Introdução
Nesse artigo encontraremos
elaborações de moradores de uma comunidade rural tradicional - Morro
Vermelho (Caeté-MG / Brasil) - acerca de suas impressões sobre imagens
fotográficas que retratam seu cotidiano em uma exposição de fotos. Essa
comunidade, com cerca de 800 habitantes, localizada a 80 quilômetros de
Belo Horizonte, realiza algumas festas populares mantidas por tradição
oral: por exemplo, a Encomendação das Almas e a Cavalhada (Mahfoud,
1999; Mahfoud e Ribeiro, 1998), ambas de origem medieval; além da Festa
de Nossa Senhora de Nazareth (Mahfoud e Ribeiro, 1999) e da Semana Santa através das quais continuam realizando
o trabalho de memória coletiva.
Primeiramente, procuramos
descrever sucintamente em que contexto aconteceu a exposição
fotográfica e o campo de interesses que nos despertou para o estudo da
memória coletiva. A maneira como abordamos o uso da fotografia é o ponto
que se segue; com o objetivo de compreender como esse recurso visual
auxilia no processo de rememoração. Dando prosseguimento, buscamos
explicitar mais o conceito de "memória coletiva" em Halbwachs
(1990), com a finalidade de compreender a relação entre os significados
apreendidos no impacto com as fotos, o ato de lembrar e a elaboração da
experiência, no momento presente. Uma exposição dos passos propostos
pelo método fenomenológico constitui-se na etapa seguinte possibilitando
ao leitor apreender, teoricamente, como a análise dos depoimentos foi
realizada. Logo depois apresentamos as categorias e os resultados da
análise, segundo o objetivo do trabalho, seguidas de algumas conclusões,
respeitando o percurso do trabalho.
Sobre a exposição fotográfica
e o objetivo do trabalho
A partir do registro fotográfico
dos momentos que marcam a cultura local, como a Festa de Nossa Senhora de
Nazareth, a Cavalhada, a Semana Santa, a Encomendação das Almas, bem
como a característica vida comunitária na escola, na igreja, nas casas e
ruas, efetuado como desenvolvimento de um projeto de pesquisa (1),
realizou-se junto com os moradores da comunidade rural de Morro Vermelho
uma exposição de fotos, de autoria da fotógrafa Kika Antunes, na casa
paroquial, centro da vida comunitária local, em julho de 1998.
A equipe de pesquisadores
realizava as entrevistas pedindo às pessoas que visitavam a exposição
para falarem sobre o impacto que estavam vivenciando ao observarem as
fotos: o que estavam sentindo, de qual foto mais gostavam e por quê. As
perguntas eram formuladas buscando obter descrições da experiência.
Assim, pudemos identificar nesse trabalho o significado associado à
emoção causada por uma determinada foto, a crítica realizada a uma
outra, o maravilhamento diante do retrato de Nossa Senhora de Nazareth, o
estupor diante das fotos da cavalhada, o estranhamento de se ver em uma
foto, a surpresa de se reconhecer fazendo parte daquele povo.
Empregando o recurso fotográfico
como um instrumento de registro de momentos significativos, com
considerável relevância no processo de rememoração, o presente artigo
utilizou depoimentos dos moradores dessa comunidade rural tradicional
acerca de suas impressões ao observarem algumas fotos por ocasião dessa
exposição fotográfica. Nosso intuito era examinar o trabalho da
memória e a afirmação de significados que marcam a história pessoal e
coletiva.
Não nos ativemos à aptidão e
leitura visual do sujeito observador acerca da imagem fotográfica, mas
procuramos descrever como através da observação das fotos se deu o
trabalho da memória coletiva para os moradores dessa comunidade rural
tradicional. Não discutimos, sobretudo, como a fotografia se relaciona
com a realidade, compreendendo não ser esse um campo de competência da
Psicologia Social Fenomenológica. Também não procuramos ressaltar na
análise dos depoimentos o valor do recurso fotográfico nos processos de
registro e transmissão do passado, mas tratamos de observar como os
sujeitos transformavam as impressões provocadas pelas fotos em
"textos" memorizáveis.
