Paradigmas
históricos em saúde e doença
Um olhar atento para o cotidiano de nossa sociedade pós-moderna desnuda
uma recorrente preocupação com a temática do binômio saúde e doença, bem
como com propostas de superação da doença (1). As livrarias, religiosas e
laicas, estão apinhadas de manuais de auto-ajuda com propostas de como
superar a condição de doença em direção à saúde, física e psicológica. As
academias de ginástica capitalizam a atenção de muitos, ávidos pela
conquista de uma saúde que se revela em um bem estar físico e psicológico.
As ciências do homem, como a psicologia, participam do imenso esforço para
proporcionar as vias de superação do sofrimento-doença, em direção a uma
condição de bem estar-saúde.
É claro que a
temática saúde-doença, bem como de superação da doença, não nascem com a
sociedade pós-moderna, nem com a psicologia moderna. Diversas sociedades,
em suas produções religiosas, filosóficas e teológicas, desenvolveram suas
formas de lidar com o problema saúde-doença. Muitas dessas formas
históricas de criação de paradigmas para lidar com saúde-doença e cura
tiveram ampla influência sobre o pensamento mais recente sobre esse tema,
inclusive na psicologia. Infelizmente, pouco esforço tem sido empreendido
na compreensão da relação entre nosso modo de pensar o homem na
psicologia, seja no tema da saúde e da doença ou em outros temas, e
paradigmas antropológicos relacionados ao binômio saúde-doença que nos
precederam (a psicologia atual) historicamente.
Esse desinteresse
pelo passado como forma de compreender nossas concepções atuais sobre o
homem, especialmente em psicologia, é produto do dogma da modernidade, de
que operamos uma ruptura com o passado e a tradição, de modo que as
criações modernas são novidades independentes dos anacronismos das
tradições pré-modernas (Giddens, 1991; Bauman, 1999). No caso da
psicologia, o desinteresse pelo seu passado pré-moderno advém da postura
presentista (Wertheimer, 1998) segundo a qual a constituição da psicologia
como uma ciência, no final do século XIX, implicou seu desligamento com
toda a tradição histórica filosófica, teológica e religiosa que a precedeu
na reflexão sobre o humano (Oliveira, 2004). O presentismo compreende o
passado sob a ótica do presente, atribuindo-lhe (ao passado) valor ou
demérito, sob o critério de assemelhar-se às posturas teóricas que
venceram no presente (Brozek & Massimi, 1998), quanto mais proximidade em
relação à postura vitoriosa, mais valor. É claro que o presentismo é uma
postura interpretativa legítima e esclarecedora, mas gera pobreza
interpretativa quando não é relativizada a partir do confronto com outras
posturas interpretativas, como o historicismo (Brozek & Massimi, 1998).
Exemplos dessa postura presentista de pouca consideração pelas influências
da tradição pré-moderna sobre a psicologia são encontrados em Wertheimer
(1978), James (2005) e Schultz e Schultz (1992), cujas obras citadas focam
prioritariamente a história da psicologia na modernidade.
Mesmo a eclosão do
interesse pela história da psicologia, ocorrida a partir da década de
sessenta (Campos, 1998), tem se concentrado na investigação da história da
psicologia mais recente, constituída como uma ciência moderna. Isto pode
ser confirmado analisando os temas e a bibliografia citada no livro
Historiografia da psicologia moderna: versão brasileira (Brozek &
Massimi, 1998). A maioria das discussões neste livro focou-se na
psicologia moderna. A revisão de Pongratz (1998), sobre a historiografia
da psicologia alemã, mostra que o interesse por uma história que antecede
a psicologia moderna esteve mais presente nas obras que estão no período
demarcado pelo autor entre 1808 a 1911. O período de ressurgimento da
historiografia alemã, que começa na década de sessenta, dirigiu-se
marcadamente para a psicologia moderna.
Poucas obras se dedicaram a uma compreensão
sistemática da psicologia que estava presente no pensamento filosófico,
teológico e religioso que precedeu a modernidade, bem como da influência
que essas tradições tiveram sobre a psicologia moderna. Dentre elas
pode-se destacar Brett (n.d./1972), Brennan (1959,n. d.), Château (1978),
Rosenfeld (1993) e Mueller (1978). Tais obras raramente são de
conhecimento dos psicólogos brasileiros. Felizmente, o interesse por este
tema tem aparecido nos trabalhos de pesquisadores brasileiros e latino
americanos. Amatuzzi (2003, 2005) tem se dedicado, dentre outras coisas,
ao estudo de perspectivas psicológicas presentes na obra de Tomás de
Aquino. Massimi, em um trabalho extenso, tem se dedicado a diversos temas
como por exemplo os sermonários brasileiros em geral (ex. Massimi, 2001),
a antiga Companhia de Jesus (ex. Massimi, 2003) e as doutrinas sobre mente
e corpo nos primeiros séculos da era cristã (Massimi, 1987). Barreira e
Massimi (2002) investigaram a atitude mental e a moralidade no
Karate-do.
Silva (2003) e Pacheco (2004) investigaram a
companhia de Jesus. Outros exemplos são Assis (2004), Fornari (2003) e
Penna (1998).
Esta lista de
autores não esgota a produção brasileira, apresenta apenas alguns dos
muitos estudos destes autores, sendo que há ainda outros brasileiros com
obras apreciáveis sobre o referido tema.
O quadro
historiográfico descrito acima, apesar dos esforços dos pesquisadores
citados, configura a existência de lacunas no conhecimento histórico sobre
a psicologia. Bem como a existência de preconceitos historiográficos mal
fundamentados (Gadamer, 1999), que se constituem em obstáculos
epistemológicos (Bachelard, 1996) à compreensão da relação da psicologia
moderna com a reflexão psicológica pré-moderna contida na filosofia,
teologia e na religião. Frente a essa lacuna histórica, o presente
trabalho pretende investigar a construção histórica de paradigmas sobre
saúde e doença que estiveram presentes em tradições teológicas e
filosóficas que precedem a psicologia moderna. Essa investigação assume
uma postura epistemológica que pretende superar os obstáculos
epistemológicos identificados acima, assumindo a postura de compreender as
tradições investigadas, sem impor-lhes a priori uma avaliação a
partir de qualquer teoria atual da psicologia.
Quais são os
paradigmas antropológicos sobre saúde e doença investigados no presente
trabalho? Selecionamos o paradigma do Apóstolo Paulo presente nos
capítulos 7 e 8 da Epístola aos Romanos e o paradigma de Santo
Agostinho, apresentado especialmente nas obras O livre Arbítrio, O
Espírito e a letra, A natureza e a graça, A graça de Cristo e o pecado
original e A graça e a liberdade (A edição e os tradutores são
informados nas referências bibliográficas).
O que há de especial
e justifica a escolha desses dois paradigmas é que eles representam a
introdução de um tema recorrente no pensamento Ocidental sobre saúde e
doença: o problema da ambivalência humana, que rompeu com a tradição grega
do intelectualismo socrático. A tradição grega introduziu uma antropologia
intelectualista, na qual o conhecimento do bem é condição suficiente e
necessária para sua execução (Reale, 1994). A tradição cristã revolucionou
a antropologia Ocidental ao introduzir a antropologia da ambivalência do
eu-moral, na qual o homem é percebido em um profundo conflito, que não
pode ser superado pela razão como supressora dos aspectos anímicos.
Somente na graça divina há superação da ambivalência como condição de
doença. Essa antropologia da ambivalência do eu-moral teve início no
Apóstolo Paulo, e foi retomada e desenvolvida por Agostinho de Hipôna.
A antropologia
paulino-agostiniana é historicamente relevante porque implicou uma relação
entre doença e ambivalência do eu-moral, considerando a cura como
superação da ambivalência. O problema da saúde e da doença não mais pôde
ser considerado sem alguma referência à temática da ambivalência proposta
no cristianismo. Nosso objetivo é expor a interpretação do binômio saúde e
doença, bem como o tema da cura, presente na antropologia teológica da
ambivalência do eu-moral do Apóstolo Paulo e de Agostinho de Hipôna,
salientando seu caráter de revolução em relação à antropologia
intelectualista grega. Especial atenção será dada à relação feita pelo
Apóstolo Paulo e por Agostinho de Hipôna entre ambivalência e doença, bem
como em suas interpretações da cura como superação da ambivalência.
Uma breve exposição
da psicologia moral de Piaget (1932/1994) será apresentada, no que
concerne a críticas feitas à sua desconsideração em relação ao problema do
querer (La Taille, 1992). Essa exposição tem objetivo de mostrar que a
antropologia de Agostinho de Hipôna, com sua ênfase na vontade, ainda
possui repercussão na tradição interpretativa acerca do homem na
psicologia moderna, já que as teorias da psicologia precisam enfrentar o
problema da vontade, não podendo mais explicar a ação exclusivamente com
base na construção das estruturas racionais.
A temática da
ambivalência presente na antropologia da psicanálise, bem como sua relação
com o problema da doença e da cura, será apontada, em tom de sugestão para
posteriores estudos, como indício de que o tema da ambivalência do
eu-moral esteve presente na constituição da reflexão sobre saúde e doença
nas ciências humanas em sua constituição recente.
