Jacó-Vilela, A.M.; Esch, C.F.; Coelho, D.A.M. & Rezende, M.S. (2004). Os estudos médicos no Brasil no século XIX: contribuições à Psicologia. Memorandum, 7, 138-150. Retirado em   /  /  , do World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/jacovilela01.htm

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Os estudos médicos no Brasil no século XIX: contribuições à Psicologia

 Brazilian medicine courses in the 19th century: contributions toward Psycholog

Ana Maria Jacó-Vilela
Cristiane Ferreira Esch
Daniela Albrecht Marques Coelho
Marcelo Santos Rezende
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Brasil

Resumo

O texto visa apresentar a história dos estudos médicos no Brasil por se entender, em consonância com vários historiadores da psicologia, a relevância do saber médico para a constituição da Psicologia no Brasil. Neste sentido, acompanha-se o exercício da profissão médica desde a colônia, a criação das primeiras Faculdades de Medicina e sua produção de teses médicas. Observe-se que estas representam parte relevante das primeiras produções teóricas brasileiras e têm sido pesquisadas por investigadores de origens diversas objetivando a construção da história de suas disciplinas, entre elas a psicologia. Daí decorre a importância da orientação do ensino médico, principalmente no tocante à psiquiatria e à medicina social, conforme se apresenta nessas teses. Dá-se especial relevo às teorias psicológicas mais utilizadas então porque estas serão fundamentais para a constituição do saber psicológico.

Palavras-chave: ensino médico; teses médicas; Psicologia no Brasil.

Abstract

The work aims at presenting the history of the medical studies in Brazil due to the relevance of these studies for the constitution of Psychology in Brazil. In this direction, the exercise of the medical profession is accompanied, since colonial times, by the creation of the first Faculties of Medicine and its production of medical theses. It is observed that these theses represent excellent part of the first Brazilian theoretical productions, which have been searched by researchers of diverse origins aiming at the construction of the history of their respective disciplines. This is also the case regarding Psychology. According to this theses, this is the reason why the orientation of the medical education is so important, especially social medicine and psychiatry. It is also given special attention to the psychological theories used most frequently at that time because they are fundamental importance to the constitution of the psychological knowledge.

Keywords: medical course; medical theses; Psychology
in Brazil.

Introdução

O interesse pela compreensão da história da medicina no Brasil surgiu ao nos depararmos com a importância dos cursos de medicina para o desenvolvimento da psicologia no país. Faz parte do imaginário dos historiadores da psicologia no Brasil a relevância das teses para doutor em medicina, dispositivo utilizado desde a criação das Faculdades de Medicina até 1930 para titular os médicos. Isto porque estas teses se constituem nos primeiros livros acadêmicos do Brasil, já que têm tiragem variável, dependendo do interesse e da capacidade financeira de seu autor, e versam sobre uma grande variedade de temas: os médicos são os grandes cientistas do século XIX, abarcam em seus conhecimentos muito daquilo que hoje vemos em outras áreas, como Ciências Sociais, Meio Ambiente, Educação, Psicologia, Educação Física, além de Biologia e outros temas correlatos à área médica.

Assim, a origem deste trabalho é o interesse pelas referidas teses, objeto de investigação específica em que procedemos à identificação e análise daquelas relativas à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, procurando verificar, nelas, a presença da temática psicológica. Os resultados desta investigação, bem como da com o periódico Brazil-Médico estão sendo apresentados em diversos textos a partir das análises efetuadas.

Aqui, objetiva-se apresentar especificamente um pouco da história da constituição dos cursos de medicina no país, clarificando-se o campo da psiquiatria e sua distinção dos demais campos médicos. Relevo especial é dado às principais teorias psicológicas então aceitas, pois é nesta base que a psicologia irá se constituir como um saber específico sobre a subjetividade, em contraposição ao saber neo-escolástico sobre a alma que imperava até então.

Ressalte-se que o propósito maior deste texto é servir de auxílio a outros pesquisadores do tema, pois o interesse pela contribuição médica à constituição da psicologia torna necessária uma compreensão, pequena que seja, sobre a formação médica. Assim nos preocupamos principalmente em apresentar de forma coerente a história desta formação no Brasil e o aparecimento, nela, dos saberes psicológicos, recorrendo para isto principalmente a estudiosos que já se dedicaram a esta temática. Ou seja, não pretendemos utilizar aqui o recurso a fontes primárias porque nosso objetivo não é a formação em medicina em si, mas um de seus resultados, as teses. Estas, todavia, não são objeto de análise neste texto.

 

O contexto

Até meados do século XVIII as cidades brasileiras encontravam-se abandonadas por Portugal (Costa, 1979). A ocupação do território era realizada por iniciativa particular dos colonos. Quando Portugal desenvolveu um novo tipo de interesse, devido à descoberta do ouro, passou a exercer um controle mais rigoroso sobre a colônia, intensificando a extorsão econômica. Além disso, a disputa que havia entre Igreja, Governo e Câmara (1) (senhores rurais e grandes negociantes) gerava a impressão de ausência de um poder único e de existência de uma lei obscura.

