Silva, P.J.C.(2006). Saúde e conhecimento psicológico na França do século XVII. Memorandum, 10, 33-44. Retirado em / / , do World Wide Web http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/silva03.htm

Saúde e conhecimento psicológico na França do século XVII

Health and psychological knowledge in Seventeenth-Century France

Paulo José Carvalho da Silva
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Brasil
 

Resumo
As paixões da alma eram classificadas pelos médicos da tradição hipocrático-galênica na categoria das seis coisas não naturais: ar e ambiente, comida e bebida, esforço e repouso, sono e vigília, excreções e secreções e paixões da alma. Em particular, o importante médico francês Nicolas Abraham Sieur de la Framboisière (1560-1636) defende, em seu Le gouvernement necessaire a chacun pour vivre longuement en santé, publicado em Paris em 1600, a idéia de que as chamadas seis coisas não naturais são armas da natureza e seus efeitos na saúde dependem de como são empregadas. La Framboisière discute as características de algumas paixões e orienta como utilizá-las em favor da saúde e da vida longa. Em harmonia com a tradição dos regimes de vida e a psicologia aristotélico-tomista em circulação na França, ele propõe um exame minucioso das causas dos afetos para que se possa governá-los e compreender melhor nossos próprios desejos.

Palavras-chave: saúde; conhecimento psicológico; paixões; regime de vida; século XVII.

Abstract
The passions of the soul were classified by physicians of the galenical tradition as one of the six non-natural things, such as: air and ambient, food and drink, effort and rest, sleep and wakefulness, excreta and secretions and, finally, affects or passions of the soul. In particular, the important French physician Nicolas Abraham, Sieur de la Framboisière (1560-1636) affirms, on his Le gouvernement necessaire a chacun pour vivre longuement en santé, published in Paris in 1600, these called non-naturals are actually weapons of nature and theirs effects on health depends on the way they are employed. La Framboisière discusses the characteristics of some passions and advises how to make life healthier and longer with their help. In accordance with regimen tradition and Late Aristotelian psychology, he proposes a scrutiny on the affects causes looking for a tactful management and a better judgement about our own desires.

 Keywords: health; psychological knowledge; passions; regimen; seventeenth century.

 

O regime de vida

 

O tema das paixões da alma estava presente em diferentes tradições culturais em circulação no Renascimento, inclusive na literatura médica. Proponho uma análise do conhecimento e administração das paixões de acordo com um regime de vida publicado pela primeira vez em 1600. Trata-se do Governo necessário para cada um viver longamente em saúde (Le gouvernement necessaire a chacun pour vivre longuement en santé) do médico francês Nicolas Abraham, Sieur de la Framboisière. O método de análise segue a linha de pesquisa em História da Ciência “História, ciência e cultura”, que examina os saberes do passado em seus próprios termos e inter-relações. O procedimento consiste no levantamento de obras da época, sua leitura e análise comparativa, levando-se em conta os fundamentos das idéias e o gênero de obra no qual foram elaboradas e difundidas. Em particular, pretendo situar as idéias de La Framboisière sobre o conhecimento afetivo na complexa rede de saberes sobre o corpo e a alma em vigor na França do início da modernidade, e demonstrar como a problemática dos afetos ou paixões da alma estava relacionada à busca do conhecimento e da conservação da saúde. As fontes primárias usadas nesta pesquisa foram encontradas na seção de obras antigas da biblioteca da École de Médecine de Paris, na Bibliothèque Nationale de France, na Biblioteca Apostólica Vaticana, na cidade do Vaticano, além de outros acervos históricos de Roma (1).

 

Nicolas Abraham, Sieur de la Framboisière, nasceu em Guise, na França, em 1560. Ele estudou inicialmente com o seu pai, que era cirurgião, e posteriormente tornou-se Doutor em Medicina pela Escola médica de Reims em 1586. Em 1597, organizou as primeiras ambulâncias militares francesas e tornou-se médico ordinário do rei Henrique IV em 1600. Também foi nomeado o médico chefe do exército e o “doyen” da faculdade de medicina de Reims. Louis XIII, sucessor de Henrique IV, o conservou como seu médico, mas ele perdeu tal cargo em 1627 ao aliar-se aos adversários de Richelieu, voltando a Reims, onde faleceu em 1636.

 

O Le gouvernement necessaire a chacun pour vivre longuement en santé foi publicado diretamente em francês, em 1600, em Paris. Logo no prefácio deste regime, dedicado à longa vida do rei e de seu povo, o médico afirma que decidiu escrever em língua vulgar para que todo público habitante da França, francês de origem ou não, de todos os estados e condições naturais e sociais, pudesse se servir do mesmo. Por isto, seu livro é escrito em linguagem simples e direta.

