Bomfim, E. M. & Albergaria, M. T. A. (2004). Origem e relevância de um laboratório de psicologia no Brasil na década de 1950. Memorandum, 7, 151-164. Retirado em  / / ,do World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/bomfalberg01.htm

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Origem e relevância de um laboratório de psicologia no Brasil na década de 1950

 Origin and social relevance of a laboratory
of psychology
in Brazil in the 1950’s

 Elizabeth de Melo Bomfim
Maria Teresa Antunes Albergaria

Universidade Federal de São João del-Rei
Brasil

Resumo

O artigo ancora-se nas investigações sobre as condições de surgimento e a relevância de um laboratório de psicologia da década de 1950 em uma instituição confessional situada no interior do Estado de Minas Gerais. Trata-se da antiga Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei que, em 1955, adquiriu, da Itália, modernos equipamentos nos moldes dos existentes na Europa pretendendo introduzir melhorias no ensino ministrado nos cursos. Desdobrando suas atividades, o laboratório tornou-se o instrumento utilizado pelos salesianos para a geração de um Instituto de Psicologia e Pedagogia, de um curso de Orientação Educacional e de um ativo serviço de orientação educacional e profissional.

Palavras-chave: história da psicologia no Brasil; história dos laboratórios de psicologia; história dos salesianos no Brasil.

Abstract

This article investigates the relevance of a laboratory of psychology and the conditions under which they were created in the 1950’s in a religious institution in a country town in the state of Minas Gerais. The institution was the former Dom Bosco College of Philosophy, Sciences and Letters of São João del-Rei, which, in 1955, acquired, from Italy, some modern equipment similar to the ones used in Europe at the time, in an attempt at improving the courses that were taught there. Unfolding its activities, the laboratory became the instrument the Salesian brotherhood used to create an Institute of Psychology and Pedagogy and a Course in Vocational Guidance as well as a group which specialized in educational and professional orientation.

Keywords: history of psychology in Brazil; history of the Psychology laboratories; history of the Salesian brotherhood in Brazil.

Introdução

Em meados do século XX, os salesianos, membros da terceira maior congregação católica do mundo cujo patrono é Francisco de Sales, realizaram a importação de um moderno laboratório de psicologia para a, então recente e hoje já extinta, Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei. Objetivando desenvolver conhecimentos e pesquisas em psicologia semelhantes, principalmente, àqueles desenvolvidos nos laboratórios de psicologia europeus, adquiriram aparelhos, testes e equipamentos nos moldes dos existentes no Instituto de Psicologia de Milão, no Instituto Superior de Pedagogia de Turim, no Instituto Jean Jacques Rousseau, no Instituto de Psicologia de Louvain e no Instituto Católico de Paris.

A aquisição do laboratório reorientou o conteúdo programático do curso de pedagogia existente, fortalecendo as temáticas de pesquisa e prática pertinentes à psicologia. Com o desenrolar das atividades do laboratório, foi possível a fundação de um instituto de psicologia e pedagogia, a criação de um curso de Orientação Educacional e o desenvolvimento de um ativo serviço de orientação educacional e profissional.

Neste trabalho, parte integrante de um projeto maior, nossa intenção foi a de debruçarmo-nos sobre as séries documentais pertencentes ao acervo desse antigo Laboratório de Psicologia da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei para a análise da origem e da constituição do referido laboratório. Como responsáveis pelo projeto de levantamento, análise e disponibilização desse acervo, respaldamo-nos, neste artigo, na perspectiva metodológica da história documental (Carvalho, 1976). Assim, relacionamos a constituição do laboratório com sua origem histórica e com seus desdobramentos na década de 1950, a partir da documentação existente.

O atual projeto de levantamento, análise e disponibilização do acervo, no qual estamos envolvidas, visa restaurar e higienizar as documentações existentes e elaborar, num catálogo, o registro do material, tendo em vista a sua disponibilização para consultas e pesquisas. Uma futura informatização do acervo possibilitará que os dados estejam disponíveis em redes computadorizadas oferecendo, assim, uma ampla divulgação da documentação que não seja confidencial. Pretende-se, também, criar um centro de documentação e história da psicologia que funcionará como uma unidade de apoio documental para o desenvolvimento de estudos e pesquisas em psicologia, reunindo informações e documentos relevantes na área. Objetivando ser um órgão de atenção às necessidades de estudiosos e pesquisadores de psicologia e áreas afins, o centro de documentação e história da psicologia poderá estabelecer laços de cooperação e intercâmbio ativos com instituições congêneres, nacionais e estrangeiras, no sentido de promover campanhas em prol dos centros de documentação de psicologia, fazer convergir os acervos da área porventura desativados ou com pequena utilização e incentivar publicações em história da psicologia no Brasil.