Nossa exposição
iniciar-se-á com uma breve apresentação do intelectualismo socrático, logo
em seguida será apresentada a antropologia da ambivalência do eu-moral no
Apóstolo Paulo e em Agostinho de Hipôna.
Sobre o intelectualismo ético socrático
A revolução
imprimida pelo Apóstolo Paulo e por Agostinho de Hipôna na antropologia
Ocidental foi a passagem do intelectualismo socrático para a antropologia
da ambivalência do eu-moral cristã (Reale & Antiseri, 1990; Bohener &
Gilson, 1988; Arendt, 2002). Para compreender tal mudança, é necessário
primeiro compreender o intelectualismo ético socrático (Reale, 1994).
Segundo Jaeger
(1936/2001), Sócrates pode ter as datas de nascimento e morte colocadas
como 469 a.C. a 399 a.C., respectivamente. Sócrates relaciona-se ao
momento de virada do eixo de reflexão da filosofia grega. Antes de
Sócrates, os filósofos da natureza fizeram da pergunta sobre o cosmos o
seu interesse fundamental, pretendiam compreender o princípio de todas as
coisas (Reale, 1993). Esta reflexão chegou a um ponto de esgotamento de
possibilidades (Reale, 1993).
Depois dos filósofos
da natureza, os sofistas voltaram-se para o homem como foco de atenção (Guthrie,
1995). Para eles, o logos ganhou novo sentido, não era mais a
possibilidade de chegar a um conhecimento seguro quanto ao princípio de
tudo, mas a possibilidade de persuasão no debate público. Por isso os
sofistas desenvolveram estudos sobre a retórica como meio de ascensão na
vida pública (Guthrie, 1995). Em suma, para os sofistas, a função do
logos não é conhecer a verdade e sim persuadir. Neste sentido, eles
lançaram amplo ceticismo quanto às possibilidades do logos como
conhecimento seguro, inclusive no terreno ético (Guthrie, 1995; Jaeger,
1936/2001; Reale, 1993).
Foi neste campo, no
que se refere à pergunta sobre a virtude, que Sócrates realizou suas
reflexões tentando estabelecer um critério seguro sobre o problema ético.
Quando a pergunta moral caiu em meio a um amplo relativismo (Guthrie,
1995), Sócrates procurou um novo fundamento para a mesma (Jaeger,
1936/2001). Assim, ele estava sempre indagando acerca da definição de
alguma virtude: “Que é a coragem? Que é a justiça?”. Trata-se da pergunta
pela definição, que guardava o otimismo grego em relação às possibilidades
da razão (logos) em seu intento de conhecer e ordenar. A atividade
de Sócrates levou adiante o otimismo grego quanto ao logos. Depois
de aplicá-lo (o logos) à natureza, trata-se agora (com Sócrates) de
aplicá-lo à ordenação do espírito: submeter ao império da razão a vida
humana (Jaeger, 1936/2001).
A esta racionalidade
cabe conhecer a virtude, não mais como tradição, hábitos, convenções e
costume (nomos/nomoV),
mas como fundamento rigorosamente refletido (Guthrie, 1995). A virtude
torna-se conhecimento, pois, aquele que conhece o bem, irá praticá-lo.
Esta teoria foi chamada de intelectualismo socrático, segundo a qual há
uma relação de linearidade entre o conhecimento e a ação moral. Reale
(1995) resume em cinco tópicos o intelectualismo socrático: (A) A vida
moral é considerada como inteiramente fundada na razão e no conhecimento;
(B) Considera-se que basta conhecer o bem, para praticá-lo; (C) O mal
moral é um erro de conhecimento; (D) À vontade não é reconhecido um papel
determinante no agir moral; (E) A liberdade é ligada à razão, e não ao
querer.
Por isso, foi
crucial para Sócrates que o homem tivesse conhecimento de si, de sua
especificidade, para que pudesse conhecer o próprio bem e, agindo segundo
este conhecimento racionalizado e fundamentado, conseguir aquilo que todos
almejam: a felicidade. Quando o homem erra na escolha moral, ele o faz por
um erro de cálculo, ao considerar como bem aquilo que não o é. É possível
enganar-se acerca do bem, mas não é possível não agir segundo a
compreensão do que é o bem. Isto porque é próprio dos seres buscarem seu
próprio bem e sua preservação. No dizer de Jaeger (1936/2001), todo o
esforço de Sócrates e Platão pretendia demonstrar que “ninguém erra
voluntariamente” (p. 568). Nesta linha de raciocínio, a virtude só pode
ser compreendida como um saber. Em suma, os postulados socráticos são: (a)
é próprio dos seres procurar o próprio bem; (b) se alguém concebe algo
como sendo o bem, irá praticá-lo inevitavelmente. É impossível saber e não
praticar. Na linearidade da ética socrática, a possibilidade do homem
conhecer o bem e não praticá-lo não está dada (Reale, 1993). Abbagnano e
Visalberghi (1995) apresentam um bom resumo do intelectualismo socrático.
Note-se que o
intelectualismo socrático comporta uma teoria da saúde e da doença. A
saúde foi compreendida pelos gregos em grande parte no conceito de
areté (Reale, 1995), freqüentemente traduzido por virtude ou
excelência. Dizemos que areté expressa a idéia de saúde à medida
que significa a plena realização do ser em sua especificidade. O homem
revela areté à medida que realiza sua especificidade, que é a vida
segundo o conhecimento do bem, uma vida racional. Os conceitos de saúde e
doença são utilizados por nós para designar um ideal de realização humana
(saúde), versus sua não realização (doença). A saúde equivale ao conceito
grego de areté à medida em que este designa o ideal de plenitude e
felicidade do homem. Nesse sentido, não só a saúde do indivíduo depende da
realização segundo a areté, que é a vida segundo a razão, como a
saúde da própria polis depende desse ideal: “o homem justo o é da
mesma maneira em que a cidade o é” (Platão, 2001/Original do Séc. IV; p.
200). A relação entre areté e saúde revela-se no uso do conceito de
temperança (sofhrosine/swjrosunh)
em Platão (2001/Original do Séc. IV), que é “uma espécie de ordem, de
domínio ou disciplina dos prazeres e dos desejos. É a capacidade de
submeter a parte pior à parte melhor” (Reale, 1993, p. 248). Note-se aqui
a relação entre temperança e felicidade, equilíbrio próprio, autodomínio,
harmonia interna, conceitos que designam um estado de saúde. Já a não
realização do ideal (areté) revela a condição da doença enquanto
estado de desarmonia, desequilíbrio, infelicidade. Sem a realização de sua
areté o homem revela estado de déficit. Há, portanto, no
intelectualismo socrático um ideal de saúde, uma teorização sobre saúde e
doença. Saúde e doença estão relacionadas ao conhecimento. Há saúde se o
verdadeiro bem é conhecido, levando à felicidade do ser. O desvio da saúde
ocorre quando há engano em relação ao que é concebido como bem, levando a
não realização do ser. Nesse sentido, não há espaço para ambivalência na
teoria da saúde e da doença presente no intelectualismo socrático, visto
que os dois estados dependem do conhecimento, há saúde se o homem age
segundo um conceito verdadeiro de bem, bem como haverá doença, se o homem
agir segundo um conceito equivocado do que seja o bem.
O problema da
ambivalência foi introduzido pela antropologia cristã. Este assunto é
exposto no tópico a seguir.
A antropologia da
ambivalência do eu-moral: saúde e doença no Apóstolo Paulo e em Agostinho
de Hipôna
Ao expor a revolução
antropológica do cristianismo cabe começar pela sua raiz: o Apóstolo
Paulo. Discussões sobre a psicologia paulina são encontradas em Mueller
(1978), Brett (n. d/1972) e Brennan (n. d.). Brett (n. d./1972) afirma que
a psicologia que encontramos nos escritos dos padres, não apenas Agostinho
de Hipôna, tem suas raízes no Novo Testamento, especialmente no Apóstolo
Paulo.
O apóstolo Paulo foi
educado em uma tradição judaica, especificamente rabínico farisaica, que
preconizava a temática legalista da religião. Segundo esta temática moral,
é mediante o meticuloso cumprimento da lei, por parte do fiel, que a
justificação do homem perante Deus ocorre. O termo lei (Grelot, 1987) se
refere ao código moral mosaico, que, segundo a tradição judaica, foi
revelado na Torá (Johnson, 1989). Em síntese, portanto, a teologia
legalista entende que o homem recebe a lei revelada, e permanece
moralmente de pé perante Deus, mediante o exercício religioso do
cumprimento da lei (Barth, 1999). Trata-se de compreender o ensinamento
moral e colocá-lo em prática (Bunin, 1998). Entre a compreensão e a ação
não há impedimento determinante.
O apóstolo Paulo foi
também muito influenciado pela literatura apocalíptica judaica, que se
instrumentalizou da interpretação da lei e de sua observação, como modo de
legitimar a posição de cada um dos grupos sectários disputantes no período
intertestamentário, especialmente a partir do séc. II antes de Cristo (Cullmann,
2000; Overman, 1997, Pires, 2004).]
Ao legalismo farisaico, que adotara anteriormente, o Paulo cristão
contrapôs o problema da ambivalência do eu-moral, inaugurando uma nova
antropologia teológica e, por extensão, implicando implicitamente uma nova
psicologia. O conflito básico do legalismo é apresentado nos capítulos 7 a
8 da Epístola aos Romanos, e é sintetizado nos versículos 14, 15 do
capítulo 7 (2):
(14) Porque bem
sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à
escravidão do pecado.