Paralelamente a isto, episódios de sabotagem econômica e de rebeldia política – tanto de intelectuais, como na Inconfidência Mineira (1789), quanto de camadas populares, como na Conjuração Baiana (1798) – multiplicavam-se. As infrações dos colonos passaram a ser punidas com truculência e arbitrariedade. Entretanto, esta estratégia punitiva terminou por esgotar suas possibilidades de ação sem modificar o perfil insurreto da população. O século XIX recebeu a desordem urbana praticamente intocada. Esta conclusão pode ser comprovada pela presença de diversas revoltas populares, como a Revolução Pernambucana (1817), a Sabinada (1834), a Balaiada (1838) e a Cabanagem (1835) (Fausto, 1994) (2).

Além dos problemas das insurreições populares, as cidades estavam subjugadas a uma espécie de absolutismo patriarcal. O monopólio das famílias rurais ocorria através das câmaras municipais, e por isso tinham uma forte influência na organização político-social da colônia. A família colonial não formava cidadãos livres e autônomos, como é o nosso modelo de indivíduo moderno. Ao invés disso, formava parentes e “apadrinhados”, todos dependentes das decisões do patriarca. No seu apego à tradição, a família colonial mantinha-se em um estado de inércia que impedia o estabelecimento da ideologia liberal, cujos preceitos estabeleciam, como sua base, um sujeito senhor do seu livre-arbítrio, autônomo, igual aos demais e livre para estabelecer contrato no mercado de trabalho.

Ao desembarcar no Brasil em 1808 com a corte portuguesa, D. João VI pretende estabelecer instituições centralizadoras (Shwarcz,1995) que pudessem, de alguma forma, restabelecer a ordem e ao mesmo tempo “civilizar”, ou seja, europeizar a sociedade.

Data dessa época a instalação dos primeiros estabelecimentos de caráter cultural, como a Imprensa Régia (até então não havia, no Brasil, imprensa autorizada por Portugal), o Real Horto e o Museu Real. Vinculados aos modelos metropolitanos, os primeiros centros de saber enxergavam o Brasil ora como espelho, ora como extensão da corte portuguesa. D. João VI, logo após a mudança da corte para o Brasil, centralizou o poder na colônia, promovendo o início da criação de um Estado nacional e do desenvolvimento urbano, pelo menos na capital, Rio de Janeiro. Como os integrantes da nobreza portuguesa poderiam viver num país que não tinha os hábitos de consumo, lazer, higiene e moradia que havia na Europa? O comércio internacional, as instituições culturais e de ensino superior surgiram como instâncias modernizadoras e civilizadoras da provinciana sociedade brasileira.

Dentro desse contexto civilizatório foram criadas, em 1808, as Cadeiras de Cirurgia e Anatomia que, em 1832, deram origem às Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Nesta época, o Brasil, agora país independente (3), adquiria maior facilidade de contato com o restante da Europa, o que propiciava a penetração de idéias correntes no Velho Mundo, especialmente na França. Assim, apresentaremos a seguir uma breve descrição do processo de institucionalização da medicina no Brasil, seguindo alguns estudiosos escolhidos por sua dedicação ao tema, a fim de melhor compreendermos o contexto acadêmico em que nosso objeto de estudo se situava.

 

A Institucionalização da Medicina no Brasil

Antecedentes

No período que se estende do século XVI ao início do século XIX, os profissionais habilitados, portadores de “licença”, de diploma ou “carta” para exercer a Medicina no Brasil, foram os físicos e os cirurgiões. Sofreram, contudo, a concorrência dos não habilitados, isto é, dos “práticos”, designados por uma vasta sinomínia – curandeiros, curadores, entendidos, curiosos, entre os quais se incluíam os pajés, os boticários e barbeiros, além dos jesuítas (Santos Filho, 1991; Maia, 1996).

Os físicos, ou médicos propriamente ditos, foram principalmente os licenciados pela Universidade de Coimbra.

Os cirurgiões da época, por sua vez, podem ser classificados em várias categorias. A grande maioria dos residentes no país nos séculos XVI e XVII constitui-se dos “cirurgiões barbeiros”, que se habilitaram como aprendizes ou ajudantes de mestres, foram examinados e receberam “carta” (Santos Filho, 1991). Além dos atos cirúrgicos comuns à época, sangravam, sarjavam, aplicavam ventosas e sanguessugas, extraíam dentes, barbeavam e cortavam o cabelo, estas duas últimas práticas restritas ao “barbeiro” do século XVII em diante. Trata-se pois de uma medicina hipocrática, onde se estudam os humores, pratica-se a sangria. Entretanto, seus fundamentos na religião impedem que avance nos processos experimentais e empíricos (de vivisseção, por exemplo) que já faziam parte e muito haviam contribuído para o avanço da medicina européia (Rossi, 1998).

Outra categoria é a dos “cirurgiões aprovados”, que seguiam um curso teórico-prático em hospitais, se submetiam a exame e obtinham “carta” que lhes outorgava o direito de exercerem todos os tipos de cirurgia e, mesmo, a própria medicina, onde não houvesse físicos. Apareceram no Brasil a partir do século XVII e dividiram a clientela com estes últimos. Finalmente, outros, os “cirurgiões diplomados”, formados por escolas européias que não as ibéricas, também aqui viveram no século XVIII. Entretanto, foram minoria (Santos Filho, 1991; Salles, 1971).