 

As origens do laboratório

A congregação dos salesianos foi fundada pelo italiano João Melchior Bosco (1815-1888), que recebeu, após ser consagrado sacerdote católico, conforme o costume italiano, o nome de Dom Bosco.

Dom Bosco era um padre muito afeiçoado à leitura e à educação e consta que aproveitava todo o tempo disponível para a realização de seus estudos. Estudava enquanto levava o rebanho ao pasto, durante as refeições e antes de dormir. Aprendeu as línguas francesa e hebraica e estudou as obras de Cornélio Nepos (99-24 a.C.), Cícero (106-43 a.C.), Salústio (86-35 a.C.), Tito Lívio (59 a.C.-17 d.C.), Tácito (59-119 d.C), Ovídio (43 a.C.–18 d.C.), Virgílio (70 -19 a.C.) e Horácio Flacco (65–8 a.C.). Leu, também, as obras do beneditino Dom Calmet (1672-1757), do historiador judeu Flávio Josefo (37–101 d.C.), os volumes sobre a defesa ao cristianismo de Denis-Luc Frayssinous (1765-1841), o dominicano Iàcopo Passavanti (1300-1357), o teólogo jesuíta Cornelius Lapide (1567-1637), além de Jaime Luciano Balmes (1810-1848) e Domenico Cavalca (1270-1342). Gostava de recitar trechos das obras de Dante, Petrarca, Tasso, Parini e Monti, numa evidente manifestação de sua boa memória. Estudou no seminário de Chieri, cidade próxima de Turim, e, após ter-se consagrado sacerdote, em 1841, ingressou no Convento Eclesiástico de Turim, dando início à sua obra sacerdotal.

Os oratórios festivos, uma de suas contribuições, eram reuniões com crianças e jovens desamparados que, aos domingos e dias festivos, se agregavam para atividades de lazer e de aprendizagem da fé cristã. Era o início do sistema preventivo – melhor prevenir do que remediar –, que seria adotado nas atividades educativas dos salesianos apoiadas em três pilares: razão, amor e religião.

Ao fundar a congregação, Dom Bosco insistiu que os seus sacerdotes estudassem. A partir da reforma educacional italiana de 13 de novembro de 1854, quando foi promulgada a Lei Casati – considerada laica e instituída num momento de hostilidade em relação à influência da Igreja Católica –, empenhou-se para que seus sacerdotes, sem perda de tempo, possuíssem os títulos e láureas legais e evitassem, assim, o fechamento das instituições escolares por falta de professores. Era seu desejo que seus padres se apresentassem para os exames de licença normal, uma espécie de curso de magistério superior existente na Itália, ou que se inscrevessem nos cursos das Faculdades de Filosofia, Ciências, Letras e Matemática da Régia Universidade de Turim.

Em 1872, os salesianos passaram a contar com a colaboração feminina, a partir dos trabalhos das jovens Maria Verzotti, Francesca Riccardi e Luigina Carpanera, integrantes do Oratório das Filhas de Maria Auxiliadora de Turim. Era o início da obra da congregação católica Filhas de Maria Auxiliadora.

A preocupação de Dom Bosco com o aperfeiçoamento educacional de seus sacerdotes era grande e, antes de sua morte, manifestou o desejo de enviá-los para as universidades romanas. Contudo, isso só ocorreria, em 1890, após sua morte, quando seus sucessores, Pe. Miguel Rua, Pe. Paulo Albera e Pe. Pedro Ricaldone, encarregaram-se da continuidade de sua obra que, então, já alcançara vários países do mundo.

No Brasil, após a designação, por Dom Bosco, do Padre Lasagna como inspetor para o Brasil e o Uruguai, em 1881, foram criados vários colégios. Entre eles, figuram o Colégio Santa Rosa, em Niterói (1885), o Liceu Coração de Jesus, em São Paulo (1885) e o Liceu de Artes e Ofícios, em Campinas (1897). Em 1900 foi criado o Liceu Salesiano do Salvador (1). E, novos colégios foram acrescidos como os de São Paulo, Santa Catarina e no Espírito Santo.(2).

Na Itália, a partir da década de 1930, os salesianos promoveram mudanças na orientação relativa aos títulos acadêmicos, em função dos novos métodos e recursos técnicos existentes, privilegiando, também, a formação em cursos de pedagogia. Neste sentido:

... notamos dois grandes passos:

1º As insistências para que se dê a máxima atenção e importância à consecução dos títulos acadêmicos, até mesmos os relacionados com Artes, Profissões e Agricultura. As estatísticas em 1939 fizeram ver que mais de 900.000 trabalhadores (operários – artífices – agricultores) passaram pelas Escolas Profissionais Salesianas nos 87 anos de existência. Era necessário estar à altura do progresso, com novos métodos e recursos da técnica.