(15) Porque nem
mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro,
e sim o que detesto.
Nestas palavras, há
uma total ruptura com o intelectualismo ético grego e com o legalismo
farisaico. O texto do Apóstolo Paulo afirma que há compreensão e aceitação
da lei moral (Grelo, 1987) por parte do fiel, mas isto não leva a seu
cumprimento. O verbo grego traduzido como prefiro, aplicado à lei no
versículo 14 é thélô (qelw)
(3), que está na primeira pessoa do presente do indicativo ativo,
indicando ato de um sujeito que se inclina em direção a algo de que gosta
(Taylor, 1990). Neste caso indica inclinação para com a lei moral.
O apóstolo Paulo
afirma que esta preferência e inclinação em direção à lei moral é o
resultado da compreensão e aceitação intelectual da lei. Esta aceitação e
compreensão é atividade realizada pela faculdade intelectiva do homem (nouV/nous),
que tem a função de julgar sobriamente e discernir entre o bem e o mal
(Taylor, 1990). Esta idéia é apresentada no versículo 23 do capítulo 7 da
Epístola aos Romanos:
mas vejo nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha
mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.
Na expressão “a lei
da minha mente”, mente é tradução de noos (nooV),
o genitivo singular de nous (nouV).
A idéia no texto é de que a compreensão intelectual e a decorrente
preferência pela lei não garantem a sua efetivação. A razão pela qual a
compreensão da lei não é suficiente é que há um outro princípio no homem,
além da mente (nous), que é contrário à compreensão e intenção
favorável à lei, este princípio é o pecado (hamartia/amartia),
realidade antropologicamente universal. Este termo aparece repetidas vezes
no capítulo sete (ex. versículos 7, 8, 11 e 13), indicando estado de
degeneração moral e insubmissão à lei moral (Stott, 2000), inclinação para
o que é contrário à lei. A conclusão do apóstolo fecha inexoravelmente as
portas para qualquer intelectualismo e legalismo, dado que ele conclui
pela impotência humana para, a partir de suas próprias forças, vencer a
batalha contra a natureza pecaminosa (h
amartia/
he hamartia),
e cumprir a lei. Esta idéia é resumida no trecho de Rm 7: 19, sobejamente
conhecido até na cultura popular: Porque não faço o bem que prefiro, mas o
mal que não quero, esse faço.
Na antropologia
paulina, a lei só pode trazer o pleno conhecimento do pecado, dado ser
este uma inclinação interior incontrolável. A força do pecado se manifesta
no fato de que, ainda que a lei seja aparentemente obedecida externamente,
interiormente surge o problema da concupiscência, do desejo ardente em
relação àquilo que foi proibido pela lei, a ponto do Apóstolo afirmar: “E
o mandamento que me era para a vida, achei eu que me era para a morte” (Rm,
7, 10).
A antropologia de
Paulo de Tarso revela uma teoria da ambivalência do eu-moral, na qual o
estado humano é caracterizado pela doença. A doença é caracterizada pelo
angustiante conflito entre o conhecimento do bem, e o domínio do pecado
como princípio dominante e insubmisso a qualquer outro princípio no homem.
O homem paulino apresenta uma profunda cisão interior, um conflito gerador
de intenso sofrimento. O resultado desse estado conflituoso é a culpa e a
constatação da impotência frente ao pecado. Assim, a ambivalência do
eu-moral e a doença são variáveis indissociáveis na antropologia teológica
e na psicologia de Paulo de Tarso, na qual a psicologia do conflito e da
impotência caracteriza a doença. Essa interpretação é suportada pela
literatura da psicoteologia de Ellens (1986), na qual o autor afirma,
tendo em consideração também a tradição legalista criticada pelo Apóstolo
Paulo, que: “a maioria das práticas religiosas que ocorrem na história
reforçam a ansiedade do homem através da dinâmica frustrante da culpa e de
um sentimento de total impotência diante dos problemas morais (...)” (p.
9). Também a interpretação de Tunier (1987) relaciona legalismo e
sentimento de culpa e ansiedade, enquanto a graça é apontada como proposta
sanadora para o problema da culpa.
Após caracterizar a
relação entre a antropologia da ambivalência do eu-moral e a doença, Paulo
de Tarso passa a desenvolver sua teoria da cura. A cura é a superação da
ambivalência. A ambivalência, como estado de doença, é caracterizada pelo
conflito entre a condição de pecabilidade ad intra e a compreensão
da lei como ideal da perfeição moral, resultando na culpa e na condenação
pela impotência de autojustificação, ou de inadequação moral ao imperativo
que nasce do indicativo da graça. Assim sendo, a cura tem que operar a
superação da impotência manifesta na dominação do princípio do pecado.
Essa só pode efetivar-se na graça, estado no qual o angustiado conflito
apresenta um desfecho no capítulo 8 (oito) da Epístola aos Romanos.
Ali se diz que a potência para efetivar o que é preferido (a lei), se
estabelece a partir da presença do Espírito no “crente” (pistós).
Os versículos 1 e 2
do capítulo 8 de Romanos sintetizam parte da idéia paulina sobre a cura
como superação da ambivalência:
Portanto agora nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne
(lei), mas segundo o espírito (graça).
Porque a lei do
espírito de vida (graça), em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da
morte (ideal de perfeição moral absoluta da tradição interpretativa do
rabinismo judaico).
O ponto a salientar
é que Paulo de Tarso estabelece a temática de uma relação entre doença e
ambivalência do eu-moral de um lado, e saúde como superação da
ambivalência de outro lado. Não uma superação absoluta e estática, mas uma
potência para a superação em meio a um estado de luta constante. A
ambivalência não deixa de existir na história (sendo superada apenas na
trans-história), mas torna-se potencialmente superável na graça.
Assim, a psicologia
do Apóstolo Paulo marca uma ruptura com o intelectualismo grego (Reale &
Antiseri, 1990) e com o legalismo farisaico (Stott, 2000), porque retira a
linearidade entre o conhecimento do bem e o agir moral, e sobrepõe, ao
intelecto, o problema da concupiscência.
Um ponto crucial na
teoria da saúde e da doença em Paulo de Tarso é sua afirmação de que a
indigência e a impotência, reveladas na ambivalência do eu-moral, este
conflito interior, constituem a doença como condição estrutural do homem
pós-queda. A condição inerente do homem é a doença-ambivalência. A cura é
definida como a potência para a superação da ambivalência. Por último, a
cura-superação da ambivalência só pode ocorrer no encontro do homem com o
transcendente. Há uma metafísica da cura em Paulo de Tarso.
A antropologia
teológica de Paulo de Tarso foi o dado inspirativo para Agostinho de
Hipôna (Brennan, n. d.; Brett, n. d./1972; Boehner & Gilson, 1988; Reale &
Antiseri, 1990).
Agostinho de Hipôna:
a ambivalência do eu moral na psicologia voluntarista contra a psicologia
intelectualista
A influência do
Apóstolo Paulo sobre Agostinho de Hipôna foi muito grande. O tema paulino
da ambivalência do eu-moral e da superação da doença a partir da graça
regeneradora aparece na psicologia voluntarista de Agostinho de Hipôna.
Agostinho de Hipôna nasceu em 354, em Tagaste, hoje Souk-Ahras na Argélia
(Drobner, 2003; Trapè, 2002a). De acordo com Cunha (2001), Agostinho criou
o conceito de vontade (voluntas) como o Ocidente o conhece hoje,
seja em seu uso técnico ou cotidiano. No pensamento grego não havia nada
correspondente ao conceito agostiniano de vontade (voluntas) e de
liberdade, profundamente relacionado à vontade.
O mundo grego
clássico conheceu dois sentidos para o conceito de liberdade. Antes de
Sócrates existia o conceito ele eleutheria (eleuqeria),
indicando liberdade em oposição à condição do escravo (doulos/douloV),
sem qualquer sentido ético. Sócrates introduziu o conceito de enkráteia
(egkrateia),
liberdade em sentido ético e interior (Reale, 1993; Jaeger, 1936/2001).
Este sentido socrático colocava a liberdade como domínio sobre a parte
anímica da alma, indicando a virtude como conhecimento e fundamentando a
liberdade no conhecimento e na racionalidade: conhecer o bem implica
praticá-lo.
Em Agostinho de
Hipôna, o conceito de liberdade está relacionado à vontade (voluntas).
É com Agostinho de Hipôna que se firma a idéia de vontade como
possibilidade de decidir e levar à ação independentemente da razão. É ela
(a vontade) quem decide e não a razão. A possibilidade de escolha,
tradicionalmente atribuída à razão, foi interpretada por Agostinho
(383-395/1995) como possibilidade da vontade, e a escolha da vontade não é
determinada pelo conhecimento daquilo que é melhor ou pior (Cunha, 2001).
Compreender esta mudança exige examinar mais de perto o pensamento de
Agostinho. Seu pensamento voluntarista funda-se em sua interpretação do
Apóstolo Paulo (Arendt, 2002), especialmente na Epístola aos Romanos
(Agostinho, 412/1998a, 415/1998b).
