A utilização de imagens chocantes no fotojornalismo diário:
os atentados em Londres na visão dos jornais locais editados em Belo Horizonte

Eliziane Cristina da Silva


1- Apresentação

Desde que se configurou como atividade profissional, o fotojornalismo tem dado destaque às imagens de guerra ou que retratem o sofrimento do outro. Desde a Guerra da Criméia, em meados do século XIX, nas palavras de Susan Sontag (2003), as “imagens chocantes” passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas. Com a utilização da fotografia nos jornais impressos e revistas da época, as notícias de guerra passaram a ter um testemunho a mais, que dava veracidade àquilo que era publicado.

Considerando-se o fenômeno da globalização, não só econômica em que as ações e resultados dos mercados geram reflexos em todo o mundo, recebemos um número cada vez maior de informações em intervalos de tempo cada vez menores. Além das batalhas militares, convivemos com as fotografias de guerras civis e com outras imagens de violência urbana. Hoje, o terrorismo é um assunto que gera a possibilidade de fotos com grande carga de violência e forte apelo emocional. Episódios como os ataques às torres do World Trade Center, em setembro de 2001, as explosões em Madri, em março de 2004, e os ataques a bomba em Londres, em julho de 2005, são emblemáticos à medida que resultaram, nos jornais impressos em todo o mundo, na publicação de fotografias que mostraram a extensão e a gravidade dos atentados.

O objeto de estudo da presente investigação é a presença da violência provocada pelo terrorismo e presente no fotojornalismo dos jornais diários, principalmente aqueles editados em Belo Horizonte – Estado de Minas, O Tempo, Hoje em Dia e Diário da Tarde. O enfoque foi dado às editorias internacionais dos jornais porque normalmente estas editorias privilegiam as notícias de política e economia que podem ter conseqüências nos cenários nacionais. Em casos excepcionais como a ocorrência de atentados terroristas, estas editorias abrem espaço para a questão da violência e, conseqüentemente, permitem a construção de um discurso visual que privilegia a violência e as suas conseqüências.

Os objetivos específicos deste trabalho são: (1) Analisar, nos jornais diários editados em Belo Horizonte o espaço dado a episódios violentos, principalmente aos ataques terroristas ocorridos em Londres, no dia 7 de julho; (2) Verificar a utilização de fotografias dos episódios violentos nos jornais pesquisados; e (3) Verificar como as imagens fotográficas influenciam na composição e na construção do objeto noticioso nas editorias internacionais.

Para alcançar os objetivos propostos, o trabalho foi dividido nas seguintes partes: Contextualização, na qual foram apontados os motivos pelos quais a Inglaterra, alvo dos ataques, era um dos centros de atenção do mundo; Violência Política e Terrorismo, que mostra o terrorismo como forma de comunicação violenta; Jornalismo e Editorias Internacionais, com os critérios de noticiabilidade e os valores/notícia considerados para a seleção de notícias que ocupam estas páginas; Fotografia, que aponta a construção do discurso visual das notícias; As Imagens de 7 de Julho, na qual é feita a análise das fotografias publicadas pelos jornais no dia seguinte aos atentados; e Conclusões.

2- Contextualização

Para verificar as hipóteses levantadas, foram selecionadas as edições do dia 8 de julho dos jornais Estado de Minas, O Tempo, Hoje em Dia e Diário da Tarde. A escolha destas edições é justificada pela importância dada aos ataques terroristas registrados em Londres no dia 7 de julho em cada um dos jornais. Ainda que as notícias de atentados terroristas praticados por grupos islâmicos nos países europeus e nos Estados Unidos estejam afastadas geograficamente dos mineiros, elas receberam destaque por alguns motivos descritos a seguir.

Naquela data, a Grã-Bretanha sediava o encontro do G-8, o grupo dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia. Entre as presenças, estava George W. Bush, presidente dos Estados Unidos, que trava guerra contra o terrorismo e contra Bin Laden desde os ataques ao Word Trade Center, em 2001. Geralmente, os encontros do G-8 são cercados por um grande aparato de segurança. Teoricamente, toda a Grã-Bretanha, Londres inclusive, estaria bastante segura, o que poderia afastar qualquer tentativa de ataque. Além disso, a Inglaterra ainda comemorava e preparava uma grande festa para marcar a escolha, pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), de Londres para sediar as Olimpíadas de 2012.

