Os Caminhos Entre a Arte e a Publicidade: da produção do discurso
                                   à construção do sentido – uma leitura das obras de Oliviero Toscani e Barbara Kruger
 

                                                                           Vanessa Rodrigues de Lacerda e Silva


Apresentação geral

Nossas interações sociais, nossas atitudes, o modo como constituímos nossas identidades, a própria composição das sociedades e de nossas experiências, não podem ser pensados sem que se tenha em mente a presença e influência dos fluxos imagéticos que nos envolvem cotidianamente. Desse modo, não podemos simplesmente “naturalizar” as relações que construímos com e a partir das formas visuais com as quais somos instados a lidar. Mas, é preciso refletir sobre o papel que elas desempenham e sobre suas implicações.

Partindo desse pressuposto, este estudo tem como objetivo lançar um olhar mais atento sobre um conjunto de imagens que subvertem concepções e moldes habituais, com o intuito de perceber de que maneira elas se endereçam aos sujeitos e estão aptas a intervir em suas experiências comunicativas (1).

Para isso, iremos adotar como objeto de estudo algumas peças do publicitário Oliviero Toscani, desenvolvidas para a empresa de roupas Benetton, e algumas obras da artista norte-americana Barbara Kruger. Isso porque, essas produções promovem um diálogo pouco convencional entre arte e publicidade e, em virtude disso, se articulam de um modo muito distinto da grande maioria de imagens que nos perpassam diariamente. Desse modo, constituem-se enquanto exemplos bastante representativos e instigantes do fenômeno que propomos investigar.

Fontes históricas

Antes, no entanto, de caracterizarmos as produções de Barbara Kruger e Oliviero Toscani, procuraremos elucidar, numa breve abordagem retrospectiva, em que medida, elas dão continuidade a um processo anterior de enlace entre arte e publicidade, mas por outro lado, vão além dessas propostas que as precedem e trazem algo novo.

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 No decorrer dos anos 1920, os movimentos artísticos designados como “vanguardas históricas” desenvolveram uma série de ações de caráter subversivo, com o objetivo de promover um outro modo de pensar a realidade social e a própria arte. Assim, segundo Andréas Huyssen “a arte burguesa alcançou o estágio da auto-crítica; ela não criticava mais apenas a arte ´qua’ arte anterior, mas também criticava a verdadeira ‘arte instituição’”. (Huyssen, 1996: 27-28.)

Nesse sentido, os artistas de vanguarda visavam desconstruir uma noção idealizada e elitista de arte e romper com o distanciamento que a separava da vida cotidiana. Para isso, conceberam uma diversidade de obras e manifestações que muito pouco ou nada se assemelhavam às noções, parâmetros técnicas e formatos vigentes até então.

Foi nesse momento que surgiu, por exemplo, a chamada arte conceitual, uma forma de expressão artística caracterizada pelo fato de que, ao invés de se predisporem a uma experimentação sensorial, os sujeitos são, antes de mais nada, convocados a um processo de reflexão. E, como veremos foi com o desenvolvimento da arte conceitual que se constituíram as bases em que se fundamentam nossos objetos de análise.

Outro aspecto que devemos observar é que foi com as “vanguardas históricas” que teve início o processo de hibridização no campo das artes, o que também abriu espaço para a realização de propostas como as de Kruger e Toscani. Com isso, despontam produções que rejeitam um princípio de pureza e se articulam na conjunção entre uma arte e outra, na passagem entre elas.

Neste primeiro momento, contudo, não há ainda uma interface muito nítida entre a arte e outros campos como a propaganda. Este processo será percebido com maior evidência com as chamadas neovanguardas, na década de 1960. Estas, assim como as vanguardas históricas, buscaram inserir a arte no âmbito das relações ordinárias e potencializar o processo de hibridismo. Agora, porém, mais do que entrecruzar diferentes categorias artísticas passaram a investir no enlace com outros domínios, entre eles, a publicidade. Como afirma Fernanda Goulart, a pop arte (2), por exemplo, “abre um novo período para a arte e para a estética, que não podem mais ignorar um outro tipo de imagem que adquire cada vez mais força: a imagem publicitária”.(Goulart, 2001:17) Nesse momento, portanto, – que se não constitui o ponto de partida, é pelo menos um dos períodos de maior efervescência – tem-se uma grande ênfase nas ações voltadas para o dialogismo entre essas duas esferas.

