O blog como ferramenta para o webjornalismo: um estudo de caso
                  Ivan Satuf Rezende

1. Introdução

Reportagem publicada pela revista norte-americana Wired Magazine (1) em agosto de 2005 afirmava existir cerca de 50 milhões de blogs no ciberespaço (2), sendo que um novo é criado, em média, a cada dois segundos. A justificativa para essa proliferação exponencial é simples: a nova ferramenta proporciona a qualquer internauta a possibilidade de publicação instantânea de textos e imagens na rede, sem a necessidade de conhecimentos prévios sobre linguagens específicas. O jornalismo se inseriu na nova ordem dos bytes e fez isso ainda nos primeiros anos de popularização da rede, em meados da década de 1990. Um dos primeiros profissionais a obterem sucesso no mundo dos blogs foi Ricardo Noblat, jornalista experiente que ocupou cargos de destaques em importantes redações de jornais e revistas. Desde março de 2004 o “Blog do Noblat”(3) publica material relacionado à política nacional e conseguiu conquistar posição de destaque. Para se ter dimensão do reconhecimento alcançado pelo produto, a reportagem “Os bastidores do Blog do Noblat” publicada pela revista “Info Exame” em outubro de 2005, revela que o blog já atingiu a barreira dos dois milhões de acessos em um único mês. O presente artigo pretende explorar a dimensão interativa da ferramenta. Como a interação instantânea e inserida no ato da produção do blog interfere no texto jornalístico?

2. Blog: tecnologia e escrita pessoal

Blog é uma contração da palavra inglesa weblog. Web é a denominação mais usada para a World Wide Web (www), rede mundial de computadores com navegação em hipertexto (4) e interface gráfica. Em português, log quer dizer “diário de bordo”. Portanto, pode-se compreender, a partir da etimologia, que se trata de uma ferramenta que possibilita publicar conteúdo na Internet a partir das experiências do autor. Por esse motivo, a imagem do blog é freqüentemente associada à tradição dos diários pessoais manuscritos. Cada um dos textos publicados pelo autor é chamado de post. Os mais recentes entram acima dos anteriores. Abaixo de cada uma dessas mensagens pode ser habilitada a ferramenta de comentários, na qual os leitores inserem textos com as impressões sobre o post. A inserção dos posts e dos comentários dos leitores podem ser feitas a qualquer momento e aparecem instantaneamente na tela. Em seu estudo sobre as páginas pessoais, que podem ser compreendidas como os embriões dos blogs, Carvalho (2004) sustenta que, ao publicar conteúdo na rede, os autores rompem com o domínio da privacidade dos diários manuscritos. Os pioneiros dos diários on-line nos Estados Unidos já mantinham páginas pessoais em 1994, como “lugar de catarse, partilha, promoção de autoconhecimento” (CARVALHO, 2004, p.251). Partindo da mesma tensão entre o público e o privado, Schittine (2004) sintetiza a mudança de paradigma:
 

“O diarista virtual não quer um público apenas para ler suas confissões, como num livro. Ele quer um público com o qual possa estabelecer um diálogo. Com a passagem para esfera virtual, o diário sofre, então, dois traumas com relação à sua estrutura original: o nascimento de um público leitor desconhecido e a possibilidade de ver esse público influindo diretamente na escrita do eu.” (SCHITTINE, 2004, p. 221)


 Recuero (2002), combate a idéia de que a nova ferramenta surgiu apenas como “diário íntimo” e amplia a noção sobre o uso da ferramenta ao propor uma classificação em três categorias de blogs: “diários eletrônicos”, “publicações eletrônicas” e “publicações mistas”. Os “diários eletrônicos” tratam de experiências pessoais do autor, enquanto as “publicações eletrônicas” evitam comentários pessoais e se destinam à informação sobre temas gerais ou específicos não relacionados à vida do autor. Já as “publicações mistas” promovem a integração entre posts pessoais e posts informativos.

