Diversos campos de conhecimento (1)
– a Antropologia, o Direito, a Educação, a História, a Psicologia, a
Sociologia - em seus estudos relativos à vida da população negra no
Brasil, denunciam, em linhas gerais, seu restrito acesso aos direitos de
cidadania ao longo da história, assim como ressaltam a necessidade de
políticas públicas que promovam melhoria de sua qualidade de vida. Além
disso, esclarecem que aquele grupo social, em contextos diversos, vem
sendo alvo sistemático de discriminação racial camuflada (Chnaiderman,
1996; Fernandes, 1972; Francisco, 1997; Hasenbalg, 1979; Moreira, 1997;
Munanga, 1996 a, b; Pereira, 1996; Pinto, 1993; Ribeiro, 1996; Santos,
1997; Schwarcz & Queiroz, 1996; Souza, 1981).
Entre as iniciativas necessárias
para mudança desse quadro, recomendam a produção de trabalhos que
contribuam para a elaboração de uma mentalidade na qual a pessoa negra
seja admitida como legítimo outro na relação e não como mera vítima
social.
Entre os estudos que correspondem
às solicitações acima, pode-se citar produções, no campo da
historiografia (Xavier, 1996), que, retratando a vida social nas Minas
setecentistas, mostram pessoas negras como construtoras de estratégias
que garantissem sua inserção social. Assim, através de filiação a um
tipo específico de associação - as Irmandades Religiosas Leigas de
"Negros" (2) (por exemplo, a do
Rosário dos Pretos, a de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora das Mercês) -
a população negra local foi construindo uma via legal por onde
encaminhar seus interesses peculiares, "legitimar seus sentimentos,
valores, visão de mundo" (Aguiar, 1993, p.308) e lidar com a
morte (Ariès, 1977, 1990) de maneira criativa (Aguiar, 1993, 1999, 2001;
Furtado, 2001). Além disto, nas diversas atividades que conduziam,
cotidianamente, encontraram, nessa instituição, condições para a
promoção de práticas sociais que deram vazão às suas tradições
(Aguiar, 1993, 1999, 2001; Boschi, 1986; Menezes, 1975; Santos &
Mahfoud, 1999b e Scarano, 1976; Silva & Amaral, 1996).
Segundo a antropóloga Valente
(1994), apesar dessas associações católicas aceitarem e até
incentivarem a filiação dos negros, com o intuito de cristianização e
amortecimento dos instintos através da religião, elas serviram para o
resguardo de valores culturais, em especial, de suas crenças religiosas.
Em outros termos, as irmandades foram utilizadas como verdadeiros
"canais" que propiciaram a preservação de cultura.
Considerando as recomendações
dos estudos inicialmente referidos, e o histórico sobre a experiência de
vida dos negros nas irmandades de "negros" nas Minas Gerais, nos
propusemos a trabalhar com sujeitos vinculados a essas associações
religiosas, trilhando o seguinte raciocínio: se, historicamente, essas
irmandades leigas representaram um campo de ação em que os negros
puderam se afirmar como humanos na legalidade (Scarano, 1976), isto é, se
no período colonial, numa sociedade barroca (Averini, 1989; Ávila, 1971,
1984; Campos, 1998; Maravall, 1997; Sevcenko, 1998) e tradicional (Berger
& Luckmann, 2000; Berger et al., 1979), os negros e descendentes se
posicionaram como sujeitos diretos de seus interesses (negociando,
avaliando e encaminhando prioridades em benefício do seu grupo e para si
próprios), será que na atualidade pode-se encontrar, nesse mesmo
contexto, em irmandades de "negros", pessoas que assim se
posicionam perante a realidade?
Propusemo-nos então a
investigar, na atualidade, o significado que velhos descendentes de
negros, filiados de longa data a irmandades de "negros",
atribuem a elas, verificando seu papel na elaboração de suas
identidades.
Em termos específicos, atentamos
para o processo de elaboração da experiência de vida de cada um desses
"irmãos". Processo que pressupõe um trabalho - o
"trabalho da memória" (Bosi, 1998; Halbwachs 1990; Schmidt
& Mahfoud, 1997). Para tal, investigamos como a irmandade em questão
apresenta-se no universo das relações sociais de cada um dos sujeitos da
pesquisa; como a relação de pertença ressoa nas várias áreas da vida
de cada um e que tipo de possibilidade de elaboração de identidade
(Berger et al., 1979; Berger & Luckmann, 2000; Ciampa, 1987; Erikson,
1976, Fornari, 1996, 1999a, 1999c, 1999d, 2000, s.d.; Goffman, 1996; Hall,
1997; Ricoeur, 1991; 1996) a irmandade possibilita.
- METODOLOGIA
- A trilha percorrida...
Considerando a terminologia
utilizada por Amatuzzi (1996), o trabalho tomou características de
pesquisa fenomenológica de tendência dialética.
Desde o início estava definido o
tipo de pessoas a serem tomadas como sujeitos da pesquisa: pessoas negras,
acima de setenta anos, antigas filiadas à irmandade de
"negros", de cidades mineiras caracterizadas pela exploração
do ouro no período setecentista. As linhas gerais deram definição ao
caminho a seguir, porém, não limitaram, precisamente, os passos a serem
dados. Quer dizer, os passos foram consolidados no decorrer da pesquisa,
segundo indicativos da teoria, somados aos apresentados pelo momento de
efetivação da pesquisa.
No que se refere à coleta das
histórias de vida dos sujeitos pesquisados, foi utilizado do método de
história de vida, que se apresenta, simultaneamente, como fonte de
pesquisa e, ainda, como técnica de produção e tratamento dos
depoimentos gravados (Alberti, 1990; Augras, 1997; Cipriani, 1988;
Demartini, 1988; Queiroz, 1991; Vilanova, 1994; von Simson, 1996).
Finalmente, para subsidiar a
sistematização e leitura compreensiva (3) dos
dados obtidos, recorremos aos fundamentos propostos pela fenomenologia
(Bello, 1998; Corona, 1990; Fornari, 1999b; Fruchon, 1998; Husserl, 1901/1996;
Ricoeur, 1976, 1978, 1990, s.d.; Wagner, 1979; van der Leeuw, 1933/1970).
Quanto às entrevistas, foi
apresentada uma pergunta que, simultaneamente, permitiu aos entrevistados
narrarem o percurso de suas vidas, e, espontaneamente, indicarem como a
irmandade participou de suas vidas, sem que se tivesse feito menção
especificamente a ela. A pergunta solicitava os sujeitos a descreverem
suas experiências ao longo de toda a vida, como moradores de sua cidade.