 

O texto se divide em oito partes nas quais o autor trata do governo, ou seja, da conduta para a conservação da saúde de cada indivíduo conforme suas características pessoais. Assim, há orientações sobre o regime de vida específico para as mulheres; para as pessoas de diferentes idades; para os habitantes de diferentes regiões da França; para cada estação do ano; sobre a conduta necessária em tempo de peste e, por fim, aquela que se adequar às pessoas sujeitas a uma enfermidade particular.

 

Como se sabe, a tradição dos regimes de vida remonta-se à medicina grega antiga. A escola hipocrática produziu, no final do século V a.C., um tratado sobre o Regime de vida, que estabelece os postulados fundamentais que serão retomados por muitos outros. No século seguinte, no meio peripatético, surge uma espécie de paidéia para evitar doenças, a Epistola sobre a vida sã, atribuída a Diocles de Carysto. Ainda no contexto da cultura grega, a obra do filósofo Plutarco, Preceitos de saúde, do ano 81 da era comum, exerceu grande influência (2). O médico de Pérgamo radicado em Roma, Cláudio Galeno (129-199) sintetizou idéias hipocráticas, aristotélicas e de outras tradições helenísticas, em seu tratado de Higiene, reeditado várias vezes na Itália medieval. Foi na tradição fundada em sua medicina que ocorreu a sistematização das causas externas da alteração da saúde, as assim chamadas seis coisas não naturais, a saber: comida e bebida, ar e ambiente, esforço e repouso, sono e vigília, excreções e secreções e os movimentos da alma.

 

Além das regras monásticas da alta Idade Média e dos textos de origem árabe, como o Canon de Avicena, os regimes de saúde medievais mais conhecidos, embora não sejam os únicos, são os versos didáticos atribuídos à Escola de Salerno, século XI, o Regimen sanitatis salernitanum, e o livro de saúde de Aldebrando de Siena (1911) elaborado no século XIII. Este último, inclusive, reafirma o bom uso das seis coisas não naturais, descreve como se proteger da pestilência do ar, como conhecer o lugar em que se vive, discorre sobre a sobrevivência no mar, sobre a vida com as mulheres, a gravidez, a criação dos bebês, e, por fim, ensina como conservar o corpo e mantê-lo sempre jovem, retardando a velhice.

 

No início da modernidade, a Itália foi o local onde este gênero de escrito teve sua mais expressiva fortuna. Vários médicos e humanistas propuseram modos de preservar a saúde o máximo possível. Estes manuais de saúde apresentam uma rica releitura da antiga tradição das dietas renovando-a. Constata-se, notadamente, uma retomada de autores clássicos da antiga medicina grega e árabe, que doravante são combinados com nomes contemporâneos do saber e adaptados à discussão de costumes e problemas locais.

 

Neste sentido, pode-se destacar o médico e professor da Universidade de Pádua Michele Savonarola (1384-1469) que angariou muita fama tanto como professor quanto como terapeuta; escreveu sobre medicina, moral, águas termais, e ainda sobre a cidade de Pádua e seus homens ilustres. Seu pequeno manual de longo título, o Libreto delo Excellentissimo physico Maistro Michele Savonarola: De tutte le cose che se mangiano comunamente: quale sono contrarie e quale al proposito: i como si apparecchiano: i di quelle se beveno per Italia : e de sei cose non naturale: i le regole per conservare la sanità deli corpi umani, sintetiza os princípios considerados necessários para a conservação da boa saúde por muitos anos.

 

Savonarola ensina que as chamadas seis coisas não naturais precisam ser propícias para o bom funcionamento do corpo e portanto um bom regime de vida deve orientar como administrá-las. Assim, a primeira parte de seu livreto descreve os alimentos e discute suas propriedades. Há também uma parte dedicada ao exame dos efeitos do clima sobre as diferentes constituições corporais. Segue-se a consideração de que os exercícios, como jogar bola, correr, lutar com espadas, escalar, saltar, andar rapidamente, quando moderados, convém ao homem saudável. Já o repouso é indicado por Savonarola para três ocasiões: após a refeição, para não atrapalhar a digestão; nos dias muito quentes do verão e após o banho que deve suceder os esforços físicos. Quanto ao sono, este depende das necessidades requeridas conforme as características físicas de cada um, idade, exercícios físicos realizados, força do corpo e hábito. Atenção também deve ser dada à repleção e à evacuação. Finalmente, deve-se cuidar para que os acidentes da alma não se tornem imoderados, pois, com isto, poderiam alterar, de modo prejudicial, o calor interno responsável pela conservação da vida.