3. Liberação do pólo emissor, mediação e webjornalismo

Talvez a maior faceta dos blogs esteja relacionada à liberação do pólo emissor. Basta possuir acesso a um computador conectado à Internet para ser dono de seu próprio endereço na rede e publicar conteúdo sem a necessidade de recorrer a mediadores. Contudo, a perspectiva dos mais otimistas segundo a qual a Internet é um ambiente sem mediação, deve ser cuidadosamente analisada. Confrontada com os meios de comunicação de massa, a web parece estabelecer a democracia da comunicação. Entretanto, a rede mundial de computadores, conforme argumenta Vaz (2004), conduz à crise do mediador de interesse geral e instaura um novo tipo de mediador, que funciona como filtro para o excesso contido na web. O autor defende que, no ciberespaço, há uma mudança significativa no estatuto da escassez. Na mediação de interesse geral, um indivíduo ou um grupo é responsável por recolher informações e prover a seleção dos assuntos que serão distribuídos de acordo com critérios próprios de noticiabilidade. Já o mediador da Internet tem a função prioritária de selecionar informações que, na maior parte das vezes, não são de sua autoria.  Os recursos escasso são as faculdades individuais de atenção e memória:
 

“O que esse consenso nos revela é a aparição de uma nova função para os jornalistas. Suas fontes, no caso, são um recurso, por princípio, partilhado por todos. Perdendo esse privilégio, o jornalista reconquista valor ao se tornar uma espécie de guarda de trânsito, indicando, através de links no texto, por onde prosseguir numa viagem e encontrar alguma das inúmeras preciosidades da rede.” (VAZ, 2004, p. 230)


 Se o jornalista está legitimamente inserido na rede e o blog se tornou importante meio de publicação para estes profissionais, cabe analisar o uso da nova ferramenta no webjornalismo. Para traçar um quadro geral, recorremos à pesquisa de Mielniczuk (2003) sobre o formato da notícia na web. O produto jornalístico “pleno” na Internet, chamado pela autora de “webjornalismo de terceira geração” deve apresentar simultaneamente seis características:
 
 
Interatividade  Pode ocorrer tanto entre o indivíduo e a máquina, entre o indivíduo e o texto, bem como entre os sujeitos envolvidos no processo de forma simultânea.
Personalização  Procura adequar o produto a cada um dos internautas, ou a um grupo destes.
Hipertextualidade Interconexão de conteúdos por meio de links.
Multimidialidade Convergência de formatos das mídias tradicionais (imagem, texto e som) na narração do fato jornalístico em um mesmo suporte.
Memória Está relacionada à possibilidade de acesso a conteúdos anteriormente produzidos.
Instantaneidade Diz respeito à agilidade que a Internet proporciona na veiculação de conteúdos.

Três dessas características se destacam no blogs: interatividade, memória e instantaneidade. A hipertextualidade depende do uso que o autor faz para conduzir o internauta a outras partes do próprio blog ou endereços externos a este. Já a personalização e a multimidialidade tal como descritas por Mielniczuk são características que a ferramenta pouco permite explorar.

Assim, o blog pode ser caracterizado como produto webjornalístico de “segunda geração”. Ainda que seja uma metáfora de um objeto existente fora do ciberespaço (os diários) – característica marcante dessa fase – a nova ferramenta de publicação permite a produção e veiculação de informação na Internet com a aplicação de alguns dos recursos próprios da nova tecnologia, mas não todos. Sem dúvida, é um importante passo em relação à “primeira geração”, quando os conteúdos eram apenas transpostos para a rede a partir dos formatos consagrados pelos meios preexistentes, sem a preocupação com as novas potencialidades.

