Introdução
Um sermão pregado pelo
jesuíta Antônio de Sá na Igreja da Sé da Bahia no ano de 1660, diante da
estátua de Nossa Senhora das Maravilhas, tem por tema o desagravo pelo
“desacato que se fez à Nossa Senhora e ao seu amado Filho” (Sá, 1744, p.
1). O desacato, ao qual Sá se refere, é um gesto sacrílego realizado
contra a referida imagem, por um grupo de indivíduos que reduziram em
pedaços a estátua do menino Jesus e quebraram os braços da Mãe que O
carregava. Nas palavras do pregador, a destruição da imagem identifica-se
totalmente com a destruição do corpo real de Cristo: no exórdio, ele
afirma: “em fim que chegarão a ver os nossos olhos a Deus Menino
esquartejado!” (Idem). E amplifica o ocorrido estabelecendo uma analogia
entre o corpo de Jesus e o corpo do próprio homem, inclusive daquele que
foi capaz de realizar o ato ofensivo: “E como, dizes, desfizeste com tuas
mãos a Imagem daquele Artífice Onipotente, que te fez à sua Imagem com as
suas?” (Idem). Ao longo do sermão, estabelece também a analogia entre o
corpo do Menino Deus e a própria Igreja de Salvador: “Pois aonde está mais
atropelada a autoridade eclesiástica que na Bahia?” (Sá, 1744, p. 22).
O objetivo
de nosso trabalho é analisar um dos argumentos utilizados por Sá,
retomando um passo bíblico do profeta Zacarias (capítulo 3, versículo 9),
que refere-se ao fato de que o Verbo divino humanou-se na forma de uma
pedra. Diante da pergunta sobre como é possível que o Deus onisciente se
abaixe a assumir a forma néscia de uma pedra, Sá responde que é porque “de
tal modo se há de portar um seu amor, sabendo, como se pudera portar
ignorando” (1744, p.12). Ou seja, o rebaixamento de Deus à ignorância de
uma pedra, é expressão de Seu extremado Amor pelo homem. Desse modo, a
mesma pedra torna-se manifestação do Amor divino. Por isto, ultrajar a
imagem sagrada, em sua materialidade, significa recusar e destruir esta
amorosa oferta que Deus faz de si mesmo ao homem, e especialmente à
comunidade cristã da Bahia.
A partir deste tópico analisaremos o
significado metafórico que a imagem sagrada assume no referido sermão,
tendo em vista o domínio mais amplo da oratória sagrada no Brasil colonial
e a tradição do catolicismo medieval e pós-tridentino.
A estátua de Nossa
Senhora das Maravilhas
A estátua de
Nossa Senhora das Maravilhas, trazida em 1552
(2) nas caravelas portuguesas, por
Dom Pero Fernandes Sardinha
(3),
primeiro bispo da Bahia, data de antes da época da fundação da Cidade de
São Salvador da Bahia
(4). De
madeira policromada, parece ter sido fabricada no século XVI, em Portugal,
por autor desconhecido. De altura relativamente pequena (65 cm.), é porém
uma das imagens sacras mais belas e significativas da época colonial
brasileira. A imagem Posteriormente, foi revestida de prata no Século
XVII, na Bahia, onde foi colocada na Catedral da Sé, na primeira das sete
capelas dedicadas à Virgem. O revestimento de prata respeitou e seguiu as
formas originais da imagem de madeira, demonstrando a habilidade do
artífice e a permanência dos traços estéticos, tornado possível a
permanência e a preservação da imagem, assim como o aumento de seu valor e
beleza. Se, por um lado, as formas da imagem foram preservadas com o
revestimento de prata, por outro lado não podemos mais contemplar a
policromia original, que esconde-se sob o revestimento. Com efeito, o uso
de metal ou gemas preciosas para ornamento de igrejas e imagens sagradas
tem, na tradição da igreja católica, uma importante função evocativa,
conforme aponta Eco, referindo-se ao sentido estético do homem medieval
que, ao contemplar a obra de arte, traduzia a alegria estética em alegria
mística. As colocações de Suger, abade de Saint Denis no século XII,
descrevem o dinamismo psicológico e espiritual desencadeado pela visão da
matéria preciosa:
Freqüentemente contemplamos, para além da simples
ligação com nossa mãe Igreja, estes diversos ornamentos velhos e novos.
(...) E quando olhamos (...) aqueles incomparáveis ornamentos... que estão
colocados sobre o altar dourado, então digo, suspirando das profundezas do
meu coração: toda pedra preciosa foi sua veste, a sardônica, o topázio, o
jaspe, o crisólito, o ônix, o berílio, a safira, a granada, a esmeralda.
(...) Por isso, quando pelo amor que nutro pela beleza da casa de Deus, a
caleidoscópica formosura das gemas me distrai das preocupações terrenas e,
transferindo também a diversidade das santas virtudes das coisas materiais
àquelas imateriais, a honesta meditação me persuade a conceder-me uma
pausa (...) parece-me ver a mim mesmo em uma região desconhecida do mundo,
que não está completamente na lama terrestre, nem se acha de todo colocada
na pureza do céu, e me parece possível transferir-me, com a ajuda de Deus,
desta inferior àquela superior, de modo anagógico. (citado por Eco, 1989,
p. 28).
