Oliveira, C.I.; Pires, A.C.; Macedo, R.G. & Siqueira, A.T.E. (2006). A antropologia paulino-agostiniana: a criação do paradigma da ambivalência do eu-moral e a interpretação do binômio saúde-doença. Memorandum, 10, 09-32. Retirado em   /  /  , do World Wide Web http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/oliveira01.htm

A antropologia paulino-agostiniana: a criação do paradigma da ambivalência do eu-moral e a interpretação do binômio saúde-doença

The Paulinian-Augustinian anthropology: the creation of the paradigm of the ambivalence of the me-moral and the interpretation of the health-sickness’s binome

 Cláudio Ivan de Oliveira
Universidade Católica de Goiás
Brasil

Anderson Clayton Pires
Instituto Ecumênico de Pós-graduação da Escola Superior de Teologia em São Leopoldo
Brasil

Raquel Ghetti Macedo
Universidade Católica de Goiás
Brasil

Ana Tereza Elias Siqueira
Universidade Católica de Goiás
Brasil
 

Resumo
Este trabalho apresenta o paradigma antropológico paulino-agostiniano da ambivalência do eu-moral, cuja importância histórica foi revolucionar a antropologia intelectualista grega e introduzir uma nova interpretação do binômio saúde e doença. A antropologia paulino-agostiniana compreendeu a ambivalência do eu-moral como doença estrutural do homem, condição conflitante que clama por solução. A cura foi interpretada como superação da ambivalência do eu-moral, que ocorre mediante o encontro com o transcendente. Argumenta-se aqui que este paradigma antropológico deve ser considerado nas investigações sobre a história da psicologia, dado ser uma poderosa influência sobre a interpretação da temática da saúde e da doença. Uma breve exposição da moral autônoma em Jean Piaget, bem como da idéia de ambivalência na psicanálise são apresentadas. Essa exposição tem objetivo de mostrar que a antropologia paulino-agostiniana possui repercussão na tradição interpretativa acerca do homem na psicologia moderna, apesar de ser antagonizada pela antropologia Iluminista.

Palavras-chave: Agostinho de Hipôna; história da psicologia; saúde e doença; ambivalência do eu-moral; cura.

Abstract
This article presents the Paulinian-Agostinian anthropological paradigm of the moral ambivalence, which historical importance was to revolutionize the Greek intellectualistic anthropology and to introduce a new interpretation of the health and sickness binome. The Paulinian-Augustinian anthropology understood the me-moral ambivalence as a human structural sickness. The cure has been interpreted as an overcome of the me-moral ambivalence, which happens through the encounter with the transcendental. Here the argument is that the anthropological paradigm must be considered during a historical investigation of psychology, since it’s a mighty influence over the interpretation of the health and sickness’s theme. A brief exposition of Piaget’s concept of autonomous morality, of Vygotsky’s voluntary’s theory, as well as the psychoanalysis’s idea of ambivalence are presented. This study aims at showing that the Paulinian-Augustinian anthropology reflects the interpretative tradition of human in modern psychology, in spite of being antagonized by the Illuministic anthropology.

 Keywords: Augustine of Hippo; Psychology’s history; health and sickness; me-moral ambivalence; cure.

 

Paradigmas históricos em saúde e doença

 

Um olhar atento para o cotidiano de nossa sociedade pós-moderna desnuda uma recorrente preocupação com a temática do binômio saúde e doença, bem como com propostas de superação da doença (1). As livrarias, religiosas e laicas, estão apinhadas de manuais de auto-ajuda com propostas de como superar a condição de doença em direção à saúde, física e psicológica. As academias de ginástica capitalizam a atenção de muitos, ávidos pela conquista de uma saúde que se revela em um bem estar físico e psicológico. As ciências do homem, como a psicologia, participam do imenso esforço para proporcionar as vias de superação do sofrimento-doença, em direção a uma condição de bem estar-saúde.

 

É claro que a temática saúde-doença, bem como de superação da doença, não nascem com a sociedade pós-moderna, nem com a psicologia moderna. Diversas sociedades, em suas produções religiosas, filosóficas e teológicas, desenvolveram suas formas de lidar com o problema saúde-doença. Muitas dessas formas históricas de criação de paradigmas para lidar com saúde-doença e cura tiveram ampla influência sobre o pensamento mais recente sobre esse tema, inclusive na psicologia. Infelizmente, pouco esforço tem sido empreendido na compreensão da relação entre nosso modo de pensar o homem na psicologia, seja no tema da saúde e da doença ou em outros temas, e paradigmas antropológicos relacionados ao binômio saúde-doença que nos precederam (a psicologia atual) historicamente.

 

Esse desinteresse pelo passado como forma de compreender nossas concepções atuais sobre o homem, especialmente em psicologia, é produto do dogma da modernidade, de que operamos uma ruptura com o passado e a tradição, de modo que as criações modernas são novidades independentes dos anacronismos das tradições pré-modernas (Giddens, 1991; Bauman, 1999). No caso da psicologia, o desinteresse pelo seu passado pré-moderno advém da postura presentista (Wertheimer, 1998) segundo a qual a constituição da psicologia como uma ciência, no final do século XIX, implicou seu desligamento com toda a tradição histórica filosófica, teológica e religiosa que a precedeu na reflexão sobre o humano (Oliveira, 2004). O presentismo compreende o passado sob a ótica do presente, atribuindo-lhe (ao passado) valor ou demérito, sob o critério de assemelhar-se às posturas teóricas que venceram no presente (Brozek & Massimi, 1998), quanto mais proximidade em relação à postura vitoriosa, mais valor. É claro que o presentismo é uma postura interpretativa legítima e esclarecedora, mas gera pobreza interpretativa quando não é relativizada a partir do confronto com outras posturas interpretativas, como o historicismo (Brozek & Massimi, 1998). Exemplos dessa postura presentista de pouca consideração pelas influências da tradição pré-moderna sobre a psicologia são encontrados em Wertheimer (1978), James (2005) e Schultz e Schultz (1992), cujas obras citadas focam prioritariamente a história da psicologia na modernidade.

 

Mesmo a eclosão do interesse pela história da psicologia, ocorrida a partir da década de sessenta (Campos, 1998), tem se concentrado na investigação da história da psicologia mais recente, constituída como uma ciência moderna. Isto pode ser confirmado analisando os temas e a bibliografia citada no livro Historiografia da psicologia moderna: versão brasileira (Brozek & Massimi, 1998). A maioria das discussões neste livro focou-se na psicologia moderna. A revisão de Pongratz (1998), sobre a historiografia da psicologia alemã, mostra que o interesse por uma história que antecede a psicologia moderna esteve mais presente nas obras que estão no período demarcado pelo autor entre 1808 a 1911. O período de ressurgimento da historiografia alemã, que começa na década de sessenta, dirigiu-se marcadamente para a psicologia moderna.

 

Poucas obras se dedicaram a uma compreensão sistemática da psicologia que estava presente no pensamento filosófico, teológico e religioso que precedeu a modernidade, bem como da influência que essas tradições tiveram sobre a psicologia moderna. Dentre elas pode-se destacar Brett (n.d./1972), Brennan (1959,n. d.), Château (1978), Rosenfeld (1993) e Mueller (1978). Tais obras raramente são de conhecimento dos psicólogos brasileiros. Felizmente, o interesse por este tema tem aparecido nos trabalhos de pesquisadores brasileiros e latino americanos. Amatuzzi (2003, 2005) tem se dedicado, dentre outras coisas, ao estudo de perspectivas psicológicas presentes na obra de Tomás de Aquino. Massimi, em um trabalho extenso, tem se dedicado a diversos temas como por exemplo os sermonários brasileiros em geral (ex. Massimi, 2001), a antiga Companhia de Jesus (ex. Massimi, 2003) e as doutrinas sobre mente e corpo nos primeiros séculos da era cristã (Massimi, 1987). Barreira e Massimi (2002) investigaram a atitude mental e a moralidade no Karate-do. Silva (2003) e Pacheco (2004)  investigaram a companhia de Jesus. Outros exemplos são Assis (2004), Fornari (2003) e Penna (1998). Esta lista de autores não esgota a produção brasileira, apresenta apenas alguns dos muitos estudos destes autores, sendo que há ainda outros brasileiros com obras apreciáveis sobre o referido tema.

 

O quadro historiográfico descrito acima, apesar dos esforços dos pesquisadores citados, configura a existência de lacunas no conhecimento histórico sobre a psicologia. Bem como a existência de preconceitos historiográficos mal fundamentados (Gadamer, 1999), que se constituem em obstáculos epistemológicos (Bachelard, 1996) à compreensão da relação da psicologia moderna com a reflexão psicológica pré-moderna contida na filosofia, teologia e na religião. Frente a essa lacuna histórica, o presente trabalho pretende investigar a construção histórica de paradigmas sobre saúde e doença que estiveram presentes em tradições teológicas e filosóficas que precedem a psicologia moderna. Essa investigação assume uma postura epistemológica que pretende superar os obstáculos epistemológicos identificados acima, assumindo a postura de compreender as tradições investigadas, sem impor-lhes a priori uma avaliação a partir de qualquer teoria atual da psicologia.