Os critérios para a seleção
dos sujeitos participantes da pesquisa foram de caráter intencional, no
sentido de buscar sujeitos específicos, que qualitativamente
correspondessem aos objetivos (Macioti, 1988): descendente de negros
(homens e mulheres); velho (em torno de 70 anos); antigo filiado de
irmandades que nas Minas setecentistas aceitavam negros ou seus
descendentes; residente em um dos três centros urbanos expressivos da
cultura barroca (Ouro Preto, São João del Rei e Serro) (Ávila, 1978;
Ávila, s.d.; Campos, 2000). Sujeitos, então, oriundos de uma sociedade
onde a força da tradição e as características próprias da atualidade,
correlacionadas, incidem sobre os seus moradores.
O contato com os então futuros
entrevistados, em cada uma dessas cidades, foi estabelecido em companhia
de alguém que nela residia e que havia indicado pessoas compatíveis com
os objetivos mencionados, intermediado o primeiro contato com cada um dos
"irmãos" apontados.
Avaliadas as pessoas que
correspondiam aos requisitos, foram agendadas e realizadas as entrevistas.
Para efetivação das entrevistas contamos com os dados obtidos em uma
entrevista-piloto realizada, previamente, com um morador do distrito de
Morro Vermelho (Caeté, Minas Gerais) que reunia características
similares aos moradores das cidades selecionadas (Santos & Mahfoud,
1999a).
a. O acesso aos sujeitos da pesquisa
Foi mantido, nas três cidades
selecionadas, o mesmo padrão de conduta em relação aos entrevistados. A
seguir, explicitamos detalhadamente, como um exemplo, o percurso
estabelecido para acesso aos sujeitos da pesquisa assim como realizado em
Ouro Preto.
A via de acesso aos sujeitos da
pesquisa em Ouro Preto deu-se através do Padre José das Mercês (então
responsável pela Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, Matriz da
Freguesia de Antônio Dias, em Ouro Preto), a mim apresentado por um amigo
em comum. Explicado, em linhas gerais, o objetivo do projeto, foi pedido
que ele fizesse indicação e apresentação de pessoas a serem
entrevistadas, esclarecendo, ainda, que ele não deveria explicitar o tema
focal (relação deles com a irmandade) por pretender que esse dado se
apresentasse espontaneamente da parte deles, como acima referido. Alguns
nomes foram apontados e Pe. José acompanhou-nos em três casas.
A primeira, no início da ladeira
de Santa Ifigênia – era de Dona Tonda. A maneira pela qual ela se
prontificou a conversar evidenciou confiança entre eles. Após recolher
dados como número do telefone e conveniência de horário para receber a
chamada, despedimo-nos e fomos às casas de mais dois moradores: seu José
Emiliano e Dona Cinoca (Maria Cecília). Adotado o mesmo procedimento,
responderam, solícitos, como fosse uma "obrigação" atender ao
pedido do Pe. José, tratado como uma pessoa íntima e por quem se tem
muita amizade.
b. As entrevistas
Foram realizadas pelo menos duas
entrevistas com cada um dos entrevistados: Seu José Emiliano de
Souza Filho (nascido em 1911), Dona Maria Cecília Jeremias - Dona Cinoca
– (nascida em 1913), e Dona Conceição Jeremias - Dona Tonda (nascida
em 1915), todos eles residentes em Ouro Preto; Dona Mercês (nascida em
1913) e Seu Geraldo Ivon da Silva - Seu Patusca – (nascido em 1916),
residentes em São João del Rei e Seu Joaquim (nascido em 1916),
residente no Serro.
Na primeira entrevista foi
apresentada a pergunta desencadeadora do relato de história de vida. A
segunda caracterizou-se, sobretudo, como depoimento, portanto, mais
diretiva, buscando maiores esclarecimentos.
Durante as entrevistas, em
momentos de pausas mais prolongadas, o entrevistador fazia algum tipo de
interferência como: recuperava o que já havia sido dito para a pessoa se
lembrar do que falava; problematizava o já dito para que continuasse seu
raciocínio aprofundando o assunto ou oferecendo maiores detalhes; ou
introduzia alguma questão ainda não explanada, mas que dizia respeito ao
tema já abordado dentro do relato.
c. A sistematização e tratamento
dos dados
Para maior fluidez da leitura,
foi usada a estratégia de textualização - transcrição das fitas
gravadas para a linguagem escrita - assim como proposta por Gattaz (1996):
supressão de algumas expressões do entrevistador utilizadas durante a
entrevista que pretendiam evidenciar, aos entrevistados, que havia
entendido ou estava acompanhando o que diziam, ou, ainda, porque essas
buscavam saber mais sobre o que relatavam ("sei...", "ham
ham!", "como é isso mesmo?").
Dessa forma, o texto que serviu
de base para a categorização dos relatos transformou-se em uma crônica,
considerando a seqüência de apresentação da narrativa do entrevistado.
A análise dos dados seguiu os
seguintes passos:
I) Foram identificadas, após
repetidas leituras das entrevistas, cinco categorias que possibilitariam
verificar correlações entre os dados obtidos e os objetivos da pesquisa:
- o modo pelo qual o tema
irmandade emergiu, espontaneamente (em cada um dos relatos);
- as relações de pertença
indicadas pelos entrevistados (instituições e grupos com as quais cada
um dos sujeitos manteve relacionamento no decorrer da vida, dependeu,
fez-se constituído a partir delas);
- as atividades realizadas no
interior da irmandade;
- a relação entre a inserção
social dos sujeitos da pesquisa e a irmandade;
- a filiação enquanto um
cuidado, em vida, com a morte.
II) Trabalhando com cada um dos
relatos separadamente foram agrupados trechos segundo estas categorias.
III) Foi examinado cada trecho,
considerando:
- a categoria na qual o trecho
tinha sido incluído;
- o relato como um todo. Isto é,
todas as informações obtidas no processo de convívio com cada um dos
entrevistados: as conversas informais, a dinâmica social apreendida da
cidade, os dados históricos correspondentes à cidade e ao funcionamento
das irmandades, em cada um dos centros urbanos em questão;
- o conjunto do material
selecionado por categoria.
IV) O relatos dos diferentes
sujeitos foram comparados, por categoria, buscando apreender uma
tipologia.
V) A tipologia constituída foi
tomada como base para a discussão da questão central da pesquisa, ou
seja, o significado da irmandade para esses sujeitos.