Até aqui, nos ocupamos em demonstrar alguns momentos e circunstâncias que propiciaram o desenvolvimento de objetos artísticos voltados para uma interconexão com a dimensão publicitária. Mas esta narrativa, certamente, não dá conta de toda a extensão e complexidade deste processo.

De forma semelhante, falar especificamente sobre o movimento que vai da publicidade à arte não corresponde a uma tarefa de fácil realização. De todo modo, para os fins deste estudo, é importante perceber que, já no começo do século XX, há uma produção bastante significativa de anúncios, sob a forma de cartazes, que promoviam um diálogo muito estreito com obras, autores e recursos estilísticos oriundos da esfera artística.

Todavia, diferentemente dos artistas que, munidos de uma visão política, enxergavam nesse entrecruzamento uma possibilidade de transformação não só da instituição artística, mas da própria esfera social, os publicitários visavam, em sua grande maioria, apenas uma renovação estética em seu campo de atuação. A arte se apresentava, portanto, como um meio de tornar as campanhas visualmente mais atraentes, e não como um mecanismo para conferir à propaganda uma finalidade crítica e reflexiva. E esse é um aspecto chave para entendermos o conjunto da obra de Toscani, mais adiante.

A “arte” de Oliviero Toscani

No decorrer dos anos 1980 e 1990, uma série de anúncios concebidos para a United Colors of Benetton, que levavam a assinatura de Oliviero Toscani, geraram uma onda de repercussão e polêmica nos diversos países onde foram divulgados. Impulsionado por um estímulo transgressor, o publicitário contrariou a lógica de criação de anúncios e conduziu uma nova proposta, estética e conceitual, com a idéia de combater uma publicidade que, para ele, se encontrava morta. Segundo o próprio Toscani afirmou,
 

A publicidade é um cadáver perfumado. Sempre se diz a respeito dos defuntos: “Ele está bem conservado, parece até que sorri”. O mesmo vale para a publicidade. Acha-se morta, mas continua sorrindo. (Toscani, 2003, p.40)


Fugindo a isso, a realidade, em oposição à “artificialidade do estúdio”, era sua fonte de inspiração. Dela foram extraídos os temas e, muitas vezes, as próprias imagens que compunham os anúncios. Desse modo, as campanhas da Benetton buscavam denunciar e incitar o debate acerca de múltiplos problemas sociais como: preconceito racial, dogmas religiosos, guerras, trabalho infantil, destruição ambiental, Aids, miséria, etc.

 Num primeiro momento, contudo, apesar do conteúdo inovador, os anúncios da Benetton ainda eram concebidos a partir de um formato convencional. O que variava eram apenas os motivos fotografados: um padre e uma freira se beijando; uma mulher negra amamentando um bebê branco; um cemitério de guerra; uma nádega, um púbis e um braço tatuados com a frase “HIV Positive”, dentre outros.

Já, em uma segunda fase, além de trabalhar com assuntos alheios ao campo da propaganda, Toscani, também articula uma nova concepção estética para esse domínio. Para tal, ele se apropria imagens de origem fotojornalística e as insere em suportes publicitários acrescidas da logomarca da Benetton. Alguns anúncios, portanto, são compostos por imagens que documentam, por exemplo: a morte de um aidético ao lado de sua família; uma ave coberta de petróleo; crianças trabalhando; um navio abarrotado de refugiados em etc.

Diante desse contexto, nos interessam, mais especificamente, as peças que ilustram essa segunda fase do trabalho de Toscani, pois, nelas ele não só modifica o o quê se fala em publicidade, mas também o como se diz. E, como veremos adiante, essa característica será bastante importante para pensarmos o diálogo entre arte e publicidade nessas obras e a relação que elas propõem aos sujeitos. Para isso, selecionamos como corpus de nossa análise as figuras 01 e 02 (ver abaixo).