A influência da
psicologia paulina da ambivalência do eu-moral sobre Agostinho de Hipôna
pode ser notada na polêmica deste contra Pelágio e seus discípulos. A
exposição desta temática será usada para esclarecer acerca da psicologia
voluntarista de Agostinho de Hipôna e seu anti-intelectualismo.
Como bispo, coube a
Agostinho de Hipôna a tarefa de zelo pela compreensão da fé cristã. No
exercício desta tarefa, Agostinho de Hipôna entrou em polêmica contra o
maniqueísmo e contra Pelágio (Agostinho, 412/1998a, 415/1998b, 426/1999) e
seus discípulos. Interessa aqui a polêmica com o pelagianismo.
Pelágio (Grossi,
2002), nascido na Britânia por volta de 354, posicionou-se quanto à
questão da natureza e a graça (Studer, 2002). Sua teoria aproximou-se do
otimismo grego, quanto às possibilidades éticas do homem. Pelágio admitiu
que o homem recebe a lei de Deus e que o homem foi criado com capacidade
de cumprir a lei, trata-se do livre arbítrio como capacidade de escolher
entre o bem e o mal. Para Pelágio, a idéia de graça era concebida neste
dois pontos concedidos por Deus ao homem. Não havia necessidade de graça
adicional para não pecar, esta noção de graça seria, para os pelagianos,
contrária à liberdade humana. O ponto fundamental, na antropologia
teológica de Pelágio, é que concebia o homem como auto-suficiente no
exercício da lei e, portanto, capaz de mérito em sua salvação.
Para Agostinho de
Hipôna, esta teoria era inconcebível porque não admitia qualquer papel à
graça na regeneração do homem, e não podia dar o devido lugar à obra de
Cristo. Um dos pontos centrais na questão é que Pelágio negou o conceito
de pecado original (Grossi, 2002). Para Agostinho de Hipôna, esta
expressão indicava o estado de degeneração moral hereditária, proveniente
do pecado de Adão (Trapè, 2002b). A idéia de pecado original relaciona-se
ao conceito de pecado (hamartia) em Paulo de Tarso, como princípio
universal que rege a natureza humana decaída desde o pecado original.
Assim, o pecado original revela o caráter de doença estrutural do homem
após a queda.
Esta doutrina do
pecado original (Trapè, 2002b) é importante para compreender a psicologia
de Agostinho de Hipôna, que é fundamentalmente voluntarista. O problema
básico pelo qual Pelágio estava errado, segundo Agostinho (412/1998a,
415/1998b), é que entre a compreensão da lei e sua execução, está o
problema da vontade. No estado de degeneração em que se encontra o homem,
após o pecado de Adão, sua vontade direciona-se egoisticamente, idéia que
se inspira no Apóstolo Paulo. Pode-se falar, em Agostinho de Hipôna, do
conflito entre duas vontades, a vontade de realizar a vontade de Deus
versus a vontade do homem. No entanto, é sempre a última que vence (Reale
& Antiseri, 1990). Destarte, o cerne do problema do homem não é
prioritariamente intelectual, e sim volitivo, relacionado à ambivalência
do eu-moral. É correto afirmar que Agostinho (426/1999) admitiu que as
paixões devem se submeter à razão. Mas ele admitiu que é isso que o homem
não podia fazer após o pecado original (Agostinho, 412/1998a, 415/1998b).
Isto só poderia ocorrer mediante a atuação da graça sobrenatural,
regenerando a vontade e libertando-a (Agostinho, 426/1999). No dizer do
próprio Agostinho: “Não se pode concluir, portanto, que o possuidor do Dom
da ciência, pelo qual deve conhecer o que fazer tenha também o Dom do amor
para agir.” (Agostinho, 418/ 1998c, p. 249).
Em suma, conhecer o
bem não leva a praticá-lo. Praticá-lo só é possível com o Dom do amor.
Este termo, em Agostinho (412/1998a), refere-se à ação regeneradora da
graça sobre a vontade. Para Agostinho, a ação da graça, na regeneração da
vontade, é operada pelo Espírito Santo, o que mostra mais um fator
inspirado no Apóstolo Paulo. A regeneração da vontade pelo Espírito gera a
caridade (charitas), que é amor pela lei. Destarte, Agostinho
(418/1998c), como o Apóstolo Paulo, não concebe que o homem possa agir
autonomamente em conformidade com a lei, após o pecado original.
Agostinho de Hipôna
apresenta a condição antropológica do pecado original como profunda
ambivalência entre a vontade de fazer a vontade de Deus e a vontade
direcionada para os bens inferiores. Fora da graça, a vontade de fazer a
vontade de Deus não pode vencer. Fica claro que Agostinho de Hipôna se
inspira na idéia paulina de pecado como princípio gerador de ambivalência
na natureza humana decaída. Há um estado de profundo conflito interior que
caracteriza a doença a ser superada na graça. Somente na graça a vontade é
livre. A liberdade (libertas) foi entendida por Agostinho como a
submissão plena da vontade humana a Deus. Esta submissão só pode ocorrer
na graça (Cunha, 2001).
Cabe lembrar que os
conceitos de liberdade (libertas) e livre arbítrio (De
libero arbitrio) possuem significados diferentes em Agostinho. O livre
arbítrio indica a possibilidade de escolha entre o bem e o mal. Já a
liberdade é a plena submissão da vontade a Deus. O homem perdeu a
liberdade com o pecado original, dado que sua vontade fragilizada não mais
poderia submeter-se à vontade de Deus. Mas não perdeu o livre arbítrio, no
sentido de que permaneceu sua livre agência para o mal. Assim sendo, a
única possibilidade de reaver a liberdade, perdida no pecado original,
estava dada na graça sobrenatural, em sua ação regeneradora sobre a
vontade. A rigor, a idéia de liberdade é apresentada em três estágios em
Agostinho. Em primeiro lugar, antes do pecado original há a vontade como
possibilidade de livre arbítrio, que pode ou não pecar. Após a queda, a
vontade perde a liberdade, sem perder o livre arbítrio, e está fragilizada
e não pode fazer o bem. A liberdade para fazer o bem só existe com o
auxílio da graça. Na eternidade, a liberdade é entendida como plena
submissão da vontade a Deus, não havendo mais possibilidade de pecar
(Cunha, 2001; Boehner & Gilson, 1988).
É nítido que a
teoria de Agostinho de Hipôna, aos olhos do homem moderno (Durkheim,
2000), é sobrenaturalista. Como bem salienta Fraile (1986), a antropologia
de Agostinho de Hipôna é sobrenatural antes que física, colocando a
soberania absoluta na graça. A graça é a intervenção livre e não
necessária de Deus, regenerando a natureza corrompida pelo pecado
(Agostinho, 426/1999). O ponto a salientar, para o presente trabalho, é
que esta teoria é desenvolvida dentro do quadro de uma psicologia
voluntarista e não intelectualista. Conquanto Agostinho de Hipôna
admitisse a teoria da depravação total do homem após a queda, segundo a
qual toda a dimensão humana, inclusive intelectual, foi degenerada pelo
pecado, sua ênfase recaiu sobre a vontade. Não há linearidade entre
pensamento e ação moral em Agostinho de Hipôna. A concupiscência não é
dominável pelo intelecto, pelo menos não fora da graça (Agostinho,
426/1999). Destarte, a antropologia de Agostinho de Hipôna absorve a
ambivalência do eu-moral presente em Paulo de Tarso.
A ambivalência do
eu-moral e os conceitos de saúde e doença
A investigação sobre
a antropologia teológica de Agostinho de Hipôna revela uma reflexão sobre
saúde e doença que muito interessa à história da psicologia. No paradigma
saúde e doença de Agostinho de Hipôna, o problema crucial do homem é sua
ambivalência moral, no que ele (Agostinho) continua a temática
cristã-paulina.
Paulo de Tarso
colocou o problema da doença na angústia do conflito entre o princípio do
pecado, que rege a natureza humana fora da graça, e o conhecimento do bem.
Agostinho de Hipôna expressa o conflito-doença na impotência da vontade
fragilizada após a queda, que está em conflito e não pode operar em favor
da vontade de Deus. A conclusão é que tanto em Paulo de Tarso como em
Agostinho de Hipôna, a doença é relacionada à ambivalência e impotência
para superação da ambivalência, gerando um permanente estado de conflito.
O fato é que, no
cristianismo, como em outras religiões (Durkheim, 2000), o paradigma da
doença teve que ser acompanhado pelo paradigma da cura. Dado que o
problema da doença estrutural era fundamentalmente moral em Agostinho de
Hipôna, como em Paulo de Tarso, seu paradigma da cura também teve natureza
moral. Agostinho de Hipôna enfatizou o problema da graça como regeneração
da vontade, como regeneração moral do homem pós-queda. A graça de Deus, em
Agostinho de Hipôna, é ato livre e não necessário de Deus, mediante seu
Espírito Santo, no sentido de sobrenaturalmente regenerar a vontade
decaída, tornando-a capaz de direcionar-se para a lei, ainda que de forma
não perfeita na presente vida.