Nessa
perspectiva, o prazer sensorial abre para a contemplação das realidades
transcendentes, conforme afirma Hugo de São Vitor, no século XII:
Todos os objetos visíveis nos são propostos pela
significação e declaração das coisas invisíveis, instruindo-nos, através
da visão, de maneira simbólica, isto é, figurativa (...) Pois, de fato, a
beleza das coisas visíveis consiste em sua forma (...) a beleza visível é
imagem da beleza invisível. (citado por Eco, 1989, p. 81).
A estátua de
Nossa Senhora das Maravilhas carrega nos braços o Menino Jesus encarnado e
tem o olhar sereno e traços sóbrios: parece estar contemplando a maravilha
de portar o sentido da história e do mundo na presença de seu filho.
A visão dela
deveria servir como uma pedagogia do olhar da fé, assim como sua invocação
seria um chamado de atenção para a realidade. Pois, conforme a afirmação
aristotélica de que a maravilha é a origem de todo conhecimento
(5), invocar o nome de Nossa Senhora
sob este orago constituía-se numa pedagogia de abertura ao real, à beleza
das coisas e ao seu entendimento. O tema da maravilha é recorrente na
mística medieval: diante da magnificência e da positividade do universo,
os autores vivenciam o sentimento dominante do “maravilhoso”, conforme
documenta Eco ao citar, entre outros, a expressão de Guilhermo de Alverne
de que as criaturas “constituem um concerto de maravilhosa alegria”
(citado por Eco, 1989, p. 33). Eco assim comenta: “Não há autor medieval
que não volte a este tema de uma polifonia do mundo, que impõe
freqüentemente, ao lado da constatação filosófica expressa em termos
controlados, o grito de admiração estática” (Idem). Maria, por manter a
originária pureza da natureza criada é, portanto, o compêndio das
maravilhas da criação.
Seguindo esta tradição, a Igreja católica pós-tridentina favorece a
utilização das imagens com objetivo catequético, sendo inclusive a defesa
e a revalorização dessas (bem como da arte que as produz), suscitada pela
oposição da ortodoxia católica à posição iconoclasta dos reformistas.
Nesta perspectiva, estimulam-se no meio católico, as expressões mais
espetaculares da arte, bem como o caráter teatral do rito e do culto. No
âmbito do catolicismo pós-conciliar, afirmam-se vários métodos para
disciplinar a imaginação e utilizá-la em função da evangelização, pois
conforme prega o texto da sessão no 25 do Concílio de Trento (1563):
Os bispos ensinem com diligência que por meio das histórias, os mistérios
da nossa redenção, expressos em pinturas e outras imagens, se instrui e
confirma o povo nos artigos da fé, que devem ser recordados e meditados
continuamente e que de todas as imagens sagradas tira-se grande fruto, não
apenas porque lembram aos fieis os benefícios e dons que Jesus Cristo
concedeu para eles, mas também porque colocam-se à vista do povo os
milagres que Deus realizou por meio dos santos e dos exemplos saudáveis de
suas vidas, a fim de que dêem graças a Deus por eles, conformem suas vidas
e costumes à imitação das vidas dos santos, e movam-se a amar a Deus e
praticar a piedade (citado por Sebastian, 1989, pp. 62-63).
Toda a
teologia pastoral pós-tridentina orienta-se na valorização da imagem nesta
ótica, conforme atesta o tratado de um dos padres conciliares, o cardeal
italiano Gabriele Paleotti, Discorso intorno alle immagini sacre e
profane (1582): segundo este, Deus deu ao homem a capacidade de
fabricar as imagens para ajudar com tal instrumento, o desejo de saber que
lhe é conatural. Como o conhecimento humano deriva dos sentidos, os quais
não podem prescindir da presença de objetos reais, através das imagens é
possível representar diante dos olhos de todos, toda realidade material,
natural ou artificial, e não apenas as coisas presentes mas também as
distantes no tempo e no espaço. Assim, coloca,
quem não seria tão curioso se pudesse ver com os
próprios olhos diante de si o rosto verdadeiro de Cristo bendito, ou a Bem
Aventurada Virgem, ou os Apóstolos, e suas ações maravilhosas? (...) Como
isto não nos foi concedido, nós nos valemos do uso das imagens para
satisfazer a esta necessidade (Paleotti, 1582/2002, p. 21).
A doutrina
de Paleotti fundamenta-se na filosofia aristótelico-tomista, segundo a
qual o conhecimento humano passa inevitavelmente pela sensibilidade e
através da mediação da potência cogitativa alcança o espírito,
sendo o momento sensível e o momento espiritual aspetos complementares do
mesmo processo
(6).
A igreja da
Sé da Bahia, onde a imagem fora colocada, foi a primeira sede da igreja
católica no Brasil: será demolida em 1933, com o advento das ideologias
positivistas e modernistas que vieram a devastar o grande acervo de
construções coloniais das capitais brasileiras, em vista de uma nova
urbanização com requintes de destruição do passado
(7). Por isso, atualmente, a estátua
de Nossa Senhora das Maravilhas encontra-se na Bahia, no Museu de Arte
Sacra da Universidade Federal e pertence à Arquidiocese de Salvador. Esta
imagem teve uma grande importância na fé do povo baiano: ficava num altar
da antiga Sé primacial de Salvador, para onde acorriam os fiéis no período
colonial, colocando-lhe nas mãos os pedidos, as preces e anseios. Sua
existência sempre foi cercada de aventuras e estórias que a tornam uma
peça de valor inestimável para o entendimento da religiosidade e da
tradição católica brasileira.
