Mídia e religião: a cobertura da
imprensa na eleição do papa Bento XVI

Eduardo Assunção Franco


Introdução

O processo de urbanização acelerado, a melhoria do nível educacional da população e as mudanças culturais que se processaram no mundo nas duas últimas décadas, como relatam os estudiosos Cândido Procópio Ferreira de Camargo e Stuart Hall, mudaram o perfil da população brasileira, até então eminentemente católica e seguidora dos preceitos da Igreja. Luiz Mauro Sá Martino fala de uma secularização da sociedade brasileira, que permitiu à grande imprensa tratar a Igreja Católica como qualquer outra instituição e criticar o papa Bento XVI.

Para averiguar a forma crítica de cobrir a eleição de Bento XVI e a mudança de tom jornalístico em relação à eleição de João Paulo II, utilizamos o estudo feito por Nelson Traquina sobre as teorias da comunicação. Submeto meu objeto empírico a um confronto em relação a determinados aspectos das teorias estruturalista, de ação política, organizacional e interacionista. Para analisá-las, “Traquina aproveita estudos feitos por Stuart Hall (estruturalista) Herman e Chomsky (de ação política), Warren Breed (organizacional) e Gaye Tuchman (interacionista)” (1).

A capa de "Veja" número 1.902, deixa claro esse tratamento crítico à eleição do papa. Ela traz a foto de Bento XVI dentro de um bloco de gelo, com a manchete: “Igreja congelada – O papa Bento XVI prega a rigidez doutrinária para depurar o catolicismo e contrapor a fé a um mundo sem valores éticos” (2). Já as repórteres Gina de Azevedo Marques e Luiza Villaméa, da revista "Isto É", escrevem o seguinte sobre o Papa Bento XVI: “Avessso à frouxidão da doutrina e à modernidade, ele considera o catolicismo como a «verdade» e classifica as outras religiões como «deficientes». Recém-eleito pela revista americana “Time” como um dos 100 homens mais poderosos do mundo, Ratzinger tem, sem dúvida alguma, potencial para levar a Igreja Católica a um retrocesso sem precedentes” (3).

 Torna-se visível a mudança de abordagem da imprensa em relação à Igreja Católica quando visualizamos a capa da revista «Veja» número 529, que trata da eleição de João Paulo II. O então papa é mostrado com um semblante jovial, cercado de microfones, e com a seguinte manchete: “Uma revolução na Igreja” (4). A admiração com que alguns jornalistas escreveram sobre João Paulo II quase nos faz crer que quem redige é um cardeal ou um bispo e não um profissional da imprensa. O correspondente da revista “Isto É”, Giuseppe Morabito, escreve que “Wojtyla é um pastor, não é um diplomata e nem pertence à Cúria. A sua pouca idade (nos últimos 300 anos só foram eleitos dois papas mais jovens do que ele) torna ainda mais radical a escolha feita pela Igreja. Ela demonstrou ao mundo que sabe auto-renovar-se” (5).

Igreja e comunicação

 Durante muito tempo, os meios de comunicação foram vistos como uma ameaça pela Igreja Católica. E, realmente, ela tinha motivos para se preocupar, já que eles foram de suma importância para que Martinho Lutero, no início do século XVI, deflagrasse a Reforma Protestante. “O luteranismo difundiu-se com o apoio de intelectuais, humanistas , estudantes e a nobreza, que sonhava em abocanhar os bens da Igreja. (...) Contudo, a partir de meados de 1540, a Igreja Católica contra-atacou. Condenou o protestantismo e instituiu a «Santa Inquisição», que perseguia todos aqueles que se guiassem pelas novas crenças em detrimento da ortodoxia católica” (6).  Henrique Cristiano Matos diz que “a inquisição constitui o fenômeno mais desconcertante da Igreja medieval. Mesmo levando em consideração a mentalidade da época, não há como justificar esta instituição” (7).

