Site: Você foi curadora da exposição “Um olhar sobre o Brasil: A fotografia na construção da imagem da nação”. Como você observa e compreende a representação do Brasil e como as imagens contam nossa história e definem nossa cultura?
Lillia: Eu sempre digo que eu não sou curadora. Eu estou curadora. Cada vez mais. No momento que dou esta entrevista eu abri uma exposição do Nelson Lerner que me selecionou como curadora e a exposição se chama “Traduções” e é uma tentativa de usar uma linguagem que vem da Antropologia e da Crítica Literária para pensar a Arte. Ele mesmo falou: ela inventou isso agora, mas agora eu só consigo me ver como tradutor. Então é pegar a frase do Lampedusa “O Tradutor é um traidor” ou então a versão do Marshall Sahlins na Antropologia que diz que as culturas ao entenderem uma outra sempre cometem ressignificações e traições e trazer isto para o universo da arte e da apropriação. Eu comecei com esta história de arte e curadoria, tentando mostrar como nós historiadores e cientistas humanos podemos dar um olhar muito específico para este campo desde “As barbas” e o “Espetáculo das Raças”, sobre o qual eu dizia: contém uma exposição. Depois da longa viagem para “As barbas” eu abri uma exposição na Biblioteca Nacional com o Taunay, foi a primeira vez que foi organizada uma exposição do Taunay no Brasil.
A exposição a que você se refere, um Olhar sobre o Brasil, eu dividi a curadoria com o Boris Kossoy e foi uma exposição muito bonita porque aí sim a minha aposta era essa de que nós lembramos muitas vezes a partir de uma foto e não o contrário. Então nós historiadores usamos esta solução de consequência como se a foto fosse consequência: ela aciona, ela vem antes, produz. Então a aposta qual era? A de que era possível contar uma história do Brasil não fazendo das fotos o ator subordinado. Ao contrário, as fotos eram o ator principal. E acho que a exposição convencia.
A ideia era esta era mostrar que a fotografia conta, não é devedora da nossa história, ela conta outra. E o tempo todo o tema da violência foi tomando força nas minhas pesquisas e muito associada a questão da escravidão e que é um tema que explode também no Brasil, uma biografia, com a excelente pesquisa da Heloisa. Nos juntamos para mostrar que imagem é essa? Dentre os grandes mitos atenuadores da nossa nacionalidade, está este de que somos um país que só teve uma guerra: a Guerra do Paraguai. Que história é esta de carochinha se foi o último país a abolir a escravidão. Dá para ter um sistema como este, que supõe a posse de um homem sobre o outro sem imaginar um país extremamente violento? É impossível. A fotografia estava lá para mostrar que ela não era cereja de bolo. Era mais.
Eu não sou crítica de arte e nem tenho a veleidade de ser. Eu não tenho essa formação. Então o que a gente pode contribuir e produzir nesta área?
Site: O Brasil hoje tem construído um discurso de democracia racial, inclusive um país de imigrantes do qual ele se orgulha e agora está lidando de uma maneira muito complicada com essa chegada. Não que no passado nós já não tenhamos passado por um processo desse de chegada de imigrantes, e que foram recebidos de maneiras diversas. Agora nós estamos lindando com uma nova chegada de imigrantes, com haitianos, chineses, coreanos, bolivianos. Como você enxerga esse lado que se orgulha dessa mistura, mas que também se envergonha da forma como temos tratado esses imigrantes?
Lillia:
Foto de abertura: Aula inaugural da Fafich - 03 de setembro de 2015
Acervo do Projeto República
Da esquerda para a direita: professores Lillia Schwarcz, Heloísa Starling, Sandra Goulart, Fernando Filgueiras e Carlo Gabriel Pancera.