Vê-se que o
paradigma da cura em Agostinho de Hipôna é semelhante ao de Paulo de
Tarso, já que passa pela superação da ambivalência do eu-moral. No
entanto, há uma diferença na cura em Agostinho de Hipôna em relação a
Paulo de Tarso. Agostinho de Hipôna considera que para o cristão que se
volta em súplicas e orações, o Espírito Santo realiza a obra da
Charitas, isto é, de imprimir a lei no coração do crente, de forma que
ele ame a lei, tenha alegria em seu cumprimento. Nesse aspecto, a teoria
da cura de Agostinho de Hipôna é mais otimista que a de Paulo de Tarso, já
que Paulo de Tarso fala de uma constante luta entre espírito e carne,
enquanto Agostinho de Hipôna fala de uma condição mais harmoniosa, a
alegria de cumprir a lei possibilitada pela moral da charitas. No
entanto, em última análise, a gramática do amor (charitas), no
pensamento de Paulo, revela o ethos da graça. Este é o corolário
axiomático em que a psicoteologia da graça apresenta-se na forma de uma
“antropologia da paz” interiorizada pelo ego (Rm 5.1), onde o conflito
gerado pelo estado de ambivalência psicológica deixa de ter a força que
produz o tormento e a angústia de morte (doença) no indivíduo considerado
um “novo homem” (kainê ktisis). Paulo é, em última análise,
complementado na interpretação antropológica de Agostinho, mas nunca
contestado.
Para Agostinho de
Hipôna, o encontro do crente com a graça de Deus era o caminho da saúde,
dado ser o caminho que gera a beatitude. Isso porque é só na graça que a
vontade pode direcionar-se para Deus, única realidade admitida por
Agostinho de Hipôna como fonte da beatitude humana. Na verdade, é só na
graça que o homem recobra o ser. A saúde é a regeneração da deficiência do
ser pós-queda, possibilitando ao homem tender na direção do reencontro com
a felicidade: Deus.
Vale salientar a
complexidade de questões envolvidas nas concepções antropológicas
intelectualistas e de ambivalência do eu-moral. Um ponto crucial na
diferença está na inexistência da idéia cristã de criação no mundo grego (Reale,
1994). A criação cristã é ex nihilo, isto é, a partir do nada, como
salientava Agostinho de Hipôna. Como mostra o exame do pensamento
de Platão (Reale, 1994) ou a leitura da Metafísica de Aristóteles
(IV a.C./2002), os gregos não formularam qualquer noção de criação ex
nihilo, que seria inconcebível para seus pressupostos. Para o
cristianismo, porém, a afirmação da criação ex nihilo, por um Deus
bom, impôs a resposta à pergunta sobre a origem do mal. É exatamente essa
questão que levou Agostinho de Hipôna a formular sua antropologia da
ambivalência do eu moral. Se Deus é bom e onisciente, como pode haver o
mal moral, isto é, a possibilidade do homem escolher e preferir o mal. A
resposta de Agostinho de Hipôna (383-395/1995) é que Deus não criou o mal
moral, bem como nenhum outro mal. Na verdade, como vimos na exposição da
antropologia da ambivalência do eu-moral, o problema do mal moral não é de
ser, e sim de deficiência de ser. Trata-se de uma vontade degenerada,
distante da potência de ser. Essa degeneração resulta do mau uso de uma
boa coisa: o livre arbítrio. Pelo mau uso do livre arbítrio, propôs
Agostinho de Hipôna (383-395/1995), o homem obteve a conseqüência do
vício, isto é, de direcionar seu amor para as coisas inferiores e não para
Deus. Fica claro aqui que a idéia de uma queda é fundamental no pensamento
de Agostinho de Hipôna, e o ponto central que essa queda toca, no que
concerne à explicação de Agostinho de Hipôna sobre o mal moral, é a
vontade (muito embora Agostinho de Hipôna fale de uma depravação total
pós-queda). Destarte, o problema da ação moral centra-se na vontade, ou
amor, não no intelecto.
Como corolário da
teoria de Agostinho de Hipôna sobre a resposta ao problema do mal moral,
surge sua metafísica da cura. Se o problema da vontade é deficiência de
ser, e se só Deus é Ser e fonte do ser criado (Molinaro, 2000), então
somente Deus pode curar a vontade de sua deficiência de ser. Assim, a
superação da ambivalência e o encontro com o transcendente são
indissociáveis em Agostinho de Hipôna (383-395/1995). A dimensão
antropológica é marcada pela doença estrutural (peccatum originale),
representada marcadamente na vontade degenerada pós-queda, bem como pela
impossibilidade de auto-emancipação em relação à doença. A dimensão divina
representa a possibilidade da cura mediante a superação da ambivalência da
vontade, cura que é operacionalizada e disponibilizada para a dimensão
antropológica na graça divina.
Como bem observou Schaeffer (1974), a antropologia
cristã, com sua idéia de criação e queda, afirma que o homem pós-queda
está em estado de anomalia. Ele (o homem) não é hoje tal qual Deus o criou
antes da queda. Isso fica muito bem representado na antropologia
paulino-agostiniana da doença como ambivalência do eu moral. Esse
pressuposto antropológico é titanicamente distinto da concepção grega, na
qual o homem não está em estado de anomalia em relação a um estado inicial
de criação. Por isso, para a antropologia filosófica grega platônica e
aristotélica (Aristóteles, IV a.C./2002), o homem é capaz da
saúde-excelência (areté) sem uma “interferência regeneradora” do
transcendente. Para a antropologia filosófica grega a saúde é uma
possibilidade a partir do exercício das potências
humanas imanentes, pela via do exercício
racional (noético), que caracteriza a excelência humana, enquanto a
doença é a desvirtuação do ideal caracterizado pela realização plena
dessas potências. Já que a excelência do homem constitui-se em sua vida
segundo a razão, não pode haver papel para uma vontade ambivalente no
intelectualismo grego.
Espero ter
conseguido esclarecer nas passagens acima a razão porque a cosmovisão
cristã desembocou, para Agostinho de Hipôna, em uma antropologia da saúde
e da doença que centrou-se no problema da ambivalência do eu-moral, da
vontade ambivalente. Tamanha é a importância histórico-antropológica desse
fato, que Cunha (2001) afirma que foi Agostinho de Hipôna o inventor do
conceito de vontade como nós o conhecemos no Ocidente.
Relações da
antropologia da ambivalência do eu-moral com a reflexão sobre o homem na
psicologia e na psicanálise: algumas considerações
Todo aluno de
psicologia já ouviu a afirmação de que todo sistema em psicologia
apresenta uma “visão de homem”. Usando conceitos mais precisos, pode-se
dizer que todo sistema em psicologia pressupõe uma antropologia
filosófica. A antropologia precede a psicologia e é sua condição.
O surgimento das
ciências particulares do homem na modernidade (Quintaneiro, 1999)
contribuiu para um esquecimento da antropologia filosófica (Mondin, 1980).
Esse esquecimento foi muito prejudicial para a compreensão da psicologia.
Isso por que do ponto de vista epistemológico e histórico, ficou
impossível, sem identificar claramente o problema de antropologias
filosóficas que orientam os sistemas em psicologia, identificar as grandes
matrizes histórico-antropológicas que subjazem à psicologia atual.
A antropologia da
ambivalência do eu-moral constituiu-se em um paradigma para interpretação
do humano, do problema da saúde e da doença, no Ocidente. Cabe agora
examinar alguns indícios de que este paradigma deixou marcas sobre a
reflexão imprimida por teorias da psicologia nascente e da psicanálise no
final do século XIX e primeira metade do século XX. Isso será feito em
seguida, a partir de considerações sobre a psicologia moral de Jean
Piaget. Também será apresentada uma consideração sobre a presença de uma
antropologia da ambivalência na psicanálise.
O problema da
voluntariedade na psicologia moral de Jean Piaget
A progressiva desmetafizicização (4) do mundo, operada no Ocidente a
partir do Iluminismo e continuada no cientificismo que influenciou
marcadamente o nascimento da psicologia como ciência a partir do século
XIX (Schultz & Schultz, 1992), produziu uma cosmovisão na qual a
metafísica da cura de Agostinho de Hipôna não mais era aceitável. Temas
como criação, queda e regeneração da vontade pela graça divina não
poderiam mais ser incorporados à psicologia científica nascente que se
proclamava monista (Marx & Hillix, 2003). A psicologia produziu uma
imanentização (5) da temática do binômio saúde-doença, bem como da cura.
Não mais o transcendente ontológico poderia operar como promotor da cura
na realidade imanente, caracterizada como natural, em uma filosofia
naturalista (Schaeffer, 1974). Se concordarmos com Durkheim (2000), o
conceito de sobrenatural é uma criação da modernidade pós-revolução
científica. Esse conceito (sobrenatural) foi criado para demarcar uma
dimensão que está para além do sistema fechado de causa e efeito, que
caracteriza o universo cientificista-naturalista. Destarte, o sobrenatural
agostiniano não pôde ser aceito como dimensão operante na interpretação da
saúde e da doença no mundo absolutamente imanentizado da psicologia
científica moderna.
Malgrado o fato
descrito acima, a antropologia teológica de Agostinho de Hipôna acarretou
um impacto indiscutível sobre a psicologia moderna, ainda que sua dimensão
sobrenatural tenha sido banida. O problema da vontade ambivalente
tornou-se uma pedra no sapato da psicologia em diversos casos. Um caso
muito claro no qual a pergunta de Agostinho de Hipôna sobre o papel da
vontade na psicologia aparece no nascimento da psicologia moral.