 

A popularidade dos regimes de vida na Itália do início da Idade Moderna tem sido explicada apontando-se diferentes razões. Uma delas é o aumento de leitores interessados em livros de conselhos. Em cidades como Florença e Veneza, o público para este tipo de manual de saúde não se restringia aos médicos; abrangia também as cortes e a intelectualidade urbana, em especial os idosos destas classes. Além da redescoberta dos escritos clássicos sobre este tema, este interesse pelos regimes está relacionado certamente ao aumento na sofisticação das refeições e dos rituais comensais das prósperas classes altas (3). Outra razão deve-se à invenção da imprensa que permitiu a difusão de todo tipo de manual. Ou ainda, o medo da peste pode ter motivado a demanda por regimes de saúde. Finalmente, a divulgação de regimes na Itália pode integrar uma campanha contra a crítica protestante à normativa dietética da Igreja romana (4).

 

Todavia, a produção e circulação de manuais de conservação da saúde não foi um fenômeno exclusivo ao contexto italiano. Na Inglaterra, o The Castell of Helthe (1536?) do humanista e diplomata Thomas Elyot (c. 1490-1546), cuja primeira edição foi dedicada a Thomas Cromwell, obteve várias edições e larga difusão em pleno século XVI (Mikkeli, 1999.

 

Na França dos séculos XVI e XVII, os manuais de higiene não estavam tão em evidência. Embora a questão da conservação da saúde fizesse parte da tradição galênica, orientação hegemônica da Escola de Medicina da Universidade de Paris entre outras escolas francesas, os regimes tornaram-se realmente difundidos apenas no século do Iluminismo. Uma explicação possível: por ser um gênero de medicina mais popular, mais pragmática, escrita em língua vulgar, os grandes nomes da medicina francesa trataram apenas rapidamente da questão do regime de vida, e foram médicos desconhecidos que produziram a maioria dos manuais de saúde, anteriores ao século XVIII. O mais sofisticado dos regimes de vida renascentistas produzidos na França seria justamente este de La Framboisière (Colinjones, 1997).

 

De modo geral, os regimes do período difundem o pressuposto da tradição hipocrático-galênica, reiterada no Renascimento, segundo o qual o justo equilíbrio dos líquidos corporais, conhecidos como quatro humores (sangue, fleuma, bile amarela e bile negra) é uma condição para a saúde. O estado patológico decorre da falta, excesso ou isolamento em alguma parte do corpo de algum desses princípios. Medicar significa restabelecer a boa crase, ou seja, a mistura equilibrada em força e em quantidade.

 

Em outras palavras, esta tradição médica pressupõe uma espécie de economia do corpo em termos de um equilíbrio entre a entrada de alimentos e o gasto com os esforços corporais. Neste caso, o campo de ação do médico é sobretudo a modificação das condições materiais do corpo. Portanto, a adaptação da dieta e do regime de vida eram os principais recursos próprios aos médicos, sobretudo na chamada medicina preventiva. O objetivo do regime é regular este equilíbrio de modo a garantir uma boa proporção interna entre calor e umidade.

 

As paixões da alma

 

Pode-se constatar que os afetos ou paixões da alma continuaram a ser tratados pelos médicos como uma das seis coisas não naturais que influem na saúde e que devem ser corretamente administradas no bom regime de vida. Ao seguir esta definição tradicional, os médicos dos Quinhentos e Seiscentos propunham modos de prevenir ou remediar as enfermidades que agiam também na esfera dos afetos. Apoiando-se em antigos repertórios filosóficos, eles aliavam princípios da filosofia aos métodos médicos com o objetivo de sistematizar modos de conservar ou restabelecer a saúde integral do indivíduo.

 

André du Laurens, médico do rei Henrique IV e professor da Escola de Medicina de Montpellier, embora afirmasse que a correção das desordens afetivas é assunto dos filósofos morais e que ele, enquanto médico, ocupava-se exclusivamente das alterações e corrupções do corpo, ao longo do Discours de la conservation de la vue, des maladies melancholiques, des catarrhes, & de la vieillesse, ele faz uso de preceitos filosóficos, cita a autoridade de filósofos antigos como Aristóteles, Platão e os estóicos, além de expoentes do humanismo, e sobretudo não se furta a aconselhar modos de conduta que incluem até mesmo o uso das paixões no processo de cura. Para ele, é preciso examinar as condições e qualidades próprias de cada paixão para poder remediá-la. Por exemplo, o tédio, a tristeza e o medo são caracterizados pela temperatura fria e a fraqueza do cérebro. Seria, portanto, apropriado provocar um pouco de cólera nas pessoas acometidas por estas paixões, a fim de aquecê-las e acordá-las.

 

Ao discorrer sobre a influência das paixões na saúde das pessoas de idade avançada, Du Laurens, inclusive, admite que muitas doenças corporais são causadas por alterações provocadas pela alma. A guisa de argumentação, o médico lança perguntas tais como: Quantas doenças não vemos aparecer e ser curadas pela imaginação? Quantos não teriam morrido devido a uma extrema alegria (5)?