2º O Conselheiro Escolar Geral a firmar a orientação de enviar os salesianos a freqüentar os cursos universitários nas universidades de maior renome, principalmente pedagógico (Faculdade Dom Bosco, s/d, p. 5-6).

Em 1940, conseguem a aprovação do Ateneu Eclesiástico Salesiano, em Turim, onde eram ministrados os cursos de Filosofia, Teologia e Direito Canônico. Do investimento nos cursos de pedagogia, resultou, em 1941, a fundação do Instituto Superior de Pedagogia, que objetivava difundir os princípios da pedagogia cristã, as propostas psicológicas e formativas de Francisco de Sales e o sistema pedagógico de Dom Bosco. O Instituto Superior de Pedagogia cresceu e, aos poucos, foram criados os institutos de Psicologia Experimental, de Biologia, de Física e Química, de Antropologia e Etnografia e de Ciências Sociais, gerando, na Itália de 1956, o Instituto Superior de Ciências Pedagógicas. Com um modelo de ensino superior estruturado, urgia incrementá-lo nos vários países que dispunham dos serviços salesianos.

No Brasil, e mais especificamente em São João del-Rei, os salesianos haviam criado, em 1940, o Colégio São João, uma instituição escolar destinada ao aspirantado sacerdotal. Para sua fundação, foi designado o padre Francisco Gonçalves, que havia cursado o Colégio São Miguel em Lavrinhas (São Paulo) e desenvolvido seus estudos teológicos em São Paulo. Sua morte prematura, em 1947, gerou sua substituição pelo Padre José Vieira de Vasconcellos que, entre outras funções, ocuparia, posteriormente, o cargo de presidente do Conselho Federal de Educação.

O Colégio São João possibilitou as condições de fundação, em 1948, do Instituto de Filosofia e Pedagogia, uma instituição educacional destinada à formação, a nível superior, dos jovens aspirantes ao sacerdócio. O Instituto de Filosofia e Pedagogia foi um passo para a abertura, em nível superior, de cursos destinados aos leigos da região. Assim, em 1954, nascia a Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei.

A Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei manteve, inicialmente, os cursos de Filosofia, Letras e Pedagogia e era contemporânea da Faculdade Salesiana de Lorena (São Paulo), fundada em 1952, e da Faculdade Auxilium, mantida pelas irmãs da congregação Filhas de Maria Auxiliadora. Tinha na Faculdade de Lorena seu modelo mais próximo. Como os salesianos de Lorena haviam solicitado a Giacomo Lorenzini, então diretor do Instituto de Pedagogia do Ateneu Salesiano em Turim, a compra de um laboratório de psicologia, semelhante iniciativa foi tomada pelos padres de São João del-Rei tão logo se teve a notícia da permissão para a efetivação da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei. Antes mesmo da sua inauguração, os salesianos iniciaram, através da inspetoria situada no Rio de Janeiro, então capital federal, uma série de correspondências com o diretor do Instituto de Pedagogia do Ateneu Salesiano, em Turim, Giacomo Lorenzini, para a aquisição do laboratório de psicologia (Bomfim e Albergaria, prelo A).

O laboratório de psicologia de São João del-Rei não consta como um dos pioneiros laboratórios de psicologia do país, conforme estudo realizado por Massimi (1990). Também não foi o primeiro de Minas Gerais. Campos (1992) lembra que:

Em agosto de 1929, Antipoff assumiu a cadeira de Psicologia e criou o laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento, primeira instituição dedicada especificamente à pesquisa em Psicologia em Minas. Vários programas de pesquisa foram desenvolvidos pelo Laboratório no decorrer da década de 30 (p. 33).

Contudo, sua importância pauta-se na sua constituição e na relevância social dos trabalhos ali realizados.

 

A montagem e os custos do laboratório

Embora o responsável pela aquisição do laboratório tenha sido Giacomo Lorenzini, foi considerável a participação de profissionais como Agostinho Gemelli (1878-1959), Albert Michotte (1881-1965), Walther Moede (1888-1958) e Vicent Cimatti (1879-1965), que contribuíram, quer com o envio dos aparelhos, quer apresentando seus inventos, ou mesmo sugerindo outras aquisições.