Sobre o uso da fotografia
O estudo da imagem iconográfica
vem crescendo vertiginosamente, em conseqüência de sua grande presença
em nossas orientações cotidianas na atualidade. Mas, nem sempre teve um
lugar privilegiado nos estudos acadêmicos. Embora seja uma rica fonte de
transmissão de significados culturais e comportamentais, o registro
imagético, pela ambigüidade e pelas dificuldades de suas leituras, ficou
relegado a um plano dispensável em relação à primazia do "texto
verbal", que, no ocidente modernizado, tornou-se a forma máxima de
expressão do conhecimento. No entanto, a importância metafórica do
"texto visual" começa a ser redescoberta como "forma
tradicional e oral de comunicação, cuja leitura está a exigir o que se
poderia chamar metaforicamente de alfabetização" (Moreira Leite,
1998, p. 39).
Um outro aspecto importante
acerca do notório valor do recurso fotográfico em nosso cotidiano é
acenado por von Simson (1998): o surgimento do registro fotográfico e
posterior "democratização" de máquinas fotográficas - que se
tornaram acessíveis à população, pelos preços módicos e pelos
modelos de operação simples -, possibilitou o registro fácil e rápido
de momentos da vida pessoal e coletiva. Com isso, a imagem vem ocupando,
atualmente, um lugar de registro dessas situações preponderante em
relação aos livros de memórias, cartas ou diários. A autora chama a
atenção para a crescente presença do suporte imagético na construção
da memória individual e familiar, nos lembrando como estamos
constantemente recorrendo às imagens instantâneas - como as fotografias
- para dar início ao processo de rememoração de fatos ou
circunstâncias já vivenciadas. Dessa maneira, ela afirma que esse
recurso está presente orientando o processo de rememoração,
reconstrução e veiculação da memória.
De acordo com Kossoy (1998) todo
o conteúdo de uma foto guarda experiências de vida de um determinado
momento e/ou situação significativos. Fotografias registram lembranças
imutáveis de determinadas circunstâncias, de momentos vividos que são
irreversíveis. Tais momentos são animados por sensações e emoções.No
entanto, estas não podem ser reveladas pela imagem fotográfica que, por
sua vez, pode revelar, somente, um mundo físico e visível –
"primeira realidade" – ou um detalhe da vida que se pretende
mostrar. Contudo, essa característica aparentemente gélida da
fotografia, que poderia manter longínquo um momento registrado, torna-se
também condição de possibilidade para se retomar aquela história
particular, restaurando-a no momento presente, trazendo à tona
sensações e emoções carregadas de significados, deixando de ser apenas
uma referência e "reassumindo a sua condição anterior de
existência" (p. 45). Conteúdos imaginários, que auxiliam na
restauração da situação que não pode mais voltar, são denominados
pelo autor como "realidade interior", isto é, as
representações invisíveis que não são captadas pela câmara
fotográfica, marcadas por um contexto cultural, estético e técnico.
Uma vez que a imagem fotográfica
não é um recurso neutro, mas, ao contrário, carrega uma polissemia na
qual encontramos um universo de significados muito diferentes que nos são
transmitidos através da linguagem oral também marcada por realidades
culturais diversas, Moreira Leite (1998) afirma que o estudo da prática e
da significação de imagens fotográficas possibilita conhecer o
comportamento coletivo e experiências vivenciadas de um momento
específico. A autora propõe que, ao utilizarmos as imagens em nossos
estudos, abandonemos a necessidade de representar a realidade a partir de
uma perspectiva unilinear, já que a fotografia permite a entrada em um
mundo imaginário que não explica a realidade, mas convida a revivê-la e
recriá-la. Mas, como? Através de um leitor que fala sobre o conteúdo
imagético, que é surpreendido pela imagem, estimulado por sua
percepção visual, inicialmente através da sua memória espacial e da
sua faculdade psíquica de associação de imagens; fornecendo, portanto,
um conjunto de significados invisíveis que não são revelados
sensivelmente aos seus olhos. O "texto visual" ganha vida
graças ao "texto verbal":
as
imagens visuais precisam das palavras para se transmitir e,
freqüentemente, a palavra inclui um valor figurativo a considerar. O
desenho ou a fotografia não reproduzem abstrações. Representam um caso
concreto, um fato particular, o presente. A palavra revela melhor o
conhecimento subjacente na memória que, todavia, é construído por
imagens fixas. Mecanismos perceptivos e cognitivos ampliam a compreensão
das relações entre a imagem e as diferentes formas de memória, que,
pelo re-conhecimento e pela re-memoração, constroem a ponte para o texto
verbal. Ao que é impossível descrever, torna-se indiscutível a
prioridade da imagem visual, por sua capacidade de reproduzir e sugerir,
por meios expressivos e artísticos, sentimentos, crenças e valores.