 

Da criação dos primeiros cursos às Faculdades de Medicina

O ensino oficial de medicina teve início logo após a chegada de D. João VI ao Brasil, através da criação da Escola de Cirurgia da Bahia e da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, em 1808 (Santos Filho, 1991). Ambas funcionaram no Hospital Real Militar das respectivas cidades. Em 1813 (4) a Escola do Rio de Janeiro transformou-se na Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, tendo o mesmo acontecido, dois anos depois, com a Escola da Bahia.

O curso durava cinco anos; terminados os exames do quarto ano, os alunos que o desejassem recebiam a “Carta de cirurgia”. Os que completavam o quinto ano, por sua vez, ficavam habilitados a exercer a Cirurgia e recebiam “licença para curar de Medicina”. Entretanto, ainda na década de 20 do século XIX era intenso o clamor em prol da reforma das Academias Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e Bahia, apontadas como deficientes e anacrônicas. (5)

Em 1829 é fundada a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (6). Chamada, em 1830, a dar parecer sobre os planos de reorganização do ensino médico, tem seu anteprojeto aprovado com pequenas alterações pela Comissão de Saúde Pública da Câmara, e promulgado como lei em 1832. A partir deste momento, estavam criadas as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Até a confecção de um regimento, foram adotados os estatutos da Faculdade de Paris (7). Instituíram-se três cursos: o de Medicina, o de Farmácia e o de Partos, e as faculdades passaram a conceder os títulos de “doutor em Medicina”, “farmacêutico” e “parteira”. Como nosso objetivo refere-se às teses da Faculdade de Medicina, vamos nos deter aqui às exigências para a obtenção do título de “doutor em Medicina”. (8)

Os candidatos a este título deveriam sustentar, em público, uma tese, escrita no idioma nacional ou em latim, e impressa à própria custa. A tese compreendia uma “dissertação” e a enumeração de “proposições” que se traduziam, muitas vezes, na transcrição ipsis verbis de aforismos de Hipócrates.

O curso médico, pela nova regulamentação, deveria ter a duração de seis anos, sendo composto por quatorze matérias divididas em três seções: ciências acessórias, ciências cirúrgicas e ciências médicas. De acordo com Santos Filho (1991), as reformas que se processaram no regime monárquico e as seguintes, no período republicano, visaram, em essência, adaptar o ensino ao progresso técnico-científico que se verificava na Medicina.

As aulas nunca foram regulares, dada a ausência constante de vários lentes. O ensino médico sofria ainda com a precariedade do material escolar, com a falta de instrumentos, de drogas, de vasilhames, e até de cadáveres para as dissecações anatômicas. A precariedade de espaço físico é uma constante em todo este período. A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro só veio a ter sua sede própria em 1918, quando foi inaugurada a Faculdade Nacional de Medicina da Praia Vermelha (9).

 

A orientação doutrinária do ensino médico

No século XIX afirma-se a influência francesa no ensino da Medicina no Brasil, ao passo que, nos séculos anteriores, prevaleceu, ou antes, imperou a Medicina ibérica. No século XIX, a influência gaulesa estendeu-se não somente à Medicina, como às demais ciências, à literatura, aos costumes, ao comércio. Teorias e conhecimentos oriundos de outros países europeus, como da Alemanha e da Inglaterra, também foram adotados no Brasil por muitos profissionais quando já ia bem avançado o século XIX, embora tivessem presença menor que a francesa. Desse modo, importava-se e aplicava-se a teoria, a orientação, os métodos clínicos, a técnica cirúrgica e a terapêutica (10).

Os profissionais desta fase, denominada por Santos Filho (1991) como pré-científica, são os doutores em Medicina formados, na maioria, pelas Faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia. Substituíram os “físicos” dos três primeiros séculos. Obrigados à auto-suficiência, forçados a entender e a praticar todas as especialidades, todos os ramos da Medicina, constituíram o que se convencionou chamar de “médicos-de-família” (11), ou seja, aquele que medicava os membros de uma família, do recém-nascido ao ancião, de ambos os sexos, atendendo-os ora como clínico, ora como cirurgião, e ainda como parteiro.  Era, além do mais, o conselheiro, consultado e ouvido nas dificuldades e nos problemas domésticos.

A Medicina continua teórica e essencialmente clínica, vale-se da observação ao pé do leito do enfermo, baseia-se nos sintomas e em sinais visíveis e suspeitados, os quais, depois de comparados e somados, determinam a natureza da doença. Inexistiam os meios auxiliares de diagnóstico e, portanto, a casuística – o registro dos casos – era um fator importante para determinar o diagnóstico. A patologia repousava na sintomatologia, enquanto a origem, as causas - por desconhecidas, ignoradas, ou ainda, por mal avaliadas - eram atribuídas, como no passado, às condições climáticas, aos desregramentos alimentares e sexuais, a estados emotivos, a “germes”, vapores e humores indeterminados, genéricos, já que a teoria microbiana só surge ao final  do século XIX.

Entretanto, a medicina no Brasil também começa a assumir o novo paradigma científico e, como tal, além de criar instituições como as já citadas, necessita de seus meios de divulgação. Surgem os periódicos médicos, dos quais dois se destacam por sua duração, tornando-se um importante veículo de pesquisa, intervenção e divulgação de idéias.  São eles a “Gazeta Medica da Bahia”, primeiro periódico médico brasileiro, criado em 1866, e o “Brazil Medico”, do Rio de Janeiro, criado em 1887.