Outro fator que deve ser considerado é que anteriormente foram realizados ataques terroristas em cidades como Nova York e Madri. Os grupos terroristas ligados à Al Qaeda haviam prometido outros ataques. Por se tratar de um ataque a uma importante capital européia e considerando as ameaças conhecidas, os jornais de todo o mundo deram grande destaque aos atentados. A escolha dos jornais editados em Belo Horizonte se deu porque, tradicionalmente, estes veículos, em suas editorias internacionais, dão espaço para notícias que têm conseqüências ou influências no Brasil, mais especificamente reflexos em Minas Gerais. Na edição de 8 de julho de 2005, todos os jornais estamparam esta notícia em suas capas. Além de textos, foram utilizadas muitas fotos. Pelo número de páginas dedicadas ao assunto (quatro em cada um dos jornais) e a quase exclusividade sobre o tema, pode-se avaliar a importância política que os atentados tiveram não só para Londres, mas para todo o mundo.

Critérios de Noticiabilidade e Valores/notícia

Ao escolher notícias internacionais foi necessário rever os critérios de noticiabilidade e os valores-notícia aplicados a editorias internacionais, uma vez que, por se tratar de notícias geograficamente afastadas dos leitores, estas deveriam despertar o interesse destes. Outro fator observado foi a utilização de fotografias produzidas por agências internacionais de notícias, o que poderia provocar uma uniformização das imagens utilizadas. Entretanto, o que ocorreu foi a utilização do material de acordo com a linha editorial de cada um dos jornais.

Para realizar a análise do material fotográfico (43 imagens em 18 páginas dos quatro jornais estudados), as fotografias foram divididas em cinco grandes grupos temáticos, a saber: 1) Vítimas; 2) Destruição; 3) Desdobramentos; 4) Política; e 5) Assuntos Relacionados. Esta divisão justifica-se pela grande quantidade de fotos utilizadas pelos jornais e pelos assuntos relacionados tanto no campo da violência quanto no campo da política, bem como pelo peso e importância política de Londres.

3- Violência Política e Terrorismo

A violência é capaz de despertar as pessoas da apatia, ao mesmo tempo em que serve como conteúdo adicional para chamar a atenção sobre determinados assuntos. O terrorismo sempre existiu ao longo da história. De acordo com Wainberg (2005), o que muda é a orientação e a letalidade dos ataques. Se durante muitos anos os ataques foram feitos por grupos políticos de direita ou de esquerda, hoje eles são praticados por grupos religiosos extremistas, principalmente os islâmicos. E, como sempre foi, os atentados mostram a necessidade destes grupos de chamar a atenção e obter mais publicidade com seus atos para conseguir alcançar os seus interesses políticos. Para alcançar suas metas, os ataques são planejados para que a mídia mundial dê destaque a cada um deles. Isso foi claramente percebido nos ataques ao World Trade Center. O choque do avião na segunda torre e todos os desdobramentos foram transmitidos ao vivo pelas emissoras de televisão de vários países para todo mundo. No dia seguinte, todos os jornais, inclusive brasileiros, deram destaque e dedicaram várias páginas aos atentados, considerados formas violentas de comunicação.  Os ataques terroristas são bem planejados e os terroristas sabem escolher os seus alvos ao mesmo tempo em que conseguem calcular os efeitos publicitários de suas ações.

A imprensa reconhece o poder que a violência exerce sobre os seus públicos e, por isso, dedica grandes espaços a episódios violentos. No caso dos atentados terroristas, a imprensa os trata como fatos relevantes. Isso vale tanto para os conglomerados transnacionais de comunicação e também para os veículos locais, que conseguem tratar esses episódios com uma dose de espetacularização e, conseqüentemente, geram comoção e revolta em quem recebe essas notícias. Desta forma, Wainberg (2005) considera que a emoção tem um papel decisivo no tratamento geográfico dado ao terrorismo político porque funciona como um alarme para problemas que exigem atenção. A escolha recorrente, por parte da mídia, de episódios violentos ou de espetáculos surpreendentes, faz com que os próprios atores sociais e políticos adotem a regra de que a violência conquista facilmente a audiência.