Os aparelhos foram, em grande parte, construídos sob encomenda e eram semelhantes aos usados nos laboratórios europeus; entre os quais, os de Genebra, Turim, Louvain, Liège, Berlim, Paris, Madrid, Valência e Roma. Copiavam os modelos dos existentes nos:

(...) Istituto di Psicologia di Milano (Gemelli), Istituto Superiore di Pedagogia di Torino (Lorenzini-Biglietti), Institut Jean Jacques Rousseau (Piéron-Piaget), Institut du Psychologie de Louvain (Michotte-Fanville) Institut Catholique de Paris (Naville), além de Lausanne (Carrrard), Bruxelles (Christians) Liège (Pasquasy) Berlim (Moede), Petersburgo (Netchaieff), Budapest (Mnemômetro de Ranchbourg), Valença (Tacodômetro de Mira) e Basiléia (Relógios de Jacquet).

As firmas que mais trabalharam na construção dos aparelhos são: LASM (Laboratori Apparecchi Scientifici Medici), dirigido por Ceresa em Torino, IMR (Instituto Missionário Rebaudengo) em Torino, DUFOUR em Paris, Istituto Sacro Cuore di Milano e o Jacquet de Basiléia (Instituto de Psicologia e Pedagogia, 1964, p. 47-48).

A análise das correspondências entre os salesianos brasileiros e Giacomo Lorenzini revela que, em 1954, havia sido enviada a quantia de 10.000 dólares, correspondente a 6.210.000 liras italianas para a aquisição do laboratório (Bomfim e Albergaria, prelo B).

 

Figura 1: Um aparelho - audiômetro

 

No ano da expedição dos aparelhos, grande parte da verba, mais especificamente 4.890.644 liras esterlinas, já havia sido gasta, conforme é possível verificar na correspondência datada de 11 de abril de 1955 e enviada por Giacomo Lorenzini. Restava, ainda, a quantia de 1.319. 356 liras esterlinas que seria destinada à aquisição de três aparelhos cuja construção não havia terminado.

A análise da documentação do laboratório permite mapear em três eixos a composição e os custos do laboratório:

. o primeiro eixo é constituído pelos aparelhos, testes e demais equipamentos;

. o segundo eixo traduz o material bibliográfico, mais especificamente os livros, as revistas e a aquisição de material musical;

. o terceiro e último eixo mostra as despesas realizadas com embalagens, transporte e demais taxas para a viabilização da importação dos equipamentos.

Especificando os itens de cada um desses eixos, verifica-se que, no primeiro eixo, relativo aos aparelhos, testes e demais equipamentos para a instalação do laboratório, é possível relacionar cada item com os seus respectivos valores expressos em liras esterlinas da época. Verifica-se, também, que nesse eixo estão relacionados os móveis, os dispositivos elétricos necessários ao funcionamento dos aparelhos, assim como um microscópio, que foi destinado ao estudo de biologia educacional. Veja a relação no Quadro I.

Quadro I: Relação dos equipamentos, testes e aparelhos por valores em liras esterlinas (1955)


 Relação dos equipamentos,  
 
testes e aparelhos.


      Valores em liras
      esterlinas em 1955
 

Ambidestrimetro ou falso torno

        45.000

Amplificador, microfone e altofalante

        82.500

Aparelho de Bedini completo

          7.000

Aparelho de controle de queda

        43.000

Aparelho de ilusão de Muller Lyer

          2.400

Aparelho de Richter

         33.000

Aparelho desmontável de Moede

         26.000

Aparelho para fixação de gráficos

        24.000

Audiômetro completo

      295.000

Base de microfone

          6.800

Bloco de Wiggly

          3.800

Caixa de Decroly

        33.000

Caixa de derivação

          1.150

Caixa de lã colorida

          2.200

Câmera microfotográfica

        15.000

Campímetro de Landelt

        56.800

Cardiógrafo de Jacquet

        17.250

Cinco interruptores para eletroquimó-grafo           

        13.000

Cinestesiômetro

        34.000

Compasso antropométrico

          7.700

Contador de erros L. A S. M.

        24.000

Cronoscópio gráfico

        55.000

Dezoito pranchas para daltonismo

       12.000

Dinamógrafo

        34.500

Dois alto-falantes

        25.000

Dois cronoscópio

        29.000

Dois Morse

        12.000

Dois Sinais eletromagnéticos

        41.000

Dois Suportes

          1.400

Duas cápsulas de Marey

        41.000

Duas pranchas otométricas

             500

Duplo taquistoscópio

        26.000

Eletrocronoscópio

        62.000

Eletrogravímetro

        58.000

Eletroquimógrafo

      155.000

Encaixes de Friedrich-Delys

        29.000

Ergógrafo com registro automático

        98.000

Esfignomamômetro

          6.000

Espirômetro modelo Pini

        44.200

Estesiômetro de Michotte

        48.500

Estesiômetro P. A S.

