Sant’Ana, R.B.. (2007).A dimensão social na formação do sujeito na psicologia. Memorandum, 12, 125-142. Retirado em       /  /  , da World Wide Web http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a12/santana01.htm


A dimensão social na formação do sujeito na psicologia

Social dimension in the subject’s development on psychology

 Ruth Bernardes de Sant’Ana
Universidade Federal de São João del-Rei

Brasil

Resumo
O artigo reflete a respeito da formação do sujeito na psicologia, tendo como principal referência teórica o interacionismo social de George Herbert Mead (1863-1931) e de L. S. Vigotsky (1896-1934), mas com destaque do primeiro dos autores. A localização dos autores no interior do processo histórico de nascimento da psicologia científica é realçada por apresentarem teorias que acentuam a dimensão social  na formação humana ao localizarem, nas mediações lingüísticas, os nexos entre os processos de socialização e de individuação vividos pelos sujeitos, em que ocorre um processo intersubjetivo dialético de entrelaçamento entre a exteriorização e interiorização da realidade subjetiva. A teoria social de Mead (1967) é destacada nesta reflexão da subjetividade, visto a riqueza de sua noção de self para a psicologia.

 

Palavras-chave: formação; Mead; Vigotski; linguagem; socialização.

Abstract
This article is concerned with the subject’s development on psychology, having George Herbert Mead’s (1863-1931) and L. S. Vigotsky’s social interactionism as the main theoretical reference, but emphasizing the first author. The place for those authors in the historical process of psychology birth is stressed for their theories give special importance to social dimension in human development by identifying on linguistic mediation the links among the socialization and individuation processes experienced by the subjects, in which a dialectical intersubjective process of entwinement between the interiorizing and exteriorization of the subjective reality occurs. Mead’s (1967) social theory is emphasized in this thought over subjectivity, considering its richness to the notion of self for psychology.

 

Keywords: development; Mead; Vigotsky; language; socialization.

 

O artigo reflete a respeito da formação do sujeito na psicologia, tendo como principal referência teórica o interacionismo social de George Herbert Mead (1863-1931) e de L. S. Vigotsky (1896-1934), mas com o privilegiamento do primeiro autor citado. O texto é iniciado situando a perspectiva teórico-metodológica de Mead e Vigotski no interior do processo histórico de nascimento da psicologia científica, trazendo elementos para a reflexão acerca da dimensão social na formação do sujeito na psicología nos dois autores. Em seguida, destaca as contribuições do primeiro, com base na aceitação da concepção de Joas (1985) de que “uma compreensão cientifica adequada da teoria da intersubjetividade promete conseqüências de longo-alcance tanto para a lógica das ciências sociais quanto para  a reformulação contemporânea do materialismo histórico” (p.1), um esforço frutífero desenvolvido pela teoria social de Mead.

Neste texto, o reconhecimento da filiação dos autores acima citados ao interacionismo social se deve a Bronckart (2003), visto o autor afirmar que

a expressão interacionismo social designa uma posição epistemológica geral, na qual podem ser reconhecidas diversas correntes da filosofia e das ciências humanas. Mesmo com a especificidade dos questionamentos disciplinares particulares e com variantes de ênfase teórica ou de orientação metodológica, essas correntes têm em comum o fato de aderir à tese de que as propriedades específicas das condutas humanas são um resultado histórico de socialização, possibilitado especialmente pela emergência e pelo desenvolvimento dos instrumentos semióticos (2003, p.21).

 

Tal posicionamento não nega o fato do homem ser um organismo vivo e, como tal, possuir algumas de suas muitas propriedades comportamentais influenciadas pela configuração do potencial genético e pelas condições de sobrevivência da espécie. Na verdade, o interacionismo social defende, de acordo com Bronckart (2003), ser uma ilusão tentar interpretar o especificamente humano, ou, para utilizar uma terminologia de Vigotski (1998,2000, 2001), as funções psíquicas superiores (pensamento, linguagem, memória, a consciência de forma geral, etc.), buscando uma referência direta no substrato neurobiológico humano ou concebendo-as como o resultado de aprendizagens condicionadas. Partindo do pressuposto de que o que funda o especificamente humano é a interação reciproca entre os homens, mediada pelos conteúdos produzidos na cultura, o interacionismo social leva até as últimas conseqüências a materialidade e a historicidade do homem e da cultura (Bronckart 2003), idéias presentes em Vigotski (1998,2000, 2001) e Mead (1967).

 

O nascimento da psicologia científica e o interacionismo social de Mead e Vigotski
 

A história da psicologia tem conhecido momentos distintos, nas quais tendências específicas lutam no campo do conhecimento em busca de hegemonia discursiva e prática. Um período histórico significativo em que isso ocorreu se deu em torno do último quartel do século XIX e o primeiro do século XX , quando esteve em jogo um rico movimento de reflexão, voltado para a investigação do psiquismo em novas bases. Naquele momento, a possibilidade de constituição de uma disciplina científica implicava um esforço de interrogação das diferentes tendências na psicologia, quanto às possibilidades de ingresso na era da ciência. Destarte, em fins do século XIX, a psicologia se perguntava sobre o fazer cientifico, na sua busca de critérios de afirmação como ciência; ou seja, sobre as bases para se propor a funcionar como disciplina científica. Porém, não existia uma única resposta para a indagações sobre a composição desse campo cientifico.

O terreno epistemológico em que esse debate ocorrera, denominado era da positividade colocava em ameaça todo saber tido como metafísico, pois na época moderna os modelos de cientificidade, a referenciarem qualquer conhecimento a reivindicar o estatuto de cientificidade, provinham da matemática e da física (Japiassu, 1982).

Ao estabelecer como critério da cientificidade a predição, a descrição e o controle do comportamento, o positivismo deslocou o objeto das ciências humanas, o homem, para as ciências experimentais. Com isso ocorreu uma renúncia a qualquer concepção de homem que não se mostrasse capaz de tratá-lo experimentalmente, como fato ou como coisa.

Para Japiassu (1982) as ciências humanas estabeleceram um estatuto de cientificidade mais ou menos próprio que veio a marcar a cultura contemporânea e, por muito tempo, vigiaram para que o estatuto científico conquistado fosse respeitado. Mas, atualmente, poucos protegem uma cientificidade alicerçada no modelo das ciências exatas, pois profundas mudanças sociais e a virada lingüística, que veio a penetrar no campo do conhecimento, colocaram a noção positivista de verdade científica em suspeição.

Na psicologia, no transcorrer do século XX, no interior do mesmo processo em que se fortalece a hegemonia de tendências que incorporaram a exigência de positividade, a exigirem controles subjetivos do sujeito e do objeto do conhecimento, continua um movimento de compreensão do psiquismo que tem seus antecedentes na filosofia, e que ganha expressão mais contundente nas décadas que seguem o pós-guerra.

Aderindo a uma epistemologia positivista, a psicologia científica atingiu um estatuto reconhecido no campo de conhecimento. Muito embora a cientificidade dessa jovem ciência tenha sido conquistada, os fundamentos em que ela se alicerça não são estáveis, pois se afirmaram por conta da omissão e do desaparecimento de outras possibilidades de se fazer reconhecida no campo do saber acadêmico. Pois no processo mesmo de concretização do seu empreendimento científico, no momento mesmo de definição de seu estatuto de cientificidade, algumas questões foram exiladas apressadamente do terreno da ciência psicológica, embora deixassem marcas na história do conhecimento humano.