Figura 01
 


Figura 02

No primeiro caso, a imagem mostra um conjunto de pessoas reunidas em torno de um homem enfermo. Há nitidamente em seus rostos uma expressão de angústia e de dor. Já David Kirby, o rapaz que padece, não possui forças para resistir. Seu corpo está fraco, sua face não apresenta expressão alguma e seus olhos fitam o vazio. Contaminado pelo vírus da Aids, ele se encontra no estágio mais desenvolvido da doença, em uma época em que o tratamento era pouco eficaz.

Já, na figura 02, temos apenas a imagem de uma ave que está coberta por um líquido preto e viscoso sobre o qual ela está suspensa – uma densa camada de petróleo. Notamos, ainda, que seu olho é marcado por um vermelho intenso, o que provoca forte contraste com a tonalidade escura predominante e cria um ponto de fuga para o olhar.

Por fim, notamos que nos dois exemplos, nas partes laterais sobressaindo às fotografias, há uma logomarca com os dizeres: “United Colors of Benetton”. Fora isso, nenhuma outra elaboração textual é incorporada às imagens. Os anúncios se fazem simplesmente pela conjunção foto/logomarca, o que demonstra uma intenção de Toscani, não de assumir um ponto de vista específico, mas de simplesmente instaurar o debate acerca de temas como a Aids e a poluição ambiental.

Com isso, ele inaugura uma publicidade que se distancia quase que inteiramente da concepção de anúncio que possuímos. E, a nosso ver, esse outro modo de pensar este campo da comunicação se mostra possível exatamente na aproximação com a esfera artística.

Todavia, ao contrário do que se costuma perceber, Toscani não busca na arte propriamente técnicas ou recursos estilísticos característicos de determinado artista ou movimento. Suas campanhas correspondem a uma tentativa de transpor para a publicidade o ideal, os valores e algumas propostas que emergiram com as vanguardas artísticas. Entre outros aspectos, ele retoma a idéia de transgressão, de elaboração de algo novo que foge aos padrões e modelos vigentes; valoriza a dimensão conceitual acima da dimensão estética; busca promover uma reflexão que conduza a uma transformação social; e rejeita de um campo fechado à intervenção de outros domínios (prova disso, é o modo como estética e tematicamente se apropria das configurações fotojornalisticas).

A Proposta estética e conceitual de Bárbara Kruger

 Barbara Kruger, por sua vez, é uma artista que desenvolve uma proposta muito próxima do que Toscani nos oferece. Tendo iniciado seus trabalhos por volta dos anos 1970, ela articula, em diversas perspectivas, uma crítica a nossas relações sociais, nossos estilos de vida, nossas formas de dominação, aos estereótipos que construímos, nossos preconceitos etc.

Para isso, Kruger não atua, simplesmente, através de lugares institucionalizados como museus e galerias. Ao contrário, ela também explora a dinâmica e as possibilidades que as ruas de grandes cidades oferecem para potencializar o alcance de suas idéias, figuras e ideais. Assim, suas obras podem ser apreciados em outdoors, cartazes, fachadas de ônibus, bolsas, sacolas, camisetas, dentre uma diversidade de suportes privilegiados da publicidade.

 Desse modo, suas imagens também são responsáveis por causar profundo estranhamento nos sujeitos. Estes, acostumados a ter nos ambientes urbanos espaços de produção de consenso, de reprodução e reafirmação de formas, aspectos e valores compartilhados intersubjetivamente são atravessados abruptamente por imagens que lhes são alheias e desconcertantes. Segundo Isabel Braga,
 

Suas intervenções estéticas no espaço urbano refletem a confiança que tem na cidade como espaço de interlocução, como lugar capaz ainda de estimular a reflexão nos sujeitos, capaz de afetá-los, fazendo-os reagir. (Braga, 2000: 142)


Tendo isso em mente, nos interessa para este estudo um conjunto de obras da artista que adquire visibilidade através de outdoors e que, tematicamente problematiza as relações de consumo nas sociedades capitalistas e os estereótipos que produzimos acerca de homens e mulheres. Isso porque, elas criam pontos de encontro muito tênues com as obras de Toscani, além de serem bastante interessantes para pensarmos ano diálogo que tendem a instituir com os sujeitos. Mais especificamente, portanto, faremos uma análise das figuras 03 e 04.
 