Um dos fatos importantes a que esta
imagem está ligada, refere-se ao padre jesuíta Antônio Vieira (1608-1697).
Segundo a tradição, foi contemplando a beleza desta imagem diante da qual
ele, ainda menino e estudante do Colégio de Jesus em Salvador, rezava, que
ocorreu-lhe o famoso “estalo”
(8),
que o tornou inteligente e arguto, um brilhante orador, como documentam
seus sermões e suas obras. Conta-se que após uma dor de cabeça, o
entendimento de Vieira se abriu e ele tornou-se pródigo em inteligência:
talvez esta anedota seja exemplar do significado da imagem ao qual já
acenamos: é uma experiência de maravilha que abre ao entendimento da
realidade. Pois, na mentalidade da época, é comum a crença nas ações
“maravilhosas” das imagens sagradas: Paleotti (1582/2002) afirma que estas
agem na faculdade imaginativa, podendo provocar efeitos até no corpo (por
exemplo, os estigmas), ou na conduta (por exemplo, a desistência de atos
malvados).
O segundo fato associado à história da
imagem de Nossa Senhora das Maravilhas, é que ela conseguiu sair ilesa da
primeira invasão holandesa a terras baianas em 1624, na qual foram
saqueadas igrejas e casas da cidade. A imagem foi salva graças ao bispo
soldado D. Marcos Teixeira, que na fuga da cidade de Salvador para a Vila
do Espírito Santo de Abrantes (BA), levou-a consigo.
Outro episódio refere-se ao conteúdo do
referido sermão de Antônio de Sá, tendo sido relatado por Frei Agostinho
de Santa Maria (1722/1947) no Santuário Mariano e história das imagens
milagrosas, & das milagrosamente descubertas em as conquistas do Reyno de
Portugal, & principalmente no arcebispado da Bahia, em graça dos
pregadores, & devotos de Maria Santíssima. O texto narra que no ano de
1624 num gesto sacrílego, alguém profanou e furtou a imagem, arrancando
dos braços de Maria, o Menino Jesus e espalhando as partes por diversas
localidades da então pequena cidade de Salvador
(9), sendo que, aos poucos, as
partes destroçadas foram aparecendo, até que a última delas – uma perna –
foi encontrada por uma negra que buscava lenha para o fogo: ao atiçar a
peça junto a outras no fogo, esta teria voltado. Ao descobrir do que se
tratava, a mulher teria levado a peça até a Igreja da Sé, onde foi
restituída e novamente “encarnada”
(10),
voltando a fazer parte da imagem de Nossa Senhora:
Tão grande foy a crueldade daquelle diabolico, &
sacrilego agressor, que dividio aquelle Divino corpo da sagrada Imagem em
muytas partes as quaes foraõ achadas em lugares imundos daquella mesma
Cidade. Huma negra buscando lenha para o fogo, achou huma pernasinha
daquelle sagrado vulto, & naõ sabendo o que fosse a meteo no fogo. Caso
maravilhoso! Do fogo saltou fora com admiração, & pasmo da mesma negra;
qual a foy logo restituir à mesma Sé (porque reconhecendo depois o que
aquillo era, achou ser parte daquelle sagrado corpo da Imagem de Deos
menino) aonde já estavaõ as mais partes, que por diversos modos haviaõ
sido achadas, & só faltava esta.
E todas mysteriosa,
& miraculosamente se haviaõ descuberto. Depois se uniraõ, & se mandou
novamente encarnar esta Santissima Imagem, com toda a perfeiçaõ, & a
collocaraõ em os braços de sua Santissima Mãy, a Senhora das Maravilhas. E
de entãõ (sic) até o presente tem as mulheres daquella Cidade muyto grande
devoçaõ com aquelle Senhor menino, & assim o adornaõ rica, & custosamente
(1947, p. 33).
Ao fato foi dedicado também um poema de
Gregório de Mattos (1636- 1696): “Ao braço do mesmo Menino Jesus quando
apareceo” (Mattos, 1998, p. 27):
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer
parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.
Frei Agostinho de Santa Maria
(1722/1947) refere também que havia uma irmandade de leigos e padres
dedicados ao culto desta imagem e que as mulheres tinham um cuidado e uma
enorme veneração por ela: “Ricamente obrada, & he portatil; & assim o
vestem & adornaõ de riquissimos vestidos as suas devotas, que tem muytas,
& que nesta ocupaçaõ muyto se esmerão. Assim a Senhora como o soberano
filho tem ricas coroas, & ornatos” (p. 33).
Os três episódios relatados por frei
Agostinho nos introduzem numa tríplice dimensão da imagem sacra,
permitindo aprofundar o objetivo de nossa investigação: a imagem sacra
enquanto capaz de provocar efeitos naturais e sobrenaturais nos homens; o
valor sagrado e misterioso de sua natureza; e o seu valor analógico de
corpo sacramental. Verificaremos a seguir a existência destas três
dimensões, conforme apontadas pelo sermão de Antônio de Sá.