Esquivadas por um longo tempo, tais questões reaparecem no devir histórico para afirmar a função emancipatória da psicologia, recolocando a discussão da cientificidade em outro patamar. É o retorno de teorias que refletem a formação do sujeito em íntima relação com a vida social, concretizada nas experiências tecidas pela sua participação em empreendimentos culturais oferecidos pela sociedade e que são vividos na família, na escola e demais instituições sociais. Ao mesmo tempo em que o positivismo nas ciências humanas constrói um conhecimento que desantropologiza o homem, em nome do modelo das ciências naturais (Japiassu, 1982), uma outra matriz do pensamento o antropologiza, assumindo como desafio a busca da constituição da realidade humana por meio do deciframento das mediações lingüísticas para compreensão dos nexos entre os processos de socialização e de individuação vividos pelos sujeitos. Destarte, a adesão aos ideais de cientificidade das ciências experimentais conduziu a psicologia ao rompimento com uma matriz de pensamento que identifica no processo de constituição do sujeito a dimensão social, revelada na íntima relação entre linguagem, consciência e experiência.

Neste artigo, retomamos a perspectiva teórico-metodológica do interacionismo social, desenvolvida entre o último quartel do século XIX e as três primeiras décadas do século XX que, embora busque referências empíricas, vista como necessárias para a elaboração do conhecimento científico, faz da relação linguagem e experiência o objeto privilegiado de sua reflexão. É o retorno de uma psicologia social excluída da história da psicologia científica, que retorna ao campo de reflexão para falar da formação do sujeito, com base em um processo formativo de entrelaçamento da socialização e da individuação. Quanto aos motivos dessa exclusão Bronckart (2000) é enfático ao afirmar que

 

em numerosos casos [a exclusão], foi conseqüência da vontade dos psicólogos de abandonar as problemáticas de socialização e de educação para ingressarem na ciência verdadeira (leia-se: na psicologia como ciência natural). Foi o caso em Genebra, onde Piaget, em condições eminentemente conflituosas, pôs termo à tradição de Claparède, continuada por A. Rey. Foi o caso, nos Estados Unidos, do desaparecimento da corrente behaviorista social encarnada por Mead, em favor do behaviorismo fisicalista radical de Weiss, Watson e, depois, Skinner. Foi o caso um pouco diferente, na Rússia, do manto sobre o pensamento vygotskiano, em função de oportunismo político e científico (2000, p. 2)

 

Tal matriz de pensamento traz, em seu bojo, uma lógica dialética para suas reflexões sobre a relação do homem com a sociedade, contrapondo-se à visão essencialista de um sujeito que cria mundos e que age autonomamente por meio de uma consciência que precede a experiência, enclausurada numa razão solitária muito presente na filosofia moderna. Os autores rompem com essa concepção de razão ao introduzirem o agir como mecanismo integrado ao pensamento e à consciência. Desse modo, puderam avançar na superação da filosofia do objeto (da consciência) se aproximando de uma filosofia da linguagem, ao enfatizarem que a formação do sujeito se assenta na intersubjetividade, porque o processo de individuação, do qual ele emerge, percorre uma rede de interações sociais mediadas pela linguagem.

Referências ou pertenças do sujeito a determinados universos socioculturais orientam as suas ações no mundo, conformando padrões de interação intersubjetiva mediados por elementos da totalidade social. Essa é uma linha comum a essas perspectivas teóricas, que geraram um remanejamento de questões significativas relativas à subjetividade, promovendo o rompimento com o dualismo cartesiano ao radicar a razão em situações concretas.

A constituição de referências empíricas para uma nova psicologia do sujeito, é fundamental para Vigotski (1998,2000,2001) e Mead (1967) a colocar o comportamento humano, e os processos cognitivos intrínsecos a ele, no  contexto sociocultural. Os autores recusam o individualismo metodológico, pois partem da totalidade social na análise dos fenômenos elementares que são objetos de investigação; ao mesmo tempo divergem do objetivismo que não considera a experiência interior do indivíduo no amplo processo social, experiência essa objetivada pela linguagem. Embora a noção de totalidade, trazida pelos autores, guarde diferenças em relação à tradição filosófica que referencia suas teorias, é necessário salientar, conforme Bronckart, que

 

só é possível compreender essas correntes a partir de sua ancoragem na filosofia pós-hegeliana do século XIX, particularmente nos escritos de Marx e Engels de antes de 1850 e na Dialética da natureza (fim do século XIX). Referências explícitas em Wallon e Vigotski, implícitas, dadas as circunstâncias, em Mead, mas, entretanto, claras (2000, p. 2).

 

Com seus acentos próprios, cada um dos autores retoma questões não superadas no processo histórico em que se encontrava inserida a psicologia. Naquele período, apesar do enorme esforço de Wundt em estudar os processos mentais superiores, por meio de sua völkerpsychologie (psicologia dos povos), permanecia na obra do autor um cartesianismo não suplantado, na medida em que esta psicologia se desenvolvia em paralelo a uma experimental que fazia parte da Naturwissenschaften (ciências naturais) pois, embora o autor escrevesse sobre o individual e o coletivo, a discussão aparecia em projetos diferenciados, dada a dificuldade em estabelecer os liames entre essas duas dimensões (Farr, 1998).

Portanto, a obra de Wundt apresentava duas vertentes principais, abrangendo: a) as ciências naturais (naturwissenschaften); b) as ciências humanas e sociais (geisteswissenschaften). Na primeira, encontramos sua psicologia fisiológica, voltada para a descrição e a análise da experiência sensorial, ou seja, uma psicologia experimental; na segunda encontramos sua  psicologia dos povos (völkerpsychologie), voltada à análise social dos produtos da atividade humana, como mitos, costumes e pensamento humano, ou seja, uma psicologia social (Farr, 1998).

Wundt compreendia as dificuldades em estudar os processos mentais superiores por meio do método experimental, defendendo, para tais temáticas, uma outra forma de investigação, baseada em outros recursos metodológicos, como os estudos comparativos entre diferentes culturas, a análise histórica e a observação de campo. Desse modo, só uma parte da psicologia humana era concebida por Wundt como susceptível de estudo por método experimental, a outra parte deveria recorrer a teorias e métodos orientados para uma psicologia social. Isso faz com que o autor não supere o dualismo cartesiano na medida em que não consegue integrar, quer no plano  teórico, quer no plano empírico, a dimensão social e a fisiológica para a compreensão dos processos mentais superiores.

Essa psicologia social de Wundt foi recusada pela parcela mais expressiva da nova geração de psicólogos, posterior a ele, que não aceitou a sua idéia de a psicologia ser apenas em parte um ramo das ciências naturais. Por isso, segundo Farr (1998), essa geração procurou mostrar que seu mestre estava errado, buscando atingir os processos mentais mais profundos através do método experimental. Em oposição a esse movimento em curso no interior da psicologia, Mead e Vigotski, segundo Farr (1998), promoveram um desenvolvimento posterior da Völkerpsychologie de Wundt, na medida em que 

na verdade, o pensamento dos expressionistas alemães (isto é, Humboldt, Herder e Hegel) com respeito à psicologia social da linguagem, juntamente com o tratamento de Wundt sobre a linguagem (...), são responsáveis pela marcante similaridade no pensamento de Mead com o de Vygotsky. Embora fossem contemporâneos, nenhum deles, enquanto eu saiba, tinha conhecimento do trabalho do outro (Farr, 1998, p. 46-47).