(Moreira Leite, 1998, p. 44)
O olhar do leitor, diante de uma
imagem fotográfica, é seletivo, ou seja, ele permanece indiferente a
alguns aspectos visíveis da fotografia e acolhe outros que a sua
percepção e sensibilidade conseguem captar no conjunto apresentado
(Moreira Leite, 1993). A imagem fotográfica guarda em si características
objetivas que correspondem a limites de tempo e espaço sociais, ordenados
simbolicamente, que permitem ao leitor entrar em contato, examinar e
transmitir um universo de significados diversos segundo os limites
espaço-temporais aos quais está sujeito. Esse aspecto levantado pela
historiadora oral é significativo para o nosso objetivo, uma vez que a
fonte fotográfica oferece recursos e se transforma em um instrumento para
analisarmos, conhecermos e compreendermos um universo físico social e
elementos comuns de uma cultura, através de verbalizações diversas de
leitores visuais sobre determinadas imagens.
Moreira Leite (1993) nos ajuda a
compreender como se dá essa dinâmica seletiva do leitor diante da imagem
fotográfica. A autora menciona que o sujeito observador tem diante de si
não apenas uma composição físico-visível, mas uma estrutura
espaço-temporal e um grupo de símbolos, que, em seu conjunto, despertam
no leitor diversos níveis de atenção: a) uma atenção instintiva,
correspondente a seus mecanismos de percepção que suscitam emoções em
relação às cores, formas, expressões, evocações imediatas e linhas
de perspectivas; b) uma atenção descritiva que se vincula à análise
visual dos elementos que compõem a imagem fotográfica (imagens-planos,
campos e massas de luzes e sombras); c) uma atenção simbólica, ligada
às interpretações realizadas pelo observador acerca do conteúdo
fotográfico que se insere num universo culturalmente mais vasto,
colocando em evidência uma relação significativa entre o leitor e o
"texto visual". Todos esses níveis de atenção tornam-se
oportunos para se realizar estudos acerca do impacto diante de uma imagem.
Porém, nos interessa, especialmente, um tipo de atenção que possibilita
ao leitor visual elaborar sobre uma maneira particular de vivência
despertada pelo impacto de um conteúdo imagético, possibilitando-nos
apreender um conjunto de possibilidades de significados presentes acerca
de determinados temas que são importantes para a vida pessoal e coletiva
naquele determinado contexto e compreender a estrutura espaço-temporal na
qual estão inseridos esses leitores.
von Simson (1998) atesta que,
através do recurso imagético associado a relatos que chegam por meio da
tradição, é possível se construir uma interpretação da imagem dentro
de um contexto, podendo ser transmitida para as gerações seguintes;
constituindo-se, assim, em um sistema útil de armazenamento e
transmissão da memória desses signos culturais para alguns grupos
sociais. A autora, com o olhar de uma cientista social, busca compreender
como a cultura pode fornecer signos que constroem a memória social de um
grupo e ressaltar a importância de recursos que possibilitam a
transformação de fatos significativos em textos que são delegados aos
descendentes, através da dinâmica de transmissão de conhecimentos que
auxiliam na manutenção da memória coletiva. Dentre esses recursos, ela
cita, em especial, o uso da fotografia como sendo talvez o principal
"texto" que vem exercendo um papel significativo nos processos
de registro e orientação da construção da memória coletiva de grupos
sociais.