- RESULTADOS
- A irmandade para eles
O processo de sistematização
dos dados permitiu afirmar que a irmandade, para os filiados, apresenta-se
como um campo de realidade em que eles, responsabilizando-se por
múltiplas ações no interior dela, consolidam uma maneira peculiar de se
fazerem conhecidos, por meio de um comprometimento ativo com aquele
universo de relações sociais. Através do convívio com a irmandade, ao
contribuir para o funcionamento dela, os sujeitos acabam por evidenciar
potencialidades pessoais, que ganham consistência justamente naquela
convivência; tais como:
a) potencialidades artísticas
ou criativas. O filiado, com o interesse de contribuir na realização
da festa da padroeira, por exemplo, se dispõe a compor versos de
improviso, cantar, dançar, ensinar às crianças tudo o que sabe sobre a
festa para manter a realização da celebração, como mostra o seguinte
trecho:
Aqui dentro do Serro, o que
sabe mais verso era eu... (...) Depor a lua é por verso. Aí eu
virava e eu punha muito verso. Quando o mestre me chamava, prestava
atenção. Agora é hora de depor a lua. Eu chegava e falava assim:
- "Oh, caboclo! Meu pai chamava João Caco. Minha mãe Caca
Maria. Juntando os cacos todos, eu sou filho da Cacaria. (...) E aí
eles vinha: - "oh me ensina um verso
aqui." Eu ensinava eles assim.
b) Empreendimento:
Trabalhava como sacristão,
conservava o relógio, ‘tava lá parado! Dei um jeito, botei ele
pra andar. (...) Ele ‘tava... corda arrebentada, não andava não!
(...) Eu depois que entrei, o relógio não ficava mais parado (...)
ele trabalhava direitinho, não atrasava. Bom, mesmo que atrasasse
no outro dia eu tirava aquele atrasinho pequeno.
e negociação com pessoas
de outros níveis sociais, culturais, econômicos, para a realização de
obras em benefício da irmandade: como consertos de telhado da igreja,
ampliação do cemitério, realização de festas, eventos etc. e que pode
ser constatado no seguinte trecho:
Aí veio o prefeito Caram,
que era um médico. (...) Por intermédio dele nós fizemos alguma
coisa. E teve também o Jenival Ramalho foi prefeito daqui, ele
ajudou muito na Igreja. Falou que ia fazer uma limpeza na igreja.
Então eu disse pra ele: - "ah não,
eu não quero limpeza não, porque o telhado desta igreja tá ruim,
as tábuas." A gente ‘tava sujeito a descer um pedaço do
telhado em cima do forro. Um forro... pintura antiga igual dessa
Igreja! (...) "Eu acho que vai ficar pior." Aí ele: -
"Então eu faço isso. ‘Cê pode ver o mestre, vê o pessoal
do patrimônio aí... conversa com eles e eles fazem o orçamento da
madeira necessária."
c) de cooperação solidária.
Por exemplo, responsabilizar-se pelo cuidado com as toalhas para a
celebração da festa do Senhor dos Passos etc.
A gente sempre tomou conta.
‘Tá vendo aquelas toalhas [Toalhas de linho, bordadas com ponto
de crivo de vários tipos]. (...) Isto vem desde os tempos de meu
pai.
e desenvolver potencialidades
pessoais como:
c.1) ampliação dos próprios
conhecimentos. Como evidenciou um filiado, responsável por tocar
violino nas celebrações religiosas da padroeira, por cerca de setenta
anos.
O Seu Patusca. (...)
músico da orquestra Lira Sanjoanense, já exibiu o seu violino em
várias cidades mineiras atuando em festividades religiosas. Depois
de se revelar ótimo afinador de piano conquistou com mérito a
cadeira de professor de violino do conservatório Municipal de
Música de São João Del Rei.
Ou outro que, para atuar como
guia turístico, dando informações sobre aspectos históricos relativos
à igreja da irmandade filiada, investiu na aprendizagem sobre o assunto,
orientado por um especialista da cidade de Ouro Preto.
Eu acompanhava quem ia
visitar a igreja e explicava direitinho. O Jair Inácio vinha pr’aqui,
eu ficava vendo ele trabalhar e ele ensinou muita coisa.
O caráter de amizade entre os
"irmãos" apresenta-se como mais um dos componentes que envolvem
a vida de uma pessoa no interior da irmandade. No sentido de encaminhar
realizações / urgências, os "irmãos" geralmente o fazem a
partir de articulações, acordos, conversas com o tom do improviso,
porém, com atenção estratégica. Como exemplifica o trecho abaixo:
Mas nesses anos trabalhando
aí eu fiz muita amizade. Tinha um, ele era amigo do juiz. Ele ficou
muito meu amigo também, o Antônio Cristino, (...) chefe da
fábrica de tecido. ‘Tá vivo graças a Deus, Deus que o ajude,
dê a ele muitos anos de vida e saúde. E, ele forneceu a ferragem
pra gente embelezar o cemitério. Antes era de terra e agora, com
essa reforma que nós fizemos, agora é de cimento, já com a
sepultura marcada. (...) Então, a situação do cemitério ‘tava
ruim, eu então, comecei a mexer, vi o que era certo, o que era bom.
E pedi e aí ele me deu. (...) Foi ele também que me deu essa mola
pra consertar o relógio. Eu arrumei na oficina dele de serralheria,
pra arrumar o relógio. Eu perguntei: -
"quanto é?" Ele: - "ah,
nada." Não cobrava nada. Ele era... era não, ele é legal,
sempre foi! Ele é muito prestativo, muito bom!
Participando da irmandade no
decurso da vida, eles evidenciam muito prazer na convivência com a mesma.
Gostam de ir à irmandade, de assistir às missas, confessar, comungar,
participar das festas do padroeiro da irmandade, ou outras celebrações
mais festivas como a missa cantada etc. Tanto quando estão no meio do
povo, como indicado a seguir:
As festas que tem na
Igreja, a gente ia porque achava bonito demais! Porque a novena de
Nossa Senhora da Conceição é linda demais! Aqueles canto, muito
bonito! (...) E a gente vai e a gente aproveita e fica entusiasmado!
Emocionado com aquilo tudo. É uma beleza!
quanto ao tomar a frente nos
eventos, como mostra esse outro trecho: "Lá na Irmandade hoje eu
participo (...) agora eu que bato sino e coisa."
De qualquer forma, eles se deixam
inebriar pelos eventos, pelo aspecto estético e, simultaneamente,
sagrado, como evidenciado no trecho abaixo:
Tem o dia da festa de Nossa
Senhora das Mercês, começa com a novena, tem a pregação, todo
mundo muito satisfeito e tudo o mais. Depois vai e sai na procissão
com Nossa Senhora. Nossa Senhora muito bonita, ih, uma coisa fora do
comum! E uma missa cantada muito bem cantada pelos meninos, os
coroinhas. E eles cantam umas coisas muito bonita!
A esse universo religioso vão e
ali permanecem na companhia, também, dos familiares: "A gente ia,
levava os meninos". Nesse convívio, eles apreendem um
conjunto de princípios que lhes servem de referencial de conduta para si
e para educar os seus. Como exemplificado a seguir:
Criei os meus filhos na
religião, na Igreja. (...) Ensinei a rezar, levava à Igreja. (...)
Preparava eles pra primeira comunhão, pra tudo. Não deixava eles
perder missa. (...) Eu fazia questão que eles fossem ao catecismo,
missa no domingo, ia todo mundo, não deixava passar sem ir não!