 

Em consonância com tal perspectiva, Vigotski percebeu que o método adotado pela psicologia moderna levou a que as funções psicológicas particulares se tornaram objeto de análises isoladas, excluindo, desse modo, a organização destas funções de uma estrutura integral psicológica superior. Apesar da jovem psicologia reconhecer a consciência como uma totalidade, envolvendo funções inter-relacionadas em sua atividade, essas inter-relações e a totalidade a lhes oferecerem sentido não se tornaram objeto de pesquisa (Vigotski, 2001). Para o autor, na busca de uma base empírica para a elaboração do conhecimento e, no seu esforço de desenvolver configurações ordenadoras da investigação, a exigir a constituição de novas ordenações nos esquemas de pensamentos, a psicologia nascente adota um a priori equivocado e aceito tacitamente por todos, ao postular a unidade funcional da consciência, de modo que 

reconhecia a imutabilidade e a permanência das relações interfuncionais, e imaginava a percepção ligada sempre da mesma forma à atenção, assim como a memória estava vinculada à percepção e o pensamento à memória. Daí a conclusão natural de que as relações interfuncionais são uma coisa que pode ser colocada entre parênteses como multiplicidade genérica a ser desprezada nas operações investigatórias (Vigotski, 2001, p. 2). 

Como os pesquisadores concebiam que as relações entre as diferentes funções psicológicas eram imutáveis e permanentes em suas relações interfuncionais, repetindo sempre um mesmo padrão as relações entre elementos como: a percepção, a atenção, a memória e o pensamento. Desse modo, esses elementos poderiam ser colocados entre parênteses nas operações investigatórias, não havendo atenção suficiente a essas relações, o que levou ao deslocamento dos planos considerados significativos no estudo das relações entre pensamento e linguagem. A crítica de Vigotski às escolhas teórico-metodologicas da psicologia de sua época se articula com a proposta de um método que concebe as partes como condensando uma totalidade a permitir a captura do fenômeno estudado em uma perspectiva processual. Em outras palavras, o autor propõe um tipo de análise que concebe a totalidade complexa como estando condensada nas partes que a compõe, ou seja, o todo permanece presente em cada unidade decomposta, o que ele expressa ao enfatizar que “subtendemos por unidade um produto de análise que diferente dos elementos possui todas as propriedades que são inerentes ao todo e, concomitantemente, são partes vivas e indecomponíveis dessa unidade” (2001, p. 8).

Em oposição à psicologia associativa (de que o conhecimento procede de conexões associativas, sendo o conceito aprendido como algo acabado) e em oposição à psicologia estrutural (que procurava descobrir os elementos e os modos de suas composições, indo das partes para o todo), Vigotski defende que o todo precede as partes, pois a totalidade permite a síntese dos elementos, mesmo que contraditórios, de modo a criar a unidade na diversidade, o que Gerken (1999) aborda com clareza ao dizer que  

na medida em que se coloca como essencial o estabelecimento de uma relação de determinação entre a totalidade e as partes do fenômeno. O todo é que precisa ser explicado, é a sua gênese que precisa ser colocada no centro das atenções metodológicas. No entanto, a apreensão da totalidade não se dá imediatamente. É necessário construir uma unidade de análise que contenha dialeticamente a totalidade e as partes, que seja passível de uma abordagem empírica. O todo a perseguir será algo que articule a ação humana, o pensamento e a linguagem, que explique a constituição do sujeito a partir de sua inserção nas relações sociais e na cultura (Gerken, 1999, pp. 61-62).

 

Isso fica claro na discussão de Vigotski (2001) sobre a linguagem, ao defender que “a palavra nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ou classe de objetos. Por essa razão, cada palavra é uma generalização latente, toda palavra já generaliza e, em termos psicológicos, é antes de tudo uma generalização” (idem, p. 9). Generalizar as palavras para novos objetos constitui um ato do pensamento, porém o significado pertence à palavra, expressa em linguagem e pensamento, pois “sem o significado a palavra não é palavra, mas som vazio. Privada do significado, ela já não pertence ao reino da linguagem” (idem, p. 10).

Mead (1967) também parte de pressupostos semelhantes no desenvolvimento de sua análise do ato social. O autor compreende ato social como a atividade coordenada de um grupo de organismos para atingir um mesmo fim, estendendo-o para a experiência humana. O que diferencia sua abordagem das clássicas análises do comportamento, de base positivista, é sua recusa de que a compreensão do ato social pode ser feita a partir da soma dos atos isolados que o compõe. Portanto, segundo a perspectiva téorico-metodológica meadiana, devemos buscar o sentido do ato social, o conjunto de atos que compõe uma totalidade portadora de significações, e não do ato isolado em si. Na mesma lógica de raciocínio de Vigotski, entende Mead que a unidade do ato social deve ser buscada em um conjunto de significações sociais que mediam as ações dos indivíduos na interação face a face.

Nesta perspectiva, Mead (1967) concebe que a mais completa significação do ato social envolve compreendê-lo enquanto relação social que condensa elementos de uma totalidade social. Assim sendo, a compreensão dos sinais, gestos e falas dos sujeitos participantes no ato social não decorre da simples observação das ações dos indivíduos interatuantes, em díades ou grupo, mas de seu embricamento com um mundo mais amplo de relações sociais, a lhes oferecer significação para a realidade experienciada Mead nos faz ver que o ato social só pode ser analisado, na sua devida complexidade, quando considerado no fluxo de relações sociais do fluxo de comunicação do qual ele participa. Cada ato está ligado a um todo de relações sociais, do qual não pode ser dissociado sem perder sua significação, pois envolve muito mais do que está incluído na expressão verbal e gestual de quem o emite.Para o autor, o ato isolado não tem sentido para a análise, pois todo ato implica aqueles que o antecedem e todos os que o sucedem (Sant’Ana, 2002, 2004b).

Para Vigotski e Mead o núcleo que organiza todas as propriedades envolvidas no fenômeno da articulação pensamento e palavra, linguagem e experiência, é o processo de atribuição de significado, no aqui e agora da experiência social ou no processo posterior de elaboração do vivido, permitido pela capacidade reflexiva. Para os autores, somente é possível para a psicologia entender o pensamento, a consciência e ação dos sujeitos sociais a partir da análise das significações sociais que perpassam a experiência do sujeito no mundo, em dados momentos de sua história.

Tanto em Mead quanto em Vigotski, a relação do sujeito com o mundo social ocorre mediada pela linguagem, nascida e aperfeiçoada na e pela interação social. É no interior desse processo que o sujeito, e as suas relações com os objetos (pessoas, coisas e palavras) se constitui e é constituído. A linguagem cumpre o papel de mediadora do encontro do indivíduo com o mundo de relações sociais que o circunda e o envolve, de modo a referenciar a sua ação sobre os objetos, a produzir uma teia de significações orientadora de suas condutas. Joas (1985) enriquece essa discussão ao afirmar que 

a inovação na teoria de Mead sobre a constituição do objeto surgiu, pois, quando ele descobriu que a cooperação da mão e do olho cria ‘coisas’, objetos permanentes, somente quando a capacidade para tomar o lugar de outro, que se desenvolveu na interação social, é também utilizadas nas tarefas individuais com objetos não sociais (Joas, 1985, p. 153).