Segundo Moreira Leite (1998a), o
uso da fotografia possibilita a recomposição da memória, uma vez que
sugere um "estado visível", no qual se encontra registrado um
instante irreversível, que nos chega através dos olhos, trazendo à tona
sinais e indícios de fenômenos invisíveis, de "confidências
involuntárias", que outrora sucumbiriam ao desaparecimento da imagem
pelo esquecimento. Dessa forma, a historiadora afirma que: "O tempo
fotográfico recompõe o tempo da memória, alheio ao tempo cronológico.
São instantes irregulares e arbitrários ligados e separados pelo
esquecimento". O esquecimento impossibilitaria uma ligação com o
momento presente que está salvaguardado por lembranças de sentimentos e
fatos significativos.
Portanto, utilizar o processo
fotográfico como metáfora, ou seja, como um recurso intermediário que
possibilita exprimir o inexprimível, nos permite explicitar os vários
significados atribuídos a determinados fatos registrados que atingem, de
maneiras diferentes, a percepção e os sentimentos.
Tomadas como "objetos
biográficos" (Bosi, 1999), as fotografias servem como instrumento de
registro de momentos considerados significativos. Através delas ficam
guardadas emoções, um momento singular da vida, uma parte da história.
Permitem que esses momentos sejam não apenas resguardados, mas tenham
também valor documental, confirmativo. Passam a ser fonte de descobertas
dentro de uma perspectiva visual. Tornam-se objetos que ultrapassam os
limites das gerações e que nos provocam a conhecer, examinar, imaginar,
entrar em contato com momentos passados, reviver aventuras. Assim, as
fotos, como "objetos biográficos", envelhecem com o seu
possuidor e se incorporam à sua vida, porque representam uma experiência
vivida.
É nesta perspectiva que nos
interessa a fonte fotográfica: como expressão e revelação do vivido,
como instrumento de memória que expressa um valor do qual não se quer
desfazer, um valor inestimável, que traz para a vida presente a
lembrança de alguém significativo, uma vivência particular, um lugar
dentro da história, que poderia ter desaparecido. Sendo assim,
interessou-nos ressaltar a fonte fotográfica como "símbolos
intermediários da investigação etnográfica" (Bittencourt,
1998, p. 208), que suscitam processos imagéticos, ou seja, posturas
reflexivas diante da imagem que facilitam elaborações nas quais pudemos
explicitar as conexões de sentidos atribuídos a detalhes diversos, de
uma ou mais fotografias pelos leitores visuais.
Sobre a memória coletiva
Halbwachs (1990; cf. Bosi, 1999;
Mahfoud, 1996; Schmidt e Mahfoud, 1993) nos ajuda a entender que o
trabalho de memória é essencialmente de elaboração da experiência, a
partir de reconhecimento e reconstrução da lembrança, com vitalidade.
Segundo o autor, vivemos dentro de quadros sociais, portanto nossas
lembranças são retomadas a partir dessa referência coletiva, a partir
de um grupo com o qual compartilhamos uma visão de mundo, cuja
permanência de um vínculo afetivo permite atualizarmos uma
identificação com a comunidade de referência, esteja esta presente ou
ausente, e nos compreendermos numa perspectiva histórico-social.
Porém, essa dinâmica da
memória acontece no contato com a realidade presente, uma vez que
utilizamos os recursos de conhecimentos acumulados para lidar com
situações novas, que se encontram unidos às nossas lembranças que, por
sua vez, estão associadas a maneira de pensar de tantos outros que
fizeram e fazem parte da nossa história; evidenciando um mundo em comum.
O passado, assim, define o olhar para o presente através do que Halbwachs
denominou "confronto de testemunhos" – as influências desses
grupos de referência em um conjunto de preocupações no presente –
afirmando significados que, de alguma maneira, reconstróem a lembrança
dentro de quadros de interesses atuais. Assim, o passado é constantemente
reconstruído dentro de um processo de re-vivificação do evento lembrado
e re-significação do conteúdo recordado.