 

La Framboisière, por sua vez, anuncia as fontes de suas prescrições que, por sinal, também não se resumem à tradição médica. Seu regime se sustenta no que o autor pôde coletar em vários terrenos, isto é, em suas próprias palavras, nos:

 

jardins dos médicos, filósofos, astrólogos, cosmógrafos, poetas e outros escritores, gregos, latinos, árabes, franceses, tanto antigos como modernos. (La Framboisière, 1600, p. 8, trad. nossa).

 

O que torna o seu regime digno de nota é que o médico também afirma que para conservar a vida é necessário saber governar o que é comumente chamado de seis coisas não naturais. Acontece que, no seu entender, entretanto, não se trata propriamente de algo em si não natural ou contra a natureza, e sim de seis coisas sem as quais é impossível viver, mas que em excesso podem prejudicar a saúde.

 

Nas palavras de La Framboisière:

 

Para se viver longamente em saúde, é necessário governar as coisas, vulgarmente conhecidas como não naturais, ainda que elas sejam naturais quando bem empregadas, e contra a natureza se há abuso. (La Framboisière, 1600, p. 32, trad. nossa).

 

Aliás, La Framboisière prefere se referir a estas coisas como “armas da natureza”. O fato de ter sido médico oficial do exército francês pode explicar a preferência pelo vocábulo “arma”. O mais relevante, porém, é que ele considera tais coisas como sendo instrumentos perigosos e poderosos, mas naturais caso bem governados.

 

Evidentemente que, entre estas armas naturais, estão as paixões da alma que podem ser bem ou mal usadas. Segundo o médico, não é possível evitar as paixões da alma porque estão relacionadas à apreensão de um objeto mau ou bom, o que é de fundamental importância na vida humana. Assim, resta administrá-las de modo correto. E para conservar a saúde com o uso destas armas da natureza é preciso considerar quatro coisas: a qualidade conveniente, a quantidade razoável, o modo cômodo e o tempo oportuno, tudo em conformidade à compleição física, ao sexo, à idade, à região onde se vive, à estação do ano, à constituição do tempo e à disposição do corpo de cada um.

 

Entre todas as paixões, a mais saudável é a alegria pois dá contentamento à alma e ao corpo. Entretanto, é mais conveniente aos magros porque engorda. A cólera pode ser de bom proveito aos fleumáticos porque esquenta o sangue e restabelece o calor natural. Mas pode ser muito nociva aos biliosos pois aumenta este humor. A tristeza é perniciosa às pessoas enfraquecidas, mas não agride tanto os que estão em boa forma. Já o medo serve apenas aos que estão em situação de risco de vida.

 

As paixões e a razão

 

Trata-se de uma abordagem dos afetos muito semelhante à posição sustentada pelos adeptos da psicologia aristotélico-tomista, renovada na época. Retomando a doutrina dos afetos de Aristóteles e São Tomás de Aquino, vários filósofos e mesmo médicos afirmavam que a paixão é um movimento do apetite sensitivo, causado pela imaginação de um bem ou mal, aparente ou verdadeiro, que modifica o corpo contra as leis da natureza.

 

Segundo Massimi (Massimi & Silva, 2001) a difusão desta tradição aristotélico-tomista de categorização dos movimentos atribuídos à alma ocorreu sobretudo no contexto ibérico. O rei português Dom Duarte, no tratado Leal Conselheiro (1437-38), descreve a melancolia, a tristeza, o nojo, a saudade e o amor para que seus leitores espelhem-se em sua experiência e busquem neles próprios se verificam a mesma vivência. Neste e em outros escritos, Dom Duarte aconselha o conhecimento de si e a ordenação racional das paixões, afirmando ser preciso cuidar do corpo, conhecer as afeições, e temperá-las de modo que estejam em acordo com a razão. O humanista português frei Heitor Pinto, no Imagem da vida cristã, também recomendava a moderação das paixões, dando continuidade à tradição aristotélico-tomista que valoriza as paixões enquanto afeições naturais, passíveis de serem mantidas sob o julgo da razão e servirem perfeitamente ao homem cristão.

 

O filósofo jesuíta da universidade de Coimbra Manuel Gois, no Commentarii Conimbricensis Societatis Jesu, in Libros Aristotelis qui Parva Naturalia appellantur, publicado em 1593 em Lisboa, e difundido pela Europa, inclusive na França, precisa que estas modalidades de animação teriam duas causas: uma formal; o impulso da alma, e outra material, a alteração orgânica dos espíritos vitais presentes no coração devido à modificação da temperatura corporal desencadeada pelo movimento da alma. Ela pode tornar-se um hábito vicioso somente se a vontade consente ao desregramento. A temperança, hábito eletivo regulado pela razão, pode ser obtida por meio do exercício de uma espécie de poder político sobre as paixões da alma; ou seja, um governo do apetite pela razão e livre arbítrio. Cumpre ressaltar que La Framboisière também emprega a noção de governo no que concerne às tais armas naturais, o que inclui as paixões.