 

Desse modo, para Mead a relação com o objeto é sempre mediada por um terceiro - o outro, a linguagem - pois o processo de formação do sujeito não se resume à relação da consciência consigo mesma e à atividade subjetiva da inteligência. Isso significa que no processo de formação humana, a interação estabelecida com o objeto torna-se uma interação mediada socialmente. Essa posição também comparece em Vigotski, ao dizer que “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto, passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social” (Vigotski, 1998, p. 40).

No processo de socialização humana, pessoas significativas mediam a ação da criança sobre o mundo, através do uso de gestos e palavras, buscando oferecer ordem, direção e estabilidade para o comportamento infantil (Berger e Luckmann, 2002). As significações da experiência caminham de um predomínio da linguagem gestual para a verbalizada que, uma vez internalizada, permite que a criança possa se tornar sujeito e objeto de si mesma, condição necessária à capacidade reflexiva. Ao discutir a linguagem, a teoria de Vigotski se aproxima muito da de Mead, pois, para aquele, a fala 

além de facilitar a efetiva manipulação de objetos pela criança, controla, também o comportamento da própria criança. Assim, com a ajuda da fala, as crianças, diferentemente dos macacos, adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu próprio comportamento [...]; b) permite a descrição e análise da situação, que vai assumindo o caráter de planejamento, expressando possíveis caminhos para a solução de problemas (Vigotski, 1998, p. 36).

 

Em síntese, a linguagem, para ambos autores, é um meio de comunicação intersubjetiva e um mecanismo de controle do próprio comportamento em diferentes situações, permitindo ao indivíduo agir e ao mesmo tempo refletir sobre o que está fazendo. Os autores esposam a convicção de que as interações sociais, condensadas em linguagem, formam o meio para a concretização sociocultural do devir humano e que uma análise confiável da atividade humana não deve principiar pelos fenômenos da consciência, mas sim pelo agir mediado pelas expressões lingüísticas.  Portanto, a linguagem media a experiência intersubjetiva em um processo dinâmico que organiza e transforma as partes em interação. Isto é, ao compartilharem experiências articuladas pela linguagem, os indivíduos constroem sua compreensão do real ao mesmo tempo em que se localizam em um mundo sociocultural, criando um conjunto de significações sociais da realidade.

 

A psicologia social de Mead

 

Mead busca lançar os fundamentos de uma nova compreensão da razão, do ser humano e da sociedade. O foco principal de sua proposta consiste na substituição do paradigma da consciência pelo da linguagem, que tem como foco a intersubjetividade. A racionalidade não se atrela a uma razão solitária como imaginou Descartes e toda a filosofia moderna, mas à relação intersubjetiva da qual emerge, por conseguinte, a individuação no interior do processo de socialização (Sass, 2004; Habermas, 1990).

No paradigma da filosofia da consciência, especialmente em Fichte, segundo Habermas (1990) a individuação depende da auto-referência, de uma consciência que pode arbitrar sobre as coisas de si e do mundo, mas que se vê impedida de autonomia pelos processos heterônomos que a cercam.Mead se desvencilha do paradigma da consciência (ou do sujeito), que coloca a questão da auto-referência como possível só quando o indivíduo reconhece que a sua autonomia e sua independência dependem de um outro, que lhe impõe expectativas e exigências, delimitando, em maior ou menor grau, as suas possibilidades de liberdade; experiência de alteridade que, para Fichte, é cerceadora da autonomia. Este autor, conforme Habermas (1990) pensa o outro apenas como uma agência de controle diante do sujeito, de modo que o eu precisa ser negado para o que o outro, enquanto representante de uma ordem moral, possa se afirmar contra aquele

Em Mead, o sujeito cognoscente, no processo de conscientização de si mesmo, só atinge a percepção de si ao se tomar inevitavelmente como um objeto, o que requer a intersubjetividade (Habermas, 1990), porém, a experiência da alteridade não se resume à possibilidade de cerceamento da liberdade, pois só incorporando as pautas valorativas atualizadas por outros significativos se torna possível a crítica em relação ao instituído, a produzir na ação do sujeito uma tensão entre o instituído e o instituinte, na interação social. A interiorização desse outro, favorece uma capacidade contínua tanto para legitimar quanto para colocar em duvida as significações das experiências, mediatas ou imediatas, mediante a comparação, a análise crítica, a reconsideração, etc.

O sujeito não atinge a consciência de si mesmo (autoconsciência) a partir das atividades subjetivas do eu, a definirem as atividades que o singularizam com isenção de mediações objetivadoras, pois, como reflete Mead (1967), a subjetivização crescente do indivíduo depende da interiorização das instâncias externas ao eu, de maneira a oferecem ordem, direção e estabilidade para o comportamento (Berger e Luckmann,2002). Mead (1967) retoma a questão da individualidade a partir de seu conceito de self, ao refletir o indivíduo como sujeito e objeto ao mesmo tempo. Traz da filosofia da consciência,  um conceito de formação humana que requer a experiência intersubjetiva nascida dos processos de transação de um ego com um alter, mas colocando em relevo a importância da linguagem no processo dialógico em que um ego é interpelado por outrem, que o nomeia, dizendo, por múltiplas linguagens (gestuais e verbais), quem é ele e as suas possibilidades de ser no mundo. O outro oferece uma estrutura de plausibilidade para a experiência, a oferecer significações para as experiências vividas, postas como realidade objetiva, principalmente no processo de socialização primária, ocorrida na infância (Berger e Luckmann,2002).

A teorização meadiana supõe que ser sujeito de si mesmo exige uma autoconsciência que reflete suas experiências com autonomia e, para isso, precisa de referências outras que não o si mesmo. Precisa colocar-se em uma perspectiva objetivante, dada pela experiência da alteridade, o que significa um certo distanciamento de si, de modo a permitir se olhar como um objeto. Isso aparece na discussão feita por Mead (1967) sobre o surgimento de uma instância psíquica (aquela que permite ao si mesmo se olhar como um objeto), o self e sua dependência de um outro generalizado.

Para que essa organização cognitiva, o self, se desenvolva no indivíduo, ele precisa de uma experiência intersubjetiva denominada role-taking, ou seja, adentrar no papel do outro no esforço de apreender a realidade social em que ambos estão inseridos. Colocar-se no lugar de outrem, pela assunção de seus papéis, na infância, ou pela capacidade abstrata de descentração de si mesmo, é a dimensão mais significativa na formação da subjetividade. Esta nasce entrelaçada aos outros significativos, representantes da coletividade social pois é, por meio da assunção dos papéis dos outros significativos, que o indivíduo vai ganhando consciência de si mesmo, ampliando sua perspectiva quanto à rede de relacionamentos inter-subjetivos, ao mesmo tempo em que interioriza as atitudes que compartilha com outros. O outro generalizado é uma abstração dos elementos comuns das atitudes daqueles com os quais o indivíduo interage, que, uma vez incorporado pelo indivíduo, passa a exerce autocontrole dentro da estrutura de ordem normativa com a qual se identifica.

Desse modo, a consciência de si, denominada por Mead (1967) autoconsciência, supõe os processos de exteriorização e interiorização do mundo objetivo; em um primeiro momento, na interação face a face, e, posteriormente, por meio da competência abstrata de  adentrar em experiências distantes espacial e temporalmente da imediaticidade cotidiana, possibilitando a entrada em diferentes domínios da realidade.