Efeitos da imagem sobre as potências da
alma e do corpo
Dissemos que o “estalo” de Vieira não é exceção, mas que, no
catolicismo da Idade Moderna, a ação da imagem sobre o dinamismo anímico e
somático do ser humano, é um lugar comum. O sermão de Sá refere-se
constantemente ao sentido da “vista”: apela, por exemplo, ao fato de que a
vista da estátua despedaçada (“chegaram a ver nossos olhos a Deos Minino
esquartejado”) deve induzir os fiéis para afetos de temor, de
arrependimento, de dor, de lastima: “Se á vista de Deos homem em hum Lenho
forão tão notaveis, e gritadores os sinaes de vossa pena, como agora á
vista de Deos Minino em quartos tão pouca demostração de lastima?” (Sá,
1744, p. 3).
Segundo Paleotti, o gozo experimentado ao contemplar uma imagem ocorre
no nível dos sentidos, no nível da razão e no nível do espírito. No nível
dos sentidos, experimenta-se uma “sensação maravilhosa” (Paleotti,
1582/2002, p. 72). No nível do entendimento, manifesta-se o desejo de
“aprender a imagem, a ponto de conseguir transformar-se nela”. No nível do
espírito, se produz um “conhecimento espiritual” (Idem). Tudo isto é
proporcionado pela imagem, ao ser humano, em qualquer condição, idade,
nível cultural ou social se encontre.
Para alcançar estes efeitos, deve-se considerar a ação da imagem sobre
a imaginação e a memória e a eficácia da mesma sobre os afetos e a
vontade. Paleotti retoma a doutrina da imaginação de Avicena e afirma que
“conforme os diversos conceitos que a nossa fantasia apreende das coisas,
criam-se nela impressões tão firmes que são capazes de determinar
alterações e sinais notáveis nos corpos” (Paleotti, 1582/2002, p.
65, tradução nossa)
(11). A imagem
proporciona a recepção fácil e rápida dos conceitos, agindo no nível das
“três potências da nossa alma”, a saber: o intelecto – que é instruído por
ela -; a vontade
(12) – “sendo que o
ver as imagens elaboradas de modo piedoso aumenta os desejos bons, faz
aborrecer o pecado, excitando em nós a piedosa vontade de imitar a vida
daqueles santos gloriosos que vimos representados” (Idem); a memória,
sobretudo a memória artificial, a qual (conforme apontado pelos tratados
de mnemotécnica do século XVI) é reforçada pelas sensações visuais, que
imprimem-se nela profundamente ao longo do tempo (Battistini, 2000).
A eficácia da imagem sobre os afetos e a vontade foi
sustentada e descrita por Agostinho em A Trindade, no capítulo
quarto do livro décimo primeiro deste tratado. Após ter afirmado que a
imagem conservada na memória e a expressão que se forma “no olhar
interior” do sujeito são a tal ponto semelhantes que se identificam, o
autor pondera que, se a atenção do sujeito se retirar daquela imagem, esta
não permanecerá. Por isto, decisivo é o papel da vontade, a qual “daqui
para ali leva e traz o olhar da alma para o informar e o ligar ao objeto”
(Agostinho, 416/1995, p. 345), de modo que, no caso dela se concentrar
toda numa determinada imagem interior, “será encontrada tal semelhança
entre a figura corporal impressa na memória com a expressão da lembrança,
que nem a própria razão conseguirá discernir se o que vê é um corpo
extrínseco, ou se é o pensamento formado em seu interior” (Idem). Assim,
há casos de “pessoas que, seduzidas ou atemorizadas perante uma
representação por demais viva de coisas visíveis, ergueram exclamações
repentinamente, como se realmente participassem dessas ações ou se com
elas sofressem”. Inclusive, Agostinho lembra do testemunho de alguém que
“costumava ver no pensamento uma imagem tão precisa e quase física de um
corpo feminino, que, como se sentisse a cópula, chegava a ter ejaculação”
(Idem). O mesmo vale para as imagens oníricas, e nos casos em que o
sujeito imprima no “olhar da alma” diversas imagens de objetos sensíveis,
tendo a ilusão de percebe-los diretamente. Tais “impressões imaginativas”
não se produzem somente “quando a alma tem um desejo forte e fixa o olhar
nelas”, mas também pelo medo que “coage a se ocupar delas, embora sem o
desejar” (Agostinho, 416/1995, p. 346). De modo que, “quanto mais forte
for o medo ou o desejo, tanto mais atento é o olhar”. Por outro lado, este
“olhar” tem sempre uma dimensão psíquica e espiritual, mesmo quando não
for direcionado às imagens da memória e sim aos objetos reais, pois
conforme Agostinho observa no quinto capítulo do mesmo livro, “quando à
visão que se produz no sentido corporal, ela tem algo, de espiritual, pois
não haveria sem o concurso da alma. O conjunto, porém, não é totalmente
espiritual, pois o sentido, que é então informado, é corpóreo” (Agostinho,
416/1995, p. 349). E inclusive, quanto às imagens dos objetos percebidos
retidas na memória, deve-se dizer que “a alma impregna a memória com elas,
mediante o sentido corporal” (Agostinho, 416/1995, p.355). Desse modo,
temos descrito por Agostinho o percurso psicológico e somático pelo qual a
imagem adquire eficácia: esta age no nível anímico dos sentidos, da
memória, dos afetos e da vontade, mas também pela mediação corporal.
Diante da estátua de Nossa Senhora das Maravilhas,
os fiéis baianos, portanto, experimentam sua ação segundo as dimensões
acima descritas, de modo que sentidos, entendimento e afetos são
mobilizados pela sua “presença”. Pois, no século XVII, a “representação
(inclusive no nível anímico, completaríamos nós) “é um dispositivo de
produção de presença” (Hansen, 2003, p. 206).
