As Torres Gêmeas de Santa Tereza: um estudo sobre a abordagem do
                                                  jornal Estado de Minas ao evento da ocupação do Residencial San Martin

                                                                                       Ricardo Costa Villaça


Introdução

Muito se tem discutido, nos últimos anos, sobre as possíveis transformações que os chamados mídias têm desencadeado na configuração contemporânea da experiência humana. J.B.Thompson (1998: 20) lembra com propriedade que por meio da comunicação, os indivíduos criam o que Pierre Bourdieu (THOMPSON, 1998) chama de campos de interação, contextos sociais estruturados onde eles compartilham suas experiências de vida, e têm a possibilidade de transformar sua realidade.

Habermas (1997, 1989) após a revisão de suas idéias e a reformulação do conceito de esfera pública apresentado em Mudança Estrutural da Esfera Pública (1984) coloca a comunicação midiática espaços nos quais os diversos atores sociais têm a possibilidade de expor suas reivindicações e de trocar os argumentos necessários com o restante da sociedade para a conseqüente formação da vontade coletiva.

Maria Céres Castro, no entanto, lembra que a constituição de tais espaços livres e abertos, que contribuam para a proliferação dos debates públicos, “dependem enormemente das condições de visibilidade acerca das questões, dos sujeitos e de ações que são proporcionadas pelo sistema da mídia” (2003: 2). Nas sociedades atuais, quando as interações sociais e, portanto, a vida política das sociedades ocorrem em situações nas quais os participantes não precisam mais estar em co-presença, é necessário que os grupos políticos empreendam seus esforços afim de ocupar e de manter nos espaços midiáticos (THOMPSON, 1998).

Partindo destes pressupostos, iniciaremos uma breve discussão acerca destas questões. Procuraremos identificar algumas das principais peculiaridades dos espaços midiáticos; seus dilemas, contradições, bem como suas exigências para os públicos que o desejam ocupar. Discutiremos, também, de quais maneiras esses espaços podem funcionar na configuração das esferas públicas contemporâneas e as condições de visibilidade e publicidade proporcionadas por eles. Para tal tarefa, utilizaremos como objeto de nossa análise o evento da ocupação do Condomínio San Martin – popularmente conhecido como “Torres Gêmeas” de Santa Tereza – por cerca de 150 famílias sem-teto, em meados de 1995, após a falência da construtora responsável pela obra.

Nos anos seguintes à ocupação, os moradores ingressaram numa batalha dupla na busca por seu objetivo de permanecer nos prédios. A batalha jurídica foi acompanhada pela tentativa desse público de conseguir o apoio e a legitimidade de suas causas na sociedade civil. Incentivado e apoiado pela Pastoral de Rua de Belo Horizonte e pelo departamento de apoio jurídico da PUC–Minas, o movimento parece ter conseguido um maior poder organizacional que resultou na possibilidade real da permanência destas famílias nos prédios após tantos anos de lutas.

Utilizando as 18 matérias as quais tivemos acesso, veiculadas pelo jornal impresso Estado de Minas sobre o tema, lançaremos nosso olhar sobre o evento buscando captar as vozes dos públicos envolvidos na questão e evidenciando o tipo de cobertura feita pelo jornal. Tentaremos, a partir disso, elucidar algumas questões que julgamos importantes acerca da possibilidade deste veículo ter funcionado como pré-estruturador da esfera pública. São elas: Quais os públicos diretamente envolvidos na questão? Quais encaminhamentos foram predominantemente feitos pelo veículo em questão sobre este evento? Quais os argumentos dos públicos envolvidos migraram para o espaço de visibilidade midiática? Que imagens foram, ou têm sido construídas a partir dos discursos veiculados sobre o tema? Tais perguntas, ao nosso ver, nos ajudarão a encontrar respostas para questões mais complexas que dizem respeito às maneiras pelas quais esses espaços midiáticos podem funcionar na configuração das esferas públicas contemporâneas e às condições de visibilidade e publicidade proporcionadas por eles.

Os mídias e a configuração do espaço público

Rousiley Maia, tratando do processo de deliberação coletiva como condição necessária “à obtenção de legitimidade para o exercício do poder político nas principais instituições de uma sociedade, e de racionalidade para a tomada de decisão política” (2004: 09), ressalta a importância dos mídias na formação de uma complexa rede de relações entre os diversos atores da sociedade civil, podendo funcionar como espaços nos quais estes atores têm a possibilidade de fazer suas reivindicações acerca de suas necessidades, expor seus argumentos para toda a sociedade e debater questões de interesse público para a conseqüente formação da vontade coletiva.