 

Talon-Hugon (2002) comenta que, na França, um exemplar especial do sincretismo do pensamento do início do século XVII sobre as paixões é o Charactères des passions, do médico do rei e membro da Académie française e da Académie des sciences, Cureau de la Chambre (1594-1669). Neste, que é uma das peças mestras da tela de fundo sobre a qual Descartes inscreve sua teoria das paixões, cada paixão da alma é estudada em quatro tempos. Em um primeiro momento, Cureau faz o retrato físico e moral do homem no que diz respeito à paixão considerada. Em seguida, ele estabelece a natureza da paixão, após o exame das definições propostas pelos antigos. No terceiro momento, são descritos os movimentos do espírito e dos humores que a acompanham. E finalmente, o médico faz uma etiologia dos signos por meio das causas últimas de cada paixão.

 

Corpo e alma estão envolvidos nestes movimentos do apetite: a cólera é ao mesmo tempo uma agitação da alma e um punho que se ergue; o amor, o élan espiritual e o rubor da pele; o medo, o recuo imaterial da alma e o tremor dos membros. Cureau sustenta, porém, que é a alma quem solicita os humores do corpo, recorrendo em sua explicação aos chamados espíritos animais, que teriam o poder de sublevar os humores (6). A alma irradia estes espíritos para as partes exteriores do corpo, ou os retira e os envia ao coração, conforme a paixão concernida, e este fluxo e refluxo arrasta os humores.

 

Na teoria das paixões de Descartes (1644/1999) os espíritos animais também têm uma função capital, mas enquanto componentes de um estrito mecanismo; já para Cureau, bem como para La Framboisière, em consonância com o tomismo, eles são os emissários da alma.

 

Ainda no meio francês, o De l’usage des passions, publicado em 1641, por Jean-François Senault, um dos mais célebres pregadores de seu século, faz uma refutação nuançada da teoria das paixões da ética estóica, de expressivo retorno nos séculos XVI e XVII. Este tratado, oferecido formalmente ao cardeal Richelieu e bastante difundido, está fundamentado, sobretudo, na noção de alma e corpo tomista, mas não sem se servir de imagens consolidadas por Platão.

 

Senault (1641/1987) afirma, em sintonia com São Tomás de Aquino, que a paixão é um movimento natural necessário, que nasce do fato de que a alma esteja engajada na matéria. Não podendo, portanto, em si mesma, ser considerada como vício ou enfermidade da alma, como queriam os estóicos. É com a queda primordial que a natureza se tornou corrompida e as paixões tornaram-se desregradas. Quando desmedidas as paixões deverão ser moderadas com o uso da razão, o que se faz, a exemplo do médico que administra prudentemente venenos, com o uso de uma paixão capaz de anular o efeito nocivo daquela que se pretende remediar: opõe-se a alegria à dor; tempera-se o medo com a esperança e modera-se os desejos com o pesar que acompanha sua realização. Se for o pecado a origem da corrupção, é também a graça que permite à vontade a possibilidade de seu livre exercício, que, bem administrado, poderá modificar as paixões em virtudes, mantendo a alma sensitiva sob os cuidados da parte superior da alma.

 

O influente jesuíta francês Jacques Lambert (1666) também retoma a psicologia aristotélico-tomista e afirma que as paixões são sentidos interiores da função sensitiva da alma, como os apetites e as fantasias.

 

O funcionamento é bastante lógico: se um objeto é apreendido pelos sentidos e chega à fantasia como algo bom, o apetite concupiscível produz o amor por via da simples inclinação. Surge o desejo; com ele, a busca, e por fim, o prazer do gozo deste objeto. Quando a conquista é atravessada por alguma dificuldade, entra em jogo o apetite irascível. Este último, quando os obstáculos parecem transponíveis, incita à esperança e ao prazer que a acompanha. Ele também produz o desespero quando se julga que o obstáculo ao gozo é incontornável. Mesmo sendo acompanhada de dor, esta paixão auxilia a fazer cessar o desejo de algo que é impossível obter.

 

Por outro lado, se o objeto apresentado pela fantasia ao apetite lhe parecer mau, ele produz o ódio, que é o contrário do amor; produz ainda a fuga, contrário do desejo, que fará o esforço de evitá-lo. Se esta fuga é bem sucedida, o que pode ser realizado com a audácia produzida pelo apetite irascível, há o prazer. Já se a dificuldade é muito grande, ocorre o medo, o que pode ser conveniente para não se atacar algo em vão. Enfim, se tal objeto mau atinge o apetite concupiscível, o irascível fornece a cólera para que este se vingue, o que faz sentir o prazer da vingança.

