O webjornalismo de terceira geração: um estudo de caso

  • Resumo
  • Palavras-chave
  • Introdução
  • O webjornal de terceira geração
  • Conclusão
  • Notas
  • Referências bibliográficas

Érika Hollerbach Lima

Resumo

As novas tecnologias da comunicação introduziram novas rotinas e linguagens no meio jornalístico. Através da análise das características dos produtos jornalísticos e do uso potencial de bancos de dados na atual fase de desenvolvimento do jornalismo na Internet, a presente pesquisa buscou compreender como as possibilidades oferecidas pelo meio podem contribuir para um fazer jornalístico diferenciado. A partir do jornal Folha Online, propô-se um estudo de caso para debater a aplicabilidade das potencialidades do meio no webjornal de terceira geração.

Palavras-chave:

webjornalismo, banco de dados, produtos jornalísticos de terceira geração.

Introdução

O advento das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) introduziu novas rotinas e novas linguagens no meio jornalístico. Com a chegada do ciberespaço no Brasil, surge a partir dos anos 90 o jornalismo online, para onde se verificou uma rápida migração das mídias anteriores.

Hoje, mais de uma década depois do lançamento das primeiras publicações online, a fase de adequação e familiaridade em relação às diferentes formas de se publicar e acessar conteúdos pelo meio digital foi vencida, encontrando-se num estágio consolidado para boa parte dos usuários. E este alto grau de difusão contribui para se experimentar novos formatos de produtos e de narrativas, além de novos enfoques para os conteúdos, bem como para a sua apresentação e disponibilização (BARBOSA, 2004).

É importante ressaltar que ainda é grande o número de pessoas em várias regiões do globo que nunca tiveram acesso à rede mundial de computadores. No Brasil, segundo levantamento divulgado pelo Ibope/ Ratings (1), o número de usuários ativos de Internet atingiu 14,1 milhões em março de 2006. Para um país com mais de 180 milhões de habitantes, este número representa uma parcela mínima da população.

Com relação a sua evolução, distintos pesquisadores apontam, basicamente, três fases para o jornalismo online. Na primeira, somente o jornal impresso passou a distribuir seu conteúdo na Internet. Mais tarde o rádio e a TV aderiram ao novo meio. No entanto, neste primeiro momento essas mídias se limitaram a transpor para a Web os conteúdos já disponibilizados em seu suporte convencional.

Na segunda fase, mesmo acoplado à metáfora do impresso, experiências novas são iniciadas na tentativa de explorar as potencialidades do meio digital e de construir uma linguagem e modelos próprios. Neste momento começam a surgir, por exemplo, espaços para abrigar notícias sobre fatos que acontecem no período entre as edições, chamadas de “Últimas Notícias” ou “Plantão”.

Num terceiro e atual momento, aparecem sites e produtos exclusivos, pensados de forma mais apropriada para a Internet. Uma corrente de autores emprega o conceito de banco de dados (BD) como potencialmente capaz de conferir o diferencial e a especificidade ao jornalismo online em seu terceiro estágio de desenvolvimento, também chamado de webjornalismo de terceira geração (2). Garantindo, assim, sites jornalísticos mais descolados da metáfora do jornal impresso, que ainda hoje é usada como padrão (BARBOSA, 2004).

Faz-se necessário ressalvar que para que os produtos e sites jornalísticos possam ser inseridos nesta terceira fase de desenvolvimento eles devem apresentar, simultaneamente, as seis características constituintes do jornalismo na Web: interatividade, personalização, hipertextualidade, multimidialidade, memória e instantaneidade (MIELNICZUK, 2003).

Há autores que já pesquisam, inclusive, caminhos para o surgimento de um jornalismo digital de quarta geração, que representaria a efetiva industrialização dos processos de produção no âmbito da apuração, edição e veiculação de informações através da utilização de tecnologias de banco de dados (SCHWINGEL, 2005).