Portanto, para que as demandas e questões sociais passem a integrar as esferas públicas contemporâneas é preciso que elas sejam publicizadas, ou seja, que elas estejam “visíveis e disponíveis para o conhecimento comum” (MAIA, 2004: 12). Porém, segundo Maia, se encarada mais a fundo, num sentido “forte”, a publicidade pode ser vista como elemento indispensável para o estabelecimento de regras práticas que regulam e ordenam a condução dos debates nos espaços de visibilidade midiática. Ela (1) “cria um espaço para a deliberação” (2004: 13); (2) “governa o processo de deliberação” (2004: 14) e (3) “produz um padrão para julgar os acordos” (2004: 13, 14).

Na contemporaneidade, conforme ressalta Castro (2003), a possibilidade de que os assuntos de interesse coletivo se tornem públicos ou, como dissemos acima, de que eles adquiram publicidade, está intimamente ligada à sua capacidade de ocupar os espaços de visibilidade proporcionados pelos mídias. Tais espaços de visibilidade funcionam como instrumento valoroso na configuração de um amplo meio ambiente informativo, do qual questões potencialmente relevantes para a coletividade tem a oportunidade de serem apresentadas e, a partir daí, passarem a fomentar debates nas diversas arenas de interação que compõe uma determinada sociedade (MAIA, 2004).

Em um mundo no qual a prática política enquanto ação dialógica entre os indivíduos, não ocorrem mais apenas em situação de co-presença (THOMPSON, 1998), os meios de comunicação passam a ocupar um lugar de destaque na pré-estruturação das esferas públicas. Segundo Maia as mídias propõem as pautas; lançam em seu espaços de visibilidade as questões que julgam importantes de serem expostas. Mas eles próprios não são capazes de inferir quais temas, a partir de então, serão ou não apanhados pelas sociedades e colocados em debate. Esse processo se realiza em encontros cotidianos, onde os sujeitos sociais trocam suas experiências e compartilham os assuntos que entendem como de interesse em comum. As interpretações que fazem dos fluxos midiáticos são frutos de complexas relações interacionais, especificamente contextualizadas e articuladas a uma série de conhecimentos e interpretações prévias da realidade (HALL, 2003).

Mas poderíamos levar em conta a assertiva de que o sistema dos mídias pode ser visto como um sistema fechado que não permite o livre acesso a todos. Nancy Fraser (MAIA, 2004) faz uma classificação bastante pertinente dos públicos em dois tipos fundamentais: públicos fortes e públicos fracos. Os públicos fortes são aqueles grupos sociais que gozam de maior facilidade de acesso aos espaços de visibilidade dos meios, graças à sua posição política ou econômica privilegiada. Além do mais, têm grande facilidade de se sustentar neles, uma vez que contam com os public relations – nas palavras de Habermas (1984) – uma série de assessores e profissionais especializados em “administrar imagens”. De maneira oposta, identificamos como “fracos” aqueles públicos nos quais estão inseridos os cidadãos comuns da sociedade civil. Estes, nos processos de deliberação, embora tenham maiores limitações no acesso aos espaços de visibilidade produzidos pelos mídias, são responsáveis por retirar desses espaços os acontecimentos que julgam importantes para a coletividade e por trazê-los para as arenas de livre debate na sociedade; para os diversos espaços públicos onde ocorrem a formação da vontade coletiva (MAIA, 2004: 10).

Contudo, os públicos fracos podem mudar significativamente suas capacidades de acesso e manutenção de suas reivindicações nos espaços de visibilidade quando atuam de forma organizada, tornando-se atores coletivos. A convergência de esforços unidos em prol de um motivo em comum melhora consideravelmente a capacidade desses atores de pensar sobre seus problemas e de buscar soluções viáveis e justas para eles, além de tornar mais fácil a exposição de seus argumentos e reclamações à toda sociedade. O pensar em conjunto permite o desenvolvimento da consciência crítica e da capacidade de contestar de maneira mais pertinente as práticas ou situações de opressão cotidianas. Trata-se, principalmente, de criar meios de fortalecer e de dar credibilidade às reivindicações para que elas possam resistir às críticas contrárias numa situação de debate, a fim de conseguir afirmar sua relevância enquanto questões de interesse público.