A psicologia social de Mead concebe a mente como mais inclusiva do que o self, por ele escolhido para teorização, na medida em que aquela apresenta elementos não conscientes em sua composição, enquanto que o self, como objeto de análise, se refere aos aspectos cognitivos e conscientes (Sant’Ana, 2002, 2004b). A mente e a autoconsciência aparecem como a experiência mais peculiar da raça humana, de modo que, sem uma compreensão processual das interações sociais, é impossível entrar neste domínio humano, já que a mente não é alguma coisa que está dentro do cérebro.

A mente é mais inclusiva do que o self teorizado pelo autor, pois envolve a dimensão inconsciente da experiência humana, muito embora consciência e mente pertençam, ao mesmo tempo, ao domínio social e cognitivo. Com base em entendimento semelhante, Farr (1998) concebe que a obra de Mead
 

é uma resposta deliberada à distinção estabelecida por Wundt entre sua Völkerspsychologie e sua psicologia fisiológica. Mead demonstra como o indivíduo igualmente, é um fruto da interação recíproca de muitos. Ele resolve a antítese wundtiana inserido o self entre a mente e a sociedade (Farr, 1998, p. 62).

 

A linguagem aparece como um objeto importante na Völkerpsychologie de Wundt, a exercer uma influência considerável na lingüística na virada do século XIX para o século XX. Segundo Farr (1998) Blumenthal (1973) (1) é enfático na defesa de que  

Para entender a história da psicolingüística tanto quanto da psicologia em geral, deve-se tentar seriamente entender Wundt e sua época. Ele foi o único psicólogo vivo a exercer uma significativa influência sobre os lingüistas de seu tempo. Suas conferências sobre psicologia da linguagem eram as mais procuradas do mundo, e tiveram entre seus ouvintes Saussure, Paul Delbrück e Bloomfield. A maioria dos quais realizaram o estudo da linguagem nas décadas próximas à virada do século foram orientados por ele, ou tiveram que levá-lo em consideração em seu trabalho (citado por Farr, 1998, p. 65).

 

Farr (1998) considera correto que Blumenthal (1973) chame a atenção para que os lingüistas tratem corretamente o significado histórico de Wundt no desenvolvimento dessa disciplina. Nessa história se insere Mead (1967), que afirmou ter incorporado de Wundt, a idéia do gesto na comunicação enquanto parte do ato social que se torna, mais tarde, um símbolo significativo, porém buscando avançar na teorização o que o conduz de uma filosofia da consciência para uma filosofia pragmática da linguagem que rompe com o dualismo cartesiano. Segundo Mead, para Wundt, os gestos fazem parte de um complexo de atos em que as diferentes formas estão envolvidas, se tornando as principais ferramentas através das quais as formas (humana e animal) respondem. Embora concorde com esta posição, Mead se opõe a concepção wundtiana de que o self é anterior ao processo social, preexistindo às experiências sociais, estando circunscrito, portanto, ao corpo biológico. Mead (1967, p. 50) recusa esta idéia, defendendo que “o corpo não é um self, enquanto tal, ele se torna um self só quando se desenvolveu uma mente dentro do contexto da experiência social, o que supõe um processo de desenvolvimento engendrado de fora. Portanto, “para Wundt, a linguagem era um produto da mente; para Mead, a mente era um produto da linguagem” (Farr, 1998, p. 100). Desse modo, no interacionismo social de Mead, a sociedade aparece como fundamental na explicação do psiquismo humano, ao mesmo tempo em que são colocadas em relevo as possibilidades do processo social de libertação do próprio homem por meio da ação social.

 

As significações sociais

 

A psicologia social de Mead (1967) coloca em evidência o processo de desenvolvimento do self com base nas interações sociais das quais as pessoas participam. Desse modo, o reconhecimento do outro e de si pelo outro são fundamentais na formação do sujeito, pois há um núcleo intersubjetivo visto que o processo de individuação do qual o self emerge depende das redes de significações que atravessam as interações sociais tornadas significativas (Habermas, 1990).

Mead concebe a socialização como o processo, em que a experiência individual se aproxima da organização da pauta geral de conduta do grupo social de pertença. Desse modo, ação é a forma primeira de confrontação com a realidade, permitindo, ao mesmo tempo, a formação da consciência, do pensamento e da linguagem. Nesta perspectiva, agir é a condição primeira para a constituição de um mundo humano, pois é por meio da ação diferenciada que se constroem referenciais universais a orientar as condutas dos indivíduos, ou seja, nascem as significações comumente partilhadas.

Da teoria meadiana (1967), podemos retomar a idéia de que o universo lingüístico é imprescindível para a orientação das ações sociais dos seres humanos na sociedade. Desse modo, as formas de diferenciação humana, engendradas no contexto social, sempre remetem a uma configuração sociocultural própria a cada momento histórico, que se relacionam com as possibilidades dadas ao indivíduo em função de sua inserção em um determinado universo de discurso. Nessa linha de raciocínio, Mead (1967), argumenta que a posição de cada palavra depende do lugar que o objeto nomeado ocupa na organização da experiência dos diferentes grupos sociais que a utilizam, e que as suas significações devem ser buscadas em cada universo de discurso:

 

O gesto significativo, ou símbolo, sempre pressupõe em sua significação o processo social de experiência ou comportamento do qual surgiu; ou como dizem os lógicos, um universo de discurso está sempre presente com o contexto dentro do qual gestos ou símbolos significativos adquirem, de fato sua significação. Esse universo de discurso é formado por um grupo de indivíduos realizando e participando de um processo social comum de experiência e de comportamento, dentro do qual aqueles gestos ou símbolos têm a mesma significação, ou significação comum, para todos os membros daquele grupo (...). Um universo de discurso é simplesmente um sistema de significações comuns ou sociais (Mead, 1967, p. 89).

 

Portanto, a compreensão do conjunto de atos (sinais, gestos, falas) de um grupo se torna impossível “fora dos quadros da experiência prática e dos universos de discursos em que se circunscrevem os sujeitos” (Ziolkowski, 1997, p. 23). Isso significa que a constituição do sujeito exige o interagir com o outro, as coisas, e, dessa forma, com uma realidade determinada historicamente a lhe oferecer uma estrutura de plausibilidade para a experiência vivida (Berger e Luckmann, 2002). Compreender a formação do sujeito remete ao processo dialético de entrelaçamento entre a exteriorização e interiorização da realidade subjetiva e objetiva na formação humana, pois a subjetividade só pode existir na  relação com  instituições sociais a oferecerem significações sobre os objetos, pessoas, relações sociais que são a própria condição de existência da sociedade e dos sujeitos sociais.

Para o autor, as significações nascem de um entendimento compartilhado no interior de diferentes situações de interação entre os indivíduos, o mesmo ocorrendo com as regras de ordenamento da vida social. E, uma vez instituídas, tais significações e tais regras, estas entram na comunicação lingüística e passam a preceder a dinâmica interacional proporcionando representações antecipadas das situações.

Quando falamos em significações sociais estamos nos referindo ao processo de atribuição de sentido para as sinalizações corporais, gestuais e vocais, que comparecem no ato social. Para Mead as significações emergem de um processo de comunicação, por meio de uma conversação de gestos, que uma vez compartilhada e incorporada pelos sujeitos em interação, prenuncia uma resposta apropriada, ao invocar em situações idênticas ou similares, aquele ato social originário em que uma dada significação emergiu no processo grupal. Uma vez forjadas, as significações sociais se tornam uma parte inseparável da experiência individual e coletiva, pois “a análise da conversação de gestos significantes mostra que o ato social engendra o campo da significação” (Sass, 2004, p. 194). Posteriormente, com a emergência do signo, as significações extrapolam a comunicação corporal, face a face, envolvendo relações mediadas por significantes.