A “Gazeta Medica da Bahia” surgiu a partir de um grupo de médicos, (12) não pertencentes ao quadro de lentes da Faculdade da Bahia, que se reuniam, a partir de 1865, em sessões científicas, com discussões sobre Anatomia Patológica, alicerçadas em dados fornecidos pelo microscópio. Esses médicos, com as suas cuidadosas observações e seus estudos clínicos, iniciam uma nova era na Medicina brasileira. São eles os predecessores e, mesmo, os arautos da Medicina experimental no país. Foram denominados “tropicalistas”, ou, em terminologia atual, parasitologistas (Santos Filho, 1991). A Gazeta Medica da Bahia, pelo seu conteúdo, pode ser apontada como um verdadeiro tratado de Medicina Tropical brasileira (Schwarcz, 1995).

O Brazil Medico, ao contrário da Gazeta Medica da Bahia, nasceu vinculado à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Para Schwarcz (1995), o periódico adquirirá um perfil próprio a partir de finais do século XIX com o fortalecimento da área de higiene pública, quando terá um papel vital no combate às epidemias e na divulgação das campanhas de saneamento e no apoio a uma “medicina tropical” (p. 223). Em nossa pesquisa sobre este periódico observamos que assume de forma explícita um caráter didático, de formação dos médicos, através de artigos sobre estudos de caso, além de indicar literatura atualizada, apresentar resumos de obras recém-lançadas na Europa e estimular, via divulgação, a participação em eventos científicos. Em todos estes casos, a partir dos anos de 1912 surge a menção explícita a livros, eventos, estudos psicológicos (13).

 

Medicina Social

De acordo com alguns estudiosos que trabalharam com as teses defendidas nas Faculdades de Medicina, muitas delas discorrem sobre temas sociais, de modo que podem ser consideradas como pertencentes à Medicina Social. Segundo Antunes (1998), “tratam de questões relacionadas à higiene e àquilo que hoje consideramos como fatores psicossociais” (p. 30).

Machado (1978) também as situa na esfera da Medicina Social, afirmando que esta se empenhava na busca de uma normalização da sociedade com vistas a uma formação sadia. Era preciso que a sociedade fosse organizada e livre de desvios. O que causava “desordem” deveria ser eliminado ou devidamente controlado através de projetos profiláticos e reparadores. Nota também que, nas teses, freqüentemente há uma elaboração de propostas para várias organizações sociais, com a finalidade de higienizá-las: uma preocupação com hospitais, cemitérios, bordéis e, de maneira especial, com a escola e a própria instituição familiar.

Assim, por exemplo, verificamos que a campanha pela amamentação materna gera afirmativas como a de Duque, em sua tese “Hygiene da Criança, do nascimento à queda do cordão umbilical” (1864, pp. 23-24): “... o leite é, pois, incontestavelmente aquelle que a natureza destinou ao recém-nascido, e o substitui-lo seria ir de encontro ao voto desta, e diminuir a humanidade”.

Nessas propostas médicas observa-se também uma certa produção de idéias moralizantes expressas através de formas de controle de comportamento, sempre com a justificativa de visar uma vida mais saudável. Ubatuba, por exemplo, em sua tese de 1845 (p.22): “Algumas considerações sobre a educação physica”, dirige-se diretamente ao que deve ser o comportamento adequado da mulher: “vesti-vos, alimentae-vos regradamente e compenetrae-vos d’esta verdade que sois esposas, mãis, e que sois mais a alma de vossas famílias do que das sociedades”.

É importante notar também que até o século XVIII o ensino na colônia portuguesa, limitado às escolas elementares, era controlado pelos jesuítas. Em meados do século XVIII os jesuítas são perseguidos em Portugal - e conseqüentemente no Brasil - através das sanções de Marquês de Pombal (14). Com a proibição do trabalho educacional dos jesuítas, o clima intelectual brasileiro fica mais rarefeito, só movimentado pela entrada, embora pequena e restrita, de ideologias liberais originadas no contexto da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos.

No século XIX, contudo, a intelectualidade brasileira se encontra em meio a um fluir de idéias que ofereciam a possibilidade da construção de novos discursos filosóficos, extremamente ecléticos, no dizer de Alberti (1999). Notadamente a partir da chegada dos pensamentos evolucionista, materialista e, principalmente, do positivismo ao Brasil (este já no último quartel do século XIX), Alberti observa, nas teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, uma crescente objetivação da alma, tirando-a das mãos de Deus e gradativamente colocando-a sob o controle rigoroso da ciência.

Neste contexto, julgamos fundamental o exame das idéias em desenvolvimento na Europa, especialmente na França, que influenciaram significativamente a consolidação do campo médico brasileiro.

 

Principais teorias européias influentes no ensino médico brasileiro

A consolidação da psiquiatria enquanto especialidade médica no Brasil acompanhou o desenvolvimento desta disciplina no cenário europeu. Assim como na Europa, o nascimento da psiquiatria aqui está estritamente vinculado ao nascimento do asilo enquanto instituição psiquiátrica, de modo que a inauguração do Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1852, é muito freqüentemente considerada o marco inicial do exercício da atividade psiquiátrica entre nós. A construção do Hospício, inserida no emergente projeto de urbanização e ordenação da cidade, simbolizou, entre outras coisas, uma tentativa do nascente Império brasileiro em mostrar-se em consonância com a modernidade européia.