Com o intuito de analisar as características dos produtos jornalísticos e o uso potencial dos bancos de dados no webjornalismo de terceira geração, o presente artigo delineou o jornal Folha Online (3) como objeto empírico. A escolha do veículo não foi totalmente aleatória. Buscou-se um site jornalístico que se utiliza das potencialidades do meio, ou que pelo menos se propõe a explorá-las. Como a utilização dos BD em consonância com os recursos possibilitados pela tecnologia do meio digital pode contribuir para um fazer jornalístico diferenciado? Para alcançar resultados satisfatórios os conceitos delineados serão acompanhados de exemplos práticos.

O webjornal de terceira geração

A terceira e atual fase do jornalismo no ciberespaço pode ser analisada a partir da aplicabilidade das características do meio em produtos desenvolvidos exclusivamente para a Internet. E também a partir da incorporação pelas empresas e sites jornalísticos de rotinas diferenciadas, que vão além de uma idéia de uma versão online de um jornal impresso. Palácios (et al, 2002) cita o exemplo da fusão da empresa de informática Microsoft com a empresa jornalística de televisão NBC, firmada em 1996, como um dos primeiros exemplos desta situação. O www.msnbc.com é um site jornalístico, mas que não surgiu em decorrência da experiência de uma edição impressa.

1. A Folha Online

A história da Folha Online começou em 1995, quando o Grupo Folha colocou na Internet um site, à época chamado de FolhaWeb, que publicava parte dos textos do jornal impresso Folha de São Paulo, e não era atualizado nos finais de semana. No ano seguinte o Grupo lançou o provedor Universo Online, que acabou por se fundir com o Brasil Online, do Grupo Abril, constituindo uma nova empresa, o Universo Online S.A. (UOL). Desta fusão, surge em agosto de 1999 o primeiro canal de notícias em tempo real do Brasil: A Folha Online. Paralelamente, a versão eletrônica da Folha de São Paulo continuou sendo inserida no site.

Mesmo tendo surgido em decorrência da experiência de uma edição impressa, a Folha Online extrapola a idéia de ser uma versão online de um jornal convencional. A Folha de São Paulo, inclusive, é apenas um dos itens disponíveis no site, mas que só pode ser acessada por assinantes do UOL ou do jornal, diferentemente da Folha Online, que pode ser acessada por qualquer internauta. E, apesar do jornal impresso produzir matérias e colunas que são publicadas na Folha Online, o site possui uma equipe de reportagem própria para criação, produção e desenvolvimento de conteúdo jornalístico para o meio digital.

Em maio de 2006, o site estreou um novo projeto gráfico. Observa-se que as mudanças vão de encontro com o a terceira fase de desenvolvimento do jornalismo na Web. Segundo matéria publicada na Folha Online (5), as páginas passaram a adotar um formato mais largo (1.024 pixels) para explorar melhor a resolução dos monitores mais modernos. As mudanças visuais também ocorreram para combinar mais com o ritmo do noticiário online. Novas ferramentas que aumentam a interação e a participação dos leitores também foram incluídas no novo projeto do site.

2. Características do jornalismo na Internet

Para descrever a atual fase de desenvolvimento, serão apresentadas as características que constituem o jornalismo na Web. Ressalta-se que nem todas as possibilidades abertas pelas novas Tecnologias da Informação e Comunicação são, necessariamente, exploradas pelos sites jornalísticos. As potencialidades que citaremos são utilizadas, em maior ou menor ocorrência, e de formas diferentes nos webjornais. Entretanto, os produtos jornalísticos de terceira geração, que vem ha ser o objeto deste estudo, devem apresentar simultaneamente as seis características aludidas anteriormente.

O meio digital é essencialmente interativo. Diferentemente das mídias anteriores, onde a informação é colocada para o leitor, o webjornalismo permite que o usuário interaja, escolhendo seus próprios caminhos a seguir.