 Figura 03
 


Figura 04

A figura 03 apresenta uma imagem bastante conhecida no campo da publicidade: uma mão que, com um gesto clássico, segura um cartão. Porém, o que nos anúncios aparece como um cartão de crédito ou débito bancário é aqui substituído por um simples retângulo vermelho. Sobre este se destaca a frase “I shop therefore I am”, o que remete ironicamente à máxima de Renée Descartes “Penso, logo existo”. Com isso, Kruger denuncia que o princípio de “ser”, hoje em dia, não se relaciona mais, necessariamente, com nossos valores e conhecimentos, mas fundamentalmente àquilo que possuímos.

Já a figura 04, traz uma cena relativamente comum entre crianças. Numa expressão de força e masculinidade, o menino coloca à mostra os músculos de seu braço e, seguido a esse gesto, há uma reação de admiração da garotinha, a qual pode ser encarada como signo de fragilidade. Assim, numa espécie de reação às transformações promovidas pela emergência do feminismo nos anos 1960, a imagem viria a corroborar o fato de que, desde a infância somos condicionados a pensar a mulher como um ser fisicamente mais frágil que depende da virilidade e força masculina. Contudo, a frase “We don´t need another hero” quer negar a ordem estabelecida, negar esse modo de articular e conceber os papéis sociais  e valores que abarcam os gêneros feminino e masculino.

Diante desses aspectos, é possível perceber a influência da arte de vanguarda também no processo criativo de Kruger. Isso não só porque ela abdica de uma arte pura e ausente de influências de outros campos, ao se aproximar da publicidade, mas porque suas obras também subvertem o convencional, buscam uma aproximação com a esfera cotidiana e possuem uma dimensão política muito evidente.

Mais especificamente, no que diz respeito ao processo de entrecruzamento entre a arte e a publicidade, é interessante notar que isso se dá em função da apropriação de um formato específico e dos suportes que são característicos da propaganda comercial. Assim, como já observamos, suas obras interpelam os sujeitos e intervêm no espaço das cidades através de meios que prioritariamente se destinam a outra função, qual seja, divulgar anúncios, produtos e marcas empresariais. Além disso, esteticamente elas se assemelham a um anúncio prosaico. São compostas por imagens que possuem poucos elementos presentes de modo a facilitar sua assimilação e decodificação e contêm frases curtas, claras e de impacto, assim como se constituem os slogans publicitários.

Uma leitura dos trabalhos de Kruger e Toscani

Tendo em vista esse conjunto de fatores, podemos perceber, em alguma medida, o entrelaçamento entre arte e publicidade nas peças da Benetton e nos trabalhos de Kruger. E, certamente, essa alteração no âmbito da produção não é feita sem que o processo comunicativo que se inaugura a partir delas seja transformado. É partindo desse pressuposto que somos levados, então, a refletir sobre a maneira como estas obras podem intervir nas experiências comunicativas dos indivíduos (3).

Para isso, é importante fazer um breve exercício de deslocamento, a fim de nos “situarmos” na relação espaço-temporal em que essas produções foram difundidas. Afinal, elas foram desenvolvidas há mais de quinze anos e, certamente, nossa percepção, hoje, não corresponde ao olhar lançado sobre elas no momento em que foram veiculadas.

Por essa razão, é importante ressaltar que, no período que compreende os anos 1980 e 1990, o outdoor ainda era considerado um suporte que tinha a finalidade de divulgar essencialmente anúncios. E estes, por sua vez, eram percebidos como um sistema que se articulava na sociedade com o objetivo de educar para o consumo e promover a competitividade entre empresas.