Conforme Puntel “no século XVI (1559), o papa Paulo IV publica um index de autores e de livros que não podiam ser editados nem lidos. Este index foi aprovado por Pio IV, confirmado pelo Concílio de Trento e somente abandonado em 1966, durante o pontificado de Paulo VI” (8). A encíclica Pieni D”animo, por exemplo, proíbe os seminaristas de lerem jornais e relembra aos sacerdotes que não deveriam escrever para revistas ou jornais sem licença, mesmo tratando-se de material puramente técnico. Puntel acrescenta que “querendo precaver-se contra idéias modernistas, como o evolucionismo e o positivismo, Pio X (1903/1914) introduz o imprimatur e o nihil obstat. Em outras palavras, cada diocese deveria montar um departamento de censura para avaliar e aprovar os trabalhos a serem publicados” (9).

O primeiro documento sobre comunicação produzido num Concílio da Igreja foi no Concílio Vaticano II (1962 a 1965), o 21º da história da instituição. Com seu espírito de abertura ao novo, o Concílio Vaticano II editou o decreto Inter mirifica. Pessinati cita o apelo do Papa Paulo VI que disse que “não utilizar estes meios seria uma grave culpa para a Igreja” (10).
Apesar dessa disposição da hierarquia da Igreja em utilizar mais a mídia, há estudiosos que avaliam que a instituição avançou pouco na área da comunicação. Pessinati escreve que:
 

 “a Igreja Católica, que foi a grande propagadora da comunicação escrita, e que foi, desde o Sacro Império, a detentora exclusiva dos meios de comunicação, encontra-se hoje despreparada diante dos desafios propostos pela era da informação. Mesmo após a publicação e do estímulo provocado pelo documento Communio et Progressio, do papa Paulo VI, os meios da Igreja (jornais, rádio, TV) incomunicam. Falam para si mesmos, além da falta de recursos técnicos e atualização jornalística” (11).


Perda de poder

O Brasil é um exemplo típico de como a Igreja Católica perdeu poder, principalmente da segunda metade do século XX para cá. Um episódio, que ocorreu nos anos 1930, envolvendo o então repórter Rubem Braga, redator do «Diário da Tarde», dos Diários Associados, e o arcebispo de Belo Horizonte, dom Antônio dos Santos Cabral, é o exemplo de uma época em que até o tresloucado Assis Chateaubriand, que desafiava grandes empresários e presidentes da República, não ousava medir forças com a Igreja Católica. Segundo Fernando Morais,
 

“Irreverente e anti-clerical, em plena Sexta-Feira da Paixão, Rubem Braga escrevera um artigo considerado desrespeitoso à figura de Nossa Senhora de Lourdes, a padroeira de Belo Horizonte. A Igreja mineira, que tinha planos de criar um jornal para combater os Associados locais (o que acabaria acontecendo em 1935, com o lançamento de «O Diário», que ficou mais conhecido como «Diário Católico»), entendeu que a provocação feita por Braga era o pretexto de que precisava para abrir guerra contra Chateaubriand. O arcebispo de Belo Horizonte, dom Antônio dos Santos Cabral, tomou a briga a peito, pessoalmente. Mineiro e conhecedor das tradições conservadoras do seu estado, Dario de Almeida Magalhães procurou Chateaubriand para fazê-lo ver que, se não fosse contido a tempo, dom Cabral podia causar um estrago de proporções consideráveis entre os leitores, assinantes e anunciantes dos jornais. O que ele propunha era um acordo que amansasse o bispo – por exemplo, transferir Rubem Braga para o Rio ou para São Paulo” (12).


 Conhecendo bem o seu chefe, Dario Magalhães não esperava uma saída pacífica para o conflito, mas ficou assustado com sua reação e temeu que o desfecho pudesse ser apocalíptico para o “Estado de Minas” e o “Diário da Tarde”. O que ocorreu foi o seguinte:
 

“Chateaubriand discordou (da proposta), disse que seria uma humilhação submeter-se àquele «padre desaforado». Dario quase desabou ao ouvir o patrão, sapateando e vociferando. Para felicidade geral acabaria prevalecendo a mineiríssima prudência de Magalhães: depois de envolver o Itamaraty e o núncio apostólico Enrico Gasparri (que aparentemente se convenceram de que por trás da ira santa do bispo estava oculto um projeto jornalístico), os Associados ofereceram como desagravo a dom Cabral a cabeça de Rubem Braga, para quem não poderia ter havido solução melhor. Há muito tempo querendo deixar Belo Horizonte, o jornalista capixaba transferiu-se de bom grado para o «Diário da Noite», em São Paulo” (13).