Neste momento, as faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia — que, como dito, foram criadas em 1832, sucedendo aos antigos colégios médico-cirúrgicos — possuíam uma cátedra de Medicina Legal (Russo, 1993). Logo em seguida foi criada a cadeira de Higiene, uma das principais áreas de pesquisa, sobretudo no Rio de Janeiro. Somente em 1881, numa nova reforma do ensino médico (decreto 3024), foi criada a cadeira de Clínica Psiquiátrica e Moléstias Mentais, que, no caso da Faculdade do Rio de Janeiro, foi interinamente ocupada pelo também catedrático de Medicina Legal à época, Dr. Nuno de Andrade, diretor médico do hospício. Conforme Venâncio (2003), somente em 1887 a nova cátedra e a direção do Hospício serão ocupadas por aquele que é considerado o primeiro psiquiatra brasileiro, João Carlos Teixeira Brandão (1854-1921). Observamos, pois, que a Psiquiatria se constitui no Brasil por um lado no mesmo movimento do que ocorrera na França – a partir da existência do hospício e do trabalho com pessoas internadas e classificadas como doentes mentais (e não mais os loucos a serem considerados como “diferentes” nas ruas da cidade ou colocados nas naus dos desvairados). Por outro lado, ela se constitui a partir da Medicina Legal, ou seja, as questões da inimputabilidade e da periculosidade do réu ou criminoso são questões prementes à época e fazem com que a investigação dos atributos do indivíduo seja uma questão relevante na interseção da Medicina com o Direito, o que vai justificar, por exemplo, a relevância da teoria da degenerescência, como veremos abaixo.

Esta e outras idéias em desenvolvimento na Europa, e ainda mais especialmente na França, influenciaram significativamente a consolidação do campo médico brasileiro, de modo que grande parte das teses elaboradas pelos alunos da Faculdade de Medicina para sua conclusão de curso é muito freqüentemente considerada uma mera reprodução ou compilação de autores franceses, dentre os quais se situam, por exemplo, Pinel, Esquirol, Morel, Ribot, tese com a qual não concordamos por partilharmos do princípio da “tradução” tão bem exposto por Schwarz (1992) (vide nota 10).

Philippe Pinel (1745-1826) foi o primeiro autor a estudar a loucura de forma empírica, contrapondo-se às concepções teológicas e metafísicas desenvolvidas até então, as quais, vendo os loucos como vítimas de possessões demoníacas ou de outros fenômenos sobrenaturais, não os encaravam como doentes e, portanto, como pertencentes à esfera médica. (15) Representante do espírito iluminista de sua época, Pinel defendia como princípios básicos de orientação de um médico na busca da verdade os mesmos seguidos pelas outras ciências naturais para este fim (Teixeira, 1997). Assim sendo, preconizava que os médicos partissem do estudo dos sintomas apresentados para, a partir daí, se chegar a um quadro clínico mais geral, o que constituiria o método a ser utilizado na investigação e análise das doenças mentais. Segundo Teixeira (1997) as noções introduzidas por Pinel consolidaram novos conceitos operatórios:

(1) uma semiologia psiquiátrica, a partir do olhar do alienista que convive, observa e descreve minuciosamente o comportamento dos doentes; (2) uma nosografia, com a conhecida divisão pineliana em quatro grandes classes, a saber: a mania, a melancolia, a demência e o idiotismo; (3) uma abordagem clínica, que parte dos sintomas para chegar aos quadros clínicos; e (4) uma terapêutica específica da loucura, voltada para o tratamento das causas corporais e, principalmente, das chamadas causas morais, isto é, das paixões descontroladas, ardentes ou pervertidas que estariam na base da insanidade (p. 46).

O tratamento moral, proposto por Pinel como terapêutica específica para a loucura, defendia a regularização e conseqüente disciplinarização dos hábitos dos internos, o que se traduzia, por exemplo, no estabelecimento de horários para todas as atividades, na definição de uma rotina precisa para os trabalhos, na administração dos momentos de recreio, enfim, no controle de tudo aquilo que contribuísse para uma rigorosa ordenação do seu quotidiano. Além disso, a restrição aos jogos que exaltassem as paixões e o reconhecimento e sujeição à autoridade do médico, também eram tidos como elementos fundamentais abarcados nesta proposta terapêutica (Castel, 1978).

Na concepção de loucura desenvolvida por Pinel estava presente a idéia de perturbação do entendimento, uma disfunção do intelecto ou faculdade de pensar, onde o delírio figuraria como um sintoma necessário para o diagnóstico da doença mental. Jean-Etienne Dominique Esquirol (1772-1840), complementando Pinel, amplia a sua noção de loucura quando a descreve também como uma “aberração profunda dos sentimentos morais” (Castel, 1978, p. 270), e, assim, reafirma a importância do asilo enquanto o único local apropriado para o tratamento moral dos alienados. A partir de Esquirol, o afastamento social do louco passa a ser considerado terapêutico por si só, e o hospício passa a ser visto definitivamente como um instrumento necessário para a intervenção médica na loucura, do qual, portanto, o alienista não poderia prescindir.