Assim agem, buscando garantir
relação aprofundada e de respeito no seio da família. Entretanto,
uma vez que a história dessas pessoas é, muitas vezes, marcada, desde
cedo, por situações constritivas:
a. seja restrições financeiras:
"Minha mãe era tão boa que o que eu pensava ela fazia, no trato de
pobre, porque a gente era muito fraco.";
b. ou perda de parentes muito
próximos: "No que a minha mãe ter morrido (...), eu tinha um ano e
tanto... deixou dez filhos." ou: "Quando papai morreu eu tinha
oito anos.";
c. Ou a possibilidade iminente da
morte: "Ah, eu sempre fui condenado pela medicina. (...) O Dr.
Antônio Viegas foi o primeiro que me condenou",
os recursos acima apontados,
obtidos através da convivência, são tomados, também por eles, como
forma de lidarem com as experiências dramáticas então vividas. Mais
ainda, de modo geral, eles se posicionam incisivamente na vida, buscando
recursos no universo religioso para lidar com os momentos difíceis com
que se defrontam. Como mostra esse trecho:
E, graças a Deus, porque
as coisas não foram fáceis. Mas no final das contas só tenho que
agradecer a Deus por tudo o que acontece. (...) A trancos e
barrancos nós não devemos nada a ninguém. De maneiras que, de
tudo, foi a fé em Deus, depois foi a convivência. (...) Mas com
isso tudo eu tenho de dizer, Deus usa de misericórdia com a gente.
É, a gente peleja de um feito e levanta de outro.
São pessoas que:
(a) raciocinam sob a ótica da
solidariedade, isso exemplificado através da seguinte afirmativa:
Ela desesperada pediu ajuda
pra mim. Ficamos uns três dias no sufoco. Aí um dia eu falei: -
"vamo’ rezar pra Sagrado Coração de Maria, Coração de
Jesus e São Judas... por uma vela. Num adianta a gente ficar nessa
aflição. Vamo’ rezar e deixar na mão de Deus". Nós
rezamos, eu e ela. Quando foi no quarto dia, telefone tocou, era o
irmão dela. Nós começamos então a agradecer a Deus a graça
recebida.
(b) exigem de si e dos outros, o
máximo possível, como mostra esse trecho:
Mas ‘cê sabe, né,
quando passa um certo tempo tem de mudar a diretoria. Às vezes muda
e dá certo, muda pra melhor, mas às vezes não. Às vezes colocava
um outro lá, mudava pra pior. Porque ‘cê vê, eu depois que
entrei, o relógio não ficava mais parado. Também nas escritas,
depois então que eu aposentei, era café pequeno pra gente tomar
conta. Mas, depois que entrou uns aí, não fazia nada, não sabia
pedir e nem cobrar de quem podia! Aí não dá, né!
Os filiados evidenciam pertenças
como:
a) à etnia negra,
constatada, por exemplo, na afirmação "Eu sou preto.", ou
quando enfatizam o pertencimento deles a uma irmandade como a do Rosário,
Santa Ifigênia ou a de Nossa Senhora das Mercês.
Quando eu trabalhava de
sapateiro, era rapazinho novo, um camarada, ele era irmão do chefe
de escritório. Um tal de Jaci. Ele quis me botar lá por cinqüenta
mil réis. Ele disse que eu podia pagar a prestação. Então, ele
queria me colocar como irmão do Carmo. Eu falei: - "ah não, o
quê que eu vou fazer lá no meio deles? Ah, não vou lá não, não
quero não. Fico aqui mesmo." Ele era de lá. A família toda
dele era de lá. Ele podia. A família era de rico. Ultimamente
não, mas a família era toda de rico e branco.
É que a cor escura não é
muito vantagem porque agora esse negócio como é que se diz é, o
racismo né. (...) Coitada da pessoa que é escura, se não mete
mesmo a cara! Quanta gente que não pode estudar aqui em São João
del Rei! Era desaprovado porque era escuro, não tem condição de
estudar. ‘Cê vê, nossas escolas daqui. E vê gente aí sabe
aquela manada de menino, tudo menino branquinho, cabelos lisinhos.
Coitado dos escuros tinha a parte separada. Oh, que isso! E não
pode nem... (...) Aqui em São João, toda vida foi... todo lugar é
isso. (...) Agora, atualmente... Antes tinha, agora nas igrejas não
tem mais isso não. Antes é... nem se discute né, todo lugar tem
essa bobagem. Mas nas Mercês nunca teve nada disso não, todo mundo
serve lá. Não tem essa bobagem não.
b) ao universo familiar.
Trata-se de uma relação com o pai, a mãe, avós: "Eu nasci aqui
nessa casa. Meus avós... todos, não tem nem discussão!" ou,
Quando eu era mais nova,
quando tinha meus irmãos, passeava mais. Fazia muito piquenique.
Aproveitava muito a vida, junto com meus irmãos. Desde pequena era
assim.
c) à irmandade. Pertença
ao universo religioso, conseqüente do relacionamento com a família. A
irmandade então, como integrante de suas vidas desde crianças, mediante
incentivo dos familiares - como companhia dos mais velhos, pelo prazer da
companhia, gosto pelo passeio com os seus.
Minha avó (...) Sempre ela
gostava de sair e ir me levando pra passear. (...) Pequenininha... já
ia com ela, pra Igreja. (...) Num entendia de nada, mas estava lá,
passeando né. Quando eu fiz sete anos, fiz a minha primeira
comunhão! E daí, entrei, fui pro Apostolado mirim.
d) a Deus e aos santos de
devoção, segundo uma íntima e inter-atuante relação com o
pertencimento à família e à irmandade, consolidados no decorrer da
vida. É assim que, do acolhimento vivido no interior da família, se
vêem imersos no pertencimento à irmandade, já próprio dos pais
("Ih, antes d’eu entrar os meus pais já eram da Irmandade (...)
tem mais de cem anos. Nossa Senhora, nem se discute!"), e,
simultaneamente, ao universo religioso / a Deus e aos santos. Como
evidenciam os seguintes trechos:
Eu tenho muita devoção a
Nossa Senhora das Mercês, ela é milagrosíssima. (...) Eu
desenganado, pedi para ela conservar a minha vida (...) Eu sarei!
Na época que eles
começaram a pagar abono de família (...) eu tinha filhos (...) às
vezes dos outros demorava. Uma vez também eu recebi uns atrasado,
vinte e cinco mil réis, era dinheiro pra chuchu eles perguntaram: -
"Emiliano, como ‘cê faz, qual que é o seu padrinho?" -
"Ah o meu padrinho ‘tá lá em cima" [apontou em
direção à Igreja de Santa Ifigênia]. E justamente, porque eu
tinha muita fé com ela, é. Ela me ajudava. E também eu trabalhei
e não cobrava nada! E, ela que me ajudou, né. E não tinha perigo
de sair mais do serviço.
Filiados à irmandade de
"negros" e introduzidos pelos familiares ao relacionamento com
os santos de devoção e com Deus desde que nasceram, essa relação se
mantém afetiva, íntima, cotidiana e, ao mesmo tempo, respeitosa.