 

Quais são os paradigmas antropológicos sobre saúde e doença investigados no presente trabalho? Selecionamos o paradigma do Apóstolo Paulo presente nos capítulos 7 e 8 da Epístola aos Romanos e o paradigma de Santo Agostinho, apresentado especialmente nas obras O livre Arbítrio, O Espírito e a letra, A natureza e a graça, A graça de Cristo e o pecado original e A graça e a liberdade (A edição e os tradutores são informados nas referências bibliográficas).

 

O que há de especial e justifica a escolha desses dois paradigmas é que eles representam a introdução de um tema recorrente no pensamento Ocidental sobre saúde e doença: o problema da ambivalência humana, que rompeu com a tradição grega do intelectualismo socrático. A tradição grega introduziu uma antropologia intelectualista, na qual o conhecimento do bem é condição suficiente e necessária para sua execução (Reale, 1994). A tradição cristã revolucionou a antropologia Ocidental ao introduzir a antropologia da ambivalência do eu-moral, na qual o homem é percebido em um profundo conflito, que não pode ser superado pela razão como supressora dos aspectos anímicos. Somente na graça divina há superação da ambivalência como condição de doença. Essa antropologia da ambivalência do eu-moral teve início no Apóstolo Paulo, e foi retomada e desenvolvida por Agostinho de Hipôna.

 

A antropologia paulino-agostiniana é historicamente relevante porque implicou uma relação entre doença e ambivalência do eu-moral, considerando a cura como superação da ambivalência. O problema da saúde e da doença não mais pôde ser considerado sem alguma referência à temática da ambivalência proposta no cristianismo. Nosso objetivo é expor a interpretação do binômio saúde e doença, bem como o tema da cura, presente na antropologia teológica da ambivalência do eu-moral do Apóstolo Paulo e de Agostinho de Hipôna, salientando seu caráter de revolução em relação à antropologia intelectualista grega. Especial atenção será dada à relação feita pelo Apóstolo Paulo e por Agostinho de Hipôna entre ambivalência e doença, bem como em suas interpretações da cura como superação da ambivalência.

 

Uma breve exposição da psicologia moral de Piaget (1932/1994) será apresentada, no que concerne a críticas feitas à sua desconsideração em relação ao problema do querer (La Taille, 1992). Essa exposição tem objetivo de mostrar que a antropologia de Agostinho de Hipôna, com sua ênfase na vontade, ainda possui repercussão na tradição interpretativa acerca do homem na psicologia moderna, já que as teorias da psicologia precisam enfrentar o problema da vontade, não podendo mais explicar a ação exclusivamente com base na construção das estruturas racionais.

 

A temática da ambivalência presente na antropologia da psicanálise, bem como sua relação com o problema da doença e da cura, será apontada, em tom de sugestão para posteriores estudos, como indício de que o tema da ambivalência do eu-moral esteve presente na constituição da reflexão sobre saúde e doença nas ciências humanas em sua constituição recente.

 

Nossa exposição iniciar-se-á com uma breve apresentação do intelectualismo socrático, logo em seguida será apresentada a antropologia da ambivalência do eu-moral no Apóstolo Paulo e em Agostinho de Hipôna.

 

Sobre o intelectualismo ético socrático

A revolução imprimida pelo Apóstolo Paulo e por Agostinho de Hipôna na antropologia Ocidental foi a passagem do intelectualismo socrático para a antropologia da ambivalência do eu-moral cristã (Reale & Antiseri, 1990; Bohener & Gilson, 1988; Arendt, 2002). Para compreender tal mudança, é necessário primeiro compreender o intelectualismo ético socrático (Reale, 1994).

 

Segundo Jaeger (1936/2001), Sócrates pode ter as datas de nascimento e morte colocadas como 469 a.C. a 399 a.C., respectivamente.  Sócrates relaciona-se ao momento de virada do eixo de reflexão da filosofia grega. Antes de Sócrates, os filósofos da natureza fizeram da pergunta sobre o cosmos o seu interesse fundamental, pretendiam compreender o princípio de todas as coisas (Reale, 1993). Esta reflexão chegou a um ponto de esgotamento de possibilidades (Reale, 1993).

 

Depois dos filósofos da natureza, os sofistas voltaram-se para o homem como foco de atenção (Guthrie, 1995). Para eles, o logos ganhou novo sentido, não era mais a possibilidade de chegar a um conhecimento seguro quanto ao princípio de tudo, mas a possibilidade de persuasão no debate público. Por isso os sofistas desenvolveram estudos sobre a retórica como meio de ascensão na vida pública (Guthrie, 1995). Em suma, para os sofistas, a função do logos não é conhecer a verdade e sim persuadir. Neste sentido, eles lançaram amplo ceticismo quanto às possibilidades do logos como conhecimento seguro, inclusive no terreno ético (Guthrie, 1995; Jaeger, 1936/2001; Reale, 1993).

 

Foi neste campo, no que se refere à pergunta sobre a virtude, que Sócrates realizou suas reflexões tentando estabelecer um critério seguro sobre o problema ético. Quando a pergunta moral caiu em meio a um amplo relativismo (Guthrie, 1995), Sócrates procurou um novo fundamento para a mesma (Jaeger, 1936/2001). Assim, ele estava sempre indagando acerca da definição de alguma virtude: “Que é a coragem? Que é a justiça?”. Trata-se da pergunta pela definição, que guardava o otimismo grego em relação às possibilidades da razão (logos) em seu intento de conhecer e ordenar. A atividade de Sócrates levou adiante o otimismo grego quanto ao logos. Depois de aplicá-lo (o logos) à natureza, trata-se agora (com Sócrates) de aplicá-lo à ordenação do espírito: submeter ao império da razão a vida humana (Jaeger, 1936/2001).

 

A esta racionalidade cabe conhecer a virtude, não mais como tradição, hábitos, convenções e costume (nomos/nomoV), mas como fundamento rigorosamente refletido (Guthrie, 1995). A virtude torna-se conhecimento, pois, aquele que conhece o bem, irá praticá-lo. Esta teoria foi chamada de intelectualismo socrático, segundo a qual há uma relação de linearidade entre o conhecimento e a ação moral. Reale (1995) resume em cinco tópicos o intelectualismo socrático: (A) A vida moral é considerada como inteiramente fundada na razão e no conhecimento; (B) Considera-se que basta conhecer o bem, para praticá-lo; (C) O mal moral é um erro de conhecimento; (D) À vontade não é reconhecido um papel determinante no agir moral; (E) A liberdade é ligada à razão, e não ao querer.

 

Por isso, foi crucial para Sócrates que o homem tivesse conhecimento de si, de sua especificidade, para que pudesse conhecer o próprio bem e, agindo segundo este conhecimento racionalizado e fundamentado, conseguir aquilo que todos almejam: a felicidade. Quando o homem erra na escolha moral, ele o faz por um erro de cálculo, ao considerar como bem aquilo que não o é. É possível enganar-se acerca do bem, mas não é possível não agir segundo a compreensão do que é o bem. Isto porque é próprio dos seres buscarem seu próprio bem e sua preservação. No dizer de Jaeger (1936/2001), todo o esforço de Sócrates e Platão pretendia demonstrar que “ninguém erra voluntariamente” (p. 568). Nesta linha de raciocínio, a virtude só pode ser compreendida como um saber. Em suma, os postulados socráticos são: (a) é próprio dos seres procurar o próprio bem; (b) se alguém concebe algo como sendo o bem, irá praticá-lo inevitavelmente. É impossível saber e não praticar. Na linearidade da ética socrática, a possibilidade do homem conhecer o bem e não praticá-lo não está dada (Reale, 1993). Abbagnano e Visalberghi (1995) apresentam um bom resumo do intelectualismo socrático.

 

Note-se que o intelectualismo socrático comporta uma teoria da saúde e da doença. A saúde foi compreendida pelos gregos em grande parte no conceito de areté (Reale, 1995), freqüentemente traduzido por virtude ou excelência. Dizemos que areté expressa a idéia de saúde à medida que significa a plena realização do ser em sua especificidade. O homem revela areté à medida que realiza sua especificidade, que é a vida segundo o conhecimento do bem, uma vida racional. Os conceitos de saúde e doença são utilizados por nós para designar um ideal de realização humana (saúde), versus sua não realização (doença). A saúde equivale ao conceito grego de areté à medida em que este designa o ideal de plenitude e felicidade do homem. Nesse sentido, não só a saúde do indivíduo depende da realização segundo a areté, que é a vida segundo a razão, como a saúde da própria polis depende desse ideal: “o homem justo o é da mesma maneira em que a cidade o é” (Platão, 2001/Original do Séc. IV; p. 200). A relação entre areté e saúde revela-se no uso do conceito de temperança (sofhrosine/swjrosunh) em Platão (2001/Original do Séc. IV), que é “uma espécie de ordem, de domínio ou disciplina dos prazeres e dos desejos. É a capacidade de submeter a parte pior à parte melhor” (Reale, 1993, p. 248). Note-se aqui a relação entre temperança e felicidade, equilíbrio próprio, autodomínio, harmonia interna, conceitos que designam um estado de saúde. Já a não realização do ideal (areté) revela a condição da doença enquanto estado de desarmonia, desequilíbrio, infelicidade. Sem a realização de sua areté o homem revela estado de déficit. Há, portanto, no intelectualismo socrático um ideal de saúde, uma teorização sobre saúde e doença. Saúde e doença estão relacionadas ao conhecimento. Há saúde se o verdadeiro bem é conhecido, levando à felicidade do ser. O desvio da saúde ocorre quando há engano em relação ao que é concebido como bem, levando a não realização do ser. Nesse sentido, não há espaço para ambivalência na teoria da saúde e da doença presente no intelectualismo socrático, visto que os dois estados dependem do conhecimento, há saúde se o homem age segundo um conceito verdadeiro de bem, bem como haverá doença, se o homem agir segundo um conceito equivocado do que seja o bem.