Por outro lado, a arte, apesar das manifestações de vanguardas, era entendida por grande parte das pessoas como um conjunto de formas resultantes de um longo processo de elaboração técnica e plástica que se destinava à contemplação estética. Enquanto tal, estaria presente em museus e galerias e não no espaço da cidade como forma de intervenção urbana.

Considerando esses aspectos, tem-se que, quando esses sujeitos se encontram diante das transformações e inovações trazidas pela arte pública de Kruger e pelas campanhas da Benetton, ocorre imediatamente uma quebra de expectativa. Onde se esperava encontrar um anúncio dotado de uma configuração em moldes tradicionais, há imagens, que originalmente pertenciam a outros contextos e que são transpostas para o espaço urbano como uma outra alternativa de publicidade, no caso de Toscani, e como um outro meio de expressão artística, caso de Kruger. Com relação a isso, Martine Joly diz que,
 

O jogo com o contexto pode ser uma maneira de burlar a expectativa do espectador surpreendendo-o, chocando-o ou divertindo-o. Colocar uma roda de bicicleta em um museu e erigi-la à categoria de “obra de arte”, promover a “imagem” de um político com os mesmos instrumentos usados para lançar um novo detergente, (...) todos são procedimentos de “descontextualização” familiares para nós e que deslocam o sentido de um campo a outro, brincando com nosso saber e nossas expectativas. (Joly, 2004: 63)


Isso significa que, em situações como essas, os recursos, parâmetros e conceitos em que nos apoiamos para decodificar determinados objetos tornam-se inoperantes. Assim, não é permitido aos sujeitos que se depararam com essas produções, no momento em que foram difundidas, compreendê-las a partir do pressuposto de que o outdoor é um meio para divulgação de bens de consumo e serviços.

Quando Toscani descontextualiza imagens de origem jornalística, da forma como o faz, conformando-as a um outro cenário, ele joga por terra as referências empregadas usualmente pelos sujeitos para acessar as formas publicitárias. E Barbara Kruger, por sua vez, rompe ainda mais com essa funcionalidade do meio. Além de trabalhar com uma temática que, até então, não era característica daquele contexto, não há, por trás de seu gesto o objetivo de fortalecer uma marca ou de alavancar as vendas de uma empresa. Os outdoors são destituídos de seu papel convencional e se tornam a base por meio da qual ela expõe sua arte.

Diante destas atitudes há nitidamente um deslocamento de familiaridades e dos quadros de experiência já constituídos, o que faz com que chaves de leitura socialmente instituídas tornem-se ineficazes. Em virtude disso, essas imagens tendem a promover uma pausa no fluxo visual das cidades. Já não é possível proceder com uma reação automatizada.

Quando não se está lidando mais com repertórios pré-estabelecidos é necessário um outro modo de ver, experimentar, de se apropriar e produzir sentido. Enfim, uma outra relação, diferente das que estamos habituados. Desse modo, o olho acostumado a dar conta dos deslocamentos e da profusão de imagens que caracterizam a cena urbana, é convocado a assumir uma outra sensibilidade. Desconstruído o automatismo, as imagens de Kruger e Toscani requerem um olhar mais detido e reflexivo. E, como afirma Sonia Castino, “com a desautomatização, (...) aumentam o período de percepção do receptor e sua participação ativa no processo semiótico”. (Castino, 2004:126)

Isso implica que à desorientação que atinge os sujeitos num primeiro momento, segue-se uma procura por outras chaves de leitura que possibilitem a eles se apropriar desses objetos. Conseqüentemente, novos “contratos de comunicação” vão sendo articulados. Diante disso, Regina Zilberman, apoiada pelos pressupostos de Hans Robert Jauss (4), compreende que  “a circunstância de a obra contrariar um “sistema de respostas” ou um código atua como um estímulo para que se intensifique o processo de comunicação”. (Zilberman, 1989:54)