A obra que inaugurou
a psicologia moral foi O juízo moral na criança (Piaget,
1932/1994). Nessa obra, o mestre da epistemologia genética apresentou uma
teoria sobre o desenvolvimento do juízo moral, investigando especialmente
as situações de jogos infantis, nas quais as crianças lidam com regras. Um
ponto importante nessa teoria é a relação entre a moral heterônoma
(momento posterior à fase da anomia) e a moral autônoma. A moral
heterônoma foi caracterizada por Jean Piaget como momento no qual as
regras são inquestionáveis e respeitadas pelo fato de serem apresentadas
por uma autoridade (Deus ou os adultos). As regras não podem ser
modificadas e a situação de obediência a elas é caracterizada por coação,
relacionada a temor e admiração pelo adulto.
Na fase da moral
autônoma, a criança admite as regras como mutáveis, sob o critério de
atenderem o objetivo de justiça durante o jogo. A relação social que
prepondera é a reciprocidade, uma relação com iguais (as outras crianças),
na qual as regras podem ser discutidas e mudadas segundo objetivos como
justiça. Nesta fase, a relação de cooperação propicia uma forma racional
de lidar com as regras e o dever. Não se trata mais de medo ou admiração,
em relação a uma autoridade que apresentou a regra, mas de uma compreensão
conjunta e racional dos objetivos da regra, no que concerne a atender uma
relação de simetria no grupo. Torna-se fundamental na interação
cooperativa, o dêscentramento intelectual, isto é, a capacidade de
colocar-se do ponto de vista do outro, ao mesmo tempo em que se conhece o
próprio ponto de vista. Surge a necessidade de justificar os próprios
pontos de vista, considerando o ponto de vista dos outros. É nesta
interação cooperativa que a moralidade da criança atinge um estágio de
racionalidade, no qual a regra é admitida, rejeitada ou reformulada, a
partir de uma análise racional que obedece a critérios que mantêm a
simetria entre os membros do grupo no jogo. O objetivo é atender a um
ideal de justiça nas relações. Não se trata, por parte de Jean Piaget, de
negligenciar a afetividade em favor do racional. Na verdade, como salienta
La Taille, Jean Piaget admitiu uma harmonia entre afeto e razão, pois a
“afetividade ‘adere’ espontaneamente aos seus ditames (da razão).’’ (La
Taille, 1992; p. 70).
Yves de La Taille
(1992) afirma que um problema na posição de Piaget (1932/1994) é que sua
metodologia, que utilizava entrevistas, só permitia fazer afirmações sobre
o juízo moral da criança, ao passo que Jean Piaget fez afirmações sobre a
ação moral da criança. A pergunta de La Taille pode ser colocada nos
seguintes termos: a racionalidade autônoma é suficiente para levar à
prática da ação moral? Dito de forma mais direta, a presença da capacidade
de avaliar racionalmente as regras, bem como de verificar sua adequação,
gera obrigatoriedade de seguir as regras na ação moral?
Quanto à pergunta
assinalada acima, cabe lembrar a advertência do próprio Jean Piaget no
início de seu livro: “Propusemo-nos a estudar o juízo moral da criança, e
não os comportamentos ou os sentimentos morais” (Piaget, 1932/1994; p.
21). Apesar desta advertência, como bem observa La Taille, Jean Piaget fez
afirmações sobre a prática moral da criança, entendendo-a como “derivada
de sua capacidade de formulação de juízos morais”. La Taille observa que
ao fazer isso, Jean Piaget foi além do que seu método baseado em
entrevistas permitia, passando do plano do juízo moral, para o plano da
ação moral.
A proposta de Piaget
(1932/1994), para a relação entre juízo moral e prática moral, é que na
moral autônoma existe o “sentimento”, rigorosamente racional, que é de
necessidade. De acordo com esta tese, o que a razão concebe como válido no
campo da moral, tem a mesma força de convencimento subjetivo que as
operações lógicas do tipo: a=c, dado que a=b e que b=c. O termo
necessidade implica obrigatoriedade, isto é, as regras morais, enquanto
racionalmente submetidas a uma análise e aprovadas, têm força subjetiva de
obrigatoriedade. Nessa tese, Jean Piaget apresenta a noção de um
paralelismo entre o desenvolvimento moral e a evolução intelectual, no
qual o parentesco entre as normas morais e as normas lógicas se apresenta
na frase: “a lógica é uma moral do pensamento, como a moral, uma lógica da
ação” (Piaget, 1932/1994; p. 295). Em suma, a lógica e a moral racional
têm poder de gerar a obrigatoriedade subjetivamente sentida pela criança.
No campo da moral, esta obrigatoriedade implica uma coerência entre o
juízo moral e a ação. Sobre esta tese Jean Piaget afirma: “Tal tese só é
chocante para os que permanecem incapazes de experimentar em si próprios
esta obrigação superior e puramente imanente que constitui a necessidade
racional.” (Piaget, 1932/1994; p. 275). Um pressuposto presente na obra de
Jean Piaget, quando ele passa do juízo moral para a ação moral, é de que a
presença da habilidade cognitiva de formulação do juízo moral racional é
uma condição necessária e suficiente para a ocorrência de uma ação moral
em acordo com tais juízos. Trata-se de um pressuposto intelectualista. A
pergunta de La Taille (1992), questionando a desconsideração de Piaget
pelo querer no agir moral, coloca em questão a postura intelectualista.
Vale notar que o
questionamento de La Taille (1992) relembra a tradição da antropologia de
Agostinho de Hipôna, na qual a razão não é condição suficiente para a ação
moral, já que existe também o problema do querer. La Taille coloca
explicitamente o problema do querer ao afirmar: “saber não é
necessariamente querer” (La Taille, 1992; p. 72). Em suma, o
questionamento da tese intelectualista de Jean Piaget, com base na sua
ausência da consideração pela vontade no agir moral, é um indicativo claro
de que a antropologia de Agostinho de Hipôna deixou marcas que permeiam a
psicologia moderna. Desde Agostinho de Hipôna, colocou-se para a
psicologia a necessidade de explicar o papel do querer no agir moral.
Destarte, a polêmica de La Taille quanto ao intelectualismo presente em
Jean Piaget sugere a incorporação, por parte da psicologia, de
pressupostos da tradição agostiniana voluntarista. A tradição
interpretativa acerca da questão antropológica no Ocidente só pode ser
adequadamente compreendida a partir de uma investigação histórica que leve
em conta antigos paradigmas de antropologia filosófica e teológica que
possuem eco na psicologia moderna, ainda que, na maioria das vezes, os
psicólogos pouco atentaram para isso.
Vale lembrar que
muito antes do nascimento da psicologia moderna, a reflexão acerca da
psicologia já havia incorporado, sob influência de Agostinho de Hipôna, a
necessidade de explicar a relação entre intelecto e vontade. Isso ocorreu
na teoria tomista acerca do apetite racional (Boehner & Gilson, 1988).
Deve-se notar que a
teoria de Piaget (1932/1994) apresenta uma concepção implícita acerca da
saúde e da doença. Isso fica claro pelo fato de que Jean Piaget parte de
postulados antropológicos oriundos do Iluminismo e da revolução francesa.
Não é fortuito o fato de que a teoria do desenvolvimento moral de Jean
Piaget, com as fases da anomia, heteronomia e autonomia, relembre tanto o
pensamento de Rousseau em Emílio. Como para os gregos, os
postulados de Jean Piaget concebem um ideal de excelência (areté)
para o humano. Esse ideal está presente na concepção do moral autônoma,
dado que esta constitui o patamar pleno do desenvolvimento moral humano.
Visto que usamos os conceitos de saúde e doença na interpretação da
antropologia intelectualista para designar um ideal de realização humana,
bem como o desvio em relação ao mesmo, cabe agora aplicar o mesmo critério
à antropologia de Jean Piaget. Nesta, não atingir o patamar da moral
autônoma constitui desvio em relação ao ideal de plenitude humana,
portanto, caracteriza a ausência do ideal. A saúde caracteriza a plenitude
do desenvolvimento moral, desenvolvida até seu télos. Que há aqui
um ideal de saúde influenciado pelo Iluminismo isso fica claro quanto ao
otimismo de Jean Piaget quanto à racionalidade humana, lembrando o mito do
progresso, no qual a emancipação racional do homem em relação a qualquer
situação de heteronomia caracteriza a caminhada do homem em relação à sua
plenitude. Daí a indisposição de Piaget (1934/1994) quanto à moral social
heterônoma religiosa defendida por Durkheim. Toda heteronomia, na qual
razão não é a instância última para o juízo moral, é considerada um estado
de não plenitude a ser superado. Nesse sentido há um traço positivista no
psicologia moral piagetiana.
O ideal de saúde
piagetiano glorifica a ausência da ambivalência do eu-moral, dado que a
moral autônoma exclui ambivalência no querer. O sujeito moral de Jean
Piaget é regido por considerações racionais sobre o papel das regras na
manutenção de valores como a reciprocidade, a igualdade de condições no
grupo. Nesse sentido, a antropologia de piagetiana, fundada em postulados
iluministas, está em total oposição à antropologia cristã
paulino-agostiniana.