 

Em poucas palavras, trata-se de uma dinâmica entre os sentidos interiores e os exteriores (visão, audição, olfato, paladar, tato, o prazer e a dor) que pode ou deve ser corrigida por meio do uso da razão moderadora.

 

A questão da moderação comparece também no discurso médico antigo e contemporâneo ao regime de La Framboisière. Apoiado no antigo hipocratismo, Du Laurens afirma que o bom funcionamento do corpo depende de três princípios naturais, a saber, o calor, a umidade e a eliminação de excrementos. Para conservá-lo, portanto, deverá haver uma adequação no modo de vida de maneira a preservar a correta relação entre estes três princípios e a conseguinte harmonia interna do corpo.

 

O célebre cirurgião francês Jean Devaux, por seu turno, afirma que os excessos são uma das causas fundamentais das enfermidades, portanto, a moderação é uma chave para a conservação da saúde. Em seu caso, porém, a questão da determinação, pelo médico, da justa quantidade e qualidade é problematizada de modo radical. No Le medecin de soi-meme, ou l’art de se conserver la santé par l’instinct publicado em Leyde, por Henry Drummond, em 1682, sendo reeditado na mesma cidade por Claude Jordan, em 1687, Devaux defende a idéia de que há no ser humano um movimento natural de adesão ao que é útil e de rechaço daquilo que lhe faria mal (7). É justamente esta capacidade natural que tornaria a medicina oficial acadêmica desnecessária. Seriam suficientes dois termos: um bom clima e o exame de si mesmo. Devaux adverte, entretanto, que não é necessário ser um grande médico para encontrar a regra certa sobre a quantidade e a qualidade de alimentos e bebidas, basta escutar a natureza e o bom senso. Ou seja, respeitar as próprias necessidades do corpo e estar atento aos efeitos das paixões da alma.

 

La Framboisière já prescrevia o exame de si mesmo e a moderação muito tempo antes do polêmico livro de Devaux (8). Ele também insiste que a ingestão dos alimentos deve ser sempre proporcional ao que se perde continuamente do corpo. Assim, convém evitar sobrecarregar o estômago para não perturbar o calor natural. Entretanto, a qualidade e a quantidade dos alimentos e das bebidas dependerão das características de cada um, o que inclui o próprio tamanho do estômago e a compleição física, a idade, o sexo, e as atividades desenvolvidas pelo sujeito em questão.

 

É necessário advertir que esta retomada da virtude da moderação, tão cara aos gregos antigos, bem como a ênfase no exame de si mesmo não são prerrogativas da medicina seiscentista francesa. O topos da moderação organiza o regime, já citado, do paduense Michele Savonarola. Cabe também mencionar o Trattato de la vita sobria do nobre veneziano Luigi Cornaro (1467-1566). Este elogio dos regimes alimentares, cuja primeira edição data de 1558, retoma os lugares comuns sobre os efeitos da temperança, renovando a tradição, ao multiplicar os conselhos e insistir, através de um relato em primeira pessoa, nos benefícios e prazeres que a sobriedade e a moderação podem proporcionar.

 

As idéias de Cornaro tiveram grande repercussão na Itália e fora dela, inclusive no meio jesuítico, uma vez que seu tratado foi vertido para o latim pelo teólogo jesuíta e professor da Universidade de Louvain Léonard Lessius (1554-1623), e publicado em conjunto a uma espécie de longo e minucioso comentário, no ano de 1613, com o título de Hygiasticon sev vera ratio valetudinis bonae et vitae unà cum sensuum, iudicii, et memoriae integritate ad extremam senectutem conservandae. Além de ser editado em várias línguas ao longo do século XVII, inclusive em francês em 1623, este duplo tratado de Lessius, a partir daquele de Cornaro, influenciou outros autores dentro da Companhia de Jesus, como é o caso de Antoine de Balinghem (1571-1630), jesuíta igualmente oriundo dos antigos Países-baixos, que produziu uma obra de grande interesse para a compreensão das relações entre a medicina e a filosofia em torno do modo de viver moderado: o Apresdinees et propos de table contre l’excez au boire, et au manger, pour vivre longuement, sainement, et sainctement. Dialogisez entre un prince & sept sçavants personnages : un theologien, cannoniste, ivrisconsulte, politique, médecin, philosophe moral, et historien, publicado em Saint-Omer, por Charles Boscart, em 1624.

 

Manter o corpo e sobretudo a alma em equilíbrio também era recomendado pelo então renomado médico italiano Girolamo Mercuriale (1597). O médico e professor em três das maiores escolas italianas da época, Pádua, Bologna e Pisa, afirma que não é contrário à razão nem à experiência admitir que as intensas perturbações da alma e os pensamentos tristes agem negativamente sobre o cérebro, o fígado e o estômago, estimulando a produção do humor melancólico responsável por uma tétrica disposição de todos os membros, em especial, do próprio cérebro de onde resulta a corrupção da imaginação e do raciocínio.

