como as formigas e as maritacas, e a tristeza misturada à alegria, que é vivenciada pelos personagens do sertão e do mundo todo; também estão presentes os ouvintes e os filhos dos Miguilins; aqueles que estão por vir. Ao falar em uníssono com todos eles, o contador de histórias pode se apresentar na primeira pessoa. Ele diz: eu sou e vou contar pra vocês...

A partir do que ouvimos e vivenciamos, entendemos que, no contexto de Cordisburgo, o ato de contar histórias representa um processo de enraizamento em construção. Ele traz uma novidade naquilo que apresenta como uma técnica, convite, proposta; aliada à tradição das pessoas daquele lugar. Os contadores de histórias, de “causos”, são tão antigos quanto o próprio sertão. Esta ressonância, aliada ao fato de Guimarães Rosa ser de lá e traduzir tão bem as coisas daquele lugar, explicam grande parte da repercussão desta arte na vida dos Miguilins. Não queremos com isto menosprezar o poder universalizante dos contos e mesmo da arte de contar histórias: isto seria negar tudo que aprendemos até aqui! Mas, pelo contrário, exaltar que o sucesso de uma proposta que se pretenda enraizadora não pode deixar de considerar as pessoas em seu contexto, cultura, lugar. Que extrair desta pesquisa a idéia de que, ao se propor em uma dada comunidade a criação de um grupo de contadores de histórias, garantiria, por si só, uma experiência de enraizamento, seria transformar esta atividade poderosa e ancestral em mais um produto a ser comercializado, mais uma moda, e como tal frágil e circunstancial.

Pelo contrário, devemos levar desta trajetória aquilo que pudemos aprender desta experiência em sua essencialidade. A arte de contar histórias é enraizadora naquilo que ela promove de pertencimento, relacionamento, encontro. Em seu poder de colocar a pessoa em contato com sua tradição, seu lugar de origem e, com isto, transformar o modo de se relacionar com seu futuro. Naquilo que ela oferece de continuidade e originalidade. No quanto ela permite que uma pessoa se reconheça como um e como muitos, e na capacidade humana de trocar. Qualquer proposta que busque restituir uma experiência de enraizamento precisa levar em conta esses aspectos.

Entender que o processo de enraizamento não passa por uma invenção ou imposição, mas pelo contrário remete a um processo a ser conhecido e reconstruído, nos ajuda a enfrentar este tema a partir de nossa realidade contemporânea, onde vivemos um grau de fragmentação e falta de perspectivas de tal ordem, que, por vezes, chegamos mesmo a duvidar que temos uma história, que pertencemos a algum lugar. Talvez isto não seja verdade. Talvez só nos falte recursos e iniciativas como esta que conhecemos através do “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim” para nos auxiliar na compreensão do que somos.

Do contato com essas pessoas, saímos com a certeza de que é possível recomeçar. De que a cultura brasileira possui força e recurso suficientes para promover outras experiências férteis como esta que conhecemos em pleno sertão. Que nesta terra, em se plantando tudo dá! Basta saber cultivar, cuidar, reconhecer, colher.

E, então, seguindo o exemplo de nossos entrevistados, vamos continuar?

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Notas

(1) Andrade, Mário de. Carta a Raimundo Morais. Diário Nacional, São Paulo: 20 de novembro de 1931. [volta]
 
(2) O conceito de alma está sendo utilizado a partir de Stein (1999; cf. também a respeito Ales Bello, 2000), que, ao discorrer sobre a estrutura da alma humana, define este termo referindo-o à psique, entendida aqui como intrinsecamente ligada às dimensões corpórea e espiritual. Assim, alma é a psique não dissociada da ação do espírito. [volta]
 
(3) Que “diz respeito às estruturas a priori que definem as possibilidades realizadas em cada existência humana” (Safra, 2004, p. 42). [volta]
 
(4) Tradução nossa. [volta]
 
(5) São estas, a coordenadora do Museu Casa Guimarães Rosa, Sra. Lúcia de Castro; a presidente da Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa, Sra. Andréa de Figueiredo; e a fundadora do “Grupo de Contadores de Estórias Miguilim”, Dra. Calina Silveira Guimarães. [volta]
 
(6) Método caracterizado por amostras não probabilísticas onde são entrevistadas pessoas que se propõem a colaborar com a pesquisa. [volta]
 
(7) As entrevistas na íntegra encontram-se arquivadas no Laboratório de Análise de Processos em Subjetividade (LAPS), do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG. [volta]
 

Nota sobre os autores

Karina Braga Miziara é psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Contato: kmiziara@uol.com.br

Miguel Mahfoud é doutor em Psicologia Social, professor adjunto do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, atuando na linha de pesquisa "Cultura e subjetividade". Contato: Caixa Postal 253 - CEP: 31270-901 – Belo Horizonte – MG – Brasil. E-mail: mmahfoud@fafich.ufmg.br

 

Data de recebimento: 20/12/2005
Data de aceite: 20/04/2006
 
Memorandum 10, abr/2006
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
ISSN 1676-1669
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/miziaramahfoud01.htm

 

 

 

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