 

O problema da ambivalência foi introduzido pela antropologia cristã. Este assunto é exposto no tópico a seguir.

 

A antropologia da ambivalência do eu-moral: saúde e doença no Apóstolo Paulo e em Agostinho de Hipôna

 

Ao expor a revolução antropológica do cristianismo cabe começar pela sua raiz: o Apóstolo Paulo. Discussões sobre a psicologia paulina são encontradas em Mueller (1978), Brett (n. d/1972) e Brennan (n. d.). Brett (n. d./1972) afirma que a psicologia que encontramos nos escritos dos padres, não apenas Agostinho de Hipôna, tem suas raízes no Novo Testamento, especialmente no Apóstolo Paulo.

 

O apóstolo Paulo foi educado em uma tradição judaica, especificamente rabínico farisaica, que preconizava a temática legalista da religião. Segundo esta temática moral, é mediante o meticuloso cumprimento da lei, por parte do fiel, que a justificação do homem perante Deus ocorre. O termo lei (Grelot, 1987) se refere ao código moral mosaico, que, segundo a tradição judaica, foi revelado na Torá (Johnson, 1989). Em síntese, portanto, a teologia legalista entende que o homem recebe a lei revelada, e permanece moralmente de pé perante Deus, mediante o exercício religioso do cumprimento da lei (Barth, 1999). Trata-se de compreender o ensinamento moral e colocá-lo em prática (Bunin, 1998). Entre a compreensão e a ação não há impedimento determinante.

 

O apóstolo Paulo foi também muito influenciado pela literatura apocalíptica judaica, que se instrumentalizou da interpretação da lei e de sua observação, como modo de legitimar a posição de cada um dos grupos sectários disputantes no período intertestamentário, especialmente a partir do séc. II antes de Cristo (Cullmann, 2000; Overman, 1997, Pires, 2004).]

 

Ao legalismo farisaico, que adotara anteriormente, o Paulo cristão contrapôs o problema da ambivalência do eu-moral, inaugurando uma nova antropologia teológica e, por extensão, implicando implicitamente uma nova psicologia. O conflito básico do legalismo é apresentado nos capítulos 7 a 8 da Epístola aos Romanos, e é sintetizado nos versículos 14, 15 do capítulo 7 (2):

 

(14) Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado.

(15) Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto.

 

Nestas palavras, há uma total ruptura com o intelectualismo ético grego e com o legalismo farisaico. O texto do Apóstolo Paulo afirma que há compreensão e aceitação da lei moral (Grelo, 1987) por parte do fiel, mas isto não leva a seu cumprimento. O verbo grego traduzido como prefiro, aplicado à lei no versículo 14 é thélô (qelw) (3), que está na primeira pessoa do presente do indicativo ativo, indicando ato de um sujeito que se inclina em direção a algo de que gosta (Taylor, 1990). Neste caso indica inclinação para com a lei moral.

 

O apóstolo Paulo afirma que esta preferência e inclinação em direção à lei moral é o resultado da compreensão e aceitação intelectual da lei. Esta aceitação e compreensão é atividade realizada pela faculdade intelectiva do homem (nouV/nous), que tem a função de julgar sobriamente e discernir entre o bem e o mal (Taylor, 1990). Esta idéia é apresentada no versículo 23 do capítulo 7 da Epístola aos Romanos:

 

mas vejo nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.

 

Na expressão “a lei da minha mente”, mente é tradução de noos (nooV), o genitivo singular de nous (nouV). A idéia no texto é de que a compreensão intelectual e a decorrente preferência pela lei não garantem a sua efetivação. A razão pela qual a compreensão da lei não é suficiente é que há um outro princípio no homem, além da mente (nous), que é contrário à compreensão e intenção favorável à lei, este princípio é o pecado (hamartia/amartia), realidade antropologicamente universal. Este termo aparece repetidas vezes no capítulo sete (ex. versículos 7, 8, 11 e 13), indicando estado de degeneração moral e insubmissão à lei moral (Stott, 2000), inclinação para o que é contrário à lei. A conclusão do apóstolo fecha inexoravelmente as portas para qualquer intelectualismo e legalismo, dado que ele conclui pela impotência humana para, a partir de suas próprias forças, vencer a batalha contra a natureza pecaminosa (h amartia/ he hamartia), e cumprir a lei. Esta idéia é resumida no trecho de Rm 7: 19, sobejamente conhecido até na cultura popular: Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço.

 

Na antropologia paulina, a lei só pode trazer o pleno conhecimento do pecado, dado ser este uma inclinação interior incontrolável. A força do pecado se manifesta no fato de que, ainda que a lei seja aparentemente obedecida externamente, interiormente surge o problema da concupiscência, do desejo ardente em relação àquilo que foi proibido pela lei, a ponto do Apóstolo afirmar: “E o mandamento que me era para a vida, achei eu que me era para a morte” (Rm, 7, 10).

 

A antropologia de Paulo de Tarso revela uma teoria da ambivalência do eu-moral, na qual o estado humano é caracterizado pela doença. A doença é caracterizada pelo angustiante conflito entre o conhecimento do bem, e o domínio do pecado como princípio dominante e insubmisso a qualquer outro princípio no homem. O homem paulino apresenta uma profunda cisão interior, um conflito gerador de intenso sofrimento. O resultado desse estado conflituoso é a culpa e a constatação da impotência frente ao pecado. Assim, a ambivalência do eu-moral e a doença são variáveis indissociáveis na antropologia teológica e na psicologia de Paulo de Tarso, na qual a psicologia do conflito e da impotência caracteriza a doença. Essa interpretação é suportada pela literatura da psicoteologia de Ellens (1986), na qual o autor afirma, tendo em consideração também a tradição legalista criticada pelo Apóstolo Paulo, que: “a maioria das práticas religiosas que ocorrem na história reforçam a ansiedade do homem através da dinâmica frustrante da culpa e de um sentimento de total impotência diante dos problemas morais (...)” (p. 9). Também a interpretação de Tunier (1987) relaciona legalismo e sentimento de culpa e ansiedade, enquanto a graça é apontada como proposta sanadora para o problema da culpa.

 

Após caracterizar a relação entre a antropologia da ambivalência do eu-moral e a doença, Paulo de Tarso passa a desenvolver sua teoria da cura. A cura é a superação da ambivalência. A ambivalência, como estado de doença, é caracterizada pelo conflito entre a condição de pecabilidade ad intra e a compreensão da lei como ideal da perfeição moral, resultando na culpa e na condenação pela impotência de autojustificação, ou de inadequação moral ao imperativo que nasce do indicativo da graça. Assim sendo, a cura tem que operar a superação da impotência manifesta na dominação do princípio do pecado. Essa só pode efetivar-se na graça, estado no qual o angustiado conflito apresenta um desfecho no capítulo 8 (oito) da Epístola aos Romanos. Ali se diz que a potência para efetivar o que é preferido (a lei), se estabelece a partir da presença do Espírito no “crente” (pistós).

 

Os versículos 1 e 2 do capítulo 8 de Romanos sintetizam parte da idéia paulina sobre a cura como superação da ambivalência:

 

Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne (lei), mas segundo o espírito (graça).

Porque a lei do espírito de vida (graça), em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte (ideal de perfeição moral absoluta da tradição interpretativa do rabinismo judaico).

 

O ponto a salientar é que Paulo de Tarso estabelece a temática de uma relação entre doença e ambivalência do eu-moral de um lado, e saúde como superação da ambivalência de outro lado. Não uma superação absoluta e estática, mas uma potência para a superação em meio a um estado de luta constante. A ambivalência não deixa de existir na história (sendo superada apenas na trans-história), mas torna-se potencialmente superável na graça.

 

Assim, a psicologia do Apóstolo Paulo marca uma ruptura com o intelectualismo grego (Reale & Antiseri, 1990) e com o legalismo farisaico (Stott, 2000), porque retira a linearidade entre o conhecimento do bem e o agir moral, e sobrepõe, ao intelecto, o problema da concupiscência.

 

Um ponto crucial na teoria da saúde e da doença em Paulo de Tarso é sua afirmação de que a indigência e a impotência, reveladas na ambivalência do eu-moral, este conflito interior, constituem a doença como condição estrutural do homem pós-queda. A condição inerente do homem é a doença-ambivalência. A cura é definida como a potência para a superação da ambivalência. Por último, a cura-superação da ambivalência só pode ocorrer no encontro do homem com o transcendente. Há uma metafísica da cura em Paulo de Tarso.

 

A antropologia teológica de Paulo de Tarso foi o dado inspirativo para Agostinho de Hipôna (Brennan, n. d.; Brett, n. d./1972; Boehner & Gilson, 1988; Reale & Antiseri, 1990).