Reconhecem a diferença de condição em relação a esses Entes - Deus e
os santos - e concebem receber mais que podem oferecer:
Nós dançamos por amor a
Nossa Senhora do Rosário. Quer dizer, mais do que isso ela ajuda
nós, ela dá nós a vida e nós temos a alegria de festejar a festa
dela.
Devido a experiências de
momentos de tensão ou de tristeza e dor, devido a decepções de toda
ordem como, também, de alegrias, encontram em Deus e nos santos um campo
de correspondência e comprometimento cada vez maior, no decorrer da vida:
É negócio de amor que a
gente tinha. Quer dizer, parece que quando eu estou entrando na
Igreja do Rosário, parece que eu estou entrando dentro de casa!
Tenho aquele prazer de entrar.
Trata-se, pois, de um
relacionamento com Deus e os santos concebido como parâmetro de
sustentação, que fundamenta ou alicerça a vida. ("É como um
alicerce, uma coisa que a gente fica firme naquilo.").
Quanto às atividades por eles
realizadas ao longo da vida, não há similaridade entre as assumidas
pelos homens e as assumidas pelas mulheres na irmandade. As mulheres têm
assumido as atividades de caráter mais assistencial (rezar na casa de
legionários doentes ou na casa dos assistidos, visitar os pares e
assistidos, zelar pelos altares, atender aos outros em suas necessidades,
oferecer os préstimos para assistência de modo geral etc.). Já os
homens se vêem assumindo atividades mais relacionadas à manutenção da
estrutura da irmandade, como serviços administrativos ou para a
realização de eventos. Iniciativas que zelam pelo patrimônio da
irmandade assim como da tradição.
Lá na irmandade hoje eu
participo. Quer dizer que muita coisa eu faço. Esse irmão que
morreu, ele que batia o sino, agora eu que bato, sino. E quando no
Carmo precisa eu também bato.
Eu também servi na mesa de
São Geraldo, entrei como procurador e fui até secretário... nos
anos de trinta e nove, quarenta... Depois de mim, entrou um
secretário que não sabia escrever com tinta. E o Monsenhor: -
"porque não lembraram de você que sabe escrever com tinta,
pra colocar como secretário pra você lavrar as atas?".
Uma vez que homens e mulheres se
ocupam, no interior da irmandade, de tipos de atividades diferentes,
também a velhice vem a ser vivida de maneira diversa. Para os homens, a
velhice já não lhes permite fazer o que assumiam antes com desenvoltura,
significando um momento de perda, interrupção da participação na
irmandade, porque a forma típica de participação envolve a permanência
e intervenção concreta na ordem e estrutura da associação (seja
responsabilizando-se por obras, ou pela realização de uma festa ou
tocando nas celebrações da padroeira).
E, porque a gente vai
ficando decadente. E aquela coisa e tudo mas não tem aquela
disposição!... Igual, a dança de caboclo é dança que tem que
correr muito! Índio tem que correr, aquela coisa. E hoje é o
contrário. A gente não agüenta correr igual eu corria... a voz...
tudo já muda.
Janeiro é o inimigo do
homem. Eu, por exemplo, vou fazer... em junho oitenta e oito anos.
De sorte que, oitenta e oito anos pesa bem nas costas de um
camarada! É isso. Pra mim antes era a mesma coisa, ficar... ficava
o dia inteiro na serenata, no outro dia ‘tava trabalhando, não
sentia. Bom, ‘tô sentindo hoje, a idade ‘tá pegando.
Mas um dia eu encontrei com
um compadre ali em cima, compadre Milton. Ele falou: -
"oh compadre, eu ‘tou vendo ‘cê vindo lá de cima!"
Isto logo depois que eu larguei. - "
‘Cê ‘tá andando lá em cima outra vez?" Aí eu falei: -
" ‘tou. Eu fui ver como o relógio está." Aí ele: -
"mas oh compadre isto é um perigo, ‘cê tem que passar esse
negócio. Não sobe naquela torre do relógio mais não, ali é um
perigo danado. (...) ‘Cê tem família." Aí eu falei: -
"não, eu não vou mais mexer, eu vou passar isso pro
Paulino."
Já as mulheres, podem continuar,
na velhice, participando de suas atividades típicas referentes à
irmandade: rezar, fazer pequenas visitas etc. Mesmo dentro de casa, podem
conceber-se inseridas em um vasto contexto social: "Eu nem rezo pra
mim, já recebi minha quota... Rezo aqui mesmo. (...) Peço a Deus a paz
no mundo".
Como já dito, os sujeitos aqui
refletidos vivem em sociedades tradicionalmente seletivas quanto a
aspectos econômicos e raciais, que oferecem condições de vida
restritivas (poucos recursos materiais, culturais etc.). Nesse contexto, a
qualidade e profundidade de inserção social conseguida devem-se,
sobremaneira, ao pertencimento deles à irmandade, por meio de relações
de toda ordem: com os assistidos da irmandade, com seus pares - para
realizar a festa da padroeira, rezar o Santíssimo para benefício de
todos os "irmãos", ou visitar os "irmãos" doentes
etc.
Os filiados, no convívio de
longa data com a irmandade de "negros", aprenderam que essa
associação nasceu sob a base do questionamento à hierarquia formal,
social e racial. Na história da irmandade "deles" as posições
hierárquicas são introduzidas e simultaneamente há indicação de que
os que guardam posição inferior poderão mudar de condição; podem
destacar-se em meio aos "irmãos" e perante a sociedade local,
dependendo da iniciativa, trabalho, articulação com outros, através do
comprometimento com os afazeres dentro e fora da irmandade.
Aí, muitas coisas eu vou
falar, eu dou lição. Até à Zarinha, Maria Eremita (4)
eu dou lição. Ela me chama, pergunta eu. Eu, com oitenta e quatro
anos, só pra não acabar.
Outro aspecto que caracteriza um
filiado de irmandade de "negros" é a maneira como se
responsabilizam pelas questões da irmandade, encarando-as como de alçada
particular. Como no exemplo abaixo, em que um filiado sacrifica um serrote
da sua casa, para desmontando-o para garantir o funcionamento do relógio
secular da irmandade.
É, enquanto eu estive aí,
o relógio sempre andou bem. (...) quando eu entrei... corda
arrebentou umas duas vezes... Porque do jeito que ‘tava não dava
pra ele trabalhar não. ‘Tava muito ruim mesmo, corda emendada com
aquele caroço e tudo né. E agora a corda é boa, é de laço de
boi. (...) Fizemos duas cordas. Uma pra peso grande e outra pra peso
pequeno. E ele começou a trabalhar. As molas... mola muito longa.
Com serrote, cortei um serrote... Mandei cortar umas tirazinha boa,
de aço. E fiz uma mola do pêndulo muito boa! Que ‘tá até hoje.