Mas essa época em que a Igreja Católica era respeitada tanto pelos católicos, que eram a grande maioria da população brasileira, quanto por ateus como Chateaubriand, foi sendo deixada para trás. Com as mudanças políticas, econômicas e culturais que ocorreram no Brasil, principalmente a partir do início da segunda metade do século XX, entre elas a industrialização e a urbanização, instituições tradicionais como a Igreja Católica começaram a perder seu poder de influência.
O sociólogo Cândido Procópio Ferreira de Camargo já apontava, no início da década de 1970, mudanças na influência da Igreja Católica sobre os brasileiros. O processo de urbanização vinha se intensificando de 1940 em diante e os «católicos urbanos» eram bem menos obedientes às regras da instituição do que os tradicionais «católicos rurais». Camargo conclui que:
 

“O catolicismo rural dificilmente se mantém nas cidades, através de um ritualismo mecânico. Falta-lhe todo o contexto social a que está íntima e profundamente ligado e que lhe serve de apoio. Dessa forma, seus valores, conhecimentos e papéis tornam-se sem sentido: os valores mostram-se diversos dos existentes na sociedade inclusiva; os conhecimentos são díspares dos predominantes e inúteis fora do contexto rural; os papéis, finalmente, não encontram os padrões de inter-relação que lhes correspondam. O catolicismo rural, na cidade, torna-se fatalmente disfuncional” (14).
Stuart Hall aponta a globalização como responsável pelo radical deslocamento das identidades culturais nacionais. Para o autor, o deslocamento das identidades culturais nacionais no fim do século XX foi provocado por um complexo de processos e forças de mudanças sintetizado pelo termo «globalização». Hall diz que “como argumenta Anthony McGrew (1992), a «globalização» se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado” (15).

Luiz Mauro Sá Martino lembra que Rubem Alves já observara que “a ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente, construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho” (16). Martino ainda acrescenta que “a religião, hoje, é vista como um instrumento dos apedeutas, sedentos de encontrar nela as respostas que são incapazes de obter valendo-se das ciências” (17).

Teorias da Comunicação

 Para realizar a análise de meu objeto empírico, que são as coberturas jornalísticas que as revistas “Veja” e “Isto É” fizeram da eleição de Bento XVI, optei por trabalhar com alguns aspectos das teorias de comunicação, no sentido de ampliar a compreensão do modo como esses veículos trataram a escolha do novo papa. Levo em conta elementos de quatro teorias do jornalismo: “a estruturalista, a organizacional, a de ação política e a interacionista” (18).

A teoria estruturalista vem de uma linha marxista que considera que a mídia reproduz a ideologia dominante. Seus teóricos são Stuart Hall e outros estudiosos da Escola Culturalista Britânica. Ao dar destaque à eleição de Bento XVI, a grande imprensa considerou que era uma notícia de valor considerável, tendo em vista que “existem no mundo 1 bilhão de católicos (no Brasil são cerca de 125 milhões), o papa é a maior liderança dessa instituição e Bento XVI foi o primeiro papa eleito no século XXI” (19). Das 154 páginas da sua edição 1.902 (20), a “Veja” dedicou 22 para a eleição do papa; a edição 1.854 da “Isto É” (21) foi ainda mais generosa: ocupou 29 das suas 130 páginas com a eleição. Ambas as publicações estamparam fotos de Bento XVI em suas capas, sendo que “Veja” foi mais crítica. Na capa da revista da Editora Abril, a foto do papa está dentro de um bloco de gelo, e a manchete é a seguinte: “IGREJA CONGELADA- o Papa Bento XVI prega a rigidez doutrinária para depurar o catolicismo e contrapor a fé a um mundo sem valores éticos”. A capa de “Isto É” mostra o papa sorrindo com o braço direito levantado. A manchete diz apenas “Joseph Ratzinger – PAPA BENTO XVI”.