 

Agostinho de Hipôna: a ambivalência do eu moral na psicologia voluntarista contra a psicologia intelectualista

 

A influência do Apóstolo Paulo sobre Agostinho de Hipôna foi muito grande. O tema paulino da ambivalência do eu-moral e da superação da doença a partir da graça regeneradora aparece na psicologia voluntarista de Agostinho de Hipôna. Agostinho de Hipôna nasceu em 354, em Tagaste, hoje Souk-Ahras na Argélia (Drobner, 2003; Trapè, 2002a). De acordo com Cunha (2001), Agostinho criou o conceito de vontade (voluntas) como o Ocidente o conhece hoje, seja em seu uso técnico ou cotidiano. No pensamento grego não havia nada correspondente ao conceito agostiniano de vontade (voluntas) e de liberdade, profundamente relacionado à vontade.

 

O mundo grego clássico conheceu dois sentidos para o conceito de liberdade. Antes de Sócrates existia o conceito ele eleutheria (eleuqeria), indicando liberdade em oposição à condição do escravo (doulos/douloV), sem qualquer sentido ético. Sócrates introduziu o conceito de enkráteia (egkrateia), liberdade em sentido ético e interior (Reale, 1993; Jaeger, 1936/2001). Este sentido socrático colocava a liberdade como domínio sobre a parte anímica da alma, indicando a virtude como conhecimento e fundamentando a liberdade no conhecimento e na racionalidade: conhecer o bem implica praticá-lo.

 

Em Agostinho de Hipôna, o conceito de liberdade está relacionado à vontade (voluntas). É com Agostinho de Hipôna que se firma a idéia de vontade como possibilidade de decidir e levar à ação independentemente da razão. É ela (a vontade) quem decide e não a razão. A possibilidade de escolha, tradicionalmente atribuída à razão, foi interpretada por Agostinho (383-395/1995) como possibilidade da vontade, e a escolha da vontade não é determinada pelo conhecimento daquilo que é melhor ou pior (Cunha, 2001). Compreender esta mudança exige examinar mais de perto o pensamento de Agostinho. Seu pensamento voluntarista funda-se em sua interpretação do Apóstolo Paulo (Arendt, 2002), especialmente na Epístola aos Romanos (Agostinho, 412/1998a, 415/1998b).

 

A influência da psicologia paulina da ambivalência do eu-moral sobre Agostinho de Hipôna pode ser notada na polêmica deste contra Pelágio e seus discípulos. A exposição desta temática será usada para esclarecer acerca da psicologia voluntarista de Agostinho de Hipôna e seu anti-intelectualismo.

 

Como bispo, coube a Agostinho de Hipôna a tarefa de zelo pela compreensão da fé cristã. No exercício desta tarefa, Agostinho de Hipôna entrou em polêmica contra o maniqueísmo e contra Pelágio (Agostinho, 412/1998a, 415/1998b, 426/1999) e seus discípulos. Interessa aqui a polêmica com o pelagianismo.

 

Pelágio (Grossi, 2002), nascido na Britânia por volta de 354, posicionou-se quanto à questão da natureza e a graça (Studer, 2002). Sua teoria aproximou-se do otimismo grego, quanto às possibilidades éticas do homem. Pelágio admitiu que o homem recebe a lei de Deus e que o homem foi criado com capacidade de cumprir a lei, trata-se do livre arbítrio como capacidade de escolher entre o bem e o mal. Para Pelágio, a idéia de graça era concebida neste dois pontos concedidos por Deus ao homem. Não havia necessidade de graça adicional para não pecar, esta noção de graça seria, para os pelagianos, contrária à liberdade humana. O ponto fundamental, na antropologia teológica de Pelágio, é que concebia o homem como auto-suficiente no exercício da lei e, portanto, capaz de mérito em sua salvação.

 

Para Agostinho de Hipôna, esta teoria era inconcebível porque não admitia qualquer papel à graça na regeneração do homem, e não podia dar o devido lugar à obra de Cristo. Um dos pontos centrais na questão é que Pelágio negou o conceito de pecado original (Grossi, 2002). Para Agostinho de Hipôna, esta expressão indicava o estado de degeneração moral hereditária, proveniente do pecado de Adão (Trapè, 2002b). A idéia de pecado original relaciona-se ao conceito de pecado (hamartia) em Paulo de Tarso, como princípio universal que rege a natureza humana decaída desde o pecado original. Assim, o pecado original revela o caráter de doença estrutural do homem após a queda.

 

Esta doutrina do pecado original (Trapè, 2002b) é importante para compreender a psicologia de Agostinho de Hipôna, que é fundamentalmente voluntarista. O problema básico pelo qual Pelágio estava errado, segundo Agostinho (412/1998a, 415/1998b), é que entre a compreensão da lei e sua execução, está o problema da vontade. No estado de degeneração em que se encontra o homem, após o pecado de Adão, sua vontade direciona-se egoisticamente, idéia que se inspira no Apóstolo Paulo. Pode-se falar, em Agostinho de Hipôna, do conflito entre duas vontades, a vontade de realizar a vontade de Deus versus a vontade do homem. No entanto, é sempre a última que vence (Reale & Antiseri, 1990). Destarte, o cerne do problema do homem não é prioritariamente intelectual, e sim volitivo, relacionado à ambivalência do eu-moral. É correto afirmar que Agostinho (426/1999) admitiu que as paixões devem se submeter à razão. Mas ele admitiu que é isso que o homem não podia fazer após o pecado original (Agostinho, 412/1998a, 415/1998b). Isto só poderia ocorrer mediante a atuação da graça sobrenatural, regenerando a vontade e libertando-a (Agostinho, 426/1999). No dizer do próprio Agostinho: “Não se pode concluir, portanto, que o possuidor do Dom da ciência, pelo qual deve conhecer o que fazer tenha também o Dom do amor para agir.” (Agostinho, 418/ 1998c, p. 249).

 

Em suma, conhecer o bem não leva a praticá-lo. Praticá-lo só é possível com o Dom do amor. Este termo, em Agostinho (412/1998a), refere-se à ação regeneradora da graça sobre a vontade. Para Agostinho, a ação da graça, na regeneração da vontade, é operada pelo Espírito Santo, o que mostra mais um fator inspirado no Apóstolo Paulo. A regeneração da vontade pelo Espírito gera a caridade (charitas), que é amor pela lei. Destarte, Agostinho (418/1998c), como o Apóstolo Paulo, não concebe que o homem possa agir autonomamente em conformidade com a lei, após o pecado original.

 

Agostinho de Hipôna apresenta a condição antropológica do pecado original como profunda ambivalência entre a vontade de fazer a vontade de Deus e a vontade direcionada para os bens inferiores. Fora da graça, a vontade de fazer a vontade de Deus não pode vencer. Fica claro que Agostinho de Hipôna se inspira na idéia paulina de pecado como princípio gerador de ambivalência na natureza humana decaída. Há um estado de profundo conflito interior que caracteriza a doença a ser superada na graça. Somente na graça a vontade é livre. A liberdade (libertas) foi entendida por Agostinho como a submissão plena da vontade humana a Deus. Esta submissão só pode ocorrer na graça (Cunha, 2001).

 

Cabe lembrar que os conceitos de liberdade (libertas) e livre arbítrio (De libero arbitrio) possuem significados diferentes em Agostinho. O livre arbítrio indica a possibilidade de escolha entre o bem e o mal. Já a liberdade é a plena submissão da vontade a Deus. O homem perdeu a liberdade com o pecado original, dado que sua vontade fragilizada não mais poderia submeter-se à vontade de Deus. Mas não perdeu o livre arbítrio, no sentido de que permaneceu sua livre agência para o mal. Assim sendo, a única possibilidade de reaver a liberdade, perdida no pecado original, estava dada na graça sobrenatural, em sua ação regeneradora sobre a vontade. A rigor, a idéia de liberdade é apresentada em três estágios em Agostinho. Em primeiro lugar, antes do pecado original há a vontade como possibilidade de livre arbítrio, que pode ou não pecar. Após a queda, a vontade perde a liberdade, sem perder o livre arbítrio, e está fragilizada e não pode fazer o bem. A liberdade para fazer o bem só existe com o auxílio da graça. Na eternidade, a liberdade é entendida como plena submissão da vontade a Deus, não havendo mais possibilidade de pecar (Cunha, 2001; Boehner & Gilson, 1988).

 

É nítido que a teoria de Agostinho de Hipôna, aos olhos do homem moderno (Durkheim, 2000), é sobrenaturalista. Como bem salienta Fraile (1986), a antropologia de Agostinho de Hipôna é sobrenatural antes que física, colocando a soberania absoluta na graça. A graça é a intervenção livre e não necessária de Deus, regenerando a natureza corrompida pelo pecado (Agostinho, 426/1999). O ponto a salientar, para o presente trabalho, é que esta teoria é desenvolvida dentro do quadro de uma psicologia voluntarista e não intelectualista. Conquanto Agostinho de Hipôna admitisse a teoria da depravação total do homem após a queda, segundo a qual toda a dimensão humana, inclusive intelectual, foi degenerada pelo pecado, sua ênfase recaiu sobre a vontade. Não há linearidade entre pensamento e ação moral em Agostinho de Hipôna. A concupiscência não é dominável pelo intelecto, pelo menos não fora da graça (Agostinho, 426/1999). Destarte, a antropologia de Agostinho de Hipôna absorve a ambivalência do eu-moral presente em Paulo de Tarso.

 

A ambivalência do eu-moral e os conceitos de saúde e doença

 

A investigação sobre a antropologia teológica de Agostinho de Hipôna revela uma reflexão sobre saúde e doença que muito interessa à história da psicologia. No paradigma saúde e doença de Agostinho de Hipôna, o problema crucial do homem é sua ambivalência moral, no que ele (Agostinho) continua a temática cristã-paulina.