Bardoel e Deuze (2000) consideram que a notícia online possui a capacidade de fazer com que o leitor/usuário sinta-se parte do processo jornalístico. Um instrumento de comunicação que explora bem esta característica é o blog, que proporciona a qualquer internauta a possibilidade de publicação instantânea de textos, sem a necessidade de conhecimentos sobre linguagens específicas do meio. O blog do jornalista Josias de Souza, por exemplo, está hospedado na Folha Online (6). Os textos publicados pelo autor (posts) ocupam a coluna esquerda da página. Abaixo de cada post está o link “comentários”, que dá acesso a uma nova janela onde o usuário pode publicar suas opiniões.

Outra maneira do usuário interagir com a Folha Online é através dos links disponíveis na seção “Interação online”(7), cuja denominação já traduz a sua finalidade. O internauta tem a possibilidade de participar dos “Grupos de Discussão UOL”, e/ou também participar da enquete “Imagem da semana”, escolhendo entre as figuras pré-selecionadas pelo site. Na seção ainda há os links “Painel do webleitor” – que traz as críticas do ombudsman do jornal, e onde o usuário pode dar a sua opinião sobre as matérias publicadas – e “Quiz” – um jogo de perguntas e repostas, onde qualquer internauta pode participar.

A seção “Fale com a gente” do site explora mais uma forma de interatividade possível: o leitor pode entrar em contato com os principais canais de comunicação do Grupo Folha, que aparece dividido por área de interesse: Assinantes; Anunciantes; Classificados; Conteúdo; Erramos; Denúncias e sugestão de reportagens; Ombudsman; Pesquisas; Jornais atrasados; e Trabalhe na Folha.

Mielniczuk (2003) adverte que no webjornalismo não se pode falar simplesmente em interatividade, e sim em uma série de processos interativos. Adota-se o termo multi-interativo para designar o conjunto de processos que envolvem a situação do leitor de um webjornal. A autora entende que, diante do computador conectado à Internet, o usuário estabelece relações com a máquina; com a própria publicação, através do hipertexto; e com outras pessoas - seja autor ou outros leitores - através da máquina.

Com relação à personalização, ela acorre na medida em que o leitor tem a possibilidade de percorrer seus próprios caminhos na Web, optando entre os links disponíveis e construindo uma linearidade narrativa particular (PALÁCIOS, et al, 2002). Esta característica também consiste em produtos jornalísticos oferecidos para o internauta através da configuração de páginas de acordo com seu interesse. Há webjornais que oferecem ao leitor, por exemplo, a possibilidade de receber via e-mail notícias sobre assuntos previamente escolhidos ou anteriormente indicados como sendo de seu interesse (newsletter).

Entretanto, levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online (FACOM/UFBA) (8) observou que a maioria dos sites jornalísticos brasileiros não utilizam serviços personalizados. Do universo de 44 jornais analisados, apenas seis oferecem algum nível de personalização. A Folha Online não utiliza nenhum destes recursos.

A multimidialidade é a capacidade que o jornalismo na Web tem de concentrar em um mesmo ambiente diversos formatos de apresentação de informações, como texto, áudio, vídeo, fotografias e animações. Para exemplificar, podemos citar a seção “Almanaque”, da Folha Online, que utiliza os recursos de textos, galeria de imagens, infografias e animações. A figura 1 mostra um tipo de infografia disponibilizada nesta seção, que compreende em um mapa virtual de São Paulo da década de 70.

figura 1 - tela parcial

Observa-se que a seção “Almanaque” trata de uma produção especial, na qual estão organizadas informações abundantes a respeito de um mesmo assunto. No caso da cobertura diária, a Folha Online não explora este recurso. Mielniczuk (2003) faz uma analogia com o jornal impresso, dizendo que estas seções especiais seriam as grandes reportagens. Nesses espaços é onde há maior ocorrência da utilização de recursos de multimídia.