No caso da cobertura brasileira de atentados terroristas, pode-se dizer que ela está muito próxima do que é praticado em todo o mundo. A diferença é que as editorias internacionais dos jornais impressos não gozam de muita popularidade junto aos leitores, principalmente porque diariamente dão espaço a notícias que têm relevância política e teoricamente estariam afastadas da maioria dos leitores comuns. Por isso, as redações brasileiras também se curvam aos atentados políticos violentos e são conquistadas por estes episódios. Wainberg (2005) acredita que isso se dê em virtude da inexistência de quadros especializados nas editorias internacionais, o que faz com que a cobertura seja muito mais ideológica e emotiva do que informativa.

Nos atentados ocorridos em Londres em 7 de julho de 2005, os jornais estudados deram grande destaque aos ataques, com uma média de quatro páginas e meia dedicadas ao assunto e utilização, em larga escala, de fotografias. Essa decisão de destacar os atentados tem relação direta com o interesse que a violência desperta nos leitores desde que o fotojornalismo passou a registrar imagens de guerras que ocorrem em todo o mundo.

4- Jornalismo e Editorias Internacionais

As fotografias que retratam a violência provocam reações diferentes nos leitores que as recebem diariamente.
 

Fotos de atrocidades podem suscitar reações opostas. Um apelo em favor da paz. Um clamor de vingança. Ou apenas a atordoada consciência, continuamente reabastecida por informações fotográficas, de que coisas terríveis acontecem. (Sontag, 2003, p. 16).


Ao verificar a presença da violência nas editorias internacionais dos jornais estudados, concomitantemente é preciso compreender os motivos que levam estes veículos a escolherem notícias e publicarem fotografias de episódios violentos, principalmente aqueles provocados por atentados terroristas em todo o mundo. As imagens fotográficas fazem parte dos jornais impressos em todo o mundo e se constituem em um dos elementos da construção do objeto noticioso, segundo Isaac Antônio Camargo (2001). Nos ataques terroristas ocorridos em Londres foram registradas quatro explosões em estações de metrô e em um ônibus nas quais morreram cerca de 40 pessoas e outras 700 ficaram feridas.

Para entender os motivos que levaram os quatro jornais editados em Belo Horizonte a dar importância aos atentados, devem ser considerados alguns aspectos fundamentais para o jornalismo, como os critérios de noticiabilidade, especificamente para a editoria internacional de cada um dos veículos de comunicação estudados. Os critérios de noticiabilidade ou, de acordo com Wolf (2005) valores/notícia, são imprescindíveis para esta análise. No caso específico das explosões registradas em Londres, há que se considerar a importância política da cidade como influente capital européia. Os atentados ocorridos em Londres, assim como todos os outros registrados no mundo, são, tais como as guerras, midiáticos. De acordo com Wainberg (2005), os atos terroristas são formas violentas de comunicação e, além disso,

As notícias sobre os conflitos em geral e sobre o terrorismo em particular têm um certo impacto no imaginário das pessoas. Por isso mesmo, compreende-se a dose extra de violência utilizada em tais atos preferencialmente contra civis. Tais ocorrências são premeditadas e visam prioritariamente atrair a atenção da mídia. (Wainberg, 2005, p. 7)


Pode-se afirmar que o terrorismo é um fator ou um acontecimento que vem conquistando espaço na mídia em virtude da recorrência e da gravidade dos ataques realizados pelos grupos terroristas. Além disso, pode-se creditar o grande espaço concedido aos atentados ao fato de que as notícias originárias de capitais estrangeiras têm espaço garantido no noticiário nacional. Segundo Wolf (2005), faz notícia o que, de acordo com a cultura profissional dos jornalistas, pode ser trabalhado sem grandes alterações e respondem à seguinte pergunta: quais acontecimentos são considerados suficientemente interessantes, significativos, relevantes, para serem transformados em notícia?