Além desses aspectos, é interessante notar ainda que outro fator que também pode intervir no processo comunicativo que se institui a partir dessas composições imagéticas, tem a ver com a maneira como elas problematizam os campos da arte e da publicidade. Nesse sentido, com relação às campanhas da Benetton, Castino afirma que “a metapublicidade encontra-se em vários anúncios já antológicos de Oliviero Toscani para a Benetton. ‘Campanhas que visam a desnudar os mecanismos implícitos nos dispositivos de divulgação publicitários e seus recorrentes estereótipos”. (Castino, 2004: 124) E, Kruger, segundo Braga, “atenta para o papel ideológico dos recursos publicitários, critica a doxa e os pressupostos nos quais os produtores de publicidade se apóiam para desenvolver o seu discurso”. (Braga, 2000: 139). Assim, em ambos os casos, instaura-se um questionamento acerca de noções, preceitos, técnicas, discursos e mesmo o lugar que atribuímos as formas artísticas e publicitárias. E estes são aspectos que também intervêm na maneira como nos relacionamos com seus trabalhos, pois nos levam a enxergá-los – e às criações artísticas e publicitárias, de um modo geral – sob uma outra perspectiva.

Considerações finais

O que fizemos durante esse percurso foi dar uma pequena mostra das questões que propusemos discutir aqui. Nossas observações consistem em algumas possibilidades de leitura acerca da maneira como as produções de Barbara Kruger e Oliviero Toscani podem intervir no âmbito de nossas experiências comunicativas, sugerindo novas possibilidades de experimentação e entendimento. Porém, de maneira alguma, essas considerações pretendem dar conta da totalidade e complexidade que configura o processo de interação entre os sujeitos e essas obras. Muitos dos aspectos pontuados precisam ser melhor explorados e novas questões e reflexões devem ser suscitadas, em outra oportunidade. Este texto, portanto não quer apresentar afirmações conclusivas. Antes, ele se constitui como uma fagulha inicial que busca instigar a vontade de compreender mais a fundo a problemática proposta.

Notas

(1)  Que não se entenda com isso que nossa proposta circunscreve a realização de um estudo de recepção. O enfoque deste ensaio está voltado especificamente para a apreensão e problematização do modo como estas se configuram, técnica, estética e discursivamente. Com isso, não estamos argumentando que a recepção possa ser determinada pelos produtos de comunicação, mas entendemos que está não pode ser pensada sem que se tenha em mente a influência dos aspectos técnicos, estéticos e conceituais dentro do processo comunicativo.

(2)  A arte conceitual, assim como a pop art não caracterizam todos os trabalhos artísticos que foram produzidos ao longo dos anos 1920 e 1960. O destaque que é dado a elas neste estudo está relacionado propriamente com os objetivos que norteiam nossa pesquisa, não pretendendo ser uma caracterização geral desses períodos.

(3)  Em nossa análise estamos considerando apenas aspectos que encontram correspondência tanto nas produções de Toscani, quanto nas de Kruger. Numa perspectiva mais ampla, contudo, é preciso considerar também as peculiaridades que marcam o conjunto de suas obras, ou cada trabalho, em específico, para pensar o tipo de experimentação e entendimento que elas solicitam dos sujeitos.

(4)  Apesar dos estudos de Jauss sobre a Estética da Recepção dizerem sobre as produções literárias, acreditamos que algumas de suas considerações podem nos ajudar a compreender também a maneira como os trabalhos de Toscani e Kruger intervém sobre as experiências dos sujeitos.

Referências Bibliográficas

CALAZANS, Flávio (org.). Benetton: o vírus da nova era. Santos: UNESP, 1998.

BRAGA, Isabel Florêncio. Diálogos Urbanos: entre o consenso e o desentendimento. 2000. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – UFMG.

CARNEIRO, A.D. (org). O Discurso da Mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996.

CASTINO, Sonia Breitenwieser. Publicidade ou poesia midiática? In: Communicare – Revista de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero. São Paulo: Paulus, volume 4, 1o semestre de 2004.

GOULART, Fernanda Guimarães. Estética para uma imagem cotidiana: comunicação e arte na contemporaneidade. 2001. (Pesquisa de Iniciação Científica) – UFMG.

HUYSSEN, Andreas. Memórias do Modernismo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 2004.

TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. Rio de Janeiro: Ática, 1989.


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