Assim, a memória consiste em
duas atividades principais: reconhecimento e reconstrução; que nos
possibilitam atualizar e re-significar as vivências passadas evocadas,
tendo como referência o grupo de pertença através do qual
compartilhamos uma visão em comum, utilizando-as como um auxílio na
compreensão de nosso modo de viver atual. O trabalho de reconhecimento
nos conduz ao "sentimento do já visto" e o trabalho de
reconstrução consiste na recuperação de determinadas vivências
passadas reconduzindo-as a um contexto específico de tempo, espaço e
relações sociais bem definidos.
As maneiras como as lembranças
são evocadas diferenciam-se pelas divisões de tempo e de espaço,
categorias estruturantes da memória: as divisões do tempo, singulares
para cada grupo, auxiliam na distinção em épocas para que o conteúdo
recordado possa ser examinado, oferecendo uma idéia de mudança; o
espaço já sugere uma imagem de estabilidade e de permanência.
De acordo com Halbwachs a
memória, portanto, é sempre coletiva.
Por fim, o trabalho da memória
possibilita um fio de continuidade imediato entre passado e presente,
restaurando a unidade original de fatores que significaram algum tipo de
ruptura.
Para Halbwachs a memória
coletiva tem um papel fundamental nos eventos históricos: dando
vitalidade a objetos culturais, valorizando momentos históricos
significativos e resguardando a herança do passado para os grupos
sociais, que, com o tempo, poderia se tornar desconhecido ou segmentado.
Sobre o método fenomenológico
Amatuzzi (1996, 2001, 2001a)
teoriza sobre o método fenomenológico que nos interessa, como
"estudo do vivido, ou da experiência imediata pré-reflexiva,
visando descrever seu significado".
A dinâmica do conhecimento,
segundo van der Leeuw (1970), se dá através da descrição e
compreensão da experiência mesma. Assim, partir da experiência vivida
como "uma vida presente que, segundo o seu significado, forma
unidade" (van der Leeuw, 1970, p. 530), possibilita ao pesquisador
apreender o significado que está presente na interpretação dada pelo
sujeito da experiência. Ele realiza um recorte que organiza a realidade
segundo o sentido que lhe é atribuído, possibilitando uma apreensão
dessa realidade que se apresentaria de maneira caótica. Ao fazê-lo,
elege certos aspectos, delimitando o objeto e definindo a experiência.
Forma-se, assim, a "estrutura", constituindo-se uma unidade da
experiência. Esta pode ser reconhecida a partir das conexões de sentido
estabelecidas. Algo de essencial, de próprio do objeto é apreendido e
comunicado à medida que a consciência se volta para contemplá-lo,
permitindo uma maior compreensão do que o objeto é, emergindo o sentido.
Ao descrevê-lo evidencia o significado. Através da descrição da
própria experiência o sujeito vai formulando-a e reconstruindo-a.
Os passos metodológicos para
falarmos daquilo que se mostra a nós, pesquisadores, são enumerados por
van der Leeuw (1970) da seguinte maneira:
1) Nomeação: esta delimita o
fenômeno e dá a forma de nosso relacionamento com ele. Dar o nome faz
parte da definição do próprio objeto; para isso é importante que a
nomeação seja uma expressão do vivido.
2) Inserção: a interpretação
do sentido acontece quando o vivido torna-se compartilhado, experimentado
e compreendido pelo pesquisador. Assim, o sentido vai se evidenciando à
medida que o observador se coloca em uníssono com a perspectiva do outro.
3) Inserção entre parênteses:
compreender cada vez mais o significado que está sendo atribuído à
experiência vivida com o cuidado de suspender, por ora, os próprios
pré-julgamentos que se inserem no processo de conhecimento, que
impediriam aprofundar a experiência de conhecer o objeto assim como se
manifesta.
4) Elucidação: apreendendo as
conexões de sentido, definem-se categorias que vão sendo agrupadas e
incorporadas, segundo as suas semelhanças e diferenças, em um conjunto
mais amplo.