Se considerarmos também o voyeurismo citado por Sontag (2003), pode-se compreender que, em muitas vezes, os jornais publicam notícias sobre determinados episódios para atender ao interesse do público em ver imagens sobre violência, ainda que seja nas editorias internacionais dos jornais. Ao verificar a presença dos atentados terroristas nas páginas dos jornais estudados, percebe-se que o destaque dado a estes episódios tem relação diretamente proporcional à importância política que cada ataque passa a ter. Neste estudo, que enfoca o uso de imagens violentas e a presença da violência nas editorias internacionais dos jornais diários, é preciso pensar que estas editorias, normalmente, publicam assuntos de relevância política e econômica e também os desdobramentos, conseqüências e influências que as notícias selecionadas e publicadas podem ter no cenário nacional.  Para Natali (2004), nenhuma outra editoria põe no lixo uma quantidade tão incrível de informação. O que é uma maneira de dizer que nenhuma outra editoria precisa utilizar critérios tão refinados e qualificados de seleção.

De acordo com Wolf (2005), no caso de eventos excepcionais, há uma certa elasticidade necessária para adaptar os procedimentos à situação contingente. Os atentados terroristas, assim como os grandes acidentes e tragédias, entram nesta categoria especial. Isso vem sendo visto desde os atentados em Nova York em 11 de setembro de 2001.

No caso dos atentados de Londres, em 7 de julho de 2005, não houve transmissões ao vivo pelas emissoras de televisão em tempo integral, mas era preciso mostrar ao mundo os ataques e suas conseqüências. Assim com Nova York, Londres é uma cidade cosmopolita que abriga cidadãos de muitos países do mundo, inclusive brasileiros. Este pode ser um dos motivos que levaram os jornais editados em Belo Horizonte a utilizar a elasticidade citada por Wolf (2005) para ocupar as páginas de suas editorias internacionais com estes atentados.

5- Fotografia

Mesmo que consideremos as notícias e suas formas de produção, o nosso olhar deve estar direcionado para o carro-chefe deste estudo que é a presença da violência no fotojornalismo, ou seja, imagens que, nas palavras de Barthes (1982), são as fotos-choque, ou de acordo com Susan Sontag (2003), as “imagens chocantes”, que tanto despertam o interesse e a curiosidade dos leitores.

Há, segundo Sontag (2003), um certo voyeurismo, como já dissemos, por parte de quem observa as fotos de episódios violentos, uma vez que estes estão distantes e não podem alterar aquelas situações de mutilação e sofrimento humano. Sontag (2003) faz questionamentos sobre os efeitos das imagens chocantes para o leitor. Entre as hipóteses levantadas está a banalização da violência, uma vez que o volume de informação sobre episódios violentos é muito grande e passa a fazer parte do cotidiano do leitor comum.

A ocorrência de atentados terroristas em todo o mundo, e suas conseqüências, geram não somente notícias, mas a possibilidade de construção de um discurso visual com fortes apelos emotivo e dramático que pode complementar as informações contidas no texto, manchetes e legendas. Na próxima seção, será feita a análise das imagens que retratam a violência dos ataques registrados em Londres em 7 de julho de 2005 e também a relação que estas imagens têm entre si.

6- As Imagens de 7 de Julho

Os atentados terroristas, devido à recorrência e gravidade, ganham as páginas das editorias internacionais dos jornais. Estes episódios que fazem muitas vítimas são capazes de produzir um discurso visual que atenda as expectativas dos leitores, que normalmente buscam as imagens da violência e do sofrimento humano. Nas imagens das vítimas, mesmo com cerca de 40 pessoas mortas, nenhum dos quatro jornais utilizou fotos de corpos em suas matérias. Foram usadas, principalmente, imagens do socorro e do atendimento aos feridos, que foram quase 700.