(...) Agora, por exemplo, uma peça que tinha que fazer eu arriscava
e fazia, adaptava. O camarada cortava pra mim porque é aço né.
Porque eu descobri que essa peça pra ficar boa, só mola de
serrote. Então, tinha um serrotinho velho aí, eu sacrifiquei...
Ah, mas...
Marcados pela experiência de
pertencimento à irmandade por toda uma vida. O olhar com que miram a
realidade é constituído a partir desta relação de implicação com a
irmandade e, simultaneamente, com o sagrado. ("Eu olho com os olhos
de Deus"). O compromisso que assumem na irmandade reflete o interesse
simultâneo em garantir a manutenção de tradições da cidade e dessa
associação religiosa e, também, o relacionamento "vivo" com o
sagrado.
Ocorre, porém, que esses
sujeitos, em suas relações com essa associação, vivem experiências
não apenas que refletem o fundamento da constituição dessas irmandades
- de aceitação incondicional da pessoa negra -, mas também
experiências de seletividade, segundo os critérios da sociedade onde
estão inseridos. A inserção social deles é facilitada, promovida,
viabilizada pela irmandade, mas não sem experimentar fortes
contradições. Isso se evidencia quando, por exemplo, a irmandade
apresenta um tratamento preferencial aos ricos ("O pessoal da
Irmandade mostra que gosta dos ricos"), ou quando os associados
percebem que não são ouvidos como queriam sobre assuntos relacionados
com a irmandade. E um recurso para o enfrentamento das contradições
internas à irmandade é o relacionamento que mantêm com Deus e os
santos. Por exemplo, mediante alterações feitas pelo novo pároco, um
filiado decide mudar a sua maneira de participar da Irmandade, enfatizando
a continuidade de sua devoção à Nossa Senhora das Mercês: "Oh
Nossa Senhora, num vou deixar de te pedir perdão, não vou deixar de
pedir misericórdia, e tudo o mais, mas não vou lá [à Irmandade] mais
como antes".
Trazendo como referencial a
experiência de caráter religioso (relação com o sagrado, evidenciado
por eles como sendo um horizonte de realidade mais extensivo e profundo, e
que os fazem confiantes, apesar de saberem dos percalços presentes na
vida), eles se dispõem / vão se dispondo a viver a novidade dos
encontros, seja no interior da irmandade, seja em outros contextos ou
circunstâncias.
Então, a situação do
cemitério ‘tava ruim, eu então, comecei a mexer, vi o que era
certo, o que era bom. E pedi e aí ele me deu.
Quando rapazinho, a gente
ajudava no dia de festa e depois, se tinha serviço pra gente ter de
carregar algum material, a gente trabalhava.... Eu gostava de
trabalhar com aquela meninada.
Tinha umas vizinha que iam
buscar lenha... aquela companheirada boa, as vizinhas e a gente ia
batendo papo, voltava.
E então vi lá uma
senhora, ‘tava lá o menino, tinha morrido. Ela ‘tava lá sem um
dinheiro pra comprar um caixão sem nada. Comprei o caixão, pus ele
na cabeça e paguei o caixão, pus o menino lá.
Dessa maneira, evidenciam que a
disposição parte deles e que, além disso, contam com a intervenção de
quem está para além do que podem arregimentar. A posição de todos eles
então, no que diz respeito à inserção social, consiste em se colocarem
à disposição de Deus e nele confiar em quaisquer circunstâncias.
Talvez aí esteja o ponto-chave. Eles mostram compreender que devem
viabilizar a própria inserção, sabem das condições constritivas
presentes, demonstram querer a inserção e confiam na possibilidade de
consegui-la, contando com a intervenção de um algo mais, qualificado
como Deus e os santos.
Nos momentos das
dificuldades, a gente ia lutando como podia e punha tudo na mão de
Deus. (...) A vida toda foi assim, sempre foi muita fé em Deus.
Então, a gente precisa de ter fé, se a gente não tiver uma coluna
forte pra encostar, qualquer tropeção que a gente tem, cai. Toda
vida eu nunca deixo de minha oração, minha fé, minha cruzinha no
pescoço. (...) Ele é quem pode nos valer.
O fundamento para a inserção
social consiste na experiência de já pertencerem a um relacionamento
desde o nascimento (à família que, simultaneamente, já os introduziu na
relação com o sagrado) e a relação com a irmandade pode ser
apreendida, pois, como aquela em que os sujeitos renovam, reafirmam,
revitalizam a experiência da inserção mas não propriamente a
inauguram. Eles requerem da irmandade, mas trazem neles a experiência de
pertencimento a uma relação em que se viram sustentados no decorrer da
vida; daí serem tão exigentes em relação à maneira como a irmandade
vai sendo conduzida. ("Mas, depois que entrou uns aí, não fazia
nada, não sabia pedir e nem cobrar de quem podia! Aí não dá,
né!").
Outro aspecto importante que
caracteriza um "irmão" refere-se à maneira de conceber e lidar
com o momento da morte. Como um momento de mudança de condição de
existência, é uma experiência a ser cuidada, providenciando-se, em
vida, o que se deseja receber depois de morto.
A Irmandade é... ‘cê
paga uma quota anual pra ajudar nas coisas, nas festas, nas despesas
da Irmandade, o sujeito tem direito quando morrer de ser sepultado
no cemitério dessa Igreja! (...) Ser irmão é uma tradição, e
já vem desde muitos anos. Ninguém queria sepultar, não tinha
aonde sepultar! Tinha o cemitério dos desvalidos, porque sepultava
qualquer um. Era lá no São Francisco de Paula. (...) Antigamente
era isso mesmo, porque ‘cê morria não tinha que pensar onde é
que vai sepultar ele, não tinha cemitério municipal. Antigamente o
sujeito entrava por causa disso mesmo (...) queria um lugar pra ser
sepultado. Aí, quando morria, já sabia que tinha entrado pra
Irmandade, ele tinha uma vaga para ele.
Garantir, enquanto
"irmãos", pompas e ritos fúnebres específicos, um enterro
decente, ter direito a uma sepultura no cemitério da irmandade, de
preferência próximo à sua igreja, significa também ser acompanhado, no
momento do sepultamento, em "corpo de confraria".
Além disso, cada um dos
"irmãos" refere-se à necessidade de ocupar-se com o que é um
motivo de ordem superior: garantir o direito aos cuidados também com a
alma, através das indulgências (distinguindo-se de pessoas que se
filiariam apenas contando com a sepultura):
Agora... tem gente que não
sabe o que é irmandade, não sabe o que é indulgência... Antes de
morrer a gente deve ganhar, pra melhorar a nossa situação no
purgatório.