A teoria meadiana afirma, assim, a constituição e expressão do indivíduo na e pela interação social, permitindo a análise das relações sociais através da observação de várias situações de interação. Como a formação do indivíduo se constitui e se afirma na dinâmica interacional, a mediação da linguagem, dos gestos e da fala, condensada em símbolos, tem um papel imprescindível no interior do processo de constituição do sujeito. A mediação da linguagem falada não só amplia as possibilidades de enriquecimento das relações sociais, mas também a capacidade de controle entre os seres humanos e deles sobre a natureza. A linguagem complexifica a experiência humana ao edificar contextos normativos que “determinam a quantidade de todas as referências interpessoais tidas como legítimas num mundo da vida compartilhado intersubjetivamente. Ao iniciar uma relação interpessoal com um ouvinte, o falante, enquanto ator social, refere-se simultaneamente a uma rede de expectativas normativas” (Habermas, 1990, p. 224).

A base da teoria de Mead (1967) é a consideração de que interação é conversação gestual mediada ou não pelo verbo, de modo a permitir o despertar de colaboração entre indivíduos  a conformar um ato social. Na gênese do ato social, os indivíduos fazem uso da ação corporal ou vocal (gritos, choro, ruídos, bramidos), a ganhar paulatinamente significação através da constante interação, tornando-se gestos significativos em meio à complexidade do contexto em que o ato se inscreve (Sant’Ana, 2002). O gesto vocal (o grito, o choro, o bramido, o balbucio) se torna um símbolo significativo quando há concomitância  na emissão dos gestos por parte de um ego e a sua interpretação por outros, a sinalizarem uma ação social compartilhada. Nesse interjogo de sinalização e interpretação, os indivíduos organizam seus movimentos gestuais e vocais a engendrarem o ajustamento das condutas individuais em uma ação partilhada intersubjetivamente.  O ato social passa a ter o mesmo sentido tanto para o indivíduo que emite uma ação quanto para o indivíduo que o recebe e responde explicitamente a ele. Habermas (1990) enfatiza que o gesto vocal, quando ganha significação, torna-se um sinal de modo que “o estímulo transforma-se num portador de significados” (p. 211), visto que “para assumir a si mesmo diante da perspectiva de um outro participante da interação e tornar-se consciente de si mesmo enquanto objeto social, o ator precisa apropriar-se do significado objetivo de seus gestos sonoros, que são igualmente estimulantes para ambos os lados” (idem, p. 211).

Mead nos leva a considerar que a vida na sociedade humana exige que o indivíduo tome como referência, na organização de suas relações sociais, as atitudes de outros indivíduos no que diz respeito aos processos sociais e aos funcionamentos institucionais. A entrada do sujeito em um dado universo de discurso (2) só se torna possível, segundo Mead, quando os indivíduos tomam para si as atitudes de outros, pois, no processo de formação do sujeito, os outros significativos oferecem modos de pensar o real e de organizar a cognição e a afetividade.

Destarte, o pensamento, conforme Mead, envolve um sistema de significações partilhadas no interior de um universo de discurso, que nascem do campo da experiência direta do sujeito com os outros indivíduos significativos de seu universo sócio-cultural de referência, a linguagem trazendo o outro para dentro de si.

A conversação gestual, do ponto de vista filogenético, tem um estatuto pré-reflexivo na teoria meadiana, já que ela também é comum aos não humanos. Portanto, os seres vivos compartilham com os humanos a condição de resposta às sinalizações gestuais próprias à interação face a face. Porém, só o ser humano tem a condição antropológica para o desenvolvimento de um self, a envolver uma distinção entre um eu e um mim, de modo que o primeiro  é concebido por Mead (1967) como a fase do self que se exterioriza, em resposta  as atitudes dos outros, enquanto o segundo é a fase do self que interioriza aquelas atitudes. O self funciona no mundo pondo em relação sempre essas duas dimensões. Muito embora só em um plano ideal seja possível separar, a ação de cada um desses agentes, Mead (1967) enfatiza as peculiaridades e a posição ocupada por cada um deles na formação do self.

A capacidade de interiorização do social, própria ao mim, faz dele o depositário das normas sociais da comunidade, tratando-se, portanto, de uma condensação pelo self de convenções sociais, que fixam determinados limites à ação do indivíduo; a capacidade de exteriorização no social, própria ao eu faz dele o impulsionador das ações, a favor ou contra as pautas sociais já instituídas. Portanto, Mead trata a questão da formação do self em termos de uma relação dialética  entre o Mim (o conjunto organizado de atitudes de outros que alguém assume por si mesmo) e o Eu (a resposta do indivíduo à atitude de outros).O eu, assim, é um movimento da subjetividade que pode se opor ao mundo institucionalizado, ao mesmo tempo em que os anseios, impulsos e expressões do indivíduo têm de considerar as normas sociais, quer seja para orientar de uma forma socialmente reconhecida essas potências subjetivas, quer seja para subverter os códigos normativos da sociedade.

Mead (1934/1967) percebe na brincadeira e no jogo infantil mecanismos de adoção do papel do outro, em que a criança se coloca no lugar dos outros e pode permitir experimentar, a seu modo, o lugar ocupado pelas pessoas no mundo sociocultural. Com isso, ela ativamente vai entrando em relação com diferentes conteúdos simbólicos, a permitirem a significação e a ressignificação das experiências vividas. Na fase da brincadeira ela se desloca para um papel por vez, mesmo que ocupe vários papéis sucessivamente, enquanto na fase do jogo ela consegue perspectivar a assunção de vários papéis ao mesmo tempo, internamente, na decisão de como agir, de que papel assumir. Nesta fase se torna perceptível a relação de um mim, enquanto depositário de conteúdos culturais incorporados pela criança, capaz de dar direção e controle ao seu comportamento,  com um eu que deve agir buscando respostas adequadas à situação. A situação do jogo coloca em ação uma relação entre o incorporado do mundo sociocultural, por meio da mediação do outro, e as expectativas postas pelos diferentes outros para a criança, que deve buscar ajustar as sua perspectiva para a ação no aqui e agora.

 

Self e sociedade

 

A leitura que Honneth (2003) faz de Mead reflete que o movimento de reconhecimento pelos sujeitos sociais advém de forças engendradas por camadas incontroláveis de um dos componentes do self, o Eu, em sua busca do reconhecimento do direito de agir de modo mais livre e espontâneo, por outro generalizado. No processo histórico

 

 os sujeitos, sob a pressão de seu Eu, são compelidos a deslimitação contínua das normas incorporadas no outro generalizado, eles se encontram de certo modo sob a necessidade psíquica de engajar-se por uma ampliação da relação de reconhecimento jurídica: a práxis social que resulta da união de esforços por um tal enriquecimento da comunidade é que se pode chamar, na psicologia social de Mead, “luta por reconhecimento” (Honneth, 2003, p. 145).