A ideologia, como assinala a teoria estruturalista, e o espírito nacionalista dos jornalistas são outros fatores que podem ter contribuído para que as duas publicações usassem um tom crítico. Temos, em primeiro lugar, de nos lembrar que quando eleito, o papa Bento XVI trazia estampado em sua mitra (chapéu com pontas que o papa e os cardeais usam nas celebrações) o rótulo de conservador, por ter perseguido o principal expoente da Teologia da Libertação no Brasil, o ex-frei Leonardo Boff, além de ter reduzido a pó a própria Teologia da Libertação, no período em que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

O jornalista Carl Bernstein e o vaticanista Marco Politi relatam com riqueza de detalhes a perseguição sofrida por Leonardo Boff, que culminou com sua saída da vida religiosa. Conforme os
autores:

“Em 20 de março (de 1985), a Congregação para a Doutrina da Fé deu a público uma notificação dirigida a frei Boff. Suas teses sobre a estrutura da Igreja, o conceito de dogma, poder sagrado e o papel profético da Igreja foram declaradas «insustentáveis (...) e, como tal, passíveis de por em perigo a sã doutrina da fé». Boff aceitou a decisão. Não obstante, em 26 de abril de 1985, condenaram-no a um ano de silêncio. Não lhe foi permitido ensinar, fazer palestras ou publicar livros. Boff aceitou. Onze meses depois, o Vaticano levantou a proibição, porém, em junho de 1987, Ratzinger sustou a publicação na Itália de um novo livro de Boff: «Trindade e Sociedade». Em 1991, o Vaticano obrigou-o a deixar o cargo de redator-chefe da revista franciscana «Vozes». No ano seguinte, o Vaticano proibiu-o de ensinar e  impôs censura preventiva sobre todos os seus textos. Em 26 de maio de 1992, Leonardo Boff deixou a Ordem dos Franciscanos e o sacerdócio. – O poder eclesiástico – disse ele – é cruel e impiedoso. Ele não esquece nada. Ele não perdoa nada. Ele exige tudo” (22).


Com a eleição de Ratzinger como papa, a imprensa abriu espaço para Boff dar o troco ao seu algoz: “uma Igreja conservadora chamou o guardião do conservadorismo para o papado. Com João Paulo II, muitos cristãos emigraram da Igreja porque não a sentiam mais como lar espiritual. Tememos que esse inverno eclesial continue, ainda mais rigoroso” (23).
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Política econômica

Numa outra perspectiva, as coberturas jornalísticas das revistas “Veja” e “Isto É”  contemplaram a versão de esquerda das teorias de ação política.  Traquina explica que “seja de esquerda ou de direita, estas teorias defendem a posição de que as notícias são distorções sistemáticas que servem aos interesses políticos de certos agentes sociais bem específicos, que utilizam as notícias na projeção da sua visão do mundo, da sociedade, etc” (24).
Livre da censura e do comunismo, que existiam na época da eleição de João Paulo II, a grande imprensa hoje cumpre o que determina a teoria da ação política.
 