Quanto à hipertextualidade, ela proporciona novas práticas de leitura e escrita na Internet, na medida em que permite ao usuário ter acesso a informações de arquivos e complementares disponíveis na página do próprio veículo em que se está lendo uma notícia ou em outro site. Com isso, o hipertexto cria a possibilidade da leitura não-linear. O usuário pode, por exemplo, saltar de um documento para o outro fazendo tanto uma leitura linear, quanto um percurso individual, de acordo com seus próprios interesses.

“A fragmentação do discurso é uma das características marcantes da narrativa na Web. A possibilidade de acessar rapidamente diferente blocos de informação através de links traduz a dinâmica do webjornalismo. Um mosaico de informações permite acesso a diferentes ângulos e percepções sobre um mesmo tema. Alguns autores consideram que o hipertexto possibilita o acesso não-linear às informações (Lévy, 1993; Landow, 1997; Rich, 1999). Outros consideram que, ao estabelecer sua leitura, o usuário estabelece também uma certa linearidade, específica, provisória, provavelmente única, oferecendo múltiplas possibilidades de continuidade (Liestol, 1994; Palacios, 2000), sendo assim mais adequada a utilização do termo “multilinear” para o acesso hipertextual às informações”. (RIBAS, 2004, p.3)

De acordo com Palácios (et al, 2002), as características de multimidialidade, de interatividade e de personalização expostas acima são constitutivas da hipertextualidade. Pois esta última vai implicar na existência de textos escritos, sonoros e visuais (multimidialidade), que estão organizados em blocos de informações interconectados. E a leitura será feita através da navegação interativa por estes caminhos. Assim, cada leitor percorrerá um caminho único (personalizado), ditado por suas escolhas entre as opções possíveis.

Para exemplificar, vamos pensar em um usuário que acesse a Folha Online à procura de informações sobre o jogo entre Espanha e Ucrânia, que acabou de acontecer. Logo na página index está a matéria desejada, como mostra a figura 2. Percebe-se que além do link do título, que dá acesso a reportagem na íntegra, estão disponíveis mais seis links (hipertextualidade) que trazem mais informações sobre o assunto O leitor fará, assim, um percurso individual, de acordo com os seus interesses (personalização e interatividade).

figura 2 - tela parcial

A instantaneidade ou atualização contínua é uma das características mais importantes do webjornalismo. A possibilidade de acrescentar informações a qualquer momento torna a cobertura jornalística na Internet mais ágil do que os demais meios de comunicação. A seção “Em cima da hora”(9), da Folha Online, é decorrente da exploração desta possibilidade oferecida pelo meio digital.

Com a memória, os sites jornalísticos ampliam a possibilidade de acumulação de informações com os arquivos das notícias que diariamente são inseridas na rede. Pode-se dizer que é nesta característica que o meio digital mais se distingue dos outros meios de comunicação. A Internet é capaz de acumular uma quantidade infinita de informações, com a possibilidade de acessar facilmente o material disponibilizado e armazenado anteriormente. Palácios (2002) chama a esta possibilidade de acesso imediato à informação “memória múltipla, instantânea e cumulativa”, enfatizando ainda com esta expressão o caráter “arquivista” resultante da acumulação de informação na Web. Na Folha Online, o internauta pode encontrar matérias anteriormente inseridas através da seção “Busca”. A pesquisa é feita por palavra chave, e a consulta pode ser realizada tanto no banco de dados da Folha Online quanto da Folha de São Paulo, sendo que a última opção só está disponível para os assinantes da UOL ou do jornal impresso.

3. O uso da tecnologia de Banco de Dados

Uma corrente de autores propõe que o uso potencial dos recursos possibilitados pelo meio digital (mostrados acima) em consonância com a utilização inteligente de bancos de dados contribui para um webjornalismo diferenciado em seu terceiro estágio de desenvolvimento. Assim, o BD passa a ser definido como a especificidade que o destingirá do jornalismo dos meios tradicionais (FIDALGO, 2004), e/ ou ainda como um novo formato para o jornalismo digital de terceira geração (MACHADO, 2004).