O valor místico da imagem
A imagem de Nossa Senhora das Maravilhas
tem uma dimensão mística: sua composição material de madeira não é apenas
madeira, mas é, conforme a pregação de Sá, portadora de um Amor divino. O
fenômeno relatado por frei Agostinho, pelo qual ela permanece ilesa,
apesar da invasão, dos saques e da profanação dos holandeses, manifesta um
poder sobrenatural. Este poder, porém, não atua sem a participação humana
e é assim que a ação intrépida do bispo guerreiro é o instrumento
histórico que realiza esta permanência milagrosa da imagem.
Ao mesmo tempo, esta dimensão sacra da
imagem é também negada pela intervenção humana: com efeito, a invasão
holandesa ameaçou sua integridade, bem como o ato sacrílego foi a ação de
um indivíduo. Pois, conforme alerta o pregador: “Sim, contra Deos, não há
inimigo mayor, que o homem” (Sá, 1744, fl. 4). Ou seja, o valor místico da
imagem se revela num contexto dramático, onde o drama é efeito do jogo
misterioso de duas liberdades, a de Deus e a do homem. Com efeito, Cristo,
“desde que se incarnou, até que morreo, não fez outra cousa mais, que
obrar finezas por grangear o amor dos homens” (1744, p. 8), ao passo de
que estes “em lugar de lhe darem os coraçoens, lhe fazião em pedaços o
corpo” (Idem). E Cristo responde às injurias “augmentandose com a má
correspondência seu amor” (Idem). Sá detém-se na consideração deste divino
afeto: “Olhai a amorosa condição do nosso Deos: quando eu cuidei, que o
achassemos despedindo rayos, está elle espalhando flores” (Idem). Esta
atitude não é fruto do desconhecimento da injuria, mas da prevalência do
afeto sobre o entendimento: “Não falta o conhecimento a este Minino, mas
sobejalhe o amor, e o amor de tal sorte lhe embaraça, ao parecer, o
conhecimento, que quando havia de despedir rayos em satisfação do agravo,
que conhece, admitte flores em testemunho do muito amor, em que arde”
(1744, p. 9).
O pregador atribui esta propriedade de
expressar o amor divino à própria imagem mutilada, - fornecendo assim, á
luz desta evidência, uma interpretação do que seriam as “maravilhas”.
Assim como o próprio Cristo foi morto por ter manifestado sua divindade
através de muitos milagres pois “os vituperios de Cristo nascerão de suas
maravilhas”, do mesmo modo, “se aquella Virgem da Bahia não fora fonte
perenne de maravilhas, poderá ser que não fosse tão desprezada aquella
imagem”: “e como isto assim seja, não há que suspeitar servio este aggravo
de diminuir o título das Maravilhas, antes à vista do excesso delle, se
manifesta melhor o excesso dellas” (Sá, 1744, pp. 20-21). De forma que “a
mayor prova, o mayor texto de ser aquelle Menino Deos, e aquella Virgem
Senhora das Maravilhas, he esta injuria” (Idem). Em suma, a dimensão
sobrenatural da imagem deriva do sacrifício redentor do próprio Cristo:
não se trata de um poder mágico mas da expressão do afeto e do intelecto
da Pessoa divina.
O corpo da imagem e seu valor sacramental
O poema de Gregório de Mattos acima
citado, expressa admiravelmente o sentido sacramental atribuído à estatua
de Nossa Senhora das Maravilhas, argumento central do sermão de Antônio de
Sá que estamos a analisar. Os dois contemporâneos buscam pela palavra
retratar o acontecido, mas certamente a plasticidade poética de Gregório
logra uma potência incomparável. Por outro lado, Antônio de Sá aproveita
do tema sacramental do corpo, para derivar dele conseqüências políticas e
sociais que dizem diretamente respeito à cidade de Bahia. De qualquer
forma, para ambos, a estátua é um “corpo vivo” que, dividido, se recompõe
milagrosamente, sendo esta recomposição derivada de sua natureza
sacramental.
No sermão de Sá freqüentes são as
referências à imagem da estátua como corpo vivo de Jesus menino e de sua
Mãe, sendo inclusive o tema dos braços expressão do laço de pertença entre
os dois, como veremos logo a seguir. Já no exórdio do sermão, o pregador
jesuíta afirma: “assim, quebrados como estão esses bracinho, nós
confessamos que são braços de hum Minino, que he Deos: assim desbaratado
como está esse corpinho, nós reconhecemos, que he corpo de hum Minino, que
he nosso Redemtor” (Sá, 1744, p. 2). O sermão prossegue detendo-se na
comparação entre a morte de Cristo na Cruz em Jerusalém e o
esquartejamento do Seu corpo ocorrido na Bahia e coloca que “mayor afronta
he hum Deos feito em quartos, do que hum Deos posto em Cruz” (Idem, p. 3),
pois “em Jerusalem era o morto hum Deos já homem, e a grandeza do corpo
fazia possível a temeridade da injuria: na Bahia he o despedaçado hum Deos
Minino, e a ternura dos membros faz incrivel a atrocidade do feito” (Idem,
p. 3).
O “sacrílego atrevimento” ocorrido em
Salvador, de qualquer forma, não consegue romper a unidade sacramental
daquele corpo. Ainda antes da estátua se recompor milagrosamente, já sua
força unitiva se manifestara no âmago do próprio gesto sacrílego, através
da relação entre o corpinho do menino Jesus e os braços de Nossa Senhora.