Quando compra a cova...
sendo irmão de qualquer uma, por exemplo, do Carmo, Mercês: dobra
o sino. Um dobro muito triste, quer dizer comprou o buraco, mas não
é irmão, compra só o buraco. Olha lá embaixo no Quicumbi, chama
Municipal, enterra-se gente lá que não tem irmandade coisa e tal e
tudo o mais. Esse quer entrar pra baixo... essas coisas é a parte
inferior. (...) Aqui em casa ninguém comprou só o buraco. Não! A
diferença não é só por ter um buraco como lugar de reserva,
não. Tem de ser irmão, receber o escapulário, freqüentar a
Igreja, a associação, o dia que tem a reunião.
Convivendo com a irmandade e
atuando ali de forma comprometida (tomando iniciativas de trabalho,
pagando os anuais ou mensalidades, assistindo regularmente à missa etc.),
seus filiados fazem com que, no decorrer da vida, cada circunstância
nessa associação seja também garantia de tratamento específico na
ocasião da morte.
O momento da morte, para eles,
consiste em um momento de síntese em que, definitivamente, o
"irmão" tem o acesso à experiência do ritual de pertencimento
a uma dada tradição. Momento em que se pode evidenciar, pela última
vez, a identidade daquele que morreu - ser ele um filiado de uma irmandade
e que possui um dado valor social constituído no decorrer dos anos de
filiação. Reconhecimento do valor que é expresso, por parte da
irmandade, através do tipo de mortalha, do número de velas, de missas
celebradas, do local do enterro (próximo da igreja), do cortejo que
atravessa a cidade ("Quando eu morrer eu quero ir é pra lá, pra
longe. Qualquer das duas Mercês que me enterrarem ‘tá bom. Eu quero
que ‘ocês passeiam comigo pela cidade."), do específico toque de
sino anunciando a morte do "irmão" a indicar inclusive o grau
de participação que estabeleceu com a irmandade e funções etc.
O sino ‘tá tocando, e é
pr’um defunto, pelo irmão que morreu. Quando eu morrer eles
mandam avisar, me dão um lugar na sepultura e não preciso d’eu
ir lá pro municipal não.
Assim, formaliza-se a
preservação da memória daquele que partiu, fixada também pela placa de
identificação da sepultura: "A placa da minha irmã Ifigênia ainda
está lá.".
Como a morte é mantida como um
aspecto que merece atenção permanente, ao longo de toda a vida, os
sujeitos que vivem uma experiência de filiação a uma irmandade de
"negros" lidam com a vida e com a irmandade evidenciando um tom
dramático, de tensão, ao mesmo tempo em que demonstram descontração,
gosto em conviver. Tensão por viverem praticamente destituídos de
privilégios ou garantias sociais de qualquer ordem - e nessa perspectiva
a morte é sempre um risco iminente – e porque, embora saibam do valor
do momento da morte e tenham buscado garantir tudo o que consideram
indispensável, ainda assim, não têm a certeza de que irão receber,
efetivamente, o que esperam. Compreendem que a concretização desses
"direitos" depende de inúmeras circunstâncias e pessoas, como
os seus familiares ou outros, da atenção e compreensão por parte dessas
do valor do ritual para o falecido. Explicitam o que querem, gracejam,
falam sério... mas não podem ter a certeza de que serão atendidos no
último querer.
O meu marido (...), a mãe
dele falava que queria ser enterrado nas Mercês de Baixo. E quando
ela morreu, enterraram ela aí. (...) Ele falava assim,-
"defunto não fala". (...) Aí eu falava com ele: -
"mas eu quando eu morrer eu quero ir é pra lá, pra
longe." (...) Eu falei assim, "sua mãe tinha vontade de
enterrar nas Mercês de Baixo." E ele: (...) "A gente vai
arrumar onde ‘tá mais prático." Enterrou aí mesmo na
sepultura da família.
Nessas circunstâncias, mais uma
vez, eles se apresentam recorrendo à relação constituída, para além
do imediato, com Deus e os santos. As expectativas se voltam para o que
poderá vir pela intercessão deles. Afinal, tomados todos os cuidados,
quem decide o que vai ocorrer (inclusive sobre o tempo de vida que terão)
não são eles, mas Deus.
E muitos também que às
vezes não entravam com medo de morrer. (...) É supersticioso, acha
que entrando na Irmandade vai morrer nela. Não! Morre no tempo que
tem que morrer (...) Eu não tenho, que a vida quem dá é Deus.
Então, ‘ocê podia viver muito tempo.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
- Do que se aprendeu a partir do
convívio com os sujeitos da pesquisa
Vemos uma dinâmica de relações
nas comunidades em que as pessoas encontram-se, tomam decisão de atender
a um pedido de outro, movem-se solidárias entre elas; entendem-se com
direito e respaldo para questionar toda a sociedade, e inclusive a
própria irmandade. Vemos sujeitos sintonizados com a cultura barroca,
concebendo-se constituídos a partir de uma relação de comprometimento e
de um diálogo vivo com Deus e os santos de sua devoção. Comumente
consideradas alheias, marginais aos processos sociais, mostraram-se com
densidade, com senso crítico apurado, vêem-se com direito a contestar o
que contraria os valores de solidariedade, de respeito humano, etc.
Vemos sujeitos posicionando-se
como co-participantes, ativos na relação com Deus e santos de sua
devoção, com uma relação de intimidade, de amizade, de afeição,
resultando numa participação comprometida com os outros. Fazem isso,
segundo afirmam, com gratuidade, por amor, porque "Ela vai
gostar", porque Ele, afinal de contas, "pode nos valer",
"que a gente não sabe como fala, mas é como um alicerce que garante
a nossa vida"; mesmo sabendo que não têm como retribuir na mesma
medida as graças alcançadas, querem fazer mais e mais em prol da amizade
em que se vêem envolvidos.
Vemos sujeitos mais ativos que
imaginativos, tomando como de ordem pessoal o que é de utilidade
pública, responsáveis pela vida do outro como se fosse de sua alçada
particular, com um senso de moralidade amadurecido (disponíveis para
colocarem-se na perspectiva do outro).
Vemos sujeitos para quem o
significado da Irmandade é ímpar, imensurável e incontestável: campo
de experiências onde puderam exercer suas potencialidades, onde ser
tratados e se conceberem como humanos; respaldo social garantido por uma
história de relacionamentos que lhes permitem apresentarem-se como
pertencentes e como particularmente protegidos por um Ente sagrado
valorizado naquele meio social.
Vemos sujeitos para quem a
Irmandade é eixo ordenador, sustentador de suas vidas, permitindo viverem
no interior da sociedade, perante o outro, a partir da pessoa que são e
não a partir do que têm; mantendo-se sob tensão, em constante embate no
viver, comprometidos com a vida, atentos às oportunidades de participarem
da vida social, mas não dependentes, exclusivamente, das circunstâncias
impostas pelo grupo social; questionando a realidade, contrariam
determinações de diversas ordens (como mostrou o Seu Patusca, diante de
duas condenações recebidas pela medicina, ao recorrer a Nossa Senhora
das Mercês, e, segundo ele, recebendo a cura. Ou Dona Mercês, que
sofrendo grave acidente ainda menina, que lhe daria a chance de justificar
um retraimento diante de responsabilidades, contando com a certeza da
companhia de Deus, não ficou mais parada. Exemplos deste tipo são
encontrados em todos os entrevistados).