5) Compreensão: existe algo do
objeto que está sendo comunicado; e nos debruçamos sobre o objeto com um
olhar compreensivo.
6) Retificação Contínua:
preocupação em estar sempre examinando e confrontando com o conjunto dos
dados a interpretação realizada acerca da experiência vivida.
7) Reconstrução: a apreensão
do sentido com o qual o vivido se apresenta é alcançada através de uma
segunda experiência vivida, que passa por uma reconstrução por parte do
pesquisador. A Fenomenologia, assim, pretende testemunhar o que está
sendo mostrado.
O encontro com os depoimentos
Através da avaliação
fenomenológica dos depoimentos apreendemos um campo de possibilidades de
significados elaborados pelos sujeitos naquele contexto cultural
específico. Foram selecionados trechos de entrevistas realizadas com 43
moradores, entre adultos e crianças, cuja idade variava entre 7 e 80
anos, que se relacionavam a impressões referentes a 21 fotos. Durante a
análise foram identificadas as seguintes modalidades de elaboração da
experiência realizada pelos observadores das fotos sobre a própria
comunidade, que indicam estruturas da experiência:
Apreciações:
descrição do sentido da exposição (para si e para a comunidade local)
e avaliação crítica de certas fotos;
Elaboração da experiência com
referência coletiva: baseada na
apreensão de alguma vivência coletiva, reconhecida como típica ou
recorrente em Morro Vermelho;
Elaboração da experiência com
referência pessoal: baseada em eventos
pessoais próprios ou de quem foi fotografado.
Sobre as experiências:
modalidades de elaboração da experiência
a) Apreciações:
Ao descreverem as experiências a
que as fotos os remetiam, fica evidente que o impacto provocado pelas
imagens os colocavam em uma posição de quem não apenas assistia, mas de
quem reconhecia que aquela exposição se referia realmente a eles, às
suas características comunitárias, à sua história. Isso se deu
independentemente de os sujeitos estarem figurados ou não na foto
comentada. Assim, a dinâmica de observar e comentar as fotos tomava
grande vitalidade associada a uma elaboração muito crítica em relação
à exposição.
Algumas apreciações eram
realizadas no sentido de enfatizar a estética da foto:
Bom,
eu gostei dessa. Ah, eu achei ela muito bonita. E também retrata a imagem
de Nossa Senhora de Nazareth. Ela ficou muito bonita nessa foto.
(Cláudio)
Aquela
Santa. Por causa que é bonita. Tava no escuro mas o rosto dela ficou
bonito, claro.
(Antônio
– 38 anos)
O impacto diante da foto leva à
imaginação. A imagem também ganha um movimento segundo a experiência
de sagrado que vai se refazendo ali, ao olhar para aquela foto: "mas
parece que tão nos céu, subindo aos céus mesmo". A perfeição da
foto é mostrar tudo e a memória leva a viver aquele momento de
admiração da foto com um significado atual e original.
Eu
achei linda essa daqui. Achei ela maravilhosa! Esse aqui, ó, achei lindo.
Achei essa muito mesmo. São José de Botas chegando ali na procissão.
Olha pr’ocê ver: a perfeição. É o que compensa aqui, que vê tudo.
Ó, é assim: parece que tá vivendo aquele momento, olha pro’cê ver, -
‘cê que assistiu, num é? - eu achei super lindo; a fumaça. Deu uma
impressão de nuvem, deu uma impressão, assim, de tá subindo aos céus.
Eu achei lindo, eu achei maravilhoso. Olha pr’ocê ver as nuvens tão
parecendo que são anjos. Aqui olha. É a parte clara, parece que são
anjos ali. Mas parece que tão nos céu, subindo aos céus mesmo. Anjos no
céu. Achei lindo.
(Maria
do Carmo)
Para alguns moradores, a
exposição estava relacionada ao dinamismo próprio das tradições já
mantidas há tantos anos em Morro Vermelho; mantê-las é uma questão de
sobrevivência para continuarem vivendo em comunidade, em todos os
sentidos: financeiro, cultural, social, pessoal. Assim, a fidelidade com a
qual o conteúdo das fotos retratava o que são, era um aspecto importante
para que a exposição realmente fizesse sentido para eles, contribuísse
para a manutenção das tradições de Morro Vermelho; era tido como
reflexo de um trabalho feito com cuidado, que valorizava aspectos
expressivos da comunidade.