        16.000

Fabricação de três móveis para livros

      653.219

Folhas para o campímetro

          1.500

Fotoestesiometro

      150.000

Gravador de fita (magnetofono)

      254.800

Máquina datilográfica Olivetti

        38.000

Máquina datilográfica Olivetti portátil

        38.000

Máquina de rotação a motor

        92.000

Mecanismos de Fritz-Heider

        29.000

Metrônomo com contato elétrico

        14.500

Microscópio com acessórios e sua preparação do microscópio

      351.000

Mil folhas de respostas para o teste Bloco de Wiggly

          5.000

Mil folhas de respostas para o teste Caixa Decroly

          5.000

Mnemometro de Ranschurg

        43.000

Módulos para atenção

        18.000

Móvel para o quadro elétrico

        18.000

Ototipo

          1.300

Ototipo luminoso com base e completo

        60.000

Plastoscópio

          6.000

Pneumográfo

          7.000

Pneumográfo torácico

          9.500

Polidinamômetro

        33.200

Prancha otométrica cor sobre cartão

             250

Prancha otométrica para astigmatismo

             250

Projetor epidiascópio com cavalete

      147.300

Projetor Yus com duas lâmpadas

          6.000

Quadro elétrico

      180.000

Reprodutor de microfilme Didascalie

          8.000

Rodelas de Piorkowsky

          5.200

Seis dispositivos para conexão e seis dispositivos para suporte

        11.280

Série de pesos para ilusão

          1.300

Sinuosidade de Bonnardel

        25.000

Souricière de Moede

          9.000

Suporte universal

        25.000

Tapping

          5.000

Taquistoscópio completo

        60.000

Taquitoscópio de Netchaieff

        38.000

Teste de Arthus completo

        16.000

Teste de Baumgarten-Tramer

        18.000

Teste de Heuyer e Braille completo

        20.000

Teste do disco de Léon Walther

        20.000

Testes de Piéron e Toulouse        

        47.000

Tremômetro completo

        22.000

Vinte rolos de papel para quimógrafo, nove m. de tubo para prolongamento e cinqüenta cm. de borracha p/ cápsulas de Marey

          6.100

 

 

Os aparelhos, testes e equipamentos permitiam a realização de medidas biométricas, sensoriais, de aptidões específicas, de personalidade e de interesses. Conforme o relatório de atividades do Instituto de Psicologia e Pedagogia - IPP (1964), alguns aparelhos destinavam-se ao uso geral, como é o caso do quadro elétrico, do gravador de fita, do amplificador, do microscópio e do projetor. Outros serviam como registradores e medidores, como o eletroquimógrafo, o suporte universal, as cápsulas de Marey, os sinais eletromagnéticos e os pneumógrafos. Para os exames visuais, eram destinados o ototipo, o campímetro de Landelt, o plastoscópio (também denominado estereômetro de Michotte) e o fotoestesiômetro. Para a medida dos outros sentidos, eram usados o audiômetro (audição), o eletrogravímetro (sensibilidade bárica), o estesiômetro (percepção tátil) e o dinamômetro de Zimmermann (esforço e trabalho realizado). Os estudos sobre a percepção demandavam o uso dos aparelhos de Muller e Lyer (ilusões óticas), da máquina de rotação a motor (percepção de movimentos e cores), do taquistoscópio (rapidez de percepção de imagens) e dos encaixes de Friedrich-Delys (percepção de formas). O tapping, o teste de Heuyer e Braille, o disco de Léon Walther, o tremômetro e as rodelas de Piorkowsky eram usados para os estudos de psicomotricidade. Para a análise da habilidade manual e da aprendizagem, eram utilizados o Souricière de Moede, o cinestesiômetro, o falso torno, o bloco de Wiggly e a sinuosidade de Bonnardel. Para a medida de habilidade mecânica, eram usados os mecanismos de Fritz-Heider, a caixa de Decroly, os puzzles de Baumgarten-Tramer e o aparelho de Richter. Para as medidas biométricas, eram usados o espirômetro de Pini, o compasso antropométrico, o esfignomanômetro e o polidinamômetro. Finalmente, os testes de Bedini e de Toulouse e Pierón serviam para a medida de atenção.

Interessante observar que, na montagem do laboratório, os aparelhos, testes e equipamentos ficavam próximos dos materiais bibliográficos, compondo, num mesmo local, um ambiente para a leitura e para a realização de medidas e avaliações experimentais. Assim, ao lado dos aparelhos, testes e equipamentos, ficavam os livros e revistas da biblioteca especial, conforme mostra a Figura 2.