Em síntese, a
psicologia de Jean Piaget rejeitou a antropologia da ambivalência do
eu-moral paulino-agostiniana. Mas a crítica de La Taille (1992) ao
intelectualismo de Jean Piaget, revela que a psicologia incorporou a
pergunta de Agostinho de Hipôna sobre o papel da vontade.
A presença da
antropologia da ambivalência na psicanálise
É provável que
nenhuma teoria moderna relacionada ao problema da saúde tenha enfatizado
tanto a ambivalência quanto a psicanálise. A noção de uma ambivalência
interior aparece na psicanálise em diversos momentos. Faremos a seguir uma
breve exposição sobre a amplitude da presença do conceito de ambivalência
na teoria de Freud. É claro que a exposição será insuficiente para esgotar
a discussão, e nem é esse nosso objetivo, pretendemos apenas assinalar que
o conceito de ambivalência apresenta um papel central na teoria
psicanalítica, afirmação que nada tem de polêmico. O conceito de sintoma
revela uma dinâmica de ambigüidade na convivência entre a busca de
satisfação e o sofrimento resultante de forças que agem para o impedimento
dessa satisfação. Freud (1917/1969) descreve a ambigüidade do sintoma,
revelado na luta da libido para atingir uma descarga, frente às forças
oponentes:
Os senhores
percebem, então, que o escape da libido, em condições de conflito, se
torna possível pela presença de fixações. A catexia regressiva dessas
fixações consegue contornar a repressão e leva à descarga (ou
satisfação) da libido, sujeita às condições de um acordo a serem
observadas. Pelo caminho indireto, via inconsciente e antigas
fixações, a libido finalmente consegue achar sua saída até a satisfação
real – embora seja uma satisfação restrita e que mal se reconhece como
tal. (pp. 421-422; o grifo é meu).
A citação supra
revela o caminho da formação do sintoma como uma luta entre a busca
satisfação da libido em sua busca por descarga, versus a tentativa, muitas
vezes por razões morais, de impedir tal satisfação. O resultado dessa luta
é um acordo entre as duas partes, que gera o sintoma como uma peça
profundamente ambivalente:
A oposição formada
contra ela (a libido) no ego persegue-a como se fora uma anticatexia e
compele-a a escolher uma forma de expressão da própria oposição. Assim, o
sintoma emerge como um derivado múltiplas-vezes-distorcido da realização
de desejo libidinal inconsciente, uma peça de ambigüidade
engenhosamente escolhida, com dois significados em completa contradição
mutua. (Freud, 1917/1969; p. 421; o grifo é meu).
Assim, a situação da
neurose apresenta a ambivalência prazer-sofrimento, dado que guarda o
compromisso satisfação-impedimento. Como nos sonhos, no sintoma os
contrários não estão separados: “os contrários não são mantidos separados
(...) no sonho manifesto, qualquer elemento pode também possuir o
significado do seu oposto” (Freud, 1940/1978; p. 182). Há na neurose a
afirmação de uma cisão interior, um conflito. As exigências morais,
interiormente representadas na personalidade a partir do superego,
apresentam especial papel na formação de situações conflituosas.
A situação de
sofrimento, marcada pelo dado conflituoso-ambivalente presente na neurose,
caracteriza o estado de doença, no dizer de Freud (1917/1969):
Os sintomas – e,
naturalmente, agora estamos falando de sintomas psíquicos (ou psicogênicos)
e de doença psíquica – são atos, prejudiciais, ou pelo menos, inúteis à
vida da pessoa, que por vezes, deles se queixa como sendo indesejados e
causadores de desprazer e sofrimento. O principal dano que causam reside
no dispêndio mental que acarretam, e no dispêndio adicional que se torna
necessário para lutar contra eles. Onde existe extensa formação de
sintomas, esses dois tipos de dispêndios podem resultar em extraordinário
empobrecimento da pessoa no que se refere à energia mental que lhe
permanece disponível, e com isso, na paralisação da pessoa para as tarefas
importantes da vida. Como esse resultado depende principalmente da
quantidade da energia que assim é absorvida, os senhores verão que
‘ser doente’ é, em essência, um conceito prático. Se, contudo, assumirem
um ponto de vista teórico e não considerarem essa questão de quantidade,
os senhores podem muito bem dizer que todos nós somos doentes –
isto é, neuróticos -, pois as precondições da formação da formação de
sintomas também podem ser observadas em pessoas normais. (p. 419).
Assim, Freud parece
deixar claro que a ambivalência ou a precondição para a mesma está
presente em todas as pessoas, diferindo apenas, no caso da doença, o grau
de energia disponível para a vida produtiva. No entanto, em nosso
entender, isso não nega que em Freud, a procura pela saúde exige uma
relativa superação do estado conflituoso-ambivalente em questão em um dado
trabalho analítico específico, isso já aparece nas considerações
iniciais no laborioso processo de nascimento da psicanálise, na exposição
do tratamento da histeria (ver os textos do volume 2 das obras completas
de Freud). A superação do estado conflituoso-ambivalente relativo aos
sintomas em questão em um tratamento clínico específico é propiciada pelo
trabalho analítico (Freud, 1940/1978). Esta superação, em parte, é
afirmada na tentativa de trazer à consciência o que estava reprimido,
submetendo-o ao trabalho administrativo do ego.
É claro que a
psicanálise não fala em superação absoluta da condição
conflituosa-ambivalente, dado que esta, como vimos na citação acima, está
potencialmente presente em todos e se afirma também a partir da própria
condição do homem em civilização (Freud, 1930/1978). Como observa Freud
(1930/1978, 1927/1978), a civilização pressupõe a renúncia instintual,
assim sendo, a neurose é uma condição inerente ao homem em civilização,
destarte, a ambivalência é condição também inerente. A relação do homem
com a civilização implica um dado de ambivalência, pois a civilização
tanto é fonte de proteção, quanto gera hostilidade ao exigir a renúncia
instintual (Freud, 1930/1978, 1927/1978). Dessa necessidade de
reconciliação entre o homem e a civilização, bem como do sentimento de
desamparo ante a diversas ameaças, surgem as raizes psicológicas de outro
fenômeno humano marcado pela ambivalência: a religião. Nela, a relação
ambivalente pai-filho é reeditata na projeção da figura de um pai protetor
e ameaçador (Deus). No caso da formação do monoteísmo judaico, a situação
de ambivalência se afirma na tentativa de reconciliação como o pai
assassinado em diversas situações de conflito em eventos primitivos na
formação da civilização (Freud, 1939/1976). Também a religião é local de
expressão da ambivalência da neurose. Como salienta Freud (1907/1976), a
religião é uma expressão coletiva das práticas obsessivas típicas da
neurose obsessiva e, como toda expressão de sintoma, implica na
ambivalência prazer-sofrimento.
A própria
experiência da infância é marcada pela ambivalência, naquilo que Freud
(1923/1976) chamou de bipolaridade do complexo de Édipo, definida no
seguinte trecho:
Um estudo mais
aprofundado geralmente revela o complexo de Édipo mais completo, o qual é
dúplice, positivo e negativo, e devido à bissexualidade presente
originalmente na criança. Isto equivale a dizer que um menino não tem
simplesmente uma atitude ambivalente para com o pai e uma escolha objetal
afetuosa para com a mãe, mas que, ao mesmo tempo, também se comporta como
uma menina e apresenta uma atitude afetuosa feminina para com o pai e um
ciúme e uma hostilidade correspondentes em relação à mãe. (pp. 47-48).
Do que foi exposto
acima, pode-se fazer uma idéia, ainda que insuficiente, acerca da
importância do conceito de ambivalência na antropologia freudiana. Essa
importância é tal que até mesmo a distinção entre patológico e normal é
muito tênue na psicanálise, já que os mecanismos na formação dos sintomas
neuróticos operam também em fenômenos da “vida normal”, como os sonhos
(Freud, 1940/1978). Como vimos acima, Freud (1917/1969) chegou a usar um
critério prático-quantitativo para identificar o “ser doente”, já que a
extensa formação de sintomas pode reduzir muito a energia disponível para
as tarefas úteis da vida. Isso fica claro na afirmação: “A pré-condição
necessária aos estados patológicos em debate só pode ser um
enfraquecimento relativo ou absoluto do ego, que torna impossível a
realização das tarefas.” (Freud, 1940/1978; p. 187). Destarte, a cura, na
técnica da psicanálise, deverá devolver ao ego sua condição energética de
trabalho, para realizar sua atividade administrativa, sem que isso negue
que toda energia do ego é tomada de empréstimo ao Id, com objetivo de
servi-lo (Freud, 1917/1969). O que nos leva a admitir que a cura pressupõe
algum grau de superação da ambivalência que resulta da repressão, que gera
o sintoma como seu próprio retorno (Freud, 1910/1978).
Com base no que foi
exposto acima, nosso artigo levanta a possibilidade, em
caráter sugestivo
para posteriores investigações, e não em caráter conclusivo, de que a
antropologia paulino-agostiniana seja uma precondição traditiva para uma
reflexão antropológica como a da psicanálise. Sobretudo, nossa hipótese
assinala que a psicanálise, ao pensar o problema da saúde e da doença em
sua relação com a ambivalência, retoma um dado da tradição antropológica
paulino-agostiniana. É fundamental notar que essa hipótese não sugere uma
influência direta do pensamento de Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna
sobre Freud. Nossa hipótese, diferentemente disso, fala da influência de
uma tradição, diluída e incorporada no modo de pensar o antropológico no
Ocidente, como pré-condição para o pensar antropológico da psicanálise.