Com efeito, a circunstância de que os braços do Menino foram retirados na
terça feira e as mãos de Maria somente na quinta feira, respondeu a uma
misteriosa permissão de Deus inspirada pela “condescendência com os
affectos da Virgem” (Idem, p. 8). No primeiro momento, não foi permitido
por Deus que os criminosos retirassem as mãos de Nossa Senhora, “porque
não queria que lhe tocassem em sua Mãy, mas permittio, que lhe tirassem
depois, porque não soffria o coração á Senhora verse com mãos, e sem o seu
Menino” (Idem). O pregador insere no sermão o discurso direto de Maria
falando ao Filho, em primeira pessoa:
Deos,
e Filho meu, dizia a Senhora, vós em pedaços e eu com mãos? Como se
compadece isto com meu amor? (...) Que se o amor que me tendes, não
permitte aggravos, o amor, que vos tenho, não consente que sejais só nos
aggravos (...) Vós em pedaços fora das minhas mãos, e eu com mãos sem
estarem em pedaços? (Idem).
Desse modo, o anseio de Maria para se
conformar ao corpo de seu Filho, ata por “razões amorosas” as mãos de
Deus, que obriga-se a permitir mais uma sacrílega ultrajem da estatua.
Para Sá, os corpos de Jesus e Maria
despedaçados significam a ruptura intrínseca ao próprio corpo da Igreja
produzida pela difusão das “heresias” protestantes na Europa e do
desrespeito da autoridade eclesiástica nas terras baianas. A critica ao
padroado português aqui é evidente: “Reys, diz o Senhor, não se intrometam
na jurisdição dos meus Sacerdotes, que os Sacerdotes são um povo
particularmente de Deos. Nem ás Purpuras he permittido introduzirse nas
cousas que tocão ao Ecclesiastico, quanto mais ás Becas e ás Varas” (Idem,
p. 16). E, mais do que tudo, a divisão do corpo é causada pelos próprios
eclesiásticos infiéis que dão escândalo diante do mundo: é melhor para o
Menino Deus ser “antes despedaçado por hum sacrilego, do que consagrado
por taes bocas, antes em quartos, que em taes mãos” (Idem, p. 17).
Pois, o Cristo Sacramentado é o próprio
lugar da Maravilha: “no Sacramento, he Deos das maravilhas” (Idem, p. 16).
A coincidência entre a estátua, o corpo eclesial e o sacramento
eucarístico aqui é plena. Com efeito, o sacramento eucarístico é o lugar
da coincidência total entre o sinal e o mistério divino. Pécora (1994 e
2001) assinala que o modelo sacramental está na origem da maneira de
conhecer a realidade do catolicismo da Idade Moderna
(13). Com efeito, como afirma
Vieira, a essência do sacramento é a presença da divindade, o seu “estar
invisível debaixo das espécies visíveis” (Pécora, 1994, p. 101). De modo
que é possível estar presente “Cristo no pobre por modo do sacramentado”
(Idem). A relação do homem com o transcendente assume forma tal que “tudo
o que há e ocorre, assim como passa, sinaliza e revela” (1994, p. 112). A
Eucarística, sob as espécies do pão e do vinho que se transubstancializam
no corpo e no sangue de Jesus Cristo, constitui-se assim na “presença
escondida, sob espécie, do divino em plano terreno” (Idem). O modo
sacramental é “a maneira privilegiada pela qual a transcendência pauta sua
comunicação com o universo dos seres criados à sua imagem” (1994, p. 114).
Resta
explicar como o corpo da estátua coincidida com o Corpo eucarístico, de
modo que o orador sagrado possa referi-se à aquela como sendo “corpo
vivente”, presença. Uma vez reconhecido que a realidade mundana não pode
ser entendida autonomamente, por constituir-se como expressão da
incansável atividade divina que a sustenta, disto deriva que o sagrado se
explicite inclusive através das imagens. Pois, conforme coloca Paleotti,
desde a antigüidade representou-se as realidades celestes de modo adequado
à fraqueza dos sentidos humanos de modo que “por meio do significado e da
semelhança de realidades visíveis e conhecidas, pudermos alcançar a
meditação das realidades invisíveis” (1582/2002, p. 91, trad. nossa).
Nesta
perspectiva, numa imagem, podemos considerar três coisas: a matéria que a
compõe, a forma dada pelo artista; a união entre matéria e forma enquanto
representa uma coisa real da qual é semelhante, sendo que nós nos
referimos diretamente ao objeto representado pela imagem. As imagens,
portanto, não devem ser concebidas como simples figuras, mas como atos de
uma representação: de fato, quando fitamos com os olhos uma imagem, a
nossa mente fixa-se no que ela representa. Neste ato, põe-se a diferença
entre a imagem e o imaginado, da mesma forma que quando olhamos um homem,
ou uma pedra, nós os vemos em sua realidade, mesmo que eles não estejam em
nosso intelecto como natureza material, e sim de modo figurado e
imaginativo. Da mesma forma, “quando adoramos uma imagem de Cristo,
adoramos verdadeiramente a Cristo e Cristo está na imagem, não com o seu
ser real e sim com o seu ser figurado e representado. A diferença não está
em Cristo, que permanece único, e sim em seu modo de ser” (Paleotti,
1582/2002, p. 97, trad. nossa). Desse modo, Paleotti rejeita a acusação
protestante de que o culto das imagens sagradas seja idolatria.