 

Nesta perspectiva, podemos refletir que a autorealização implica em um movimento pelo reconhecimento social das capacidades e propriedades singulares do sujeito, a convencê-lo de seu valor para o meio social, por um outro significativo ou generalizado. Porém,  o reconhecimento da singularidade não se resume em assumir as expectativas morais do outro generalizado, pois, desse modo ele só pode ser reconhecido como um cidadão responsável por atos morais imputáveis, obrigação de todos os membros da sociedade. O sujeito quer mais que isso, visto que, conforme Honneth (2003) 

a espécie de confirmação de que depende um tal sujeito não pode, por isso, ser aquela que ele encontra como portador de direitos e deveres normativamente regulados; pois as propriedades que lhe são adjudicadas como pessoa de direito, ele as partilha justamente como todo os outros membros de sua coletividade. Em oposição a isso, porém, o “Me” da autorealização individual requer poder entender-se a si próprio como personalidade única e insubstituível; nesse sentido, essa nova instância refere-se a um órgão de autocertificação ética que contém as convicções axiológicas de uma coletividade, a cuja luz um sujeito pode certificar-se da importância social de suas realizações individuais (Honneth, 2003, p. 148).

 

Na criança em desenvolvimento, o reconhecimento de que ela vive na interação afetiva com o outro significativo tem de ser generalizada enquanto uma confirmação intersubjetiva mais ampla, de modo a fortalecer as significações da experiência geradas pela primeira instância de certificação ética, na medida a criança entra em novas redes de parceiros de interação (Honneth, 2003). A criança precisa de uma certificação ética, compartilhada, dos parceiros mais significativos de suas redes de interação, o que exige dela compreender os valores compartilhados pelas pessoas para, a partir daí, identificar possibilidades de expressão de sua singularidade e os canais de busca e manutenção de reconhecimento. Nos diz o autor que

 

para poder chegar a um “Me” que opere semelhante resseguro ético, todo sujeito têm de aprender a generalizar a tal ponto as convicções axiológicas de todos os seus parceiros em interação, que ele acaba obtendo uma representação abstrata das finalidades comuns de sua coletividade, pois só no horizonte desses valores partilhados em comum ele é capaz de conceber a si mesmo como uma pessoa que se distingue de todas as demais ao trazer uma contribuição, reconhecida como única, para o processo da vida social (2003, pp. 148-149).

 

Uma vez formada no sujeito a capacidade de se colocar no lugar do outro, base da reflexividade que caracteriza o self, se torna possível uma relativização em relação às significações que o outro lhe propõe compartilhar. Para se individualizar, no sentido de trazer uma contribuição singular para a vida social, o sujeito precisa conhecer pautas de condutas instituídas para que possa ultrapassá-las ao criar algo de novo, a distinguí-lo dos demais

A leitura de Honneth (2003) evidencia um atrito interno do eu com o mim, expresso em uma tensão que  representa “as linhas gerais do conflito que deve explicar o desenvolvimento moral tanto dos indivíduos como das sociedades” (p. 141), pois o sujeito procura ampliar as normas convencionais do mim com vistas à expressão criativa e impulsiva próprias à individuação, o que produz um conflito moral. Honneth (2003) concebe que, na teorização meadiana, as divergências morais entre o eu e o mim funcionam como alavancas históricas promotoras de ampliação de relações de reconhecimento articuladas ao processo progressivo de individuação, pois 

Uma vez que os sujeitos, mesmo após a efetuação de reformas sociais, só podem defender as exigências de seu “eu” antecipando uma coletividade que concede mais espaço para liberdade, origina-se uma cadeia histórica de ideais normativos que apontam na direção de um crescimento da autonomia pessoal (Honneth, 2003, p. 14).

 

Desse modo, nas provocações promovidas pela experiência social, o eu e o mim não têm apenas a possibilidade de atrito mas também, de uma permanente dialética em relação à alteridade, visível na brincadeira infantil, quando a criança diz: - antes eu era minha mãe, agora eu sou eu. Mais tarde, essa dialética ora nos permite distinguir o que é do outro e o que é nosso, ora não permite tal distinção. Ou seja, autoconsciência se apresenta como sendo um si mesmo que porta um outro, cuja alteridade se acentua ou se abranda em muitos momentos.

Do distanciamento crítico em relação aos outros significativos e ao outro generalizado, o eu pode ampliar o outro generalizado de sua comunidade, estendendo as possibilidades de autonomia para todos na mesma condição social. É assim que movimentos instituintes se colocam em oposição ao instituído, ampliando a democracia e a liberdade de expressão, no interior da ordem existente ou no embate por uma nova sociedade.

A significação das experiências de si, do outro e do mundo é mediada por formações sócio-culturais, que criaram regras, normas e valores, que se tornam objeto de negociações sociais, que, por sua vez, podem transformar essas formações (Bronckart, 2003). Essas formações permitem que o desdobramento concreto da atividade interativa seja modulado, oferecendo às pessoas uma interpretação dos contextos e das possibilidades de ação franqueadas por cada um deles. Por isso, na interação face a face, os referenciais sócio-culturais que mediam a ação dos sujeitos, aparecem em meio aos seus referenciais próprios, estabelecendo um nível de comunicação complexo, ou seja, as significações próprias do sujeito são forjadas por uma cultura em que se localiza o seu subuniverso cultural, em contato com a sua memória e sua história.

Bronckart (2003) reconhece que não há comunidades verbais homogêneas, pois cada uma delas é constituída por múltiplas formações sociais, que, “em função de seus objetivos e interesses particulares, elabora modalidades particulares de funcionamento da língua” (p.36-37). Nesta perspectiva a linguagem é estabelecida e subordinada aos diferentes planos da vida social, gerando formas variadas de atribuição de significação à realidade, visto que as “comunidades verbais são atravessadas por organizações diversas, complexas e hierarquizadas, no quadro das quais, permanentemente se desenvolvem relações de força e conflito entre grupos sociais com interesses divergentes” (idem, p. 36). Isso significa que os sujeitos são expostos a múltiplas referências socioculturais, mediatas e imediatas, porém se localizam em função de suas diferentes pertenças grupais e de sua incorporação própria de elementos que ele, ativamente, captura de uma teia de significações sociais a envolvê-lo.

Bronckart (2003) enfatiza a compreensão de que com o desenvolvimento da abstração, tornar-se-á possível o desenvolvimento das trocas e comparações entre concepções e práticas de origens culturais diversas. A aposta meadiana, é de que as experiências do sujeito permitam uma certa autonomização do funcionamento do pensamento, que o capacite a significar e ressignificar as palavras e as coisas, o que parece constituir a condição necessária para que a pessoa possa intervir verdadeiramente no processo de desenvolvimento dos seus grupos mais significativos de pertencimento; que o sujeito não se limite a uma simples reprodução das aquisições culturais de origem, mas que compartilhe ativa e criticamente o processo coletivo de realização de construções coletivas.

Mead nos faz compreender que, no plano da autonomia do sujeito, esta pode ser ampliada pelas ações no espaço público, no campo do exercício do direito - no sentido da mudança nas normas para garantir a liberdade de expressão e reconhecimento social de novas identidades sociais e políticas. O reconhecimento do sujeito à diferenciação pessoal e grupal, tanto quanto a sua liberdade de afirmação como membro de um grupo social qualquer, também depende de um reconhecimento intersubjetivo mais amplo, que transcende o seu grupo de pertença. Uma comunidade mais ampla deve reconhecer a liberdade do indivíduo e seu grupo assumir qualquer identidade, desde que a afirmação dessa identidade não exija a destruição de outras com os quais esse grupo se antagoniza. É isso que permite um self realizar-se na sua identidade pessoal, social e política.