 

Figura 2: Os livros no laboratório

 

No segundo eixo da montagem do laboratório, investigamos o conteúdo do material bibliográfico da biblioteca especial e demais impressos. Para a aquisição desse material, foi significativa a participação de Ralfy Mendes de Oliveira, sacerdote salesiano brasileiro que, na ocasião, realizava seu curso de especialização na Itália. Coube a ele a seleção dos livros espanhóis e franceses, além e principalmente devido ao seu particular interesse, de um livro de música e do material musical.

Com o material impresso de caráter catequético e musical foi despendida a quantia de 32.130 liras esterlinas. Com a compra de livros na Espanha e na França, foram gastas 70.000 liras esterlinas. As demais despesas foram realizadas com as assinaturas de revistas e a compra de livros adquiridos na Itália.

A relação total dos livros para a biblioteca especial do laboratório foi composta por cinqüenta títulos. A listagem da autoria dos livros com os seus respectivos títulos encontra-se no Quadro II.

 Quadro II: Autoria por títulos dos livros

Autoria

Títulos dos livros

ARISTÓTELES

Metafísica (libro XII)

BAUDIN

Corso di psicologIa

BIOT e GALLIMARD

Guida medica delle vocazioni sacerdotali e religiose

BLESS

Manuale di psichiatria pastorale

BOGLIOLO

La tesi di laurea

BOGLIOLO

Aspetti del platonismo tomista

BOUTONIER

Les dessins des enfants

BUYSE

La experimentación en pedagogía

CLAPARÈDE

Comment diagnostiquer les aptitudes chez les écoliers

COLLIN

Précis d´une psychologie de l´enfant

CORALLO

Educazione e libertá

CORALLO

La pedagogia della libertá

COUSINET

La vie sociale des enfants

CRAECKER

Les enfants intellectuellement doués

CHIEREGHIN

Musica, divina armonia

GEMELLI

La psicologia dell´etá evolutiva

GESELL

II fanciullo daí cinque ai dieci anni

GNOCCHI

Restaurazione della persona umana

JEAN LE PRESBYTRE

Tu che diventi uomo

KÖHLER

Les problèmes neuropsychiatriques et  médico-pédagogiques de l´enfant

LACROIX

L´adolescence scolaire

LAMANNA

Filosofia e pedagogia

LENOBLE

Quand vous aurez quinz´ans

LEY e  WAUTHIER

Études de psychologie instinctive et affective

LORENZINI

Psicopatologia e educazione

MAISONNEUVE

Psychologie sociale

MATTAI

Principi di vita sociale

MONSABRE

Esposizione del domma cattolico – 18 vol.

NORA

Psicologia junioristica

NOSENGO

L´adolescente e Dio

PALADINI

La storia della scuola nell´antichità

PICHOT

Les tests mentaux

POROT

Manuel alphabétique de psychiatrie

RORSCHACH

Psychodiagnostic

ROUART

Psychopathologie de la puberté et de l´adolescence

ROVIGATTI

Educhiamo i meno dotati

SEGNALI

Come insegno le quattro operazioni

SERTILLANGES

Le problème du mal: la solution

TOULEMONDE

Les inquiets

UNESCO

L´enseignement de la géographie

UNESCO

La préparation du personnel enseignant

VIDONI

Le attitudini dell´uomo

VIGLIETTI

Orientamento professionale

FALORNI

Lo studio psicologico dell´intelligenza e della motricità

ALABASTRO

Reattivi mentali per l´esame psicologico del fanciullo

LALAUME

Pratique de psychotechnique apliquée à l´industrie

PIÉRON

Méthodologie psychotechnique

MIALARET

L´éducateur et le méthode des tests

PAGANUZZI

Purezza e pubertá

PIÉRON

Vocabulaire de la psychologie

Pela relação dos livros, observa-se que as temáticas psicológicas, pedagógicas e psiquiátricas perfaziam o total de 41 títulos, seguidas da temática em filosofia com cinco títulos, religião com quatro títulos e, finalmente, um título em harmonia musical. 

Dentre as obras que vieram para o laboratório, foi possível localizar na atual biblioteca do campus Dom Bosco da Universidade Federal de São João del-Rei, herdeira da biblioteca da extinta Faculdade Dom Bosco, somente as de Sertillanges (1951), Falorni (1952), Buyse (1937), Piéron (1951), Piéron, Pichot, Faverge e Stoetzel (1952), Rouart (1954), Claparède (1924) e Lamanna (1954).