Por serem desprovidos dos meios de acesso “tradicionais” aos espaços de visibilidade midiática, os públicos fracos precisam criar situações ou eventos que chamem a atenção pública para seus problemas. Demonstrações públicas como passeatas, ocupações de locais públicos, dentre outras, são artifícios que “rompem com a invisibilidade no circuito da mídia e criam novas possibilidades de expressão” (MAIA, 2004: 26). Uma vez conseguida a inserção de suas imagens nesses espaços midiáticos, a tarefa, então, consiste em ocupá-los de forma adequada para que, aos poucos, se estabeleça na agenda pública o debate pretendido. As transformações sócio/culturais e políticas não ocorrem, como se diz, “da noite para o dia”; precisam de tempo para que sejam construídas condições propícias para tanto, por meio das práticas comunicativas cotidianas. O choque de opiniões e pontos de vista conflitantes geram novos entendimentos e viabilizam o aprimoramento das possibilidades de se encontrar soluções legítimas sobre os assuntos em questão.

Dominique Wolton, no entanto, apresenta dez contradições do que chama de espaço público mediatizado. Ao utilizar tal conceito, Wolton considera o sistema dos mídias como um novo espaço público alargado. Apesar de utilizar uma perspectiva que se distingui daquela que nos parece mais adequada, segundo a qual os espaços públicos são formados nas interações cotidianas, e que os mídias tem sim grande importância, mas apenas em sua pré-estruturação (MAIA, 2004), Wolton apresenta questões importantes de serem levadas em conta ao se pensar as implicações dos mídias no funcionamento dos processos sociais e políticos contemporâneos. A seguir, abordaremos algumas delas.

A primeira contradição apontada por Wolton diz respeito à “redução de todas as escalas de tempo à medida do acontecimento” (WOLTON, 1995: 169). Ou seja, no sistema midiático, a duração das práticas políticas fica submissa à padronização e à fugacidade de seu tempo. A necessidade de sempre se manter em aceleração máxima o fluxo informacional, legitimada pela lógica mercadológica do instantâneo, do “quanto mais rápido melhor”, pode acabar por simplificar demasiadamente questões complexas que requerem, quase sempre, uma duração expositiva maior do que a proporcionada pelos mídias. A contradição reside aí no fato de que “a democracia nega o que possibilitou seu advento” (WOLTON, 1995: 170).

Onipresente em todos os campos sociais, os mídias permitem um conhecimento da realidade simplificado e deslocado da necessidade da experiência pessoal. Em conseqüência, há sempre o risco de que se crie uma falsa presunção de se conhecer as realidades pelo que neles se “vê”. A função de levar as realidades distintas ao conhecimento de toda a sociedade pode acabar se reduzindo apenas à reprodução de “um verdadeiro processo de auto-identificação” (WOLTON, 1995: 171) das elites controladoras do sistema midiático.

Há inúmeras questões sociais que não se adequam satisfatoriamente ao código comum exigido pelo sistema dos mídias. Uma conseqüência possível desse processo é a excessiva simplificação das realidades e a generalização de posições políticas por meio da criação de estereótipos, tais como “direita”, “esquerda” etc. No limite, o conflito de posições políticas distintas, mas não necessariamente opostas, pode acabar culminando na “acentuação das oposições e a desvalorização dos discursos que não se inscrevem nesta lógica dicotômica” (WOLTON, 1995:175), reduzindo-se a uma relação de simples antagonismo e disputa de uma posição frente a outra.

O alargamento do campo político no mundo moderno e a crença cada vez maior na onipresença dos mídias e nas sondagens de “opinião pública” são responsáveis por outras duas contradições apontadas por Wolton. Neste caso, o primeiro perigo reside na confusão entre a ação política e ação comunicativa. A necessidade da prestação de contas quase imediata da classe política ao eleitorado pode culminar numa dependência da ação prática política em função de suas conseqüências perante a opinião pública. O segundo perigo consiste em se considerar como já consolidada uma situação política prevista por meio de sondagens.

Por fim, nos resta lembrar a décima contradição, que consiste na supressão dos espaços e debates privados em privilégio da publicidade. Assuntos pertencentes originalmente a esfera privada correm o risco de serem captados recorrentemente pela publicidade, acarretando uma perda simbólica de suas especificidades enquanto discursos e vocabulários próprios. Segundo Wolton, “a tirania do espaço público significaria a “unidimensionalidade” de um tipo de discurso na interpretação dos fenômenos da sociedade e da cultura” (WOLTON, 1995: 186).

Públicos e argumentos

Foram coletadas matérias desde o ano de 1999 até o ano de 2005. Nesse universo, observou-se uma grande concentração de reportagens em 2002, no período posterior ao assassinado do comerciante Nelson – proprietário de um armazém tradicional no bairro. O fato parece ter funcionado como um marco na organização dos moradores do bairro para pressionar a polícia e a prefeitura no que se refere a ações imediatas em segurança pública na região. A partir daí, percebe-se a constante associação do crime e outros acontecimentos relacionados à violência com a ocupação do prédio. O caderno que abrigou as reportagens foi o Gerais, que trata de problemas locais. Na maioria dos casos elas foram disponibilizadas na seção policial, ao lado de outras notícias sobre crimes ordinários ocorridos no estado.