 

Paulo de Tarso colocou o problema da doença na angústia do conflito entre o princípio do pecado, que rege a natureza humana fora da graça, e o conhecimento do bem. Agostinho de Hipôna expressa o conflito-doença na impotência da vontade fragilizada após a queda, que está em conflito e não pode operar em favor da vontade de Deus. A conclusão é que tanto em Paulo de Tarso como em Agostinho de Hipôna, a doença é relacionada à ambivalência e impotência para superação da ambivalência, gerando um permanente estado de conflito.

 

O fato é que, no cristianismo, como em outras religiões (Durkheim, 2000), o paradigma da doença teve que ser acompanhado pelo paradigma da cura. Dado que o problema da doença estrutural era fundamentalmente moral em Agostinho de Hipôna, como em Paulo de Tarso, seu paradigma da cura também teve natureza moral. Agostinho de Hipôna enfatizou o problema da graça como regeneração da vontade, como regeneração moral do homem pós-queda. A graça de Deus, em Agostinho de Hipôna, é ato livre e não necessário de Deus, mediante seu Espírito Santo, no sentido de sobrenaturalmente regenerar a vontade decaída, tornando-a capaz de direcionar-se para a lei, ainda que de forma não perfeita na presente vida.

 

Vê-se que o paradigma da cura em Agostinho de Hipôna é semelhante ao de Paulo de Tarso, já que passa pela superação da ambivalência do eu-moral. No entanto, há uma diferença na cura em Agostinho de Hipôna em relação a Paulo de Tarso. Agostinho de Hipôna considera que para o cristão que se volta em súplicas e orações, o Espírito Santo realiza a obra da Charitas, isto é, de imprimir a lei no coração do crente, de forma que ele ame a lei, tenha alegria em seu cumprimento. Nesse aspecto, a teoria da cura de Agostinho de Hipôna é mais otimista que a de Paulo de Tarso, já que Paulo de Tarso fala de uma constante luta entre espírito e carne, enquanto Agostinho de Hipôna fala de uma condição mais harmoniosa, a alegria de cumprir a lei possibilitada pela moral da charitas. No entanto, em última análise, a gramática do amor (charitas), no pensamento de Paulo, revela o ethos da graça. Este é o corolário axiomático em que a psicoteologia da graça apresenta-se na forma de uma “antropologia da paz” interiorizada pelo ego (Rm 5.1), onde o conflito gerado pelo estado de ambivalência psicológica deixa de ter a força que produz o tormento e a angústia de morte (doença) no indivíduo considerado um “novo homem” (kainê ktisis). Paulo é, em última análise, complementado na interpretação antropológica de Agostinho, mas nunca contestado.

 

Para Agostinho de Hipôna, o encontro do crente com a graça de Deus era o caminho da saúde, dado ser o caminho que gera a beatitude. Isso porque é só na graça que a vontade pode direcionar-se para Deus, única realidade admitida por Agostinho de Hipôna como fonte da beatitude humana. Na verdade, é só na graça que o homem recobra o ser. A saúde é a regeneração da deficiência do ser pós-queda, possibilitando ao homem tender na direção do reencontro com a felicidade: Deus.

 

Vale salientar a complexidade de questões envolvidas nas concepções antropológicas intelectualistas e de ambivalência do eu-moral. Um ponto crucial na diferença está na inexistência da idéia cristã de criação no mundo grego (Reale, 1994). A criação cristã é ex nihilo, isto é, a partir do nada, como salientava Agostinho de Hipôna. Como mostra o exame do pensamento de Platão (Reale, 1994) ou a leitura da Metafísica de Aristóteles (IV a.C./2002), os gregos não formularam qualquer noção de criação ex nihilo, que seria inconcebível para seus pressupostos. Para o cristianismo, porém, a afirmação da criação ex nihilo, por um Deus bom, impôs a resposta à pergunta sobre a origem do mal. É exatamente essa questão que levou Agostinho de Hipôna a formular sua antropologia da ambivalência do eu moral. Se Deus é bom e onisciente, como pode haver o mal moral, isto é, a possibilidade do homem escolher e preferir o mal. A resposta de Agostinho de Hipôna (383-395/1995) é que Deus não criou o mal moral, bem como nenhum outro mal. Na verdade, como vimos na exposição da antropologia da ambivalência do eu-moral, o problema do mal moral não é de ser, e sim de deficiência de ser. Trata-se de uma vontade degenerada, distante da potência de ser. Essa degeneração resulta do mau uso de uma boa coisa: o livre arbítrio. Pelo mau uso do livre arbítrio, propôs Agostinho de Hipôna (383-395/1995), o homem obteve a conseqüência do vício, isto é, de direcionar seu amor para as coisas inferiores e não para Deus. Fica claro aqui que a idéia de uma queda é fundamental no pensamento de Agostinho de Hipôna, e o ponto central que essa queda toca, no que concerne à explicação de Agostinho de Hipôna sobre o mal moral, é a vontade (muito embora Agostinho de Hipôna fale de uma depravação total pós-queda). Destarte, o problema da ação moral centra-se na vontade, ou amor, não no intelecto.

 

Como corolário da teoria de Agostinho de Hipôna sobre a resposta ao problema do mal moral, surge sua metafísica da cura. Se o problema da vontade é deficiência de ser, e se só Deus é Ser e fonte do ser criado (Molinaro, 2000), então somente Deus pode curar a vontade de sua deficiência de ser. Assim, a superação da ambivalência e o encontro com o transcendente são indissociáveis em Agostinho de Hipôna (383-395/1995). A dimensão antropológica é marcada pela doença estrutural (peccatum originale), representada marcadamente na vontade degenerada pós-queda, bem como pela impossibilidade de auto-emancipação em relação à doença. A dimensão divina representa a possibilidade da cura mediante a superação da ambivalência da vontade, cura que é operacionalizada e disponibilizada para a dimensão antropológica na graça divina.

 

Como bem observou Schaeffer (1974), a antropologia cristã, com sua idéia de criação e queda, afirma que o homem pós-queda está em estado de anomalia. Ele (o homem) não é hoje tal qual Deus o criou antes da queda. Isso fica muito bem representado na antropologia paulino-agostiniana da doença como ambivalência do eu moral. Esse pressuposto antropológico é titanicamente distinto da concepção grega, na qual o homem não está em estado de anomalia em relação a um estado inicial de criação. Por isso, para a antropologia filosófica grega platônica e aristotélica (Aristóteles, IV a.C./2002), o homem é capaz da saúde-excelência (areté) sem uma “interferência regeneradora” do transcendente. Para a antropologia filosófica grega a saúde é uma possibilidade a partir do exercício das potências humanas imanentes, pela via do exercício racional (noético), que caracteriza a excelência humana, enquanto a doença é a desvirtuação do ideal caracterizado pela realização plena dessas potências. Já que a excelência do homem constitui-se em sua vida segundo a razão, não pode haver papel para uma vontade ambivalente no intelectualismo grego.

 

Espero ter conseguido esclarecer nas passagens acima a razão porque a cosmovisão cristã desembocou, para Agostinho de Hipôna, em uma antropologia da saúde e da doença que centrou-se no problema da ambivalência do eu-moral, da vontade ambivalente. Tamanha é a importância histórico-antropológica desse fato, que Cunha (2001) afirma que foi Agostinho de Hipôna o inventor do conceito de vontade como nós o conhecemos no Ocidente.

 

Relações da antropologia da ambivalência do eu-moral com a reflexão sobre o homem na psicologia e na psicanálise: algumas considerações

 

Todo aluno de psicologia já ouviu a afirmação de que todo sistema em psicologia apresenta uma “visão de homem”. Usando conceitos mais precisos, pode-se dizer que todo sistema em psicologia pressupõe uma antropologia filosófica. A antropologia precede a psicologia e é sua condição.

 

O surgimento das ciências particulares do homem na modernidade (Quintaneiro, 1999) contribuiu para um esquecimento da antropologia filosófica (Mondin, 1980). Esse esquecimento foi muito prejudicial para a compreensão da psicologia. Isso por que do ponto de vista epistemológico e histórico, ficou impossível, sem identificar claramente o problema de antropologias filosóficas que orientam os sistemas em psicologia, identificar as grandes matrizes histórico-antropológicas que subjazem à psicologia atual.

 

A antropologia da ambivalência do eu-moral constituiu-se em um paradigma para interpretação do humano, do problema da saúde e da doença, no Ocidente. Cabe agora examinar alguns indícios de que este paradigma deixou marcas sobre a reflexão imprimida por teorias da psicologia nascente e da psicanálise no final do século XIX e primeira metade do século XX. Isso será feito em seguida, a partir de considerações sobre a psicologia moral de Jean Piaget. Também será apresentada uma consideração sobre a presença de uma antropologia da ambivalência na psicanálise.