A investigação sobre o terceiro eixo, referente às despesas bancárias, transporte e embalagens, levou-nos a um mapeamento em três agrupamentos. No primeiro agrupamento, referente aos gastos com transporte, verificou-se a existência de despesas com o material proveniente de Milão (500 liras esterlinas), com a expedição para o Brasil (314.250 liras esterlinas) e com a taxa marítima (300.000 liras esterlinas). No segundo agrupamento, foram computados os investimentos realizados com as embalagens. Foram despesas realizadas com o material para embalagens (3.800 liras esterlinas), com a construção de seis caixas de embalagem (4.500 liras esterlinas) e com o pagamento dos operários para a realização da tarefa (8.000 liras esterlinas). Finalmente, no terceiro agrupamento, computaram-se as taxas e despesas bancárias realizadas com Banca Nazionale del Lavoro (2.500 liras esterlinas) e com a expedição de documentos (1.690 liras esterlinas). No total, foram gastas 635.240 liras esterlinas com o transporte, as embalagens e as taxas.

 

A relevância do laboratório na década de 1950

Acondicionado em salas do segundo andar da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei, o laboratório ocupou, basicamente, três salas que se intercomunicavam e uma sala maior - destinada a aulas, demonstrações experimentais ou filmes. Foi, inicialmente, coordenado por Ralfy Mendes de Oliveira e os equipamentos eram utilizados nas demonstrações didáticas e nos estudos relativos às análises da visão, audição, tempo de reação motora e de reações fisiológicas.

 

Figura 3: Teste no laboratório

 

Em 1957, Ralfy Mendes de Oliveira criou o Serviço de Orientação Educacional e Profissional (SOEP), que agregou o trabalho, inicialmente voluntário, de Maria do Carmo Carvalho Mazzoni, Antonia Benedito, Niva Dâmaso de Oliveira, Hélia Ribeiro de Sá, Maria Lygia Rodrigues Leão e Antonina Gomes da Silva.

Em 1958, em outro desdobramento das atividades do laboratório, foi criado o Instituto de Psicologia e Pedagogia (IPP). Entre seus objetivos, caberia ao IPP zelar pela coordenação das disciplinas de psicologia ministradas nos diferentes cursos da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, pelo incentivo e desenvolvimento de pesquisas e pela promoção da especialização da equipe técnica. Entre suas atividades comunitárias, o IPP manteve o Centro de Estudos Pedagógicos (CEP), criou o Serviço de Orientação Educacional e Profissional (SOEP), o Centro de Pesquisas e os Círculos de Pais. O Centro de Estudos Pedagógicos (CEP) promovia reuniões com o professorado primário e secundário local objetivando a realização de debates e conferências e um evento científico anual denominado Semana de Estudos Pedagógicos, que propiciou um ativo intercâmbio com expressivos profissionais brasileiros da área.

Entre 1959 e 1962, funcionou o curso de Orientação Educacional criado por Luis Zver e José Maria Telles, a partir de suas participações no I Simpósio de Orientação Educacional, ocorrido em São Paulo, em 1957.

Embora as pesquisas realizadas na década de 1950 não tenham sido localizadas, foi possível verificar, pela menção em textos do laboratório, a existência de um levantamento de aptidão musical nos seminaristas salesianos realizado por Ralfy Mendes de Oliveira, em 1957, uma pesquisa relativa ao sentimento de felicidade entre crianças de um grupo escolar conduzida por Maria do Carmo Mazzoni e Antonia Benedito, em 1958, uma análise da situação emotiva de menores abandonados desenvolvida por Hélia Ribeiro de Sá e Maria Lygia Leão, em 1958, e uma pesquisa sobre a relação entre nível mental e rendimento escolar realizada por Antonina Gomes e Niva Damaso de Oliveira, em 1958.

Em 1959, Geraldo Servo, que havia retornado da Europa no ano anterior, substituiu Ralfy Mendes de Oliveira na coordenação do laboratório. Imediatamente, incrementou as atividades do, ainda incipiente, Serviço de Orientação Educacional e Profissional (SOEP) realizando, no referido ano, trabalhos de orientação profissional, de orientação vital e atendimentos clínicos.

Nos prontuários de orientação profissional, são freqüentes as fichas antropométricas, contendo dados somáticos (dimensão craniana, peso, envergadura, altura total e do tronco), dados biométricos (capacidade pulmonar, pressão arterial e pulsações), informações de dinamometria (tração e compressão das mãos) e índices cefálicos, vitais e de robustez. Aparecem, também, as fichas médicas e biográficas, os resultados de exames de daltonismo e da aprendizagem de coordenação visual-motora, assim como dos testes de Wiggly, Otis e Souricière de Moede.