Quanto à predominância de referência aos públicos envolvidos e à inserção de seus discursos, percebeu-se bastante destaque aos moradores dos prédios ocupados, moradores tradicionais do bairro, polícia e o serviço de assistência jurídica da PUC.

Os ocupantes dos prédios são representados normalmente através do resumo de suas histórias de vida, quase sempre individualmente e sem grande conexão com os interesses ou discursos coletivos. Seus discursos, na maioria das vezes, são apresentados como uma imagem individual que representa o problema coletivo – desemprego, miséria, passado nas ruas ou favelas, falta de condições básicas. Praticamente não aparecem depoimentos de caráter mais político ou que demonstrem a organização dessas pessoas enquanto grupo social coeso.

Fica clara a dificuldade dessas pessoas de terem seus discursos publicizados como grupo organizado em torno de um interesse em comum. Isto parece contribuir para que a cobertura jornalística construa um olhar sobre o fenômeno predominantemente voltado para o caso individual específico – os dois prédios ocupados – e não para as questões estruturais, políticas e sociais que o sustentam. Apenas em uma matéria dedicada ao fenômeno “invasões de imóveis desocupados” a questão aparece ao lado de outros casos. Mesmo assim, o que se percebe é uma coletânea de casos individuais que indicam o “perigo” da tendência da ocupação na cidade. Grande parte das reportagem caracterizam essas pessoas como “invasores”, em vez de ocupantes ou simplesmente moradores dos prédios, o que denota a associação com a ilegalidade da situação, deslocando o grupo do lugar de vítima para o de criminoso.

Os antigos moradores do bairro aparecem sempre associados a valores mais profundos do que o caso específico da cobertura. Seus discursos aparecem claramente reivindicando a manutenção da tradição de Santa Tereza como bairro tranqüilo e apontando o crescimento da violência na região. Em praticamente todas as reportagens em que esse público aparece, estabelece-se uma oposição radical com os “invasores”. Ao lado dos moradores da imediação mais próxima das torres, eles associam diretamente todo tipo de violência ocorrido no bairro com os ocupantes. Percebe-se, assim, a construção de um conflito em torno de dois pólos opostos e quase excludentes: de um lado os “invasores” (famílias pobres vindas de favelas, cidades do interior ou das ruas) e sua questão emergencial de moradia, do outro os “invadidos (moradores mais antigos) que assumem um discurso altamente agressivo com o outro grupo em defesa da tradição e da tranqüilidade do bairro.

Também o recurso à individualização, da referência a figuras individuais e suas falas é bastante utilizado neste caso. A diferença com relação ao primeiro é que mesmo as falas individuais desse segundo grupo sempre falam em nome de uma coletividade, ou ainda mais, de uma tradição, o que parece conferir mais legitimidade social do que os discursos emergenciais pela sobrevivência dos outros indivíduos.

Em quase todas as reportagens é mencionada a atuação do departamento jurídico da PUC na assessoria do grupo dos “invasores”. Praticamente todas as questões mais coletivas e de caráter político e social são colocadas através dos discursos desse grupo – os especialistas – e das ações que têm tomado para legalizar a situação das famílias. Os argumentos expostos por esse grupo são mais técnicos. Surgem discursos sobre a questão da constitucionalidade da ocupação e a questão dos direitos humanos universais também é levantada.

A polícia ocupa um lugar bastante delicado nesse conflito. Por um lado é alvo constante de crítica por parte dos moradores tradicionais, que reclamam da precariedade da segurança pública no local, por outro, tende sempre a deslocar o problema da criminalidade para as imediações da região, desqualificando os argumentos que associam a violência apenas aos moradores desses prédios. Esse discurso não significa, porém, necessariamente um ponto em defesa dos ocupantes, mas principalmente nos parece mais uma justificativa da dificuldade da instituição policial e seus mecanismos em conter a violência no bairro, visto que se o problema estivesse concentrado apenas nos prédios, seria de muito mais fácil resolução.

Um ponto bastante revelador é o aparecimento muito tímido dos discursos dos representantes das construtoras – quase nunca encontrados – e dos compradores que perderam seus investimentos na compra dos apartamentos. Nas poucas vezes em que aparecem, se resumem a lamentar a situação sem esperanças de uma resolução consistentes no sentido de reaver seus investimentos ou os imóveis que compraram ainda na planta.