 

O problema da voluntariedade na psicologia moral de Jean Piaget

 

A progressiva desmetafizicização (4) do mundo, operada no Ocidente a partir do Iluminismo e continuada no cientificismo que influenciou marcadamente o nascimento da psicologia como ciência a partir do século XIX (Schultz & Schultz, 1992), produziu uma cosmovisão na qual a metafísica da cura de Agostinho de Hipôna não mais era aceitável. Temas como criação, queda e regeneração da vontade pela graça divina não poderiam mais ser incorporados à psicologia científica nascente que se proclamava monista (Marx & Hillix, 2003). A psicologia produziu uma imanentização (5) da temática do binômio saúde-doença, bem como da cura. Não mais o transcendente ontológico poderia operar como promotor da cura na realidade imanente, caracterizada como natural, em uma filosofia naturalista (Schaeffer, 1974). Se concordarmos com Durkheim (2000), o conceito de sobrenatural é uma criação da modernidade pós-revolução científica. Esse conceito (sobrenatural) foi criado para demarcar uma dimensão que está para além do sistema fechado de causa e efeito, que caracteriza o universo cientificista-naturalista. Destarte, o sobrenatural agostiniano não pôde ser aceito como dimensão operante na interpretação da saúde e da doença no mundo absolutamente imanentizado da psicologia científica moderna.

 

Malgrado o fato descrito acima, a antropologia teológica de Agostinho de Hipôna acarretou um impacto indiscutível sobre a psicologia moderna, ainda que sua dimensão sobrenatural tenha sido banida. O problema da vontade ambivalente tornou-se uma pedra no sapato da psicologia em diversos casos. Um caso muito claro no qual a pergunta de Agostinho de Hipôna sobre o papel da vontade na psicologia aparece no nascimento da psicologia moral.

 

A obra que inaugurou a psicologia moral foi O juízo moral na criança (Piaget, 1932/1994). Nessa obra, o mestre da epistemologia genética apresentou uma teoria sobre o desenvolvimento do juízo moral, investigando especialmente as situações de jogos infantis, nas quais as crianças lidam com regras. Um ponto importante nessa teoria é a relação entre a moral heterônoma (momento posterior à fase da anomia) e a moral autônoma. A moral heterônoma foi caracterizada por Jean Piaget como momento no qual as regras são inquestionáveis e respeitadas pelo fato de serem apresentadas por uma autoridade (Deus ou os adultos). As regras não podem ser modificadas e a situação de obediência a elas é caracterizada por coação, relacionada a temor e admiração pelo adulto.

 

Na fase da moral autônoma, a criança admite as regras como mutáveis, sob o critério de atenderem o objetivo de justiça durante o jogo. A relação social que prepondera é a reciprocidade, uma relação com iguais (as outras crianças), na qual as regras podem ser discutidas e mudadas segundo objetivos como justiça. Nesta fase, a relação de cooperação propicia uma forma racional de lidar com as regras e o dever. Não se trata mais de medo ou admiração, em relação a uma autoridade que apresentou a regra, mas de uma compreensão conjunta e racional dos objetivos da regra, no que concerne a atender uma relação de simetria no grupo. Torna-se fundamental na interação cooperativa, o dêscentramento intelectual, isto é, a capacidade de colocar-se do ponto de vista do outro, ao mesmo tempo em que se conhece o próprio ponto de vista. Surge a necessidade de justificar os próprios pontos de vista, considerando o ponto de vista dos outros. É nesta interação cooperativa que a moralidade da criança atinge um estágio de racionalidade, no qual a regra é admitida, rejeitada ou reformulada, a partir de uma análise racional que obedece a critérios que mantêm a simetria entre os membros do grupo no jogo. O objetivo é atender a um ideal de justiça nas relações. Não se trata, por parte de Jean Piaget, de negligenciar a afetividade em favor do racional. Na verdade, como salienta La Taille,  Jean Piaget admitiu uma harmonia entre afeto e razão, pois a “afetividade ‘adere’ espontaneamente aos seus ditames (da razão).’’ (La Taille, 1992; p. 70).

 

Yves de La Taille (1992) afirma que um problema na posição de Piaget (1932/1994) é que sua metodologia, que utilizava entrevistas, só permitia fazer afirmações sobre o juízo moral da criança, ao passo que Jean Piaget fez afirmações sobre a ação moral da criança. A pergunta de La Taille pode ser colocada nos seguintes termos: a racionalidade autônoma é suficiente para levar à prática da ação moral? Dito de forma mais direta, a presença da capacidade de avaliar racionalmente as regras, bem como de verificar sua adequação, gera obrigatoriedade de seguir as regras na ação moral?

 

Quanto à pergunta assinalada acima, cabe lembrar a advertência do próprio Jean Piaget no início de seu livro: “Propusemo-nos a estudar o juízo moral da criança, e não os comportamentos ou os sentimentos morais” (Piaget, 1932/1994; p. 21). Apesar desta advertência, como bem observa La Taille, Jean Piaget fez afirmações sobre a prática moral da criança, entendendo-a como “derivada de sua capacidade de formulação de juízos morais”. La Taille observa que ao fazer isso, Jean Piaget foi além do que seu método baseado em entrevistas permitia, passando do plano do juízo moral, para o plano da ação moral.

 

A proposta de Piaget (1932/1994), para a relação entre juízo moral e prática moral, é que na moral autônoma existe o “sentimento”, rigorosamente racional, que é de necessidade. De acordo com esta tese, o que a razão concebe como válido no campo da moral, tem a mesma força de convencimento subjetivo que as operações lógicas do tipo: a=c, dado que a=b e que b=c. O termo necessidade implica obrigatoriedade, isto é, as regras morais, enquanto racionalmente submetidas a uma análise e aprovadas, têm força subjetiva de obrigatoriedade. Nessa tese, Jean Piaget apresenta a noção de um paralelismo entre o desenvolvimento moral e a evolução intelectual, no qual o parentesco entre as normas morais e as normas lógicas se apresenta na frase: “a lógica é uma moral do pensamento, como a moral, uma lógica da ação” (Piaget, 1932/1994; p. 295). Em suma, a lógica e a moral racional têm poder de gerar a obrigatoriedade subjetivamente sentida pela criança. No campo da moral, esta obrigatoriedade implica uma coerência entre o juízo moral e a ação. Sobre esta tese Jean Piaget afirma: “Tal tese só é chocante para os que permanecem incapazes de experimentar em si próprios esta obrigação superior e puramente imanente que constitui a necessidade racional.” (Piaget, 1932/1994; p. 275). Um pressuposto presente na obra de Jean Piaget, quando ele passa do juízo moral para a ação moral, é de que a presença da habilidade cognitiva de formulação do juízo moral racional é uma condição necessária e suficiente para a ocorrência de uma ação moral em acordo com tais juízos. Trata-se de um pressuposto intelectualista. A pergunta de La Taille (1992), questionando a desconsideração de Piaget pelo querer no agir moral, coloca em questão a postura intelectualista.

 

Vale notar que o questionamento de La Taille (1992) relembra a tradição da antropologia de Agostinho de Hipôna, na qual a razão não é condição suficiente para a ação moral, já que existe também o problema do querer. La Taille coloca explicitamente o problema do querer ao afirmar: “saber não é necessariamente querer” (La Taille, 1992; p. 72). Em suma, o questionamento da tese intelectualista de Jean Piaget, com base na sua ausência da consideração pela vontade no agir moral, é um indicativo claro de que a antropologia de Agostinho de Hipôna deixou marcas que permeiam a psicologia moderna. Desde Agostinho de Hipôna, colocou-se para a psicologia a necessidade de explicar o papel do querer no agir moral. Destarte, a polêmica de La Taille quanto ao intelectualismo presente em Jean Piaget sugere a incorporação, por parte da psicologia, de pressupostos da tradição agostiniana voluntarista. A tradição interpretativa acerca da questão antropológica no Ocidente só pode ser adequadamente compreendida a partir de uma investigação histórica que leve em conta antigos paradigmas de antropologia filosófica e teológica que possuem eco na psicologia moderna, ainda que, na maioria das vezes, os psicólogos pouco atentaram para isso.

 

Vale lembrar que muito antes do nascimento da psicologia moderna, a reflexão acerca da psicologia já havia incorporado, sob influência de Agostinho de Hipôna, a necessidade de explicar a relação entre intelecto e vontade. Isso ocorreu na teoria tomista acerca do apetite racional (Boehner & Gilson, 1988).

 

Deve-se notar que a teoria de Piaget (1932/1994) apresenta uma concepção implícita acerca da saúde e da doença. Isso fica claro pelo fato de que Jean Piaget parte de postulados antropológicos oriundos do Iluminismo e da revolução francesa. Não é fortuito o fato de que a teoria do desenvolvimento moral de Jean Piaget, com as fases da anomia, heteronomia e autonomia, relembre tanto o pensamento de Rousseau em Emílio. Como para os gregos, os postulados de Jean Piaget concebem um ideal de excelência (areté) para o humano. Esse ideal está presente na concepção do moral autônoma, dado que esta constitui o patamar pleno do desenvolvimento moral humano. Visto que usamos os conceitos de saúde e doença na interpretação da antropologia intelectualista para designar um ideal de realização humana, bem como o desvio em relação ao mesmo, cabe agora aplicar o mesmo critério à antropologia de Jean Piaget. Nesta, não atingir o patamar da moral autônoma constitui desvio em relação ao ideal de plenitude humana, portanto, caracteriza a ausência do ideal. A saúde caracteriza a plenitude do desenvolvimento moral, desenvolvida até seu télos. Que há aqui um ideal de saúde influenciado pelo Iluminismo isso fica claro quanto ao otimismo de Jean Piaget quanto à racionalidade humana, lembrando o mito do progresso, no qual a emancipação racional do homem em relação a qualquer situação de heteronomia caracteriza a caminhada do homem em relação à sua plenitude. Daí a indisposição de Piaget (1934/1994) quanto à moral social heterônoma religiosa defendida por Durkheim. Toda heteronomia, na qual razão não é a instância última para o juízo moral, é considerada um estado de não plenitude a ser superado. Nesse sentido há um traço positivista no psicologia moral piagetiana.