“Herman e Chomsky (1989) argumentam que o conteúdo das notícias não é determinado ao nível interior (isto é, ao nível dos valores e preconceitos dos jornalistas), nem ao nível interno (isto é, ao nível da organização jornalística), mas ao nível externo, ao nível macroeconômico. Nesta versão da teoria, uma relação direta é estabelecida entre o resultado do processo noticioso e a estrutura econômica da empresa jornalística. Assim, segundo esta versão da teoria, existe um diretório dirigente da classe capitalista que dita aos diretores e jornalistas o que sai nos jornais” (25).
Ao observarmos a carta de anunciantes das publicações investigadas, começamos a entender o que dizem Herman e Chomsky. Das 154 páginas da “Veja” (26) que trata da eleição de Bento XVI, 91,5 são de anúncios. Entres os anunciantes estão o Bradesco, a Ford, a Vivo, a Claro e a Uni-BH. Já a “Isto É” (27) ocupa 71 das suas 130 páginas com anúncios, sendo os principais: Tim, BankBoston, Microsoft Office, Claro e Banco do Brasil. Pode ser que para esse diretório dirigente da classe capitalista, o ideal seja que a Igreja Católica permaneça associada ao conservadorismo e ao atraso. Assim, ela não terá forças para protestar e mobilizar seus fiéis contra problemas agravados pela economia neoliberal, como a má distribuição de renda, lucros excessivos, os latifúndios, a miséria e a corrupção.

Achar que o papel dos jornalistas é irrelevante dentro do processo comunicacional, considerando-os meros executantes das tarefas impostas pelo capitalismo ou coniventes com as elites, é questionável tanto na teoria da ação política na versão de esquerda assim como na teoria estruturalista. Traquina diz que a teoria de ação política desconsidera que “os jornalistas têm um grau de autonomia. Afirmam freqüentemente a sua própria iniciativa na definição do que é notícia, nomeadamente nos trabalhos de reportagem e jornalismo de investigação, e, às vezes, incomodam a elite e põem em causa os interesses do poder instituído” (28).

Linha editorial

 O sociólogo norte-americano Warren Breed, justificando a teoria organizacional, escreve que “o jornalista acaba por ser «socializado» na política editorial da organização através de uma sucessão sutil de recompensa e punição” (29). Segundo esse ponto de vista, ao reforçar o conservadorismo da Igreja Católica com a eleição de Bento XVI, os jornalistas estarão agradando seus superiores e terão mais chances de serem promovidos.

O editorial do diretor de Redação da “Isto É”, Hélio Campos Mello, “À espera do primeiro milagre de Bento XVI”, deixa claro qual é a linha editorial da publicação, e mostra aos jornalistas o caminho a ser seguido para ficar bem com o chefe. Ele escreve que:
 

“Foi rápido e fulminante o processo de escolha do novo papa. Durou só dois dias e desiludiu aqueles que acreditavam que a Igreja Católica pudesse corrigir os rumos de seu conservadorismo, pelo menos em questões mais gritantes, como a homofobia, o papel da mulher na Igreja, a contracepção, a interdição das pesquisas com células-tronco embrionárias. Ainda que essa mudança de rota só fosse feita pelo interesse em remendar os furos em suas cercas, por onde o rebanho teima em escapar. Agora resta a esperança de uma reviravolta na ortodoxia de Joseph Ratzinger. O cardeal alemão – que já comparou a clonagem humana às armas de destruição em massa, disse que o rock é perigoso para o cristianismo e que as notícias sobre a prática de pedofilia de padres católicos fazem parte de campanha para desestabilizar a Igreja Católica – foi um fiel auxiliar de João Paulo II na definição dos rumos da Igreja contra as demandas da sociedade moderna. Mas, como dizem os católicos, esperar por milagres não é pecado” (30).


Conclusão

 A grande imprensa brasileira, em especial as revistas “Veja” e “Isto É”, tratou a eleição de Bento XVI, em abril de 2005, com um tom mais crítico que o habitual, principalmente se traçarmos um paralelo com a eleição de João Paulo II, em outubro de 1978. As duas publicações mostraram o  atual papa como um homem conservador e ortodoxo em relação aos dogmas da Igreja Católica, podendo levar a instituição a um retrocesso sem precedentes na história da instituição.