4. Blog do Noblat

Após passar por grandes veículos de comunicação de circulação nacional como O Globo, Manchete, Veja e Isto É, além de dirigir entre 1994 e 2002 a redação do jornal Correio Braziliense, o pernambucano Ricardo Noblat decidiu, em março de 2004, criar um blog. Segundo ele mesmo revela (5), a intenção inicial era publicar os “furos” jornalísticos que perderiam a validade antes de chegar o domingo, dia em que assinava uma coluna política no jornal carioca O Dia. O sucesso da adaptação ao ambiente digital por parte de um profissional acostumado a outro tipo de suporte pode ter origem na própria frustração demonstrada por Noblat com o rumo dos grandes jornais:
 

“É feia a crise. Estou convencido de que donos de jornal e jornalistas compartilham o firme propósito de acabar com os jornais. Ou então são burros. (...) Os jovens, principalmente eles, fogem da leitura dos jornais e preferem informar-se por outros meios. Ou simplesmente não se informam. Uma fatia deles adere à Internet.” (NOBLAT, 2002, p. 13-14)


O grande número de acessos e a repercussão nos meios de comunicação tradicionais renderam dividendos a Noblat. Após 20 meses hospedado no portal e provedor IG, o blog se transferiu para o portal do Grupo Estado. O próprio jornalista revela conseguir tirar seu sustento da nova atividade: “Não vou dizer quanto ganho, mas é um salário bom para o mercado”(6) .  Contudo, a credibilidade sempre foi tema de debates sobre a Internet. Como confiar em informações publicadas na rede? No caso do recente fenômeno dos blogs jornalísticos podemos levantar uma hipótese que serve para corroborar a importância do jornalista como mediador privilegiado na web: o nome do profissional é a próprio certificado de confiabilidade. “Blog do Josias” (Josias de Souza, Folha de S. Paulo), “Blog do Juca” (Juca Kfouri, UOL) e “Blog do Torero” (José Roberto Torero, UOL) (7), são exemplos de jornalistas que conquistaram a credibilidade nos meios de comunicação de massa e migraram para os blogs. Por isso, um elemento fundamental desta “nova tribo” de jornalistas é a presença do nome e da fotografia do autor:
 


O “Blog do Noblat” funciona de acordo com a “forma padrão” desse tipo de ferramenta de publicação: os posts ocupam a coluna central, sendo que os mais recentes aparecem acima dos antigos; abaixo de cada post está o link comentário, que dá acesso a uma nova janela (chamada de pop-up) onde os internautas podem publicar textos. Não há inserção de vídeos, áudios (exceto a “Música do Dia) ou outros formatos midiáticos. Daí a baixa multimidialidade presente neste tipo de publicação, conforme debatido no capítulo anterior. A interatividade, tema central neste trabalho, depende diretamente da ferramenta de comentário. Para participar, o internauta deve preencher um breve cadastro com o nome, e-mail, apelido, senha de acesso, sexo, cidade e Estado. Cabe ressaltar que os dados pessoais, até mesmo o nome, podem ser inventados durante o preenchimento, já que não sofrem qualquer tipo de fiscalização. Somente o e-mail deve ser de uma conta verdadeira, pois a confirmação do cadastro é enviada automaticamente. Toda vez que desejar inserir um comentário basta que o internauta forneça o e-mail e a senha. Após escrever o texto, a mensagem irá aparecer instantaneamente no espaço dos comentários:
 
 


5. Post – o jornalismo nos blogs

 Propomos o agrupamento dos posts em três categorias: reprodutivos, autorais e interativos. A partir das categorias foi produzida uma tabela com os dados referentes ao mês de julho de 2005, quando foram publicados 1073 posts (tabela 1). Os dados mostram uma clara predominância dos posts reprodutivos e autorais. Apesar dos posts interativos representaram 7,36% do total, não devemos apressar as conclusões. Nos próximos capítulos a interação será debatida para que a participação do internauta nos blogs jornalísticos seja corretamente compreendida. Foram criadas, ainda, três subcategorias. Uma delas, a reprodução comentada, diz respeito àqueles posts nos quais o jornalista tece comentário acerca do material colhido em outro site. As outras duas subcategorias estão inscritas no grupo de posts interativos e serão explicitadas adiante.
 
     Data  Reprodução Rep.Coment      Autoral    Interativo Int.Reprodução Int. 
Dialógico
 Total de 
  posts
      1/jul        20         1         12         4            1           3        36
      2/jul        21         1           6         2            1           1        29
      3/jul        13         1           9         1            0           1        23
      4/jul        27         0         17       11            7           4        55
      5/jul        18         1         23         3            1           2        44
      6/jul        12         0         29         7            0           7        48
      7/jul        23         1         32         3            1           2        58
      8/jul        13         0         13         3            0           3        29
      9/jul        20         0           9         0            0           0        29
    10/jul        15         0           9         3            2           1        27
    11/jul          7         1         17         1            0           1        25
    12/jul        13         0         22         8            0           8        43
    13/jul        30         3         24         1            0           1        55
    14/jul        17         0         18         0            0           0        35
    15/jul        18         2         15         1            0           1        34
    16/jul        13         1         10         1            1           0        24
    17/jul        10          1         12         0            0           0        22
    18/jul        21         2         18         3            1           2        42
    19/jul        15         3         26         2            0           2        43
    20/jul        15         0         37         4            1           3        56
    21/jul        25         5         13         2            1           1        40
    22/jul        12         0         14         3            1           2        29
    23/jul        17         0           5         0            0           0        22
    24/jul        14         0           1         1            0           1        16
    25/jul        15         0           3         0            0           0        18
    26/jul        28         2         20         4            2           2        52
    27/jul        21         2         10         2            2           0        36
    28/jul        14         2           9         4            2            2        27
    29/jul        19         4         13         4            2           2        36
    30/jul        17         1           5         0            0           0        22
    31/jul        14         1           6         1            0           1        21
    Total       537        35         457        79           26          53      1073
      %      50,05      3,26       42,59      7,36         2,42        4,94

Tabela 1 – Categorias de posts – julho/2005





 Nos posts de reprodução, o jornalista republica material de outro local da rede. Noblat reproduz, principalmente, reportagens (parciais ou na íntegra) e trechos de colunas sobre política das versões on-line de O Globo, Veja, Folha de S. Paulo e outros grandes veículos. Quase não existe interferência direta do autor do blog nesse tipo de post. Apenas em alguns casos o jornalista tece comentários sobre o que foi publicado, mas o levantamento mostra que somente 3,26% são comentados por Noblat. Como não há interferência direta do autor na maior parte dos posts de reprodução, vale resgatar o papel proposto por Vaz (2004) para o mediador na Internet. Como dito no capítulo anterior, se o recurso escasso na web são as faculdades individuais de atenção e memória, o jornalista serve como mediador para facilitar o acesso à informação. Assim, alguns autores (Recuero, 2004), arriscam-se a enquadrar o “blogueiro” como um gatekeeper, tal como nos estudos sobre a sociologia dos emissores (8) (WOLF, 2003, p. 184-186). Contudo, o jornalista como mediador no blog, cumpre apenas parcialmente as funções de gatekeeper:
 

“Como diferença em relação à atividade do mediador associado aos meios de comunicação de massa, o novo mediador não precisa e não pode selecionar as informações a entrarem no espaço público da rede. Ao contrário, deve conter muitas informações para poder atender à diversidade de demandas individuais.” (VAZ, 2004, p. 233)


 Noblat demonstra habilidade em trabalhar como mediador no ciberespaço. O levantamento mostrou que 50,05% dos posts do período analisado são reproduções. O jornalista não briga pelo posto de emissor unilateral. Ao contrário, capta na rede aquilo que julga relevante o suficiente para atrair o público que, por sua vez, tem liberdade de publicar a mensagem que achar conveniente. A segunda categoria aqui analisada é a dos posts autorais, correspondente a 42,59% do total publicado. Autorais porque são fruto exclusivo do trabalho do jornalista. Nesta categoria Noblat se aproxima do colunismo político presente nas páginas dos jornais, com as informações dos bastidores e de conteúdo analítico. Contudo, pode-se notar a acentuação da personalização durante a confecção dos posts, ou seja, a “escrita do eu” encontrada por Schittine (2004) em blogs mantidos como diários íntimos está presente também quando o foco é o jornalismo. Há uma clara hibridização, assim como propõe Recuero (ver capítulo 2) na categorização de publicações mistas, nas quais informação e relato pessoal fazem parte de um mesmo texto:
 

02/07/2005 ¦ 10:00
Cadê os R$ 4 milhões, Jefferson? Cadê?

Para poupar o trabalho da Polícia Federal, confesso espontaneamente e espero o benefício conferido aqueles que colaboram: eu também já estive no prédio do Brasília Shopping onde funciona a agência do Banco Rural suspeita de ser a fonte pagadora do mensalão. E digo logo que não foi uma vez, nem duas, nem três. Foram muitas nos últimos 10 anos. Perdi a conta. A polícia descobriu que o deputado Roberto Jefferson também deu uma passadinha no Brasília Shopping. Uma, não, duas. Além do shopping propriamente dito, há duas torres por lá. Juro que jamais escalei uma delas. Freqüentei o shopping, somente o shopping,  para ir ao cinema e a uma papelaria. Sou fissurado em canetas, blocos de anotação, cadernos, agendas, pastas de todos os formatos, papéis de carta e envelopes. Jamais usei o que tenho de valioso e requintado, geralmnente comprado em viagens ao exterior. Invento as mais esquisitas desculpas para não usar.
 

5.1 – Posts de interação – o internauta no texto jornalístico

Elemento sempre presente nos estudos sobre a comunicação mediada por computador, a interação deve ser conceituada para evitar equívocos recorrentes. Ao estudarem tal conceito a partir de perspectivas distintas, porém complementares, autores como Braga (2001) e Primo (2004), revelam a dificuldade em se afastar a interatividade do senso comum, guiado pelo modelo conversacional. Em resumo, os maiores problemas apresentados pelas perspectivas dominantes são:
 

“... considerar interatividade como atributo substancial (e portanto existente ou não, de uma vez por todas) de um meio de comunicação; tomar como interatividade apenas aquela, direta, recíproca, do modelo conversacional; e pensar interatividade de tipo conversacional como valor automático.” (BRAGA, 2001, p. 112)
 Por isso, Braga propõe a interatividade diferida/difusa para caracterizar a interação social mediatizada. Ao contrário do modelo conversacional, o processo mediatizado não requer a interferência simultânea entre produtores e receptores. A centralidade recai sobre o produto posto em circulação acerca do qual é construída a interatividade social. Desta forma, um livro, um programa de rádio ou um blog serão mais ou menos interativos quanto maior ou menor forem suas capacidades de estimular a edição por parte dos receptores.

 Se a ampliação do conceito é fundamental para o estudo da interação, cabe buscar o modelo que melhor se insere na comunicação instaurada pelo blog jornalístico. Ao criticar o enfoque transmissionista (9), segundo o qual a interatividade é tratada como a polaridade entre produtor e usuário, Primo (2004) se apropria de um conceito valioso para se pensar a comunicação mediada por computador. No modelo transmissionista, o produtor seria responsável por definir uma quantidade finita de dados e arquivos que poderão ser selecionados pelo receptor.
 

“Tal limite é ultrapassado quando o internauta pode escrever e/ou alterar o que acaba de ler. Com essa possibilidade, abre-se caminho para um debate, uma interação mútua entre diferentes autores de um mesmo texto em construção.” (Primo, 2004, p.41)


Essa capacidade de interferir que é facultada ao internauta, faz da interação mútua “um constante vir a ser que se atualiza através das ações de um interagente (10) em relação à(s) do(s) outro(s)” (Primo, 2004, p. 54).  A partir dos conceitos trabalhados anteriormente, propusemos uma divisão dos posts interativos do “Blog do Noblat” em duas subcategorias: reprodutivos e dialógicos. O post interativo é aquele no qual a presença do leitor é explícita. Contudo, o jornalista apropria-se da presença do internauta de duas maneiras no trabalho jornalístico:

* Reproduzindo ipsis literis parte ou a íntegra de um comentário:
 

16/08/2005 ¦ 21:50
O que fez o PT, segundo o leitor

Do leitor que assina "O Guarani":

Como o PT é um partido de esquerda perseguido pela direita resolveu em 2002 formar uma chapa com os trotskistas do PL e o camarada José Alencar, velho militante popular revolucionário. Depois de eleito, fez do esquerdista histórico José Sarney, líder combatente que lutou contra a ditadura, o seu principal agente no Senado; nomeou para o BC um socialista chamado Henrique Meirelles, do Bank Boston (um banco comunista dos EUA). Também elegeu o revolucionário Marcos Valério seu doador, avalista, credor, e que numa operação audaciosa com o marxista Delúbio Soares criou um propinoduto para a causa socialista. Em São Paulo, o PT se aliou com o proletário Paulo Maluf na campanha de Marta Suplicy. Depois, deu para a esquerda radical do PP, PL e PTB milhões de reais em troca de apoio para a revolução petista. Tornou consultor no Ministério da Fazenda o grande comunista Delfim Netto, pagou os militantes de esquerda Janene, Henry, Mabel e Bispo Rodrigues na Câmara, e ainda deu um ministério ao leninista Severino Cavalcanti."

* Produzindo um texto no qual dialoga diretamente com um leitor, um grupo, ou com todos os leitores:
 
01/07/2005 ¦ 21:33
Para Gustavo Costa Martins

Você pergunta como é possível a um jornalista reproduzir diálogo travado pelo presidente da República com um ministro de Estado. Bem, se o jornalista não testemunhou o diálogo, só poderá reconstitui-lo com a ajuda direta ou indireta do presidente ou do ministro. Por indireta, entenda-se: o presidente ou o ministro conta o diálogo para alguém. Esse alguém repassa para o jornalista. Não me obrigue a ser mais indiscreto do que já fui. Por sinal, você me deu uma boa idéia: contar como jornalistas conseguem as informações que publicam. E o que fazem muitas vezes para que ninguém decubra como eles as conseguiram. Há histórias deliciosas, garanto. Isso pode dar um livro.


No levantamento realizado em julho de 2005, 7,36% dos posts foram classificados como interativos. Se comparado ao índice de posts reprodutivos (50,05%) e autorais (42,59%), pode parecer que a interação no “Blog do Noblat” é pequena. Mas essa constatação é errônea, na medida em que a análise se baseia no texto publicado pelo jornalista. Se comparado aos meios de comunicação de massa, a diferença torna-se evidente. A participação dos leitores nos jornais e revistas é restrita, na maior parte das vezes, à seção de “cartas à redação”. No rádio e na televisão, os ouvintes e telespectadores são convocados a participar da programação em momentos pré-estabelecidos, na maior parte das vezes por telefone, carta ou e-mail. Assim, podemos constatar que a participação dos leitores nos meios de comunicação de massa está restrita a horários e situações específicas e raramente se insere de forma direta no texto jornalístico. Ao contrário, o blog leva o jornalista a inserir o leitor no produto final, que será lido por outros leitores. Há duas hipóteses para essa participação direta dos internautas no texto jornalístico: o caráter pessoal dos blogs, com predominância da “escrita do eu” (Schittine, 2004), que leva o autor a inserir o leitor na narrativa como estratégia de fidelização; e a própria situação gerada pela tecnologia de publicação instantânea, que propicia a intervenção simultânea entre produtor e receptor, quebrando barreiras antes diferidas no tempo e no espaço (Braga, 2001).

Entre os posts interativos, a maior parte se enquadra na subcategoria dialógico. A elevada ocorrência desse tipo de post em relação aos reprodutivos pode estar diretamente relacionada à linguagem característica dos “blogueiros”. Falar em primeira pessoa sobre o próprio blog com os leitores é uma estratégia para atrair o público. Também é no post interativo dialógico que Noblat convida os internautas a fazer parte do trabalho jornalístico de observação e apuração dos fatos:
 

30/06/2005 ¦ 18:56
Quem quer fazer perguntas a Jefferson?

O interrogatório de Jefferson irá longe. Quem quiser fazer perguntas a ele, que faça no espaço de comentários a esta nota. Perguntas objetivas. Que tenham a ver com o que se discute na CPI dos Correios. Tenho como encaminhar as melhores a deputados ou senadores que estão inscritos para interrogar Jefferson. Quem sabe não conseguiremos dessa forma melhorar o nível da discussão na CPI.
 

6. Conclusão

Com a discussão e os dados apresentados, procurou-se analisar as potencialidades instauradas pelos blogs no webjornalismo. Partindo da interatividade como eixo principal, observamos a presença do internauta no trabalho jornalístico. Presença que não é “desejável”, como ocorre nos meios de comunicação de massa, mas sim, necessária para a prática jornalística no ciberespaço. Sem os comentários simultâneos dos leitores, o blog jornalístico perderia a maior de suas virtudes: abrir o canal entre o jornalista e o público, permitindo a este último fazer parte do processo de produção. Cabe ao jornalista trabalhar como um mediador múltiplo. Não basta ao profissional da comunicação selecionar informações de interesse geral, mas sim, apreender aquilo que há de mais importante entre os comentários dos internautas e incorporar tal material ao texto jornalístico produzido nos posts. Defendemos o papel do jornalista como mediador múltiplo porque cabe a ele produzir material original, selecionar material produzido por terceiros e filtrar os comentários pertinentes à narrativa jornalística feitos a partir do que é publicado no blog. Apesar do pouco tempo de trabalho na web, pode-se dizer que Noblat carrega o mérito de compreender e explorar o papel do mediador no ciberespaço. Publicar informação na Internet não garante o processo comunicativo e nem sempre é a melhor opção para se alcançar visibilidade, uma vez que a informação deixou de ser o recurso escasso.
Cabe ressaltar que o estudo de caso pode ser útil para apontar tendências e levantar hipóteses sobre a prática, mas não encerra a discussão. Há dezenas de outros blogs mantidos por jornalistas no Brasil. Por se tratar de um fenômeno recente e inserido em um ambiente propício ao experimentalismo (a Internet), o blog como ferramenta para o webjornalismo ainda deve ser objeto de pesquisas futuras.

Notas

(1)   Matéria disponível em <http://www.wired.com/wired/archive/13.08/tech.html?pg=3>. Acesso em 18/11/2005.

(2)   Espaço gerado pela conexão mundial de computadores, caracterizado pelo contínuo fluxo de informação digitalizada. A origem do termo é atribuída à obra de ficção “Neuromancer”, de Willian Gibson, publicada pela primeira vez em 1984.

(3)   http://noblat1.estadao.com.br/noblat/index.html

(4)   Elemento que permite a ligação entre conteúdos situados em locais distintos da rede.

(5)   Reportagem “Os bastidores do Blog do Noblat” publicada pela revista Info Exame em outubro de 2005.

(6)   Reportagem “Coluna virtual estoura barreira de um milhão de acessos na cobertura de CPIs”, publicada em 21/08/2005 pelo jornal “Hoje em Dia”.

(7)   http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br, http://blogdojuca.blog.uol.com.br, http://blogdojuca.blog.uol.com.br.

(8)   A pesquisa sobre o gatekeeper tem como objetivo analisar o conteúdo veiculado a partir das decisões de um jornalista que assume a função de “cancela”, com o poder de determinar o fluxo informacional.

(9)    Baseado no modelo matemático de Shannon e Weaver: emissor-mensagem-canal-receptor.

(10)  Primo (2004) prefere o termo “interagente” para substituir “usuário”, que, segundo ele, descreve uma pessoa à mercê de alguém hierarquicamente superior.
 

Referências bibliográficas
 

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