Para os trabalhos de orientação vital, eram utilizados o sociométrico, a entrevista, as respostas ao catálogo de livros e ao questionário de personalidade de Brown e os resultados dos testes de Otis, Gex, Raven, Wiggly, Gaston Berger, WISA ou Wechsler, Weil, DAT, Thurstone, Rorschach e Piéron. Para o atendimento clínico, além dos dados coletados para orientação vital, eram usados os testes Family Tree, Goodnough, Minhas Mãos e Rosenzweig, acrescidos, quando necessário, da entrevista com os pais.

 

Considerações finais

O laboratório de psicologia, nomeado também como gabinete de psicologia e como laboratório de psicologia experimental, não foi um espaço restrito ao desenvolvimento de experimentos ou medidas neurofisiológicas. Desde sua aquisição, esteve atravessado pela concepção educacional dos salesianos que associava à formação acadêmica a formação artística, mais especificamente a musical, e priorizava a perspectiva religiosa e o atendimento à comunidade.

As pesquisas passaram a ter articulação com os trabalhos comunitários desenvolvidos na cidade e na região circunvizinha, principalmente nos oratórios festivos, nos círculos de pais e nas escolas.

Sob a coordenação de Geraldo Servo, as atividades relacionadas à psicologia experimental foram cedendo lugar às atividades pertinentes à psicologia aplicada. Cresceram, nos anos subseqüentes, as práticas do dinâmico Serviço de Orientação Educacional e Profissional (SOEP) em detrimento das atividades de pesquisa, modificando, assim, os objetivos originais do laboratório de psicologia. O SOEP, nas décadas subseqüentes, passaria a ocupar o papel de destaque, colaborando com as indústrias e demais organizações do trabalho e desenvolvendo serviços de orientação profissional, seleção e treinamento de pessoal. Cresceram, também, no SOEP, os atendimentos clínicos e educacionais.

Os aparelhos, pesados e fixos, foram rapidamente substituídos pelos testes, de fácil locomoção e de aplicação coletiva. E, sem uso, foram tornando-se obsoletos.

Contudo, permanecem as lembranças, sempre presentes nas memórias dos são-joanenes, de um importante e histórico laboratório de psicologia.

Referências bibliográficas
 

Bomfim, E. M. e Albergaria, M. T. (prelo A). Contribuições para a história da psicologia a partir do acervo do antigo laboratório de psicologia da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei: a década de 1950. Boletim CDPHA, Belo Horizonte.
 

Bomfim, E. M. e Albergaria, M. T. (prelo B). Resgatando dados para a história da psicologia em Minas Gerais na década de 1950. Cadernos de Psicologia, Belo Horizonte.

Campos, R. H. F. (1992). Notas para a história das idéias psicológicas em Minas Gerais. Em Conselho Regional de Psicologia - 4°.Região. Psicologia: possíveis olhares, outros fazeres. (pp. 11-63) Belo Horizonte: Autor.

Carvalho, Delgado (1976). História documental moderna e contemporânea. Rio de Janeiro: Record.

Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei (s/d). Há seis anos. Anais da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras. São João del-Rei, mímeo. Autor.

Instituto de Psicologia e Pedagogia - IPP (1964). Relatório - Cinco anos de atividades (1960-1964). São João del-Rei, mímeo. Autor.

Massimi, M. (1990). História da psicologia brasileira. São Paulo: EPU.

 

Notas

(1)Ver:http://www.salesianoba.com.br/salenew4/osalesiano_histo.html. (volta)

(2) Sobre a vida e a obra de Dom Bosco e sobre os salesianos no Brasil ver também: Azzi, R. (1982). Os salesianos no Brasil. São Paulo: Ed. Salesiana Dom Bosco; Bosco, T. (1993). Dom Bosco:uma biografia nova. São Paulo: Ed. Salesiana Dom Bosco.(volta)

 

Nota sobre as autoras

Elizabeth de Melo Bomfim, psicóloga e doutora em educação, é pesquisadora visitante, com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Contatos: Rua Turibaté, 50/201 – Sion – Belo Horizonte/MG - CEP 30315-410 - Brasil. e-mail: embomfim@brfree.com.br. Fone: (55) (31) 32819759.

Maria Teresa Antunes Albergaria, psicóloga e mestra em educação, é professora na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Contatos: UFSJ – Campus Dom Bosco – Praça Dom Helvécio, 74 - São João del-Rei/MG - CEP 36301-160 - Brasil. e-mail: tealberg@ufsj.edu.br. Fone: (55) (32) 3379-2885 ou 3372-8552.

 

Data de recebimento: 24/07/2004
Data de aceite: 08/10/2004

Memorandum 7, out/2004
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/bomfalberg01.htm

 

 

 

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