Antes de prosseguir, faz-se necessário definir o que são bancos de dados. De acordo com Guimarães (2003), um BD é uma coleção de informações relacionadas entre si, que representam aspectos de um conjunto de objetos (como textos, imagens e gráficos) com significado próprio e que podem ser armazenados para uso futuro. Machado (2004) explica que um BD pode ser “simples”, podendo reunir a relação dos bens de uma determinada pessoa física, por exemplo, e “complexo”. Este último, utilizado pelas empresas jornalísticas, envolve vários tipos diferentes de dados interdependentes e inter-relacionados, permitindo uma busca e recuperação rápida de dados armazenados.

Machado (2004) defende que os BD, como uma forma cultural típica da sociedade das redes, desempenha três funções no webjornalismo (10): 1) de formato para a estruturação da informação 2) de suporte para modelos de narrativas multimídia e 3) de memória dos conteúdos publicados.

“De igual modo que a narrativa literária ou cinematográfica e um plano arquitetônico na Modernidade, o banco de dados emerge como a forma cultural típica para estruturar as informações sobre mundo realidade na cultura dos computadores.” (MACHADO, 2004, p. 3). Para tanto, o autor ressalta que é necessário à compreensão, por parte das organizações jornalísticas, que de no meio digital os elementos constitutivos da narrativa são formatados como banco de dados.

Mas, ainda hoje, são poucas as organizações jornalísticas que estão estruturas como sistemas de BD complexos. Pensando no que poderia ser feito para aproveitar as potencialidades dos bancos de dados como base para criativos modelos de narrativa multilinear e multimídia, Machado (2004) constata que 1) Faz-se necessário perceber que a narrativa do meio digital é diferente da dos outros meios, já que ela pode ser construída de diversas maneiras 2) A plena utilização dos BD como espaço para novos modelos de narrativa depende, principalmente, (a) do desenvolvimento de programas de autoração compatíveis com as necessidades das organizações jornalísticas e (b) da capacidade de profissionais para contar de forma apropriada às matérias publicadas.

Observa-se que a Folha Online explora bem este recurso. As informações disponibilizadas no site são estruturadas através de bancos de dados, que permitem ao internauta uma maior diversidade de operações como ver, navegar, armazenar e buscar informações. A seção “Almanaque” do site, por exemplo, resgata textos de valor histórico publicados nos jornais do Grupo Folha. No mês de julho de 2006, a seção disponibilizou o “Especial Copa do Mundo”, com inúmeras reportagens e fotos históricas do Brasil nas copas. O processo de recuperação e processamento de dados, bem como a capacidade de armazenamento de informações são possibilitadas pela utilização inteligente de BD.

A seção do site “Banco de Dados Folha” traduz mais uma forma de utilização deste recurso. A página disponibiliza um acervo jornalístico que inclui a coleção de jornais editados pelo Grupo desde 1921, arquivo de recortes com cerca de 100 mil pastas temáticas e 20 milhões de imagens em arquivos físico e digital. A seção inclui o “Acervo Online”, que traz textos históricos organizados por editoria e cronologias dos anos 1920-2000, e pode ser consultado por qualquer internauta. Ainda nesta seção, o usuário pode solicitar uma pesquisa detalhada sobre um tema específico, que é realizada através do banco de dados da Folha. Entretanto, este serviço não é gratuito.

Quanto à função dos bancos de dados como memória para conteúdos publicados na Web, Machado (2004) afirma que antes de refletir um passado morto, a memória apresenta parâmetros para aumentar o grau de previsão de fluxo ininterrupto de circulação de noticias no ciberespaço. Porém, o autor destaca que muitas organizações jornalísticas ainda utilizam a metáfora do arquivo como depósito de registros do passado e como guia para o trabalho de jornalistas. E que a manutenção dessa lógica contraria as características da memória das redes digitais porque mantém um processo individual e centralizado de produção.