Nesse sentido, nossa hipótese se aproxima da hermenêutica filosófica de
Gadamer (1999), na qual a tradição é uma pré-condição para o ato
interpretativo, mesmo o pensamento que apresente uma “novidade” ou uma
contraposição ao dado traditivo que é ponto de partida para o sujeito
epistêmico.
Aspectos sugestivos
para essa possibilidade são apresentados a seguir. Como vimos na sessão
sobre Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna, a antropologia da ambivalência
do eu-moral introduziu no Ocidente o problema de uma cisão interior na
vontade não subjugada pela razão. Para Arendt (2002), a antropologia
cristã inaugurou o conceito de uma vida interior, marcada por cisão e
conflito, independente e até oposta à manifestação exterior (ver a
discussão sobre Paulo de Tarso). Se Arendt (2002) está certa, é difícil
pensar que uma antropologia como a psicanalítica, tão marcada pela idéia
de uma cisão interior, de uma ambivalência, poderia surgir sem a
pré-condição de uma antropologia que tenha fortificado essas noções no
pensamento Ocidental. A mais forte canditada traditiva à geração de uma
antropologia com postulados que possam apoiar a antropologia da
psicanálise é a antropologia da ambivalência paulino-agostiniana.
Outro ponto
interessante é que a psicanálise pensou o problema da saúde e da doença a
partir de suas relações com o estado conflituoso da cisão interior do
homem. Como em Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna, a psicanálise viu na
cisão interior a origem da situação de doença e sofrimento. Para Paulo de
Tarso, tal ambivalência se apresenta na incapacidade de “fazer o bem que
prefiro, fazendo o mal que não quero”. Para Freud, a ambivalência se
apresenta no compromisso de forças opostas, manifesto no sintoma.
Como na psicanálise,
Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna não atribuíram à razão a condição de
introduzir harmonia na vida interior, dado que as duas antropologias
admitiram a existência de potências interiores rebeldes às considerações
éticas da razão. Destarte, a cisão interior não é sanada pela
racionalidade, mas revela sua impotência.
Estamos
absolutamente cientes do fato de que há diferenças titânicas e traços
antitéticos entre a antropologia psicanalítica e a antropologia
paulino-agostiniana. Um aspecto antitético é que a antropologia
paulino-agostiniana é transcendentalista-escatológica, admitindo assim um
estado trans-histórico de superação plena da ambivalência, atingida na
superação da natureza pecaminosa efetivada na regeneração que se consuma
na ressurreição paulina (anástasis/ανάστασις).
Assim, em última análise, saúde, na antropologia paulino-agostiniana
pressupõe superação da ambivalência. Ao contrário disso, a antropologia de
Freud não é transcendentalista, e admite que o estado de ambivalência é
inerente à condição humana em civilização, não havendo espaço para o
conceito de saúde como superação da ambivalência. Destarte, a linha
divisória entre saúde e doença em Freud acaba se pautando no critério
prático-quantitativo delineado acima. Outra diferença está na
imanentização da cura presente na proposta psicanalítica. Para Paulo de
Tarso e Agostinho de Hipôna a cura depende do encontro humano com o
transcendente, manifesto na graça divina regeneradora. Para Freud, a cura
tem que ser operada dentro de um sistema naturalístico, operado em um
tratamento analítico que devolva ao ego a condição operativa nas tarefas
da vida. Assim, a cura psicanalítica é imanentizada na figura da
recondução do reprimido à consciência, com atuação administrativa do ego.
Além disso, o próprio conceito de ambivalência não recebe o mesmo
tratamento nas duas antropologias, dado que a Freud fala de uma
ambivalência prazer-sofrimento, enquanto Agostinho e Paulo falam de uma
ambivalência da vontade cindida e insubmissa à razão. Além disso, a
dinâmica inconsciente geradora da ambivalência proposta pela psicanálise
não se apresenta na antropologia paulino-agostiniana.
No entanto, malgrado
as diferenças assinaladas, tanto a psicanálise de Freud quanto a
antropologia da ambivalência do eu-moral paulino-agostiniana trabalham em
uma tradição de relacionar ambivalência, ansiedade, sofrimento, doença e
cura. Ambas apresentam um pessimismo antropológico baseado em uma
concepção de profunda cisão interior, conflito, e até egoísmo humano. Além
disso, as duas antropologias vêem na moralidade uma fonte fundamental para
a ambivalência e autocondenação humana. Há nisso razões suficientes para
empreender uma investigação histórica sobre o quanto a antropologia cristã
da ambivalência do eu-moral constituiu um suporte traditivo (Gadamer,
1999) para a antropologia psicanalítica, ainda que esta tenha se
antagonizado com inúmeros postulados daquela.
Conclusão
O paradigma
antropológico paulino-agostiniano introduziu o problema da vontade na
psicologia. Este tema, enquanto ruptura com o intelectualismo grego,
tornou-se recorrente na psicologia desde então. Também o problema da cisão
interior do homem, e sua relação com o problema da saúde e da doença,
foram fortificados no pensamento Ocidental a partir da antropologia
paulino-agostiniana. Especialmente a psicanálise incorporou o tema da
ambivalência e da cisão interior como central para lidar com o tema da
saúde e da doença, bem como da cura.
A psicologia tem por
tarefa a reflexão e compreensão do humano. Minha exposição procurou
mostrar que a interpretação do humano, dando enfoque especial ao binômio
saúde e doença, é realizada a partir de paradigmas antropológicos que
foram construídos e diluídos como um patrimônio universal de nossa
cultura. Assim sendo, como propõe a hermenêutica filosófica de Gadamer
(1999), a tradição é pré-condição para nosso ato interpretativo. Destarte,
para compreendermos adequadamente a reflexão da psicologia sobre o homem,
faz-se necessário investigar a relação desta reflexão com paradigmas
antropológicos que, conscientemente ou não, agem como preconceitos para o
ato hermenêutico do sujeito epistêmico (Gadamer, 1999). Fica claro aqui
que a história e a epistemologia da psicologia não podem ser isoladas uma
da outra.
O isolamento entre
história e epistemologia é resultado do dogma moderno de que a tradição
representa algo com o que a modernidade rompeu, tradição é o que ficou no
passado e não nos afeta. A psicologia é a ciência do homem que mais
aceitou o dogma epistemológico moderno de que o conhecimento sobre o homem
se conquista a partir da aplicação de um método científico que independe
das premissas da tradição. O resultado disso foi a incompreensão acerca da
relevância do estudo da história da psicologia “pré-moderna”, presente na
filosofia, teologia e religião. A hermenêutica filosófica de Gadamer
(1999) superou o dogma epistemológico de que a tradição não está presente
em nossa interpretação acerca do homem, demonstrando ser ela (a tradição),
uma condição indispensável para a interpretação.
A realização de uma
compreensão adequada do papel de paradigmas antropológicos na reflexão da
psicologia exige a relativização das posturas presentistas e de
desvalorização do passado, tão marcantes na psicologia (Wertheimer, 1998).
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Paulo: Loyola; Unimarco.
Notas
(1) Parte deste trabalho foi realizado enquanto o primeiro autor cursava o
Programa de Doutorado em Psicologia da Universidade de Brasília. [volta]
(2) As citações de textos bíblicos são provenientes da tradução de João
Ferreira de Almeida. [volta]
(3) Todas as análises do texto grego da Epístola aos Romanos
utilizaram a versão grega de Hodges e Farstad (1982), cuja referência
completa encontra-se em nossas referências bibliográficas. [volta]
(4) O conceito “desmetafizicização do mundo” esclarece o processo iniciado
coma revolução científica, desenvolvido pelo Iluminismo, e sobretudo pela
filosofia naturalista da ciência moderna no sentido de procurar
explicações naturalísticas, considerando o universo como um sistema
fechado, antisobrenaturalista. [volta]
(5) O conceito de “imanentização da cura” designa a exclusão do
transcendente ontológico como dado atuante no processo terapêutico. [volta]
Nota
sobre o autor
Cláudio Ivan de
Oliveira
é Doutor em Psicologia pela UnB e leciona História da Psicologia e Teorias
e Sistemas em Psicologia na Universidade Católica de Goiás. Contato:
claudioivan.psi@ucg.br.
Anderson Clayton
Pires é
mestre em ciências da religião pela Universidade Católica de Goiás e
doutorando em Teologia no Instituto Ecumênico de Pós-graduação da Escola
Superior de Teologia em São Leopoldo/RS. Contato:
andersonintellectus@bol.com.br
Raquel Ghetti Macedo
é aluna de graduação em psicologia na Universidade Católica de Goiás.
Ana Tereza Elias
Siqueira
é aluna de graduação em psicologia na Universidade Católica de Goiás e de
pedagogia na Universidade Federal de Goiás.
Data
de recebimento: 29/08/2005
Data de aceite: 30/04/2006
Memorandum 10, abr/2006
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
ISSN 1676-1669
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/oliveira01.htm