Entendo que quando Mead fala no distanciamento relacional do indivíduo em relação aos outros significativos, com o nascimento da abstração, ele afirma a possibilidade de cooperação indireta entre os indivíduos, a não requerer a interação face a face. A partir de Mead, podemos refletir que a capacidade reflexiva implica no esforço da colocação das relações humanas como relações sociais autônomas, que guardam uma certa distância para com os indivíduos que delas participam. Se o pensamento não precisa mais da ação sobre o objeto para construir uma significação sobre as coisas e sobre as relações humanas, a esfera pública passa a ser importante não apenas para os setores organizados que dela participam mais ativamente, mas também para aqueles sujeitos localizados fora dela e por cuja capacidade reflexiva podem entender e tomar posição sobre os movimentos que ali ocorrem.

A experiência do jogo, em Mead (1967), apresenta-se como facilitadora para a formação de um sujeito mais ativo e mais autônomo, na medida em que ajuda o self a configurar uma organização processual que se movimenta com flexibilidade ao lidar com a pluralidade de experiências trazida pela vida social, pois permite ao sujeito adentrar em diferentes universos de discursos e ação e compreender as significações que neles transitam. Desse modo, as competências sociocognitivas obtidas na esfera do jogo podem ser base para o dinamismo em outras esferas da vida, pois pela interpretação, coletiva solitária ou das experiências sociais, os indivíduos pode encontrar canais para a criação social e política de significações e práticas não circunscritas aos discursos dominantes.

Na perspectiva meadiana a criatividade é a possibilidade de diálogo com o vivido para produzir o novo. A ação social do indivíduo se inscreve em uma rede de significações, que o leva a interpretar  e reinterpretar as suas experiências, retomando a sua ação e reintegrando-a a uma relação específica com a vida social, em suas várias formas de organização espacial e temporal.

Habermas (1990) acentua que, em Mead, a esfera pública aparece como sendo o locus político onde indivíduos e grupos podem desenvolver ações de afirmação de identidade, como subjetividades coletivas e individuais, na busca de reconhecimento universal, não havendo, portanto, uma oposição entre a busca de satisfação individual de reconhecimento e a negação dessa possibilidade pela sociedade. O desenvolvimento de selves reflexivos, permitiria a cada um assumir a perspectiva dos outros, em uma relação dialógica e não coercitiva, com vista à ampliação da democracia e da liberdade na sociedade mais ampla. Trata-se de uma teoria de socialização a conceber que “a individualização crescente mede-se não somente pela diferenciação de identidades singulares, mas também pelo crescimento da autonomia pessoal” (Habermas, 1990, p. 219), cuja possibilidade de realização precisa receber uma certificação ética (Habermas,1990; Honneth,2003) para que as divergências morais não sejam significadas como desvio da ordem vigente.

Mead (1967) teoriza a formação de sujeito na busca das bases psicossociais da autonomia e da criação humana. O seu modelo de comunicação reflete a ação social baseada em um reconhecimento recíproco isento de coerção, a favorecer relações simétricas entre todos envolvidos no processo dialógico, de modo a tornar-se possível por meio do entendimento recíproco (de duas ou mais pessoas, grupos, etc.) a solução de problemas comuns. Trata-se de um modelo de socialização e individuação em que o desenvolvimento da interação social franqueia o encontro livre e aberto à diversidade, na esfera pública, de significações de determinadas experiências sociais entre grupos sociais, rumo a uma comunidade dialógica universalizada, promotora de reconhecimento social de subjetividades coletivas que expressam sentimento de injustiça e privação social que afetam determinados segmentos sociais.

Não compartilho dessa visão na sua totalidade pois não penso que a interação social na esfera pública pode promover a  emancipação humana de todas as formas de relações sociais promotoras de hierarquias discriminatórias e opressivas. Considero que uma formação humana que forneça à pessoa a competência sociocognitiva de colocar-se no lugar dos outros e reconhecer a legitimidade de determinadas demandas e a ilegitimidade de outras, idealizada por Mead apresenta um potencial emancipatório que não necessariamente se realiza, pois é uma garantia insuficiente contra os processos sociais que colocam o sujeito em condições de ameaça (desemprego, perda de moradia e condições de sobrevivência, etc.). Assim, os múltiplos repertórios de esquemas de ação de sujeitos ativos e reflexivos podem conduzir a resolução criativa de conflitos, mas podem ser insuficientes em um momento histórico em que a utopia se esvazia de sentido e em que o anonimato lhes aparece como a relação social dominante.

Embora Mead valorize a ação social em todo processo de individuação, deixa escapar as condições históricas de possibilidade de realização desse ideal num plano universal. Nem todo momento histórico oferece condições sociais favoráveis para reformas significativas no campo dos direitos sociais e políticos, a possibilitarem a resolução critica das privações historicamente constituídas, o que se liga, em alguma medida, à dificuldade de oferta de certificação ética pela sociedade para indivíduos e grupos que,  no interior ou fora da arena pública, clamam pela valorização social de suas vidas, pela salvaguarda de suas identidades. Caso isso não fique claro, podemos cair numa concepção que afirma a preeminência da vontade, quer no plano psicológico, quer no plano coletivo, ou seja ceder à uma ética extremamente voluntarista da relação indivíduo-sociedade, a responsabilizar as pessoas quanto às relações de desigualdade e opressão existentes na sociedade.

Isso não significa que esse ideal não possa ter um potencial emancipatório, a referenciar grupos sociais nas suas lutas contra discursos e práticas que justificam a manutenção de relações sociais de desigualdade, de opressão e de manutenção de hierarquias sociais, promotoras de subjugação de um grupo a outro, em qualquer domínio da vida social. Buscar a construção de uma socialização voltada para ideais democráticos e éticos deve ser compromisso de todos que ambicionam um mundo social pautado por relações sociais mais democráticas e igualitárias. Assim, almejar que as experiências formativas em pauta na sociedade favoreçam a expressão social da luta pela atribuição de novas significações à realidade social e, que, possam atingir as pessoas em períodos significativos da constituição de suas significações mais importantes da experiência social, no entrelaçamento e individuação e socialização, refletidos por Mead (1967) e Vigotski (1998,2000, 2001), é algo que devemos ambicionar o tempo todo, no esforço cotidiano de uma praxis social transformadora.

 

 

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Notas

(1) Blumenthal, A.L. (1973). Introdution. In: Wundt, W., The Language of gestures. The Hague: Mouton.

(2) O autor define universo de discurso como  “sistema de símbolos universalmente significantes determinado pela  participação e interação comunicativa entre indivíduos” (1967, p. 157-158).

 

Nota sobre a autora

Professor Doutor do Departamento das Psicologias da Universidade Federal de São João del-Rei e membro do LAPIP (Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial) do DPSIC/UFSJ. Graduação em Psicologia e Ciências Sociais; mestrado em Sociologia na USP (Universidade de São Paulo), na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas); doutorado em Psicologia Social na PUC (Pontifica Universidade Católica) de São Paulo. Leciona Psicologia social e desenvolve um programa de pesquisa denominado Interação social e formação da subjetividade na educação escolar e no brincar. Endereço eletrônico: ruthbs@ufsj.edu.br.

 

Data de recebimento: 31/07/2006
Data de aceite: 30/10/2007

Memorandum 12, abril/2007
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP

ISSN 1676-1669
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a12/santana01.htm

 

 

 

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