(...) o atual modelo de utilização da memória desconsidera as lógicas estruturantes do ciberespaço, os arquivos das organizações jornalísticas são relegados a uma situação marginal na economia produtiva das empresas, seja no processo de produção dos conteúdos, seja como espaço para testar formas diferenciadas de captação de recursos. (MACHADO, 2004, p. 12.)

Para Machado, o banco de dados deve servir como uma fonte de atualização do presente vivido à luz da memória armazenada. Como uma solução proveniente da disponibilização dos arquivos, já encontra-se em alguns sites jornalísticos links que acompanham uma matéria e apontam para outras informações sobre o mesmo tema, disponibilizadas anteriormente. Esta possibilidade criada pela utilização de BD gera uma maior riqueza de perspectivas sobre a noticia. “Mais do que uma descrição única e extensa de um dado evento, o online promove um mosaico informativo de pequenas noticias sobre o tema” (FIGALGO, 2004, p. 9). A figura 3 mostra uma matéria publicada na Folha Online. Ao final do texto aparecem as seções “Leia mais” e “Especial”, que oferecem links referentes a outras notícias publicadas sobre o tema, e ainda uma busca automática a todas as informações que já foram inseridas no site sobre o assunto.

figura 3

Considerando que a memória no webjornalismo de terceira geração seja ao mesmo tempo múltipla, instantânea e cumulativa, Machado (2004) vai afirmar ainda que as empresas jornalísticas estruturadas em banco de dados podem incorporar os usuários no sistema de produção, bem como reutilizar de forma instantânea os fundos documentais armazenados. Os leitores/ usuários passam, assim, a desempenhar um papel “ativo” neste cenário. Seja no processo da produção de conteúdos, ou ainda no processo de recuperação da memória através de arquivos online equipados com motores de buscas. Esta última possibilidade ocorre numa situação de extrema rapidez de acesso e alimentação (instantaneidade e interatividade), em consonância com uma grande flexibilidade combinatória (hipertextualidade).

Conclusão

Com os exemplos e conceitos delineados, procurou-se analisar como as potencialidades do meio digital podem contribuir para um fazer jornalístico diferenciado. Observou-se que os webjornais de terceira geração começam a oferecer aos usuários produtos exclusivos, pensados de forma mais apropriada para a Internet. A Folha Online é um site que explora bem as potencialidades do meio oferecidas ao jornalismo. O webjornal também utiliza de maneira inteligente os bancos de dados, que acreditamos conferir o diferencial ao jornalismo online de terceira geração.

Cabe ressaltar que o estudo de caso pode ser útil para apontar tendências e levantar possibilidades sobre a terceira fase de desenvolvimento do webjornalismo, mas não encerra a discussão. Ao contrário, pois a realidade da prática jornalística na Web, pelo menos no que diz respeito aos sites brasileiros, distancia-se das possibilidades abertas pelo meio e exemplificada com a Folha Online.

Percebe-se que a fase de adequação e familiaridade em relação às diferentes formas de se publicar e acessar conteúdos pelo meio digital foi vencida. Também já se sabe quais são as características e potencialidades do jornalismo na Web, o que tem contribuído para se experimentar novos caminhos para insurgência de um jornalismo próprio para o meio. Mas acreditamos que o webjornalismo ainda se encontra em um processo de adaptação, e que o exemplo da Folha Online representa uma minoria, entre os milhares de sites jornalísticos brasileiros disponíveis na Internet.

Notas

1 Levantamento divulgado pelo Ibope/ NetRatings em 20/04/2006. Informações sobre a pesquisa estão disponíveis em: www.ibope.com.br .

2 O termo webjornalismo de terceira geração foi intitulado pelo Grupo de Pesquisa em Jornalismo online (JOL) da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom – Ufba): http://www.facom.ufba.br/jol/ .

3 http://www.folhaonline.com.br/

4 A história completa da Folha Online está disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2005/ 10anosdeinternet/historia_da_folha_online.shtml.