 

Também orientado pela perspectiva galênica dos contrários curam contrários, o médico romano Paolo Zacchia (1665) sugere a alegria moderada como antídoto da tristeza e seus incômodos no corpo e na alma. Tal prescrição vale também para a hipocondria, considerada um mal de difícil diagnóstico por encobrir várias enfermidades e produzir uma diversidade de manifestações de delicado tratamento. Tradicionalmente entendida como uma indisposição dos processos digestivos, a chamada melancolia hipocondríaca era associada ao temor e à tristeza, intolerância a alimentos, incômodos e dores estomacais, rigidez no abdômen, gazes, hemorróidas, dores no peito, nas costas e na cabeça, dificuldades em ouvir e enxergar, vertigem, sono e sonhos desesperantes. O remédio proposto, além dos métodos de harmonização dos sucos corporais como sangrias e purgas, era uma mudança no estilo de vida, procurando-se pela temperança.

 

Na própria França do final do século XVII, Devaux representa, entretanto, uma posição mais crítica quanto à prática do uso moderado dos afetos. Ele considera, em primeiro lugar, que os acidentes da alma podem dificultar a cura do corpo. A impaciência, por exemplo, pode levar à tomada de decisões equivocadas e imprudentes. O medo da morte pode provocar a desordem da alma, o que, evidentemente, prejudica a saúde corporal também.

 

Devaux identifica a tristeza como uma das enfermidades mais graves que pode acometer a alma. Em parte, porque nem sempre é possível curá-la com a destruição completa de sua causa, pois ela está freqüentemente fora de nosso alcance. Além disto, a persuasão do triste não se faz tão facilmente como se pode crer. Basta pensar no caso de alguém que foi à falência. Simplesmente afirmar que não deveria se apegar aos bens materiais, e, ao contrário, pensar somente no que é eterno não impede que ele ressinta a perda. Na realidade, o único remédio seria recobrar a soma perdida e tal solução não se encontra nas boticas. Devaux é ainda menos otimista quanto ao método mais utilizado para temperar as paixões: a administração do afeto contrário. No caso da tristeza seria a alegria, mas ele se mostra cético e afirma que tentar suscitar alegria em alguém entristecido pode ser inútil pois este se encontra insensível aos prazeres comuns, podendo, até mesmo, sentir-se ainda pior com atividades que fariam a alegria de alguém saudável.

 

Verdade e saúde

 

O governo das paixões da alma segundo o regime de La Framboisière não se restringe, contudo, ao consolo ou a incitar simplesmente uma paixão contrária. Trata-se de uma prática que exige um exercício cognitivo.

 

Ele afirma, por exemplo, que a tristeza provém da apreensão de um suposto mal presente. A tristeza contrai o coração, diminuindo o fluxo dos espíritos e portanto enfraquece a virtude vital. Mas será que há motivo para cultivar a tristeza?

 

Já o medo resulta da apreensão de um mal futuro. O medo também faz com que o calor, os espíritos e o sangue concentrem-se no interior do corpo, causando a palidez e o tremor. Este possível acontecimento negativo justifica, de fato, todas estas reações? Sentir medo é natural, mas até que ponto ele pode ajudar a superar tal situação?

 

La Framboisière pretende, na realidade, que seja necessário reportar-se aos objetos apreendidos de modo racional para que as paixões não se tornem em vício e prejudiquem o corpo com o excesso ou falta de sangue e espíritos nas diversas partes do mesmo.

 

Para moderar as paixões, La Framboisière propõe a consideração dos males advindos de seu excesso. Ou seja, refletir sobre as causas e as conseqüências das paixões. No caso da cólera o remédio é pensar no espetáculo de horror e violência que oferece alguém tomado por esta paixão.

 

Ele recorre também ao lugar comum de que o objeto suposto prazeroso ou ameaçador é, em geral, transitório e perecível, não merecendo, portanto, tamanho apreço. O que vale para o excesso de alegria, desejo, tristeza e medo.

 

Não se trata apenas de encontrar o justo meio. De modo geral, é preciso manter a alma em tal disposição que ela não incorra em falsas opiniões acerca dos objetos. Portanto, é necessário examiná-los com a razão, pesá-los na balança do entendimento. O que implica considerar se depende ou não de nossa vontade e potência, para decidir se é razoável e conveniente deixar-se mover pelo desejo de desfrutar ou evitar algo:

 

Quando sabemos que o objeto é verdadeiramente aquilo que imaginamos, e sabemos ter os meios para obter tal bem ou evitar o mal apreendido, deve-se se mover pelo afeto. No caso contrário, não se deve deixar levar pelas paixões por se tratar de algo falso ou impossível. (1600, p. 166, trad. nossa).