Ah,
todas ficaram muito boas, num tem nem por onde escolher. O conteúdo de
todas elas tão muito forte, tão mostrando tudo que tem pra mostrar mesmo
e num tá saindo fora.
(Charles
– 16 anos)
Acho
que é importante. Mostra o trabalho que eles tá fazendo e a união do
povo também. É importante pras pessoas que num tem fé, que num acredita
em Jesus, Maria e que num tem fé nisso aqui que acontece. Tá certo, por
isso.
(José
Roberto – 15 anos)
Eu
achei interessante, achei muito bonitas. Não sei se é porque tava assim
muito espontâneo. Acho que foi uma coisa que pegou o que o povo realmente
tava fazendo. Num foi uma coisa feita pra tirar o retrato. Valoriza as
coisas do lugar. Aqui no Morro é um lugar muito pequeno. Eu acho muita
valorização.
(...)
Mas
eu achei legal o trabalho deles. Esse trabalho eles usaram muita
atenção, sabe? O tempo todo. Um trabalho prolongado. Eu gostei. O
trabalho deles foi muito completo. Eles pegaram de tudo.
(Matildes
– 27 anos)
Ah,
achei muito bonitas. Retratando a verdadeira história de Morro Vermelho:
as procissões, o pessoal. Gostei muito das crianças, gostei muito! Tem
fotos muito bonitas, muito bem tiradas. É o retrato, né Miguel? É a
nossa história! Eu achei.
(Maria
do Carmo)
Essa
é normal; uma pessoa normal num tá sendo avisada que foi tirar a foto
dela. Foi natural. Aí, no final, o trabalho ficou bonito. Ficou lindo
mesmo! Acho que a Kika fez a gente até engrandecer o Morro Vermelho com
essa exposição de novidade!
(Paulo)
Acentuar que alguns aspectos não
estavam sendo retratados ou que certa foto deveria ter sido tirada de
outra maneira, dar sugestões sobre o que não estava sendo exposto
corretamente foi uma maneira de conseguirem afirmar o que, de fato, é
Morro Vermelho, de enfatizar o dinamismo da tradição.
Nossa,
mas tá uma maravilha! Só acho que devia de ser assim: pra gente não,
que a gente conhece os nomes, por que no futuro as crianças que vão
nascer, que vem, tinha que ter uma identificação. A primeira coisa que
fui chegando e vendo, que eu reparei foi isto. Porque nós conhecemos, num
é surpreendente. E as pessoas? Num é? Quem é quem. (Ri) Igual os nomes,
principalmente os da cavalhada. Que nem eu tô vendo os quadros com...
aquele ali. Hoje sabemos quem é quem, mas amanhã? O futuro que vem, nós
lá vamos, não é? Faz parte da cultura produzir a do amanhã. (...)
É,
devia de ter pegado assim de baixo pra cima, por que Ele é muito lindo;
Ele parece uma pessoa, sem igual, sem tirar e sem por. É uma foto
maravilhosa, aqui. Se tirasse assim de baixo pra cima pegando um todo; já
foi tirado aqui [apontando para uma foto] mas faltou a coroa lá em cima,
faltou o visual completo da cruz como tá ali, de em baixo pra cima, uma
lá e outra cá, mais virtuosa, por que ali só tá uma parte. Num pegou a
coroa, a cruz não pegou. Num dá pra pegar a ponta da cruz, mas dá pra
pegar ela quase toda. Muito bonito.
(José
Evangelista – 45 anos)
Mostrando o que tinha que
mostrar, a exposição suscitava expectativas. Eles esperavam pela
exposição e traziam consigo o desejo de que aquele momento despertasse
nos visitantes e moradores a curiosidade por Morro Vermelho.