Entre as onze imagens deste grupo, há destaque para duas: uma que mostra uma mulher sendo socorrida com uma máscara no rosto, dando a entender que se tratava de queimaduras e uma de um rapaz que aguardava socorro deitado na rua e amparado por outras pessoas. No caso da foto da mulher, ela foi utilizada em todos jornais. No Estado de Minas, esta imagem foi utilizada na capa, ao lado de uma foto do ônibus destruído pela explosão. Nos outros jornais – Diário da Tarde, O Tempo e Hoje em Dia – esta imagem foi utilizada nas páginas internas, mas sempre com destaque devido ao impacto que poderia provocar nos leitores. Em dois deles – Diário da Tarde e O Tempo – percebe-se o cenário de destruição e os carros de socorro estacionados ao fundo. Nos outros dois veículos – Estado de Minas e Hoje em Dia – foi feito um corte para mostrar mais o rosto e o socorrista ao lado da vítima.

A segunda foto (do rapaz aguardando socorro) foi utilizada em dois jornais – Estado de Minas e Diário da Tarde – mas em nenhum dos dois a imagem foi destaque na capa. Estas imagens mostram, de acordo com Barthes (1982), “o escândalo do horror” proporcionado pelos ataques terroristas que provocaram acidentes de grandes proporções. Outra face destas imagens é o sofrimento humano. Ao mostrar, por exemplo, a fotografia de uma mulher com o rosto queimado, os quatro jornais buscaram, talvez intencionalmente, comover o leitor com o sofrimento alheio de alguém que está numa terra distante. Ainda que as reações dos leitores sejam distintas em função da bagagem pessoal de cada um ou da banalização da violência, os espectadores estão em busca de imagens do sofrimento.

De acordo com Sontag (2003), as fotos de guerra colocam o espectador numa posição desconfortável de quem perscruta o sofrimento alheio. Ao mesmo tempo, quem observa tais imagens pode ter a sensação de alívio por não estar passando por uma situação semelhante. Os jornais, ao publicarem notícias de quaisquer formas de violência, atendem não somente aos leitores, mas utilizam os valores/notícia e fazem cumprir os critérios de noticiabilidade. Nas editorias internacionais, que têm critérios mais rigorosos e seletivos, as notícias e imagens de episódios violentos que retratam o sofrimento humano ganham suas páginas quando a cidade atacada tem relevância no cenário mundial ou os ataques são muito graves.

As fotografias publicadas entram na categoria das fotos-choque citadas por Barthes (1982) por mostrar a surpresa do momento registrado. Aos olhos de quem vê estas fotografias, vai ficar registrado o instante do sofrimento e do atordoamento das pessoas que presenciaram os ataques terroristas. Não se pode afirmar que as imagens foram produzidas, no sentido mais literal da expressão, para chocar ou que os fotógrafos fizeram escolhas intencionais para superdimensionar os ataques e, conseqüentemente, o sofrimento das vítimas. Certo é que, independentemente do processo de obtenção, as fotografias vão, sim, chamar a atenção de leitores brasileiros que estão a milhares de quilômetros de Londres.

Um outro grupo com oito imagens aponta para as conseqüências que as explosões provocaram. Dentre oito imagens, sete são registros da destruição do ônibus atingido por uma das bombas e estas fotos foram utilizadas nas capas dos quatro jornais. Isso mostra a importância que os jornais deram para a destruição e é também uma forma de chamar a atenção dos leitores para o fato de que não só os londrinos foram o alvo daquele ataque, mas cidadãos de todo o mundo poderiam se transformar em vítimas daquelas explosões.

Nestes dois grupos de imagens (Vítimas e Destruição) há o registro da violência contra as pessoas e contra a cidade de Londres. Não é, neste caso, a violência explícita ou gritante como é mostrada nas editorias locais. Por se tratar de assunto internacional, percebe-se que os quatro jornais tentaram  manter um certo distanciamento do fato, não só pela distância geográfica, mas também pelo tratamento mais sério que o assunto nereceu pelas publicações.