Alguns fatores parecem ter contribuído para que Bento XVI fosse execrado. O primeiro deles é que o cardeal Joseph Ratzinger já era conhecido da imprensa brasileira em virtude de sua intransigência na defesa dos dogmas da Igreja Católica no período de mais de 20 anos que foi prefeito da Congregação da Doutrina da Fé da Santa Sé. O entrevero entre Ratzinger e o ex-frei Leonardo Boff, em 1985, em virtude das posições do religioso brasileiro baseadas na Teologia da Libertação e que acabaram motivando seu afastamento da Igreja em 1992, pode ter influenciado os jornalistas, não tanto pela simpatia às posições do ex-religioso, mas pelo fato de ele ser brasileiro.

Outro fator que pode ter interferido na cobertura foram as mudanças culturais significativas que ocorreram nas duas décadas e meia que antecederam a eleição do atual papa. Elas provocaram um certo esvaziamento (o percentual de católicos baixou de 91,8%, em 1970, para 67%, em 2005). Por isso, muitos católicos não deixam de usar camisinha, se divorciarem, fazer aborto ou unir-se a uma pessoa do mesmo sexo porque a Igreja é contra.  Como aponta a teoria interacionista da comunicação, os jornalistas consideram o perfil do seu público na hora de elaborar a notícia e isso com certeza foi levado em conta na hora de atacar Bento XVI.

O perfil dos jornalistas que cobriram a eleição também tem que ser considerado no estudo dessa cobertura jornalística. Em 2005, o Brasil respira ares democráticos, os jornalistas têm uma participação político-partidária relativamente pequena e muitos deles associam a Igreja Católica ao conservadorismo e atraso, por ela ser contra o uso de camisinha, a pesquisa de células-tronco embrionárias e a união civil de homossexuais. Na eleição de João Paulo II, em 1978, o País ainda vivia numa ditadura militar e muitos jornalistas eram engajados em partidos políticos de esquerda ou eram seus simpatizantes na luta contra a censura e em defesa dos direitos humanos. Setores progressistas da Igreja Católica também defendiam a abertura política do país, os direitos humanos e criticavam a censura.

Com esse trabalho não foi possível aprofundar o estudo dessa mudança de comportamento da mídia em relação à Igreja Católica e as causas que motivaram isso. É o caso, portanto, de se realizarem novos estudos que possam confirmar as suspeitas aqui levantadas e apontar as possíveis causas.

Notas

(1)   TRAQUINA, 2004. p. 152 a 186)

(2)   VEJA 1.902. São Paulo: 27/04/2005. Capa.

(3)   ISTO É 1.854. São Paulo: 27/04/2005. p. 38.

(4)   VEJA 529. São Paulo: 25/10/1978. Capa.

(5)   ISTO É 96. São Paulo: 25/10/1978. p. 22.

(6)   www.historiaonline.pro.br/historia/reformapa.htm - acesso em 13 de outubro de 2005.

(7)   MATOS, 1995. p. 44.

(8)   PUNTEL, 2005. p. 118.

(9)    Ibidem. p. 119.

(10)  PUNTEL, 2005. p. 100.

(11)  PESSINATI, 1998. p. 53.

(12)  MORAIS, 1994. P. 337 e 338.

(13)  MORAIS, 1994. P.338.

(14)  CAMARGO, 1971. p. 18 e 19.

(15)  HALL, 2003, p. 67.

(16)  MARTINO, 2003. p. 26.

(17)  Ibidem.

(18)  TRAQUINA, 2004. p. 152 a 186.

(19)  ISTO É 1.854. São Paulo: 27/04/2005. p. 36.

(20)  VEJA 1.902. São Paulo: 27/04/2005.

(21)  ISTO É 1.854. São Paulo: 27/04/2005.

(22)  BERNSTEIN et. al. 1996. p. 421.

(23)  ISTO É nº 1.854. p. 48.

(24)  TRAQUINA, 2005. p. 81.

(25)  TRAQUINA 2, 2004. p. 82.

(26)  VEJA 1.902. São Paulo: 27/04/2005.

(27)  ISTO É 1.854. São Paulo: 27/04/2005.

(28)  TRAQUINA,  2004. p. 85.

(29) BREED apud TRAQUINA, 2004. p. 152.

(30)  ISTO É, nº 1.854. São Paulo: 27/04/2005. p. 21.

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