A Teoria da Degenerescência, desenvolvida por Bénédict-Augustin Morel (1809-1873), foi uma das grandes influências no meio médico brasileiro da segunda metade do século XIX e inícios do XX, principalmente por sua relevância para a Medicina Legal, como exposto acima. Defende a idéia da transmissão de uma predisposição do organismo à degenerescência, que pode ser identificada pela ocorrência de traços físicos e morais característicos aos degenerados. Leonel Gomes Velho, em sua tese “Do degenerado e sua capacidade civil”, de 1905, apresenta as idéias de Morel e de alguns de seus seguidores, procurando inicialmente apontar as diferentes definições de “degenerado” e de como este se encontra presente em todos os recantos da vida – não existem só os degenerados débeis, pouco aptos para as lutas pela existência, mas também os superiores, aqueles indivíduos

originais, bizarros e excêntricos que, apesar de serem triunfantes na vida e até ocuparem elevadas posições sociais, são tão anormais sob o ponto de vista cerebral quanto os idiotas. Devido a este fato, os débeis, por serem impotentes, são menos prejudiciais à sociedade que os degenerados superiores (s/esp).

Assim, a degenerescência não estaria ligada somente à alienação mental, mas à idéia de desvio de modo geral.

As causas da degeneração são pensadas como podendo ser tanto físicas quanto morais. Como possíveis causas físicas são apontadas a insalubridade dos climas, a má higiene e a insuficiência das moradias e da nutrição, sendo atribuída especial importância ao meio enquanto produtor de condições propícias à instalação de processos degenerativos. Como causas morais, por outro lado, figuram a ignorância, a avareza, a sede de prazeres, a prostituição, os fanatismos, entre muitas outras (Serpa Jr., 1998, p.18). No entanto, também são apontadas com freqüência lesões físicas, morais e intelectuais como sendo conseqüências do processo de degeneração, o que demonstra o caráter paradoxal deste processo, onde causa e efeito são muitas vezes confundidos, num processo de retroalimentação.

Uma das formas encontradas pela medicina para intervenção neste processo foi a higiene, mencionada por Morel como possibilidade de tratamento para a degenerescência. A higiene moral empenhava-se na moralização dos hábitos e costumes do degenerado, a partir da disseminação de uma lei moral que, sendo universal, seria o principal fator de união da espécie humana. À higiene física não é atribuída menor importância, pois se proclamava uma interdependência do físico e do moral, já que somente em um organismo saudável a moral poderia desenvolver-se adequadamente.

É interessante notar que a problematização acerca das relações entre o físico e o moral é bastante representativa das discussões em voga neste momento. Como já vimos, com a chegada dos modelos científicos em vigor na Europa, como o  positivismo, e o progressivo abandono do “discurso da alma”, pela entrada em cena do discurso biologizante, a definição de uma localização física das funções psíquicas - ou seja, do que no momento anterior era entendido como “atributos da alma” - passa a ser o objetivo primordial perseguido pelos médicos de então. Este é um momento que Keide e Jacó-Vilela (1999) denominam como um processo crescente de fisiologização da alma.

As idéias psicológicas em desenvolvimento na França e na Alemanha, traduzidas, respectivamente, nas figuras de Ribot e Wundt, também exerceram influência na produção acadêmica de nossos médicos.

Wilhelm Wundt (1832-1920), fundador do Laboratório de Psicologia em Leipzig em 1879 é reconhecido, de uma maneira geral, como o fundador da Psicologia científica, embora este rótulo muitas vezes deixe ocultas as condições de possibilidade para este papel criadas por trabalhos anteriores, como os de Muller e de Fechner, bem como enfatiza a vertente experimental de seu trabalho, desdenhando sua “psicologia dos povos”. Esta será a face de seu trabalho que chega ao Brasil e propiciará, já nos princípios do século XX, a montagem de laboratórios.

Na França, por sua vez, a Sociedade de Psicologia Fisiológica, fundada em 1885, em Paris, sob a liderança de Theodule Ribot (1839-1916), surge por sua vez em contraposição à vertente filosófica anteriormente predominante designada como “espiritualismo” (16) e pretendia contribuir para uma autonomização da psicologia, afastando-a da filosofia e possibilitando, a partir de um maior comprometimento com a fisiologia, que obtivesse um estatuto científico.

Assim, ressalvadas as diferenças entre os dois autores acima, observa-se que apresentavam em comum a compreensão de que a psicologia fisiológica deveria basear-se em fatos concretos, evitando quaisquer especulações de cunho filosófico que a aproximassem de uma metafísica, pois somente desta forma poderia ser, de fato, enquadrada no conjunto das ciências. Com este intuito, buscava-se estabelecer uma correspondência entre os fenômenos psicológicos e fisiológicos, afirmando-se, com base nos novos conhecimentos acerca do sistema nervoso, que eram de uma mesma natureza, fundamentando-se assim organicamente a atividade psíquica. Ribot, contudo, terá maior presença entre os médicos brasileiros pois sua psicologia era mais centrada na observação da patologia, que não via como negação ou oposição ao funcionamento normal, mas como degradação deste. Seus estudos dirigidos para a patologia mental têm grande importância para esta vertente da psicologia experimental européia, contribuindo para o fortalecimento de uma abordagem clínica por parte de seus teóricos. Partia-se do princípio de que, a não ser por uma variação quantitativa, os fenômenos patológicos são idênticos aos normais, o que significa, em outras palavras, que a patologia poderia viabilizar estudos sobre as condições de normalidade, já que seria equivalente a estas em uma outra escala. Assis, em sua tese “Das emoções”, de 1892, após dizer que a psicologia experimental talvez explique a insensibilidade afetiva, principalmente pela análise das formas de “ataque”, de alterações da personalidade, diz que

O objeto, portanto, da psychologia physiologica é descrever os phenomenos do mundo mental e investigar as leis que os regem. (...) na sciencia mental, o psycho-physiologico nada tem a vêr com a alma e com as suas faculdades, substancia ou causas metaphysicas (s/esp).