O rastro de destruição mostrado pelas imagens que inicialmente estavam reunidas no grupo Destruição tem relação direta com as imagens das vítimas porque mostra as conseqüências dos atentados. Na verdade, trata-se de dois tipos de violência: uma que atinge as pessoas e gera imagens capazes de despertar sentimentos como raiva, indignação e piedade; e outra que é contra a cidade, contra “cidadãos do mundo civilizado’.

Por se tratar de Londres, talvez esteja justificado o espaço dedicado aos atentados. Wolf (2005) considera que as notícias geradas nas capitais européias têm espaço garantido nos noticiários em todo o mundo. No caso dos ataques em Londres, certamente este foi um dos valores/notícia e um dos critérios de noticiabilidade observados pelos editores dos jornais estudados. Outro critério que pode ser sido utilizado é o fato de os ataques terem sido assumidos publicamente pela organização terrorista Al-Qaeda que realiza ataques planejados, inclusive midiaticamente, em importantes cidades do mundo. Atingir cidades como Nova York, Madri ou Londres é uma forma, segundo Wainberg  (2005), de mostrar o descontentamento e ganhar espaço na mídia internacional. O ataque, por mais letal que seja, tem um componente a mais que é a destruição moral e simbólica; que também merece espaços nos meios de comunicação.

Outro grupo (Desdobramentos), com nove imagens, mostra basicamente os transtornos enfrentados pelos londrinos ao longo daquele dia 7 de julho. Em cinco das fotos temos os moradores da cidade em busca de transporte para voltar para casa ou as pessoas voltando para casa a pé. As fotos deste grupo mostram também o reforço da segurança em ônibus, as tentativas da polícia em orientar as pessoas e manter uma certa ordem. Essas imagens não mostram a violência de forma explícita. Apresentam-se aí os desdobramentos posteriores em meio a um caos instalado na cidade após a série de atentados.
Historicamente, os londrinos seguem as rotinas como se fossem rituais, com cumprimento de regras e horários. As imagens fotográficas publicadas nos jornais mostram os transtornos gerados na cidade após as explosões e apontam para uma organização em meio ao caos que se instalou na cidade.

O destaque nestas imagens é para uma fotografia de uma policial que orienta as pessoas usando um megafone. Até nestas imagens, que não trazem a violência de forma explícita, há uma tentativa de se mostrar solidariedade em momentos de tragédias e comoção. Mesmo com um incidente, Londres não perdeu a fama de cidade extremamente organizada e civilizada.
No agrupamento Política as fotografias mostram a repercussão política que os ataques alcançaram. Diante disso pode-se dizer que estes ataques foram planejados para esta data porque grande parte da atenção do mundo se voltava para a cidade. Entre as oito imagens que mostram esta temática há destaque para uma do primeiro-ministro britânico Tony Blair que foi publicada nos jornais Estado de Minas e Hoje em Dia. Nesta foto, Tony Blair está de cabeça baixa e com os punhos cerrados. Outras duas fotos também mereceram destaque nos jornais. No Estado de Minas foi publicada uma foto de uma entrevista coletiva concedida pelo presidente norte americano, George W. Bush, e, no Hoje em Dia, teve destaque uma imagem das bandeiras dos países participantes do G-8 hasteadas a meio mastro em respeito às vítimas dos atentados. Dos quatro jornais estudados, somente o Diário da Tarde não deu destaque para os aspectos políticos dos atentados, priorizando as vítimas e as conseqüências dos ataques.

Ainda há um grupo de imagens que se referem a alguns assuntos relacionados aos assuntos relacionados aos ataques terroristas em Londres. Das sete fotografias agrupadas, há alusões aos atentados em Madri, aos ataques ao World Trade Center, e ao assassinato de um embaixador egípcio no Iraque na mesma semana dos ataques a Londres. Há também uma foto de Osama bin Laden com um assessor. Entre as imagens, do embaixador egípcio com os olhos vendados foi publicada nos jornais Hoje em Dia e Estado de Minas. A morte do embaixador também foi assumida pela Al Qaeda. A intenção percebida com estas imagens é associar, de uma forma geral, os ataques terroristas ocorridos em todo o mundo.