 

O ideal de saúde piagetiano glorifica a ausência da ambivalência do eu-moral, dado que a moral autônoma exclui ambivalência no querer. O sujeito moral de Jean Piaget é regido por considerações racionais sobre o papel das regras na manutenção de valores como a reciprocidade, a igualdade de condições no grupo. Nesse sentido, a antropologia de piagetiana, fundada em postulados iluministas, está em total oposição à antropologia cristã paulino-agostiniana.

 

Em síntese, a psicologia de Jean Piaget rejeitou a antropologia da ambivalência do eu-moral paulino-agostiniana. Mas a crítica de La Taille (1992) ao intelectualismo de Jean Piaget, revela que a psicologia incorporou a pergunta de Agostinho de Hipôna sobre o papel da vontade.

 

A presença da antropologia da ambivalência na psicanálise

 

É provável que nenhuma teoria moderna relacionada ao problema da saúde tenha enfatizado tanto a ambivalência quanto a psicanálise. A noção de uma ambivalência interior aparece na psicanálise em diversos momentos. Faremos a seguir uma breve exposição sobre a amplitude da presença do conceito de ambivalência na teoria de Freud. É claro que a exposição será insuficiente para esgotar a discussão, e nem é esse nosso objetivo, pretendemos apenas assinalar que o conceito de ambivalência apresenta um papel central na teoria psicanalítica, afirmação que nada tem de polêmico. O conceito de sintoma revela uma dinâmica de ambigüidade na convivência entre a busca de satisfação e o sofrimento resultante de forças que agem para o impedimento dessa satisfação. Freud (1917/1969) descreve a ambigüidade do sintoma, revelado na luta da libido para atingir uma descarga, frente às forças oponentes:

 

Os senhores percebem, então, que o escape da libido, em condições de conflito, se torna possível pela presença de fixações. A catexia regressiva dessas fixações consegue contornar a repressão e leva à descarga (ou satisfação) da libido, sujeita às condições de um acordo a serem observadas. Pelo caminho indireto, via inconsciente e antigas fixações, a libido finalmente consegue achar sua saída até a satisfação real – embora seja uma satisfação restrita e que mal se reconhece como tal. (pp. 421-422; o grifo é meu).

 

A citação supra revela o caminho da formação do sintoma como uma luta entre a busca satisfação da libido em sua busca por descarga, versus a tentativa, muitas vezes por razões morais, de impedir tal satisfação. O resultado dessa luta é um acordo entre as duas partes, que gera o sintoma como uma peça profundamente ambivalente:

 

A oposição formada contra ela (a libido) no ego persegue-a como se fora uma anticatexia e compele-a a escolher uma forma de expressão da própria oposição. Assim, o sintoma emerge como um derivado múltiplas-vezes-distorcido da realização de desejo libidinal inconsciente, uma peça de ambigüidade engenhosamente escolhida, com dois significados em completa contradição mutua. (Freud, 1917/1969; p. 421; o grifo é meu).

 

Assim, a situação da neurose apresenta a ambivalência prazer-sofrimento, dado que guarda o compromisso satisfação-impedimento. Como nos sonhos, no sintoma os contrários não estão separados: “os contrários não são mantidos separados (...) no sonho manifesto, qualquer elemento pode também possuir o significado do seu oposto” (Freud, 1940/1978; p. 182). Há na neurose a afirmação de uma cisão interior, um conflito. As exigências morais, interiormente representadas na personalidade a partir do superego, apresentam especial papel na formação de situações conflituosas.

 

A situação de sofrimento, marcada pelo dado conflituoso-ambivalente presente na neurose, caracteriza o estado de doença, no dizer de Freud (1917/1969):

 

Os sintomas – e, naturalmente, agora estamos falando de sintomas psíquicos (ou psicogênicos) e de doença psíquica – são atos, prejudiciais, ou pelo menos, inúteis à vida da pessoa, que por vezes, deles se queixa como sendo indesejados e causadores de desprazer e sofrimento. O principal dano que causam reside no dispêndio mental que acarretam, e no dispêndio adicional  que se torna necessário para lutar contra eles. Onde existe extensa formação de sintomas, esses dois tipos de dispêndios podem resultar em extraordinário empobrecimento da pessoa no que se refere à energia mental que lhe permanece disponível, e com isso, na paralisação da pessoa para as tarefas importantes da vida. Como esse resultado depende principalmente da quantidade da energia que assim é absorvida, os senhores verão que ‘ser doente’ é, em essência, um conceito prático. Se, contudo, assumirem um ponto de vista teórico e não considerarem essa questão de quantidade, os senhores podem muito bem dizer que todos nós somos doentes – isto é, neuróticos -, pois as precondições da formação da formação de sintomas também podem ser observadas em pessoas normais. (p. 419).

 

Assim, Freud parece deixar claro que a ambivalência ou a precondição para a mesma está presente em todas as pessoas, diferindo apenas, no caso da doença, o grau de energia disponível para a vida produtiva. No entanto, em nosso entender, isso não nega que em Freud, a procura pela saúde exige uma relativa superação do estado conflituoso-ambivalente em questão em um dado trabalho analítico específico, isso já aparece nas considerações iniciais no laborioso processo de nascimento da psicanálise, na exposição do tratamento da histeria (ver os textos do volume 2 das obras completas de Freud). A superação do estado conflituoso-ambivalente relativo aos sintomas em questão em um tratamento clínico específico é propiciada pelo trabalho analítico (Freud, 1940/1978). Esta superação, em parte, é afirmada na tentativa de trazer à consciência o que estava reprimido, submetendo-o ao trabalho administrativo do ego.

 

É claro que a psicanálise não fala em superação absoluta da condição conflituosa-ambivalente, dado que esta, como vimos na citação acima, está potencialmente presente em todos e se afirma também a partir da própria condição do homem em civilização (Freud, 1930/1978). Como observa Freud (1930/1978, 1927/1978), a civilização pressupõe a renúncia instintual, assim sendo, a neurose é uma condição inerente ao homem em civilização, destarte, a ambivalência é condição também inerente. A relação do homem com a civilização implica um dado de ambivalência, pois a civilização tanto é fonte de proteção, quanto gera hostilidade ao exigir a renúncia instintual (Freud, 1930/1978, 1927/1978). Dessa necessidade de reconciliação entre o homem e a civilização, bem como do sentimento de desamparo ante a diversas ameaças, surgem as raizes psicológicas de outro fenômeno humano marcado pela ambivalência: a religião. Nela, a relação ambivalente pai-filho é reeditata na projeção da figura de um pai protetor e ameaçador (Deus). No caso da formação do monoteísmo judaico, a situação de ambivalência se afirma na tentativa de reconciliação como o pai assassinado em diversas situações de conflito em eventos primitivos na formação da civilização (Freud, 1939/1976). Também a religião é local de expressão da ambivalência da neurose. Como salienta Freud (1907/1976), a religião é uma expressão coletiva das práticas obsessivas típicas da neurose obsessiva e, como toda expressão de sintoma, implica na ambivalência prazer-sofrimento.

 

A própria experiência da infância é marcada pela ambivalência, naquilo que Freud  (1923/1976) chamou de bipolaridade do complexo de Édipo, definida no seguinte trecho:

 

Um estudo mais aprofundado geralmente revela o complexo de Édipo mais completo, o qual é dúplice, positivo e negativo, e devido à bissexualidade presente originalmente na criança. Isto equivale a dizer que um menino não tem simplesmente uma atitude ambivalente para com o pai e uma escolha objetal afetuosa para com a mãe, mas que, ao mesmo tempo, também se comporta como uma menina e apresenta uma atitude afetuosa feminina para com o pai e um ciúme e uma hostilidade correspondentes em relação à mãe. (pp. 47-48).

 

Do que foi exposto acima, pode-se fazer uma idéia, ainda que insuficiente, acerca da importância do conceito de ambivalência na antropologia freudiana. Essa importância é tal que até mesmo a distinção entre patológico e normal é muito tênue na psicanálise, já que os mecanismos na formação dos sintomas neuróticos operam também em fenômenos da “vida normal”, como os sonhos (Freud, 1940/1978). Como vimos acima, Freud (1917/1969) chegou a usar um critério prático-quantitativo para identificar o “ser doente”, já que a extensa formação de sintomas pode reduzir muito a energia disponível para as tarefas úteis da vida. Isso fica claro na afirmação: “A pré-condição necessária aos estados patológicos em debate só pode ser um enfraquecimento relativo ou absoluto do ego, que torna impossível a realização das tarefas.” (Freud, 1940/1978; p. 187). Destarte, a cura, na técnica da psicanálise, deverá devolver ao ego sua condição energética de trabalho, para realizar sua atividade administrativa, sem que isso negue que toda energia do ego é tomada de empréstimo ao Id, com objetivo de servi-lo (Freud, 1917/1969). O que nos leva a admitir que a cura pressupõe algum grau de superação da ambivalência que resulta da repressão, que gera o sintoma como seu próprio retorno (Freud, 1910/1978).