Trata-se em suma, de uma coincidência
que implica o ato de fé inerente ao ato da representação: num ato psíquico
enxerta-se então um ato espiritual. O que é plenamente coerente com a
estrutura antropológica da filosofia aristotélico-tomista. Mais uma vez,
Eco, ao descrever a concepção estética tomista, auxilia nosso percurso:
Não se trata,
pois, de uma expressividade ontológica subsistente etiamsi a nullo
cognoscatur: é manifestatividade que se realiza diante de uma visio
focalizante, de um olhar que fixa desinteressadamente a coisa sub
ratione causa formalis. A coisa é ontologicamente disposta a ser
considerada bela, mas para ser julgada como tal é necessário que o fruidor,
realizando a proporção entre cognoscente e conhecido (...), goze
plenamente e livremente o resplandecer, diante de seus olhos, de toda esta
perfeição. A claritas é ontologicamente clareza em si e torna-se
clareza para nós, clareza estética, quando uma visão se especifica, ao se
lançar sobre ela (Eco, 1989, p. 121).
“Em qualquer parte sempre fica o todo”
Desse modo, a estátua de Nossa Senhora das Maravilhas é sinal,
para o povo baiano, da totalidade do corpo eclesiástico, sinalizando-lhe -
pela sua presença - que desta totalidade ele pode se reconhecer plenamente
parte; e evocando-lhe – pela sua beleza e pela sua história – que o
caminho humano é fruto de um percurso dramático cujas feridas e acidentes
destinam-se na esperança a um fim de glória.
Em síntese, a função da imagem sacra
pode ser determinada pela recolocação do problema da memória do povo
baiano ou mesmo da historicidade do catolicismo em terras brasileiras.
Memória como experiência vivida e como pertencimento a uma história
múltipla e mais completa, com todos os seus desdobramentos sociais,
psicológicos e religiosos existentes, principalmente porque indica, ao
longo da história vivida, a presença de uma pedagogia característica de um
tempo preciso.
A imagem de Nossa Senhora das Maravilhas
expressa uma parte desse modo religioso de relacionamento com a realidade,
com o todo.
Tal
como as belas igrejas seculares que continuam a maravilhar tantos
visitantes, a imagem de Nossa Senhora das Maravilhas é um convite ao
aprofundamento da fé, da estética e do modo de ser do povo baiano no
século XVII. Como numa fonte, a contemplação dessa imagem indica uma
postura, um modo de ser que, se não explica, pelo menos indica o carinho e
a devoção do povo brasileiro à presença e à figura maternal de Nossa
Senhora.
Referências
bibliográficas
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Notas
(1)
Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,
cujo auxílio possibilitou esta pesquisa.(volta).
(2)
O costume de trazer as imagens de devoção nas caravelas era muito comum, o
que ainda pode ser verificado em algumas invocações de imagens trazidas de
Portugal pelos navegantes, a exemplo das que encontramos nas igrejas de
Nossa Senhora da Conceição da Praia, na Cidade Baixa, que teve as pedras
da construção vindas de além-mar, e a de Nossa Senhora da Ajuda, na Cidade
Alta. Frei Agostinho de Santa Maria (1722/1947) nos informa que este
costume era bastante difundido, na época dos descobrimentos pelos Reis de
Portugal, particularmente D. Manoel e Dona Maria, D. João III e Dona
Catherina. Os missionários que de lá saiam levavam imagens de Nossa
Senhora para as terras às quais eles estavam se dirigindo. À época
Portugal contava com admiráveis artífices e escultores.(volta).
(3)
Primeiro Bispo da diocese da Bahia, o Prelado Dom Pero Fernandes Sardinha,
morreu algum tempo depois (1556), por um naufrágio seguido de rituais de
antropofagia pelos índios Caetés, no Rio Cururipe, em Alagoas.(volta).
(4)
A cidade da Bahia, como era conhecida a cidade de Salvador, foi fundada em
1549 por Thomé de Souza, em torno da vida do cristianismo, sendo como
principais fatos da fundação a primeira procissão de Corpus Christi
e a construção das igrejas da Ajuda, Sé de Palha e Conceição da Praia,
todas com imagens trazidas de Portugal.(volta).
(5) Cf. Metafísica A, 982 b 4-10: “É pela maravilha que os homens,
hoje como no ponto de partida, começam a filosofar”.(volta).
(6) Rahner comenta a respeito: “deste modo, qualquer objeto externo
particular que se mostre para a sensibilidade como uma simples delimitação
formal e determinação da posse sensível do mundo, é imediatamente
submetido à lei do espírito” (Rahner, 1989, p.270, trad. nossa).(volta).
(7)
Para aprofundamento do processo que levou à destruição deste templo,
indicamos o livro Memória da Sé, editado pela Secretaria Estadual
de Cultura da Bahia, em 1999, no qual há uma descrição minuciosa de
detalhes, realizada pelo professor Fernando da Rocha Peres. Em quatro
capítulos (“Este progresso demolidor”; “A Sé no tempo pretérito”; “Uma
polêmica emergente” e “Morte de uma tradição”) o autor apresenta, com
riqueza de documentos e informações, todos os mecanismos históricos,
econômicos, sociais e religiosos que levaram à derrubada da Sé primacial
do Brasil e mesmo os desdobramentos de proteção ao nosso patrimônio
histórico, posteriores ao acontecimento, resultando na criação do IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).(volta).