 

Enfim, o remédio proposto por La Framboisière é o exercício da busca da verdade no que concerne à apreensão de um objeto a ser perseguido ou evitado. Conhecer a verdade sobre o que se apreende pelos sentidos é o primeiro passo para o governo dos movimentos da alma. Conhecer o mundo externo e a si mesmo são requisitos para uma vida mais longa e mais saudável. É por esta razão que se pode afirmar que o regime de La Framboisière articula claramente a questão do conhecimento, dos afetos e da saúde em um todo integrado, como poucas vezes se verá na medicina moderna.

Referências bibliográficas

Fontes primárias

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Fontes secundárias

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Notas

(1) Agradeço à Fapesp pela bolsa de pesquisa na Europa e aos colegas da EHESS, CNRS, Université de Paris IV e École française de Rome pela hospitalidade. [volta]

(2) Para um panorama geral e exame das diferentes tradições de regimes de saúde na Antiguidade e na Idade Média, ver Sotres, 1995. Sobre o regime de Plutarco, em particular, ver Corvisier, 2001. [volta]

(3) Para uma exposição detalhada sobre os parâmetros da saúde praticados na Itália renascentista, ver Siraisi, 1997. [volta]

(4) Esta é a tese de M. Montanari (2003). A fome e a abundância: história da alimentação na Europa, que cita, inclusive, o regime alimentício publicado pelo médico romano Paolo Zacchia (1584-1659), nomeado médico do Estado da Igreja, por Inocêncio X, em 1644. No Il vitto quaresimale. Ove insegnasi come senza offender la sanità si possa viver nella Quaresma, Zacchia ensina, em língua vernácula, de forma que possa ser acompanhado por todos, a controlar os ímpetos da parte humana inferior para que o espírito superior, mais ágil e pronto, possa alcançar o fim a que fora destinado, sem com o jejum causar dano ao corpo. Com isto, ele propunha uma adaptação de saberes médicos e teológicos de maneira a conjugar os cuidados com a saúde do corpo com a busca da salvação da alma. [volta]

(5) Todos estes efeitos dever-se-iam à soberania da alma sobre o corpo, como previa a filosofia platônica: “Platon en un dialogue qu’il nomme Carmides, escrit avec verité, que les plus violentes & dãgereuses maladies que soufre le corps viennent de l’âme: car l’âme (dit-il) ayant un pouvoir souverain & commandant absolument au corps, le meut, altere & change en un momêt comme il luy plait. (Du Laurens, 1630, f. 201). [volta]

(6) Por espírito entende-se, neste caso, a versão para spiritus, tradução latina de pneuma. Na fisiologia galênica o pneuma é algo como um sopro; um elemento nem físico, nem transcendente. É o pneuma que mediaria a ação da alma sobre processos somáticos, interagindo com os diferentes tipos de humores: o pneuma psychicon, produzido no cérebro, rege as atividades mentais; o pneuma zotichon, gerado no coração, age em órgãos e funções vitais; e o pneuma physicon, produzido no fígado, participa da nutrição. [volta]

(7) Sobre a definição deste instinto de sobrevivência comum aos homens e animais: “car le verbe latin instigo, d’où le substantif instinctus est derivé, qui est ensuite passé dans nôtre langue, ne signifiant autre chose en François sinon, je pousse, j’excite, j’ebranle, je donne du mouvement, on n’aurait qu’à dire ce qu’on dit jusqu’ici la plupart des Philosophes, que l’Instinct des bêtes est une impulsion qui les porte vers les choses qui leur sont utiles, & qui les fait éloigner de celles qui leur sont nuisible" (Devaux, 1682, pp. 4-5). [volta]

(8) A idéia de médico de si mesmo comparece em várias obras do período, na própria França ou fora dela, mas não no mesmo grau que no livro de Devaux. Por sinal, as teses apresentadas por Devaux em 1682 provocaram diferentes reações. E. Aziza-Shuster (1972) afirma que outros regimes foram escritos para combater ou nuançar as afirmações do cirurgião. Em geral, vários autores admitiram a importância do exame de si mesmo para a preservação da saúde, mas não concordaram que os remédios e os próprios médicos fossem dispensáveis. La Framboisière compartilhava desta posição. [volta]

Nota sobre o autor

Paulo José Carvalho da Silva é psicólogo, mestre em História da Ciência pela PUC-SP e doutor em Psicologia pela USP, é professor pesquisador do Programa de estudos pós-graduados em História da Ciência da PUC-SP e pesquisador do Laboratório de Psicopatologia fundamental da mesma universidade. Contato: paulojcs@hotmail.com.

 

 

Data de recebimento: 31/01/2005
Data de aceite: 30/04/2006

 
Memorandum 10, abr/2006
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP
ISSN 1676-1669
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/silva03.htm

 

 

 

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