Esta valorização da psicopatologia foi um dos elementos fundamentais na definição de um caráter eminentemente intervencionista da psicologia fisiológica, caráter este que a distinguirá de outras vertentes da psicologia experimental – como a própria psicologia alemã - e que a tornará especialmente interessante para a realidade brasileira. A perspectiva intervencionista oferecida por este modelo será, portanto, mais freqüentemente adotada pelos intelectuais brasileiros, que, na busca constante de soluções para os problemas da cidade, estarão sempre propondo fazer uso de técnicas de intervenção (Jacó-Vilela, 2000).

 

Considerações Finais

O processo de institucionalização do ensino médico no país foi instrumento relevante para o caráter científico e moderno da medicina praticada no Brasil. Um de seus fatores mais relevantes, a compreensão sobre o estatuto da alma, releva uma contínua mudança da relação alma versus corpo, a fisiologização de antigos atributos da alma possibilitando aos médicos uma maior autoridade para assumirem uma regulação das condutas humanas e conseqüentemente dos fenômenos sociais relativos à saúde, saneamento, habitação e outros. Afinal, ninguém melhor que médicos – que, é importante ressaltar, atuavam em acordo com os interesses do Estado - para organizar uma sociedade composta de pessoas cujas condutas, sentimentos e motivações são regidos por processos fisiológicos.

Considerava-se a conduta anti-higiênica dos habitantes como subversiva e um empecilho fundamental à saúde e à organização da cidade. As técnicas higiênicas da Medicina Social concretizaram-se por dispositivos de persuasão que procuravam mostrar as vantagens (diminuição da mortalidade dos filhos, mais saúde, e vida mais longa) de uma submissão às suas ordens. Santos, por exemplo, em sua tese de 1857 intitulada Que regimen será mais conveniente para a creação dos expostos da Santa Casa de Misericórdia, attentas nossas circunstancias especiaes: a criação em comum dentro do Hospício, ou a privada em casas particulares? diz:

Se a cifra dos meninos engeitados, e educados á custa da sociedade, cresceu tão prodigiosamente, há trinta annos, não é porque de anno a anno haja um numero maior de meninos expostos e engeitados; é porque morrem muito menos, graças às applicações felizes da hygiene publica á educação das crianças (Santos, 1857, p. 24).

Ou seja, os médicos recorrem aos saberes psicológicos para exercerem sua função, quer aqueles saberes oriundos da tradição brasileira quer, principalmente, os novos conhecimentos científicos em desenvolvimento na Europa.

A sociedade brasileira no século XIX atravessou uma profunda transformação econômica e social desde a chegada da família real no começo do século. Nesse contexto, a medicina foi chamada para contribuir na solução de diversos problemas, incluindo-se aí a preocupação com fenômenos que poderíamos chamar de “psicológicos”. Assim, é possível dizer que o século XIX foi para a Psicologia o momento fundamental que preparou as condições para sua constituição e posterior autonomização como saber independente.

 

Referências bibliográficas

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Notas

(1) Não poderiam ser eleitos membros das Câmaras pessoas mecânicas, mercadores, filhos do reino, judeus, soldados nem degredados, e sim nobres somente, naturais da terra e descendentes dos ,conquistadores, segundo diversos alvarás e cartas régias que vão de 1643 a 1747.(Garcia, 1975, citado por Costa, 1979, p. 40).

(2) Revolução Pernambucana: revolta de cunho liberal que conseguiu congregar em torno de um ideal de emancipação política e republicanismo, populares, intelectuais, militares e religiosos.
Sabinada
: movimento promovido por fazendeiros e militares baianos descontentes com as medidas impostas pela Regência. Não incluía a defesa de interesses populares como a libertação de escravos e outros.
Cabanagem
: movimento liderado por fazendeiros e comerciantes paraenses, gerado pelo inconformismo contra medidas impostas pelo poder central. Teve ampla participação da população pobre, conhecida como cabanos.
Balaiada:
revolta liderada por escravos e sertanejos pobres que viviam no Maranhão. Receberam apoio de liberais, pessoas ricas e de prestígio social, descontentes com o poder central.

(3) A fundação do Instituto Histórico e Geográfico em 1838, já no período imperial e de forma associada financeira e intelectualmente ao monarca, surgiu da necessidade de se criar uma história e inventar uma memória para a nação recém-fundada.