(8) Encontramos a indicação do “estalo de Vieira”, no livro Um encontro
com Vieira, 1997, do padre Carlos Bresciani, S.J., organizado na
ocasião do 3o Centenário da morte do padre Antonio Vieira, onde
o autor nos oferece a data do fato situada em 1614, quando Vieira contava
com sete anos de idade. “Em 1614 parte para Salvador com a família;
aloja-se inicialmente na Rua da Gameleira. Mais tarde, tem sua casa pouco
fora das Portas de São Bento. O pequeno Antônio continua recebendo a
educação materna.; freqüenta as aulas do Colégio dos Padres no Terreiro
de Jesus. Neste período de seus estudos de Gramática e Humanidades se dá o
famoso “estalo”, quando rezava diante de Nossa Senhora das Maravilha, na
Sé” (Bresciani, 1997, p.13).(volta).
(9)
A isto se refere o sermão de Antônio de Sá, quando afirma: “Em fim, que
chegarão a andar quartos de hum Minino Deos por lugares publicos, como se
fossem quartos de hum publico malfeitor” (1744, fl. 83).(volta).
(10)
Técnica
de pintura com as cores “da carne”, daí o termo “encarnada”.(volta).
(11)
Sobre a
importância atribuída à imaginação no contexto cultural do Brasil, cabe
lembrar as observações realizadas pelos jesuítas, no século XVI, acerca da
força da imaginação entre os índios: por exemplo, José de Anchieta na
Informação da Província do Brasil escrita em 1585 descreve a força da
imaginação dos nativos : "se querem morrer com apreender somente a morte
na imaginação ou com comer terra; ou lhes digam que se hão de morrer ou
lhes ponham medo morrem brevissimamente" (Anchieta, 1988, p. 442). No
escrito Do princípio e origem dos índios do Brasil e a Narrativa
epistolar de uma viagem e missão jesuítica atribuídos ao jesuíta
Fernão Cardim e redigidos provavelmente por volta de 1584-85, observa que
os índios são em extremo submetidos ao poder da imaginação: assim, por
exemplo, eles "têm grande medo do demônio e é tanto o medo que lhe têm,
que só de imaginarem nelle morre, como aconteceu já muitas vezes" (Cardim,
1625/1980, p. 87). A relação entre imaginação e afetos e a importância
destes e de suas influências (às vezes nefastas) no plano orgânico, é
enfatizada na literatura jesuítica bem como na cultura da época em geral.
Os tratados Conimbricences, por exemplo, atribuem grande
importância a estes estados da alma definidos como paixões, e que
na linguagem da psicologia moderna correspondem às emoções ou sentimentos.
As paixões são entendidas como movimentos do apetite sensitivo,
provenientes da apreensão do bem ou do mal, acarretando algum tipo de
mutação não natural do corpo. Neste sentido, elas dependeriam sempre de
uma representação que o intelecto faz de algum objeto julgado como bom ou
mau. Como o apetite sensitivo tem sua localização orgânica no coração, é
possível que um movimento muito brusco chegue a causar o óbito.
(Góis, 1593/1957).
Conhecimento análogo
aparece também no manuscrito Coisas do Brasil do jesuíta Francisco
Soares (1590/1989). Como Cardim, Soares (Idem, p. 146) refere-se à grande
influência da imaginação sobre o comportamento dos mesmos: morrem por medo
dos demônios "por terem grande eficâcia na imaginação".
(volta).
(12) Escreve Paleotti (1582/2002, p. 79), apoiando-se em São Gregorio: “Per
cui, se le parole che si ascoltano o si leggono hanno il grande potere di
cambiare i nostri sentimenti, com ancor piú efficacia penetreranno in noi
quelle immmagini da cui si vede spirare pietá, modestia, santitá e
devozione. (...) Sentire narrare il martirio del santo, lo zelo e la
costanza di una vergine, la stessa passione di cristo, sono cose che
sicuramente ci toccano nel vivo; ma se il santo martirizzato, la vergine
che soffre e il Cristo inchiodato ci vengono posti sotto gli occhi, la
nostra devozione non puó che aumentare e penetrare nel profondo e chi non
prova queste sensazioni é totalmente privo di sensibilitá”.(volta).
(13)
Pécora (1994, p. 113) define o modo sacramental como “o movimento
característico através do qual o que é da ordem de Deus – e portanto por
natureza transcendente e não determinado por qualquer essência particular,
segundo a matriz comum do pensamento católico - toma espécies visíveis,
existentes no mundo da determinação material, e imprime nelas a substância
única e pessoal do seu Ser”.(volta).
Nota sobre os autores
José Eduardo Ferreira dos Santos é formado em Pedagogia, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e
Doutorando em Saúde Coletiva no
Instituto de Saúde Coletiva da
Universidade Federal da Bahia. Contato:
dinhojose@bol.com.br.
Marina Massimi
é Doutora em
Psicologia, Livre Docente junto ao Departamento de Psicologia e Educação
na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,
Campus de Ribeirão Preto, Brasil. Especialista na área de História das
Idéias Psicológicas na Cultura Luso-Brasileira. Contato:
mmarina@ffclrp.usp.br.
Data de
recebimento: 12/12/2004
Data de
aceite: 08/04/2005
Memorandum 8, abr/2005
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos08/santosmassimi01.htm.