5 Ver em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u78760.shtml

6 Além do “Blog do Josias de Souza”, o site hospeda mais quatro: “Blog da Soninha”; “Blog da Maria Inês Dolci”; “Blog do Eduardo Vieira da Costa”; e “Blog do Marcelo Coelho”. Ver em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/blogs/ .

7 http://www1.folha.uol.com.br/folha/interacao/

8 A pesquisa foi realizada entre setembro de 2000 e dezembro de 2002. Mais informações podem ser obtidas no site do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online da FACOM/UFBA: http://www.facom.ufba.br/jol.

9 http://www1.folha.uol.com.br/folha/emcimadahora/

10 O autor utiliza o princípio da transcodificação, proposto por Lev Manovich, em seu livro “The language of new media”, para justificar a sua hipótese sobre a função do banco de dados no jornalismo digital.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Suzana. Banco de Dados: Agentes para um webjornalismo inteligente?. Paper apresentado no V Congresso IberoAmericano de Periodismo em Internet, FACOM/UFBA 2004. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/jol/pdf/2004_barbosa_agentes_inteligentes.pdf >. Acesso em: 11/05/2006.

BARDOEL, Jo & DEUZE, Mark. Network Jounalism: converging competences of old and new media professionals. Disponível em: <http://home.pscw.uva.nl/deuze/publ9.htm>. Acesso em: 02/10/2005.

FIDALGO, António. Sintaxe e semântica das notícias on-line. Para um jornalismo assente em base de dados. In: FIDALGO, António; SERRA, Paulo (Orgs.). Informação e Comunicação Online. Jornalismo Online. Volume 1. Covilhã: Universidade da Beira Interior/ Portugal, 2003.

FRANÇA, V. R. Do telégrafo à rede: o trabalho dos modelos e a apreensão da comunicação. In: PRADO, José Luiz Aindar. Crítica das práticas midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo: Haker Editores, 2002, p. 57-77.

GUIMARAES, Célio Cardoso. Fundamentos de banco de dados. Modelagem, projeto e linguagem SQL. Campinas (SP): Unicamp, 2003.

MACHADO, Elias. Banco de dados como formato no jornalismo digital. In: Ciências da Comunicação em Congresso na Covilhã. III Sopcom, VI Lusocom, II Ibérico, UBI (CD-ROM), 2004.

MIELNICZUK, Luciana. Jornalismo na web: uma contribuição para o estudo do formato da notícia na escrita hipertextual. 2003. 246f. Tese (Douturado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicação, Salvador. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/jol/producao_teses.htm> Acesso em: 14/04/2006.

PALÁCIOS, Marcos. Jornalismo Online, Informação e Memória: Apontamentos para debate. Trabalho apresentado nas Jornadas de Jornalismo Online, Universidade da Beira Interior (Portugal), 2002. Disponível em: <www.facom.ufba.br/jol/pdf/2002_palacios_informacaomemoria.pdf>. Acesso em: 14/04/2006.

PALÁCIOS, Marcos (et al). Um mapeamento de características e tendências no jornalismo on-line brasileiro e português. Comunicarte, Portugal, vol. 1, nº 2, p. 159 – 170, set. 2002. Disponível em: < www.ca.ua.pt/comunicarte/artigos/r02a16.pdf >. Acesso em: 30/04/2006.

RIBAS, Beatriz. Características da notícia na Web - considerações sobre modelos narrativos. Trabalho apresentado no II Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, FACOM/UFBA, 2004. Disponível em: http://www.facom.ufba.br/jol/pdf/2004_ribas_caracteristicas_noticia_web.pdf . Acesso em: 12/04/2006.

SCHWINGEL, Carla. Jornalismo digital de quarta geração: a emergência de sistemas automatizados para o processo de produção industrial no Jornalismo Digital. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/gtjornalismocompos/doc2005/carlaschwingel2005.doc>. Acesso em: 11/05/2006.