O que faz com que, mesmo vivendo
em circunstâncias constritivas de toda ordem - poucos anos de
escolaridade, restrições socioeconômicas ou de participação
política, limites impostos pelo preconceito racial etc. -, não estejam
principalmente determinados por elas? É o compromisso por eles
empreendido de acontecerem humanos, dentro do relacionamento com um outro
significativo: envolvem-se com a irmandade, atendem às suas demandas,
levando adiante o projeto que entendem trazendo em si próprios.
Tendo em vista a baixa
escolaridade deles e, portanto, o pouco acesso a bens culturais, e a
indiferença social com que têm de lidar, o conteúdo trazido pela
tradição religiosa pode ter-lhes valido, em grande medida, como recursos
simbólicos para refletirem sobre a complexidade própria da vida e o
próprio posicionamento nela.
Vemos sujeitos que passam a vida
inteira convivendo com o tema da morte, dando à vida um caráter
dramático, de tensão permanente, pela incerteza inerente ao tema que
demanda reflexão sobre o significado último da vida. Mas, ao mesmo
tempo, esse fenômeno é encarado como último momento da vida em que sua
história e sua pessoa será afirmada, e perante toda a sociedade.
Mantêm-se em permanente estado de interlocução com a morte (a
preocupação com essa é reforçada, inclusive, pela perda de parentes
próximos, pelo risco da perda da própria vida, graves acidentes sofridos
em tenra idade etc.), tomando iniciativas para aprender a lidar com ela ao
longo de toda a vida, segundo os procedimentos propostos pela irmandade.
Todos os outros limites sociais, políticos e econômicos são gerenciados
sob o mesmo prisma. Ocupando-se sempre com afazeres que remetem ao tema da
morte, assim procedem pelo gosto à vida, pelo interesse consistente em
mantê-la, pelo interesse de mantê-la com consistência.
Vemos sujeitos, enfim, para quem
todas as limitações presentes em suas vidas foram, então, encaradas
tomando iniciativas e apostando nas possibilidades de superação. Nem
mesmo a morte se apresenta como um limite final que os estancaria, que os
intimidaria perante a vida. Ela é entendida, por esses sujeitos, como uma
condição do ser humano, com a qual se lida, se admite como inevitável e
se toma medidas na vida diante dela; mais um motivo consistente para o
cuidado e manutenção de diálogo vivo com Deus e com os santos de
devoção.
Um ponto de controvérsia e
provocação ou, um início de novas conversas
Diante desses resultados,
sugerimos que se reflita sobre as propostas qualificadas como
"inclusivas" (iniciativas para assegurar direitos até então
não disponíveis para um sujeito ou um grupo social): Vemos sujeitos que
não vivem condicionados àquilo que o outro oferecerá, e portanto não
vivem segundo a medida estabelecida por aquele que está a propor a
iniciativa da inclusão. Vemos sujeitos não se adequando a tal lógica
por não viverem na dependência daquilo que lhes oferecem, ou concedem.
Lidando com a realidade como um campo de ação para a busca de
atendimento a exigências pessoais, eles adentram a realidade procurando,
em comum, contribuir para a consolidação do que intimamente desejam. É
radicalmente diferente da concepção de ser condicionado pelas garantias,
ofertas, delegações dadas pelo outro grupo social.
Vale dizer, ainda, que os
programas que objetivam melhoria da qualidade de vida das pessoas negras
são essenciais, se considerado o nível restrito de investimentos
destinados a elas, no decorrer da história do Brasil (isso, também, em
termos comparativos com outros grupos sociais) (Hasenbalg, 1979). Com
efeito, deve-se avaliar a concepção de humano que sustenta os mesmos
programas. Se o pressuposto for de acolhimento do sujeito ou grupo de
sujeitos a um universo de possibilidades (de garantia de seus direitos de
cidadania), alheio ao projeto de ser deste(s) – o que intimamente querem
alcançar na vida -, é provável que se deixe de lado o fundamental para
o sucesso da iniciativa.
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Notas
(1) Os dados do
presente artigo se referem à Dissertação de Mestrado "Irmandades
de Negros e Identidade Exigente de Velhos Negros das Gerais" de
Eneida Pereira dos Santos realizada sob orientação de Miguel Mahfoud,
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Minas Gerais em 2001. Volta
(2) Utilizaremos o
termo "negros" entre aspas para designar filiados de irmandades
religiosas leigas que acolhiam negros e/ou mulatos no período colonial. Volta
(3) O termo leitura
e não análise dos dados baseia-se nas considerações feitas por Ricoeur
(1984). Atentando para a relação possível entre o relato (ficção) e a
vida, ele esclareceu que o processo de composição, de configuração,
não se realiza no texto, senão no leitor e, sob esta condição,
possibilita a reconfiguração da vida por parte do relato. Mais
exatamente, para ele, o sentido ou o significado de um relato surge da
intercessão do mundo do texto com o mundo do leitor. A partir deste
fazer, é possível ver se abrir a capacidade do relato transformar a
experiência do mesmo leitor. Assim, para Ricoeur, falar do mundo do texto
implica repetir uma característica de toda obra literária que é de
permitir abrir diante dela um horizonte de experiência possível, um
mundo no qual seria possível habitar. O texto não consiste, pois, em uma
entidade fechada em si mesma, mas sim, em uma projeção de um universo
novo, distinto daquele no qual vivemos. Apropriar-se de uma obra mediante
a leitura significa esclarecer o horizonte (campo de experiências – o
já vivido, assim como as expectativas do que virá) implícito do mundo
que envolve as ações, os personagens, os acontecimentos da história
narrada. Volta
(4) Escritora de
renome na cidade e região, foi vereadora e inspetora da Secretaria de
Educação de Minas Gerais. Volta
Nota sobre os autores
Eneida Pereira dos Santos é
Mestre em Psicologia, Coordenadora de Curso na Fundação Educacional
Nordeste Mineiro, em Teófilo Otoni, Minas Gerais, Brasil. Professora da
Fundação Educacional Nordeste Mineiro (na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Teófilo Otoni). Coordenadora Geral do Curso de
Formação Superior de Professores - Projeto Veredas na FENORD. Contato:
veredas@fenord.com.br.
Endereço postal: Rua Teodolindo Pereira, 111, Bairro Grão Pará,
Teófilo Otoni, MG, Brasil. CEP: 39.800-151.
Miguel Mahfoud é Doutor em
Psicologia Social, professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, Brasil, na
linha de pesquisa "Cultura e Subjetividade". Contato:
mmahfoud@fafich.ufmg.br.