(4) Projeto elaborado por Manuel Luís Álvares de Carvalho, “diretor dos estudos de Medicina e Cirurgia da Corte e do Estado do Brasil”, físico-mor do Reino, e aprovado pelo decreto 1º de abril de 1813. O curso durava cinco anos, estando as disciplinas distribuídas da seguinte maneira: Primeiro ano - Anatomia Geral; Química farmacêutica e noções de farmácia; Segundo ano - Anatomia (repetição) e Fisiologia; Terceiro ano: Higiene, etiologia, patologia e terapêutica; Quarto ano: Instruções cirúrgicas e operações, Arte obstétrica, teoria e prática; Quinto ano: Medicina (exercícios práticos nas enfermarias) e Arte obstétrica (repetição). Posteriormente, determinou-se que os alunos da Academia do Rio de Janeiro tivessem aulas de Botânica, Patologia cirúrgica e de matéria médica e farmacêutica.

(5) Alguns projetos de reforma do ensino médico foram apresentados na década de 20 até culminar no projeto aprovado, em 1832, que cria as Faculdades. Para maiores detalhes, ver Santos Filho (1991, p. 87-88).

(6) Em 1835 é transformada em Academia Imperial de Medicina, que hoje é a Academia Nacional de Medicina (Maia, 1996).

(7) Este detalhe é revelador da influência francesa à época.

(8) A organização do curso era a seguinte: Primeiro ano: Física médica; Botânica médica e princípios elementares de zoologia.  Segundo ano: Química médica e princípios elementares de Mineralogia; Anatomia geral e descritiva. Terceiro ano: Anatomia; Fisiologia. Quarto ano: Patologia externa; Patologia interna; Farmácia, Matéria médica, especialmente brasileira, Terapêutica e arte de formular. Quinto ano: Anatomia topográfica, Medicina operatória e aparelhos; Partos, moléstias de mulheres pejadas e paridas e de meninos recém-nascidos. Sexto ano: Higiene e História da Medicina; Medicina Legal. E ainda: Clínica externa e Anatomia patológica respectiva, a todos os estudantes do segundo ao sexto anos; e Clínica interna e Anatomia patológica respectiva aos do quinto e sexto anos.

(9) No Rio de Janeiro, a primeira sede do curso, em 1808, foi o Hospital Real Militar; em 1813, com a ampliação do ensino, as aulas passaram a ocupar também a Santa Casa de Misericórdia.  Em 1856 a Faculdade muda-se para o prédio onde funcionava o Recolhimento das Órfãs, mantido pela Santa Casa. Permanece neste local até a aquisição de sede própria, em 1918, quando é inaugurada a “nova Faculdade Nacional de Medicina”, localizada na Praia Vermelha. Em 1973, a Faculdade muda-se novamente, agora para a Cidade Universitária da Ilha do Fundão, local onde permanece até hoje.

(10) Entretanto, é oportuno lembrar, com Schwarz (1992), que esta importação implica nova leitura do que foi importado (Conferir capítulo As idéias fora do lugar).

(11) Consideramos oportuna a comparação com os atuais “médicos de família”, categoria criada no Brasil após o excesso de privilégios à especialização e que é compreendida como “assimilação” do modelo cubano, desconhecendo-se a experiência brasileira prévia neste modelo.

(12) Formado pelo escocês John Paterson, o alemão nascido em Portugal Oto Wucherer, e o português Silva Lima (Santos Filho, 1991).

(13) Embora não pretendamos detalhar aqui nossas investigações com as fontes primárias, consideramos importante salientar que, em nossa pesquisa sobre este periódico, os artigos foram divididos em 11 categorias, quais sejam: Alcoolismo/ Drogas; Sexualidade; Clima/ Topologia; Psicologia; Higiene; Infância/ Juventude; Saneamento; Serviços e Assistência; Ocorrências Psíquicas/ Psiquismo; Instituições e Doenças. Em nossa análise destas, por sua vez, temos confirmado o caráter eminentemente didático que o Brazil-Médico assume.

(14) Fortemente influenciado pelo Iluminismo, Pombal – ministro de Estado de D. José I – se insere no quadro do despotismo esclarecido, em que os monarcas, sem abandonar o poder absolutista, adotam algumas práticas e princípios liberais. As ordens religiosas, donas de um grande patrimônio de bens, faziam constantes interferências em assuntos do Estado. Pombal, marcado pelo anticlericalismo típico do Iluminismo, promoveu a expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus domínios em 1759.

(15) Até então os loucos viviam pelas ruas ou eram objeto de internamento nos hospitais gerais, ao cuidado das irmãs de caridade, ou seja, a loucura não era objeto de interesse da ciência.

(16) Esta vertente teve como principais representantes Pierre-Paul Royer-Collard, Victor Cousin e Théodore Jouffroy.

 

Nota sobre os autores

Ana Maria Jacó-Vilela é pesquisadora do Núcleo Clio-Psyché de Estudos e pesquisas em História da Psicologia do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ e desenvolve atualmente pesquisa sobre a contribuição de católicos e médicos à constituição da Psicologia no Brasil. Contato: amjaco@uol.com.br

Cristiane Ferreira Esch, Daniela Albrecht Marques Coelho e Marcelo Santos Rezende foram bolsistas de Iniciação Científica (CNPq e Faperj) da referida pesquisa, atualmente psicólogos formados. Contato: cliopsyc@uerj.br.

Data de recebimento: 16/08/2004
Data de aceite: 20/10/2004

Memorandum 7, out/2004
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/jacovilela01.htm

 

 

 

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