O que se percebe é que o fenômeno de ocupação do edifício é coberto principalmente sob o prisma dos problemas de aceitação e convivência pacífica entre os moradores de classe média tradicionais – defendendo a tranqüilidade do bairro e a valorização de seus imóveis – e os “invasores” que são acusados pelos primeiros como a causa do aumento da violência na região e da desvalorização imobiliária do bairro.

Conclusão

A partir dos levantamentos feitos, pudemos verificar que as questões e argumentos que migraram para o espaço de visibilidade midiática compõem, basicamente, um problema de conflito entre grupos sociais diferentes que convivem na mesma região. De um lado os “estabelecidos” moradores tradicionais do bairro, e de outro, os “outsiders”, moradores novos que ocuparam os prédios (ELIAS, 2000). Dessa forma, a questão da ocupação em si e seus trâmites legais acabam por ficar em segundo plano, como que subsumidos à questão da legitimidade, ou melhor, da possibilidade ou da impossibilidade de acomodação daquela nova configuração social num espaço social até então já estabelecido.

A PM neste evento, pode ser vista como interpretando um dublo papel. Por um lado ela aparece quase sempre como se dando uma satisfação aos moradores do bairro quanto a impossibilidade de uma atuação mais enérgica (ou truculenta)  contra os ocupantes. O que, ao nosso ver pode passar uma impressão de que a PM deveria estar ali para servir apenas a eles, como se a ilegalidade dos moradores dos prédios fosse um dado a priori. Por outro, seu discurso pode ter ajudado a relativizar a posição predominantemente assumida dos antigos moradores do bairro de que o aumento da violência em Santa Tereza está intimamente ligada à ocupação.

Há, também, que se ressaltar a contribuição da assistência jurídica da PUC na organização dos discursos dos moradores dos prédios. Nota-se que sua entrada no evento possibilita uma sistematização das reivindicações e argumentos em termos mais especializados que, ao nosso ver, facilitam sua inserção e/ou aceitação nas esferas públicas políticas em geral.

Podemos verificar, portanto, que o espaço de visibilidade proporcionado pelo jornal Estado de Minas trouxe à tona questões presentes no evento de ocupação do Condomínio San Martin para além de seu caráter jurídico ou legal, mas colocou principalmente para o conhecimento público os impasses e conflitos sociais intrincados neste acontecimento.

Referências Bibliográficas

CASTRO, M.C.P.S. Na tessitura da Cena, a Vida – Comunicação, Sociabilidade e Política. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1997.

COSTA, Sérgio. A democracia e a dinâmica da esfera pública. Lua Nova, n. 36, 1995, pp. 55-65.

ELIAS, Nobert, SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

_______________ Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume 1. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1997.

_______________ Mudança  estrutural da esfera pública: investigação quanto a uma categoria da sociedade  burguesa. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

HALL, Stuart. “Codificação/Decodificação”. In: Da Diáspora. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

MAIA, Rousiley C. M. Dos dilemas da visibilidade midiática para a deliberação política. Livro da XII Compos: Mídia.BR. Organização André Lemos...(et. Al). Porto Alegre: Sulina, 2004.

THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

WOLTON, Dominique. As contradições do espaço público mediatizado. Revista de comunicação e linguagens. Organização de Mário Mesquita, n. 21-22. Lisboa: Edições Cosmos, 1995.

Anexos

Matérias do jornal Estado de Minas: 06/03/1999 “Polícia põe fim à ocupação em prédios de Santa Tereza”; 11/02/2000 “Adiada decisão sobre ocupação de prédios”; 22/10/2001 “Sonho vertical e inacabado”; 04/02/2002 “Destino de 150 famílias é adiado”; 29/07/2002 “Prédio ocupado vai receber melhorias”; 08/10/2002 “Polícia nega despejo em prédio invadido”; 09/10/2002 “Sem aulas”; 14/10/2002 “Comerciante assassinado”; 15/10/2002 “Santa Tereza reage”; 16/10/2002 “Testemunhas depõem hoje”; 18/10/2002 “TJ determina desocupação de prédios em Santa Tereza”; 22/10/2002 “Adolescente que matou fica internado”; 08/11/2002 “Invasão revela drama da violência”; 03/10/2003 “Audiência debate ocupação”; 31/05/2004 “Invasores cada vez mais fortes”; 03/07/2004 “Desapropriação é esperança”; 04/08/2004 “Invasor é atirado do 16º andar”; 27/11/2004 “Emaranhado de problemas”.


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