 

Com base no que foi exposto acima, nosso artigo levanta a possibilidade, em caráter sugestivo para posteriores investigações, e não em caráter conclusivo, de que a antropologia paulino-agostiniana seja uma precondição traditiva para uma reflexão antropológica como a da psicanálise. Sobretudo, nossa hipótese assinala que a psicanálise, ao pensar o problema da saúde e da doença em sua relação com a ambivalência, retoma um dado da tradição antropológica paulino-agostiniana. É fundamental notar que essa hipótese não sugere uma influência direta do pensamento de Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna sobre Freud. Nossa hipótese, diferentemente disso, fala da influência de uma tradição, diluída e incorporada no modo de pensar o antropológico no Ocidente, como pré-condição para o pensar antropológico da psicanálise. Nesse sentido, nossa hipótese se aproxima da hermenêutica filosófica de Gadamer (1999), na qual a tradição é uma pré-condição para o ato interpretativo, mesmo o pensamento que apresente uma “novidade” ou uma contraposição ao dado traditivo que é ponto de partida para o sujeito epistêmico.

 

Aspectos sugestivos para essa possibilidade são apresentados a seguir. Como vimos na sessão sobre Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna, a antropologia da ambivalência do eu-moral introduziu no Ocidente o problema de uma cisão interior na vontade não subjugada pela razão. Para Arendt (2002), a antropologia cristã inaugurou o conceito de uma vida interior, marcada por cisão e conflito, independente e até oposta à manifestação exterior (ver a discussão sobre Paulo de Tarso). Se Arendt (2002) está certa, é difícil pensar que uma antropologia como a psicanalítica, tão marcada pela idéia de uma cisão interior, de uma ambivalência, poderia surgir sem a pré-condição de uma antropologia que tenha fortificado essas noções no pensamento Ocidental. A mais forte canditada traditiva à geração de uma antropologia com postulados que possam apoiar a antropologia da psicanálise é a antropologia da ambivalência paulino-agostiniana.

 

Outro ponto interessante é que a psicanálise pensou o problema da saúde e da doença a partir de suas relações com o estado conflituoso da cisão interior do homem. Como em Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna, a psicanálise viu na cisão interior a origem da situação de doença e sofrimento. Para Paulo de Tarso, tal ambivalência se apresenta na incapacidade de “fazer o bem que prefiro, fazendo o mal que não quero”. Para Freud, a ambivalência se apresenta no compromisso de forças opostas, manifesto no sintoma.

 

Como na psicanálise, Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna não atribuíram à razão a condição de introduzir harmonia na vida interior, dado que as duas antropologias admitiram a existência de potências interiores rebeldes às considerações éticas da razão. Destarte, a cisão interior não é sanada pela racionalidade, mas revela sua impotência.

 

Estamos absolutamente cientes do fato de que há diferenças titânicas e traços antitéticos entre a antropologia psicanalítica e a antropologia paulino-agostiniana. Um aspecto antitético é que a antropologia paulino-agostiniana é transcendentalista-escatológica, admitindo assim um estado trans-histórico de superação plena da ambivalência, atingida na superação da natureza pecaminosa efetivada na regeneração que se consuma na ressurreição paulina (anástasis/ανάστασις). Assim, em última análise, saúde, na antropologia paulino-agostiniana pressupõe superação da ambivalência. Ao contrário disso, a antropologia de Freud não é transcendentalista, e admite que o estado de ambivalência é inerente à condição humana em civilização, não havendo espaço para o conceito de saúde como superação da ambivalência. Destarte, a linha divisória entre saúde e doença em Freud acaba se pautando no critério prático-quantitativo delineado acima. Outra diferença está na imanentização da cura presente na proposta psicanalítica. Para Paulo de Tarso e Agostinho de Hipôna a cura depende do encontro humano com o transcendente, manifesto na graça divina regeneradora. Para Freud, a cura tem que ser operada dentro de um sistema naturalístico, operado em um tratamento analítico que devolva ao ego a condição operativa nas tarefas da vida. Assim, a cura psicanalítica é imanentizada na figura da recondução do reprimido à consciência, com atuação administrativa do ego. Além disso, o próprio conceito de ambivalência não recebe o mesmo tratamento nas duas antropologias, dado que a Freud fala de uma ambivalência prazer-sofrimento, enquanto Agostinho e Paulo falam de uma ambivalência da vontade cindida e insubmissa à razão. Além disso, a dinâmica inconsciente geradora da ambivalência proposta pela psicanálise não se apresenta na antropologia paulino-agostiniana.

 

No entanto, malgrado as diferenças assinaladas, tanto a psicanálise de Freud quanto a antropologia da ambivalência do eu-moral paulino-agostiniana trabalham em uma tradição de relacionar ambivalência, ansiedade, sofrimento, doença e cura. Ambas apresentam um pessimismo antropológico baseado em uma concepção de profunda cisão interior, conflito, e até egoísmo humano. Além disso, as duas antropologias vêem na moralidade uma fonte fundamental para a ambivalência e autocondenação humana. Há nisso razões suficientes para empreender uma investigação histórica sobre o quanto a antropologia cristã da ambivalência do eu-moral constituiu um suporte traditivo (Gadamer, 1999) para a antropologia psicanalítica, ainda que esta tenha se antagonizado com inúmeros postulados daquela.

 

Conclusão

 

O paradigma antropológico paulino-agostiniano introduziu o problema da vontade na psicologia. Este tema, enquanto ruptura com o intelectualismo grego, tornou-se recorrente na psicologia desde então. Também o problema da cisão interior do homem, e sua relação com o problema da saúde e da doença, foram fortificados no pensamento Ocidental a partir da antropologia paulino-agostiniana. Especialmente a psicanálise incorporou o tema da ambivalência e da cisão interior como central para lidar com o tema da saúde e da doença, bem como da cura.

 

A psicologia tem por tarefa a reflexão e compreensão do humano. Minha exposição procurou mostrar que a interpretação do humano, dando enfoque especial ao binômio saúde e doença, é realizada a partir de paradigmas antropológicos que foram construídos e diluídos como um patrimônio universal de nossa cultura. Assim sendo, como propõe a hermenêutica filosófica de Gadamer (1999), a tradição é pré-condição para nosso ato interpretativo. Destarte, para compreendermos adequadamente a reflexão da psicologia sobre o homem, faz-se necessário investigar a relação desta reflexão com paradigmas antropológicos que, conscientemente ou não, agem como preconceitos para o ato hermenêutico do sujeito epistêmico (Gadamer, 1999). Fica claro aqui que a história e a epistemologia da psicologia não podem ser isoladas uma da outra.

 

O isolamento entre história e epistemologia é resultado do dogma moderno de que a tradição representa algo com o que a modernidade rompeu, tradição é o que ficou no passado e não nos afeta. A psicologia é a ciência do homem que mais aceitou o dogma epistemológico moderno de que o conhecimento sobre o homem se conquista a partir da aplicação de um método científico que independe das premissas da tradição. O resultado disso foi a incompreensão acerca da relevância do estudo da história da psicologia “pré-moderna”, presente na filosofia, teologia e religião. A hermenêutica filosófica de Gadamer (1999) superou o dogma epistemológico de que a tradição não está presente em nossa interpretação acerca do homem, demonstrando ser ela (a tradição), uma condição indispensável para a interpretação.

 

A realização de uma compreensão adequada do papel de paradigmas antropológicos na reflexão da psicologia exige a relativização das posturas presentistas e de desvalorização do passado, tão marcantes na psicologia (Wertheimer, 1998).

 

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Notas

 

(1) Parte deste trabalho foi realizado enquanto o primeiro autor cursava o Programa de Doutorado em Psicologia da Universidade de Brasília. [volta]

 

(2) As citações de textos bíblicos são provenientes da tradução de João Ferreira de Almeida. [volta]

 

(3) Todas as análises do texto grego da Epístola aos Romanos utilizaram a versão grega de Hodges e Farstad (1982), cuja referência completa encontra-se em nossas referências bibliográficas. [volta]

 

(4) O conceito “desmetafizicização do mundo” esclarece o processo iniciado coma revolução científica, desenvolvido pelo Iluminismo, e sobretudo pela filosofia naturalista da ciência moderna no sentido de procurar explicações naturalísticas, considerando o universo como um sistema fechado, antisobrenaturalista. [volta]

 

(5) O conceito de “imanentização da cura” designa a exclusão do transcendente ontológico como dado atuante no processo terapêutico. [volta]

 

Nota sobre o autor

Cláudio Ivan de Oliveira é Doutor em Psicologia pela UnB e leciona História da Psicologia e Teorias e Sistemas em Psicologia na Universidade Católica de Goiás. Contato: claudioivan.psi@ucg.br.

Anderson Clayton Pires é mestre em ciências da religião pela Universidade Católica de Goiás e doutorando em Teologia no Instituto Ecumênico de Pós-graduação da Escola Superior de Teologia em São Leopoldo/RS. Contato: andersonintellectus@bol.com.br

Raquel Ghetti Macedo é aluna de graduação em psicologia na Universidade Católica de Goiás.

Ana Tereza Elias Siqueira é aluna de graduação em psicologia na Universidade Católica de Goiás e de pedagogia na Universidade Federal de Goiás.

 

Data de recebimento: 29/08/2005
Data de aceite: 30/04/2006

 
Memorandum 10, abr/2006
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
ISSN 1676-1669
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/oliveira01.htm

 

 

 

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