A doutoranda em Comunicação Social e integrante do Coragem publicou na página do Coragem no Facebook, um texto discutindo a repercussão das críticas feitas ao novo lançamento da Beyoncé, Black is King, pela jornalista Lilia Schwarcz.

O texto completo está disponível no Facebook e logo abaixo:

A branquitude precisa aprender a ouvir críticas

Acredito que o caso foi bastante noticiado e dispensa contextualização, então vou direto ao ponto: ao ler o pedido de desculpas de Lilia Schwarcz¹, concluí que, pelo menos após a escuta, ela soube se posicionar de forma mais progressista do que a maioria de seus brancos defensores. Defendo que, como sociedade, devemos preferir o diálogo à aniquilação. No entanto, tenho percebido que, na pressa de ser “contra o cancelamento”, isto acabou se tornando uma manobra para a branquitude poder silenciar as críticas e se eximir da responsabilidade sobre o que falam e praticam. Percebam que já não falo mais somente deste caso específico, mas do modo muito conveniente como a ideia de “cancelamento” tem sido mobilizada pela branquitude quando são revelados os erros em seu trabalho, o desconhecimento em suas falas, as falhas em sua atuação política como aliados e, principalmente, os modos como o racismo e o privilégio branco sustentam suas ações.


Para falarmos de cancelamento, precisamos, antes, pensar sobre as dinâmicas de poder: devemos nos questionar quem tem poder social, econômico e epistêmico para aniquilar alguém. Os brancos têm defendido uns aos outros com tanta avidez, que me perguntei se estão realmente tão ameaçados por esse cancelamento: será que brancos “cancelados” vão perder vagas de emprego e nas universidades, receber os menores salários, tornar-se mais vulneráveis ao desemprego, à violência obstétrica e ao feminicídio, tornar-se maioria no sistema prisional? Brancos “cancelados” terão suas casas invadidas e serão assassinados pela polícia? O que testemunhamos diariamente é o cancelamento – silenciamento, sufocamento, aniquilamento – não contra a branquitude, mas contra as pessoas negras.

Da mesma forma, a ideia de “linchamento virtual” me engasga, já que o linchamento é uma violência realizada contra pessoas negras, e não tem nada de virtual. Para constatar isto, nem precisamos retomar o período escravocrata ou mencionar casos estadunidenses: são negros e negras as pessoas que foram amarradas a postes, presas com travas de bicicleta, torturadas com choques elétricos, pisoteadas no pescoço, violentamente agredidas e assassinadas no Brasil nos últimos anos².

Observando esse contexto, não consigo vislumbrar qual seria essa ameaça tão grande que as críticas poderiam representar à humanidade das pessoas brancas. A maioria das críticas apresentam argumentos diretos e bem fundamentados em relação ao trabalho dos brancos. É verdade que, diante de ações racistas, alguns comentários devolverão ao agressor racista o mesmo tom de deboche, ironia ou desrespeito. Mas mesmo estes não devem ser descartados tão rapidamente: o racismo e o epistemicídio são violências contra a nossa humanidade negra e, portanto, provocam reações das mais diversas. Também é muito revelador o descompasso entre a visibilidade dada aos “ataques” contra pessoas brancas e a invisibilização do racismo que cotidianamente nos exclui, violenta e mata.

É prática comum e necessária no ambiente acadêmico o exercício do bom senso para filtrar as críticas dos (às vezes supostos) ataques vazios. Quem vê as publicações de intelectuais negras e negros em revistas científicas, livros e eventos acadêmicos não imagina a quantidade de pareceres racistas que recebemos de nossos colegas brancos – estes que possuem, de fato, o poder de barrar nossa entrada e de cancelar nossa existência em tantos espaços de conhecimento e manifestação política. Penso em tantas(os) intelectuais negras(os) ignorados, apagados, desprezados pelo saber acadêmico e pelo mercado editorial e concluo que não é possível falar honestamente sobre cancelamento sem, antes, falar de racismo, privilégio branco e epistemicídio.

Reitero que, como sociedade, devemos preferir o diálogo à aniquilação, mas não podemos esquecer que a crítica e o protesto são partes fundamentais e necessárias de qualquer diálogo. Do contrário, seria apenas mais do mesmo: brancos e mais brancos decidindo entre si o que fazer conosco.

¹  “Historiadora que criticou Beyoncé se desculpa e culpa Folha por título”. Portal Geledés, 5 ago. 2020. Disponível aqui.

² “Linchamentos públicos no Brasil: uma expressão do racismo”. Justificando, 22 jun. 2018. Disponível aqui.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *