Falecimento, velório e sepultamento do Papa João Paulo II como
                                   evento midiático: estudo dos critérios de noticiabilidade do jornal Folha de São Paulo
 
         Luiz Filipe Ciribelli Borges

Introdução

O “Falecimento, Velório e Sepultamento do papa João Paulo II” tornou-se um dos eventos midiáticos mais significativos da história contemporânea. No Brasil, alguns dos principais meios montaram uma estrutura especial para a cobertura do evento. O Jornal Nacional, da TV Globo, foi parcialmente ancorado do Vaticano. A TV Bandeirantes enviou a Roma três profissionais para cobrir o evento. O impresso Folha de São Paulo criou cadernos especiais, enviou repórteres especialmente para a cobertura dos acontecimentos, repercutiu cotidianamente o assunto no Brasil e nos dias entre o falecimento e o sepultamento de João Paulo II praticamente restringiu a cobertura internacional ao tema.

Dada a relevância jornalística que os meios de comunicação conferiram ao evento, a Folha de São Paulo em particular, este ensaio pretende estudar como este meio impresso construiu o evento midiático “Falecimento, Velório e Sepultamento do papa João Paulo II” como relevante a partir dos critérios de noticiabilidade, no período que se estende do dia em que noticia a morte (03/04/2005) até o momento em que noticia o sepultamento de João Paulo II (09/04/2005). A partir da identificação dos principais critérios de noticiabilidade que nortearam a construção que o jornal faz do evento, o problema central a que se propõe o estudo é analisar se os critérios de noticiabilidade tradicionais e também os que são relativamente consensuais entre os teóricos da comunicação e do jornalismo, são suficientes para explicar a construção que a Folha faz do evento.

A escolha da cobertura da Folha de São Paulo como objeto da análise se dá por diversos motivos. Um deles é o fato dela ser atualmente o jornal brasileiro de maior tiragem e circulação, segundo números do Instituto Verificador de Circulação – IVC (1). Em média, um número superior a 300.000 exemplares é impresso diariamente. O envio do jornal a todos os estados do Brasil e a possibilidade de que cada exemplar possa ser lido por mais de uma pessoa confere à Folha um alcance significativo, dada sua condição de meio de comunicação impresso.

Falecimento, velório e sepultamento do Papa João Paulo II Como evento midiático

 Os acontecimentos sociais não são objetos que se encontram em qualquer parte da realidade. Eles não existem a não ser na medida em que os meios de comunicação os façam existir. O acontecimento midiático envolve as redes de radiodifusão, a internet, os jornais e revistas com o objetivo de vender seus significados, para alcançar um nível maior de repercussão. Trata-se de um espetáculo que reúne diferentes imagens e relações sociais, em qualidade e quantidade de pessoas mensuradas pela grandeza da recepção, potencializadas pelas tecnologias da comunicação, possibilitando sua chegada ao vivo em várias partes do mundo (TRIGUEIRO, 2005).

O falecimento do papa João Paulo II e as cerimônias e rituais fúnebres referentes aos novemdiales (2) tornaram-se um fenômeno de mídia global. Nas primeiras 72 horas após o anúncio de sua morte, segundo o Global Language Monitor, mais de 75 mil reportagens foram publicadas em todo o mundo. O nome do pontífice foi citado cerca de 10 milhões de vezes na rede mundial de informações, superando em mais de três vezes as reportagens sobre o atentado de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, e em mais de dez vezes a reeleição de George Bush.

A missa de corpo presente pode ser considerada o ápice do acontecimento midiático. De acordo com Trigueiro (2005) mais de 90 países receberam as imagens ao vivo da missa, pelos principais canais públicos e privados de televisão como NBC, ABC, CBS, CNN, RAI, Al-Jazira, Al-Arablya e, no Brasil, a Rede Globo, a Bandeirantes e Rede Vida, entre outros canais, que exibiram as imagens por mais de 3 horas ininterruptas da Praça São Pedro. O mundo parou por algumas horas para assistir às cerimônias fúnebres do papa João Paulo II. Diversos telões foram espalhados nos arredores do Vaticano para que os peregrinos que não tivessem acesso à Praça São Pedro pudessem acompanhar tudo com detalhes. A capital Italiana foi também foi cercada de telões para que as 4 milhões de pessoas que lotavam os espaços públicos pudessem acompanhar o acontecimento (TRIGUEIRO, 2005).

Para além de “acontecimento”, a morte e as cerimônias fúnebres do papa João Paulo II enquadram-se no que Bráulio Britto Neves (2000) denomina “evento midiático”. O autor parte da definição dos termos ocorrência e acontecimento para, em seguida, caracterizar o que ele denomina “evento”. A ocorrência é o happening (ou fenômeno), que inicialmente é acessível apenas à experiência local dos sujeitos envolvidos. O acontecimento é o relato público da ocorrência. Já o evento ou acontecimento reflexivo é configurado quando os discursos públicos ultrapassam a função meramente descritiva de representação das ocorrências, interpretando-as de maneira reflexiva.

A morte de João Paulo II configura-se como “evento midiático” em milhares de meios de comunicação de vários países do mundo, inclusive no Brasil. Alguns dos principais meios de comunicação brasileiros (impressos, televisivos, radiofônicos) como os jornais O Estado de São Paulo, O Globo, Folha de São Paulo e emissoras como TV Globo, TV Bandeirantes, Rede Vida, apresentam-se como atores-mediadores, co-responsáveis pela constituição de lugares simbólicos onde enunciados de uma série de atores sociais distintos entrecruzam-se, atribuindo significados diversos a questões como o falecimento, a personalidade do papa e a política de sucessão.

A cobertura do falecimento do papa feita pela Folha de São Paulo, objeto deste trabalho, demonstra a importância jornalística que o jornal conferiu ao “evento”. A Folha enviou para Roma repórteres do primeiro escalão como Clóvis Rossi e Ricardo Feltrin, que produziram uma série de reportagens diariamente. No Brasil, repórteres de algumas capitais e cidades do interior repercutiam cotidianamente o tema entre religiosos e personalidades nacionais. Do dia em que o jornal noticia o falecimento de João Paulo II (03/04/05) até o momento em que é noticiada a morte do pontífice (09/04/05), o tema foi destaque na primeira metade da capa da Folha e também no caderno Folha Mundo.

A Construção do evento na Folha de São Paulo a partir dos critérios de noticiabilidade

As diferenças estabelecidas pelos meios jornalísticos para a seleção das ocorrências cotidianas que serão tornadas notícias, bem como a forma que a notícia vai ganhar, a localização ou não na primeira página dos jornais impressos, o tempo da reportagem  na edição de um telejornal obedecem a critérios específicos; os chamados critérios de noticiabilidade. Conforme Gislene Silva (2005), frente ao grande volume de matéria-prima, é preciso estratificar para escolher qual acontecimento é mais merecedor de adquirir existência pública como notícia, uma vez que não há espaço nos veículos informativos para a publicação de todos os assuntos.

Para que determinada ocorrência seja tornada “evento midiático” é indispensável que ela esteja impregnada dos chamados valores-notícia, ou seja, que os jornalistas reconheçam nela importância e interesse como notícia. Mas não é suficiente. Como observa Gislene Silva (2005), a noticiabilidade de uma ocorrência depende de outros fatores como as condições favorecedoras ou limitantes da empresa de mídia, a qualidade do material (imagem e texto), relação com as fontes e com o público, fatores éticos e ainda circunstâncias históricas, políticas, econômicas e sociais.

A construção do evento “Falecimento, Velório e Sepultamento do papa João Paulo II” na Folha de São Paulo apresenta-se como significativa para pensarmos os valores-notícia em particular e outros critérios de noticiabilidade que nortearam o jornal. O critério de noticiabilidade que se apresenta de modo mais evidente é o valor-notícia de seleção (critério substantivo) morte. Como observa Traquina (2005), a morte é um valor-notícia fundamental para a comunidade interpretativa dos jornalistas, e uma razão que explica o negativismo do mundo jornalístico que é apresentado diariamente nas páginas dos jornais ou nos noticiários televisivos.

No entanto, é importante observar que os valores-notícia não funcionam isoladamente, mas em diferentes combinações e de forma negociada (CORREIA citado por SILVA, 2005). O valor notícia de seleção (critérios substantivos) morte, associa-se intimamente a outro valor que também funciona como critério de noticiabilidade para a Folha: a notoriedade do ator principal, o que é fundamental para os membros da comunidade jornalística. A morte de um simples morador de favela do Rio de Janeiro, por exemplo, possui grau de noticiabilidade menor do que a morte de um papa e por diversos motivos. Um deles é o fato do papa ser o líder máximo da Igreja Católica, a que possui o maior número de adeptos em todo o mundo. Especialmente em se tratando de Brasil – considerado o maior país católico do mundo - onde 73,89% da população se declara católica segundo números do IBGE e da Fundação Getúlio Vargas (3).

Outro valor-notícia de seleção – critérios substantivos - que se apresenta como um forte critério de noticiabilidade na construção feita pela Folha de São Paulo é a relevância. Este valor-notícia, como explica Traquina (2005), responde à preocupação dos meios em informar o público dos acontecimentos que são importantes porque tem impacto na vida das pessoas. Ele determina que a noticiabilidade tem a ver com a capacidade do acontecimento ter impacto também sobre o país, sobre a nação. Deste modo, ao montar uma estrutura de cobertura especial e conferir grande destaque ao evento a Folha deixa de dar ou diminui o destaque de outras notícias, o que leva a crer que o falecimento do papa é considerado relevante para o jornal e seus leitores potenciais.

A notabilidade é outro valor-notícia para a Folha de São Paulo. Como observa Traquina (2005), há diversos registros da notabilidade. Um deles é a quantidade de pessoas que o evento envolve. A Folha, em todas as edições analisadas, recorre a dados numéricos. Na quarta-feira dia 6 de abril, por exemplo, o título de uma das reportagens da página 3 do caderno Folha Mundo é o seguinte: “Polônia pode mandar 2 milhões para enterro do papa”, em referência à estimativa do governo polonês em relação ao número de poloneses que poderiam ir a Roma para o enterro de João Paulo II.

Na construção do evento midiático outros valores-notícia se apresentam como critérios de noticiabilidade para a Folha de São Paulo, como a disponibilidade e a visualidade. Na cobertura, a Folha se beneficiou de grande quantidade de notícias, reportagens, fotografias produzidas pelos correspondentes e enviados especiais e também utilizou farto material de agências de notícias. Apesar dos custos, os valores-notícia dos acontecimentos justificaram a cobertura.  E o aspecto visual também foi muito explorado pela Folha. Durante os sete dias de cobertura o jornal publicou no caderno Folha Mundo mais de 70 imagens de João Paulo II, sejam elas fotografias de agências, estátuas e capas de livros onde apareceram inscritas a figura do papa.

 A morte de João Paulo II na Folha de São Paulo

Vinte e seis anos separam as mortes dos papas João Paulo I e João Paulo II. Ao longo de pouco mais de duas décadas, mudanças significativas aconteceram na imprensa e nas comunicações no Brasil e no mundo. As empresas tornaram-se mais modernas, a circulação de informações aumentou em escala astronômica, especialmente devido às tecnologias digitais, e surgiram novas formas de comunicação, possibilitadas principalmente pelo advento da internet. Nas redações de jornais as máquinas de escrever, telex e os arquivos em papel praticamente desapareceram.

O papa João Paulo I morreu na noite de 28 de setembro de 1978. Em sua coluna dominical o ombudsman da Folha de São Paulo, Marcelo Beraba, compara brevemente as coberturas feitas pela Folha sobre o falecimento de João Paulo I e João Paulo II. A morte de João Paulo I aconteceu numa quinta-feira mas só foi descoberta no início da manhã de sexta, por volta das 4h e 30 minutos, horário de Roma. No Brasil ainda era madrugada. Como lembra Beraba, naquela época quase todos os jornais começavam a ser impressos depois da meia-noite e as máquinas já rodavam quando a notícia chegou ao Brasil, via telex. A Folha de São Paulo começou a imprimir a edição do dia 29 com uma manchete sobre a localização da usina nuclear. A manchete foi a seguinte: “Angra é sujeita a terremoto”. Na madrugada o título foi trocado. “O papa João Paulo I morreu”.
 A morte de João Paulo I foi uma surpresa. O pontificado durou apenas 33 dias. De acordo com Beraba, no dia do anúncio a Folha substituiu a manchete com as notícias das agências internacionais e limitou a cobertura à primeira página, com uma foto. A edição do sábado saiu com 5 páginas e um 1 editorial dedicado ao assunto. O jornal publicou textos enviados por seus correspondentes em Roma, Pedro Del Picchia, e em Nova York, Paulo Francis. também foi publicada uma página biográfica assinada por Gerardo Mello Mourão, uma análise da UPI e um texto de Newton Carlos sobre a eleição do novo papa. No domingo o jornal dedicou 4 páginas ao assunto.

A edição do domingo dia 3 de abril de 2005, data em que a Folha de São Paulo noticia a morte de João Paulo II, dedicou 14 páginas e meia ao assunto. Como observa Beraba, em comum com as edições de 1978 havia apenas a assinatura de Gerardo Mello Mourão. Os jornais se beneficiaram de um volume imenso de informações sobre qualquer assunto e da instantaneidade da comunicação. Além disso, o agravamento da doença do papa permitiu que os meios de comunicação preparassem os necrológicos com mais cuidado.

Do dia em que a Folha de São Paulo noticia o falecimento de João Paulo II até o dia em que é noticiado o sepultamento, o assunto foi destaque na primeira página da Folha de São Paulo, que possui 7 cadernos diários (4) e 13 suplementos (5). No dia em que é noticiado o falecimento de João Paulo II, a Folha publica 1 caderno Folha Mundo Especial, com um total de 16 páginas, todo ele dedicado ao acontecimento. No caderno foram publicados apenas 3 anúncios, sendo um de página inteira. Neste dia o jornal publica uma série de reportagens e artigos analíticos, faz um resumo sobre os acontecimentos que marcaram o Vaticano e o mundo em 26 anos de pontificado, traz informações sobre a possível data do sepultamento e repercute o acontecimento entre religiosos brasileiros.

A consulta feita ao site da Folha de São Paulo (6) revela que do dia 3 de abril ao dia 9 de abril de 2005, o jornal publicou cerca de 190 textos relacionados ao evento, uma média de 27 textos por dia. Só no primeiro dia foram publicados cerca de 35 textos. A Folha também dá grande destaque fotográfico ao evento. Durante os sete dias de cobertura, objeto deste trabalho, o jornal publica no caderno Folha Mundo mais de 70 imagens de João Paulo II, sejam elas fotografias de agências noticiosas, estátuas, capas de livros onde estão inscritas a figura do papa. Além disso, inúmeras fotografias de fiéis espalhados pelo mundo, de multidões aglomeradas para dar o adeus particular ao papa, de personalidades mundiais, também foram publicadas.

A insuficiência dos critérios de noticiabilidade para explicar o evento na Folha de São Paulo

Nos meios de comunicação em geral e na Folha de São Paulo, a possibilidade do falecimento de João Paulo II já vinha, de certa maneira, sendo anunciada. No dia 2 de fevereiro de 2005 o caderno Folha Mundo traz a seguinte notícia: “Gripe faz papa ser internado às pressas”. As pioras e cada operação sofrida por João Paulo II eram notícia na Folha. No dia 25 de fevereiro uma operação pela qual o papa havia passado no dia anterior é o principal assunto do jornal. A manchete é a seguinte: “Papa sofre nova crise e é operado em Roma”. No dia 30 de março o caderno Folha Mundo traz publicada uma notícia sobre uma possível nova operação: “´Papa pode ser operado de novo´, diz jornal”. No dia 31 de março, três pequenas fotos na metade inferior da primeira página mostram a agonia de João Paulo II. O assunto é o principal do caderno Folha Mundo, que traz 2 notícias relacionadas referentes ao tema: “Papa agora é alimentado por sonda nasal” e “Mal de Parkinson agravado pode ter levado a uso de sonda”. No dia 2 de abril, das 8 notícias sobre o assunto, uma tem o seguinte título: “João Paulo II sofre colapso cardíaco, choque séptico e ´se apaga serenamente´”.

Deste modo, valores-notícia como o inesperado, a surpresa e a imprevisão, levantados décadas atrás por autores como Galtung e Ruge e Lippman, dentre outros, se apresentam como critérios pouco apropriados para explicar a construção do evento midiático na Folha de São Paulo. Ao que tudo indica, foi a previsibilidade do acontecimento que permitiu a preparação da estrutura de cobertura da Folha. Como observado na seção anterior, ao contrário do falecimento do papa João Paulo I, a morte de João Paulo II era relativamente esperada nos meios de comunicação e também pela população dos vários cantos do mundo. Por isto os meios tiveram tempo de preparar os necrológios e oferecer um material mais completo.

Outro valor-notícia levantado por Galtung e Ruge que não explica a cobertura da Folha é a composição (SILVA, 2005, TRAQUINA, 2005). Os autores tomam um exemplo para explicar este valor-notícia. Imagine-se que o editor de uma estação de radiodifusão, num dia preciso, tem notícias do estrangeiro e só de um certo tipo. Alguns minutos antes de entrar no ar, recebe algumas notícias domésticas pouco significativas e algumas notícias do estrangeiro de gênero diferente. Galtung e Ruge, como explica Traquina (2005), argumentam que o valor mínimo necessário para estas notícias será mais baixo do que teria sido de outro modo, devido ao desejo de apresentar um todo equilibrado. Este é o valor notícia de composição.

Contudo, se observarmos a cobertura dos acontecimentos do exterior feita pela Folha entre os dias em que o evento foi construído, verificamos que este critério de noticiabilidade não explica a cobertura do jornal. O que se percebe claramente a partir da análise é a não tentativa de apresentar um noticiário internacional equilibrado. Conforme descrito na seção 4 deste trabalho, as notícias não relacionadas ao evento receberam destaque mínimo se comparadas à morte do papa, tanto nas primeiras páginas quanto nas páginas internas do caderno internacional. O caderno Folha Mundo do dia 5, por exemplo, é publicado com 8 páginas. As notícias internacionais não relacionadas ao tema são enquadradas na rubrica “Outras notícias”, e ocupam menos da metade de uma das páginas do caderno. E as outras edições da Folha de São Paulo que foram analisadas seguem este padrão de desequilíbrio no noticiário internacional.

Considerações finais

 Os critérios de noticiabilidade são elementos importantes da cultura jornalística e merecem ser estudados. As construções dos assuntos e temas nos meios de comunicação obedecem em grande parte a estes critérios e eles atuam como fatores co-responsáveis na configuração dos assuntos e temáticas agendadas por estes meios. O estudo mostra que apesar da história dos critérios de noticiabilidade (dos valores-notícia em especial) não ser tão recente, eles ainda permanecem úteis e necessários para a análise da produção jornalística contemporânea.

A construção do evento midiático feita pela Folha de São Paulo revela uma forte associação entre estes critérios num único evento. A morte, a proeminência do ator, a personalização, são valores-notícia que se apresentam como importantes critérios de noticiabilidade para a Folha. Contudo, alguns critérios de noticiabilidade mais tradicionais se revelaram inapropriados para explicar a construção do evento. Podemos até mesmo afirmar que o contrário dos critérios de noticiabilidade (imprevisibilidade e equilíbrio), a saber, a imprevisibilidade e o desequilíbrio, dão conta de explicar melhor a cobertura do evento na Folha de São Paulo.

Deste modo, consideramos que, apesar do potencial analítico dos critérios de noticiabilidade, eles podem se apresentar como insuficientes ou inapropriados para explicar toda e qualquer construção dos acontecimentos nos meios de comunicação. Os acontecimentos sociais representados pelos meios podem assumir características distintas, apesar da existência de determinados padrões para a representação destes acontecimentos nos meios. Como bem observa Gislene Silva (2005), um mesmo acontecimento pode carregar em si mesmo atributos contrários. Ou seja, ele (acontecimento) pode apresentar a atualidade (novidade) como valor-notícia, ao mesmo tempo em que elementos referentes à tradição e ao passado podem ser usados na construção deste acontecimento. Pode estar imbuído de elementos negativos mas também de elementos positivos.

Se pensarmos o jornalismo a partir da perspectiva dos critérios de noticiabilidade não há como não enxerga-lo como uma atividade de representação, de construção da realidade. As representações jornalísticas, por sua vez, não se dão de maneira aleatória, mas a partir de uma série de fatores apontados neste trabalho como a cultura profissional, a linha editorial do veículo, a sociedade onde ele está inserido, dentre outros. A construção que a Folha de São Paulo faz do evento, deste modo, não se dá simplesmente por acaso, como se o jornal tivesse funcionado como um espelho a refletir os acontecimentos. Ao contrário, a Folha pretendeu construir o evento daquela maneira e não de outra. E como toda escolha, a escolha feita pelo jornal privilegia elementos em detrimento de outros. Ao oferecer grande destaque à morte do papa, a Folha deixa de lado ou diminui a publicação de outras notícias que potencialmente poderiam ser de interesse dos seus leitores.

Notas

(1)  O IVC é uma empresa sem fins lucrativos e tem por objetivo proporcionar autenticidade às circulações de publicações, bem como a distribuição destas informações para as empresas associadas ao Instituto. Endereço: www.ivc.org.br .

(2)  O luto pelo papa dura nove dias, período chamado de “novemdiales”. Ele é sepultado entre o quarto e o sexto dia após sua morte. Os detalhes são decididos por um grupo de cardeais e por documento deixado pelo próprio papa. Há alguns ritos básicos realizados no funeral. Muitos deles foram introduzidos no século 14, devido ao histórico de crimes e desordens gerados pela morte do papa. FOLHA DE SÃO PAULO, Folha Mundo, 3 de abril de 2004,  P.2.

(3)  O GLOBO. O Globo Revista, 8 de março de 2005, P. 26.

(4)  Folha Brasil, Folha Ciência, Folha Cotidiano, Folha Dinheiro, Folha Esporte, Folha Ilustrada e Folha Mundo.

(5)  Folha Informática, Folha Equilíbrio, Folha Turismo, Folhinha, Folhateen, Mais!, Revista da Folha, Folha Veículos, Folha Construção, Empregos, Folha Negócios, Folha Imóveis, Guia da Folha e Sinapse.

(6)  www.uol.com.br/fsp. A consulta foi feita pelo autor deste trabalho.

Bibliografia

KUNCZICK, Michael. Conceitos de jornalismo - norte e sul. São Paulo: Edusp, 2002.

SILVA, Gislene. Valores-notícia: atributos do acontecimento. Trabalho apresentado ao NP 02 – Jornalismo, do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. Ano 2005.

SOUSA, Jorge Pedro. As Notícias e os seus efeitos. Coimbra: Edições Minerva Coimbra, 2000.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2005.

TRIGUEIRO, Osvaldo Meira. João Paulo II: um ativista midiático. IN: www.bocc.ubi.pt

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1995.

Jornais:

FOLHA DE SÃO PAULO. Caderno Folha Mundo. De 3 a 9 de abril de 2005.


Página Principal