Nos grupos Política e Assuntos Relacionados está expresso outro tipo de violência que não é física. Aqui está a representação da violência política de atos terroristas que são planejados para atingir os países-alvo naquilo que eles têm de mais importante que é a soberania e a segurança nacionais. Quando se faz a distinção entre a violência política e a violência que é apresentada, por exemplo, nas editorias de cidades e polícia dos jornais estudados, é preciso pensar que a violência política é o resultado de ações também políticas, uma vez que a insatisfação dos grupos terroristas islâmicos pode estar associada à ocupação de países de tradição religiosa islâmica como Afeganistão, Irã e Iraque por exércitos dos países ocidentais. Esta ocupação pode ser considerada também uma violência política que deve ser retribuída com ataques que matam e ferem, coletivamente, inocentes.

A violência apresentada nas editorias de polícia e cidades é registro de violência urbana provocada por assaltos, tráfico de drogas ou mesmo acerto de contas entre vizinhos que matam por motivos individuais. São ações mais isoladas e que não geram conseqüências na sociedade de uma forma mais geral.

As fotos que enfocam a política e os fatos que têm conseqüências políticas são aquelas que, cotidianamente, estariam nas editorias internacionais dos jornais. São fotos de chefes de estado em uma reunião que, historicamente, gera conseqüências para a política e a economia mundiais graças à eliminação de fronteiras geográficas e à grande circulação de informações possibilitadas pela globalização da economia e das comunicações. No caso do presente estudo, as fotografias estão no local correto, ainda que a situação não seja a mais comum nas editorias internacionais. Analisando todas as imagens utilizadas na construção das notícias e do discurso visual das editorias internacionais dos jornais estudados, o que se percebe é que as notícias de episódios violentos ou de situações que retratem o sofrimento humano podem ocupar as páginas destas editorias desde que os alvos sejam cidades importantes no cenário mundial e que provoque repercussões em outros países.

7- Conclusões

Ao analisar a presença da violência nas editorias internacionais dos jornais Estado de Minas, O Tempo, Diário da Tarde e Hoje em Dia, edições do dia 8 de julho, dia seguinte aos atentados a bomba ocorridos em Londres, na Inglaterra, o que se pôde perceber é que episódios violentos, principalmente aqueles provocados pela ação de grupos terroristas islâmicos, ganham as páginas destas editorias quando se confirma que atos terroristas são ações comunicativas violentas que geram violência política. Para que estes episódios estejam na editoria internacional dos jornais é preciso pensar quais os tipos de notícia cabem nesta editoria, considerando as questões de relevância política e econômica que geram conseqüências não somente nos países e cidades alvos dos ataques, mas em todo o mundo.

Com relação ao discurso visual construído nas edições desta data, constata-se a utilização de uma grande quantidade de fotografias, principalmente aquelas que apresentam a violência e o sofrimento das pessoas atingidas pelos ataques terroristas.
No caso das explosões ocorridas em Londres, foram publicadas imagens que mostram, além do sofrimento das pessoas, o socorro às vítimas e a destruição provocada na cidade, os reflexos que os atentados provocaram no campo político. Isso pode justificar a presença desta notícia em tantas páginas da editoria internacional, bem como em todas as capas dos jornais.

Os desdobramentos políticos, ao contrário dos episódios de violência, fazem parte das editorias internacionais e também foram bem representados nas edições dos jornais Estado de Minas, O Tempo e Hoje em Dia de acordo com a linha editorial de cada um dos veículos. O jornal Diário da Tarde, por suas características editoriais e pelo público leitor, destacou, em sua editoria internacional, a violência, o sofrimento e os transtornos provocados pelos atentados que atingiram Londres. Cada um dos jornais construiu as notícias dos ataques e o discurso visual de acordo com os interesses de seus públicos, privilegiando, em maior ou menor escala, a violência e o sofrimento humano. Com estas análises, o que se pode perceber é que a violência, qualquer que seja o tipo ou gravidade e independente da editoria onde seja apresentada ao leitor, tem um apelo, que pode ser transformado em valor/notícia e garantir espaços nos veículos de comunicação.

8- Referências Bibliográficas

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