Eu
falei que a coisa interessante é pra mostrar pra todo mundo, todo mundo
vê, pras pessoas ter um pouco mais de curiosidade, sentir um pouco de fé
por aquilo que é onde nós mora, onde nós vive. Então achei assim,
muito importante.
(Marinês
– 33 anos)
Depois
que ele falou comigo que ele ia pôr as fotos aí. Mas assim que chegasse
os dias eu envinha zunindo.
(Cecília
– 74 anos)
Eu
tô gostando, eu não sabia tanta coisa igual eu vi agora não! É a
primeira vez. Já conhecia no tempo em que eu era mais nova, mas agora
esse é novo.
(Laura
– 73 anos)
A exposição, assim, tornou-se
uma possibilidade de divulgar o que eles têm de mais precioso, que são
os aspectos culturais e históricos que ficaram preservados na memória e
que vêm sendo transmitidos através da tradição oral, de geração em
geração, ou como eles mesmos dizem: "vem passando de pai pra
filho".
Eu
achei um trabalho muito bem feito. Importante pra Morro Vermelho, divulga.
É a história de Morro Vermelho! Então eu acho muito importante.
(Sílvio)
Passa
informação pras pessoas. Sem dúvida nenhuma, passa muita coisa. Não
tanto como pra gente que já é daqui da comunidade, como pras pessoas lá
de fora também, que vêm e conhecem um novo tipo de cultura.
(Charles
– 16 anos)
Ah,
pra eu, aqui é histórico. Pr’os visitante principalmente, que a gente
num tem muita novidade que a gente já mora aqui, mas principalmente pro’s
visitante, que é uma coisa ótima. Traz muita força para o nosso lugar.
(Dagma
– 24 anos)
Mas para alguns moradores, mais
do que divulgar, essa exposição ficaria marcada para posteridade, para
os filhos, para a próxima geração, como um instrumento de memória que
os ajudaria a olhar mais para a própria realidade, que os faria se
admirarem de sua origem, do que são, ao mesmo tempo em que aguçaria a
própria curiosidade pela história da qual fazem parte. A exposição
tornava-se um acontecimento que iria ficar marcado na memória, na
história de Morro Vermelho, tendo um valor documental, oficial.
Aquelas
dá saudade e essas também vai dá também, uai. (Ri) Daqui uns anos, ah,
num é mesmo? Vai ou num vai? Dá, uai. A missa cantada em latim também,
as novenas cantada e tudo, a procissão do Nosso Senhor dos Passos; igual
‘cês tá vendo ali na porta, é uma recordação, daqui uns anos, pra
esses novatos que envém. Esses novatos que envém, aí já tem essas.
Nós já era e os novatos envém, num é mesmo?
(Laura
– 73 anos)
Eu
que trabalho aqui, principalmente na festa de oito de setembro, vai ficar
carimbado os acontecido aqui no Morro. Aí vai ficar oficial mesmo,
carimbado. Porque é documento mesmo que vai tá. Mais ninguém vai poder
falar mais o que teve, o quê que houve, foi aqui, foi ali. Carimbar ela,
acabou, é oficial. Quando eu morrer eles vão lembrar disso aqui.
(Nildo)
Muito
interessante. É porque vai ficar marcado prá nós. Vai ficar marcado. E
vai ficar conhecido também. Vem muita gente de fora que vai saber o quê
que é. Depois que o Miguel veio prá cá, aí a gente ficou mais assim:
"Nó, Morro Vermelho!"
(Cláudio
– 22 anos)
Um outro aspecto citado sobre a
importância da exposição foi a possibilidade de conhecer mais os
ambientes aos quais não se tinha acesso, de apreender e acompanhar mais
de perto a qualidade da relação estabelecida nesses locais.
Aqui,
aqui na escolinha. Essas. Tem várias fotos que chama atenção da gente.
As fotos assim que mostrou, bem assim, igual essas filmagens que mostrou
as crianças. Chamou assim muita atenção o jeito delas, a professora cá
no cantinho assim, ó. O carinho que elas tem com ela lá, com as
crianças. É, o carinho que elas tem com a criança, atenção. Ajudou
muito as crianças. É mesmo pra gente poder ver um pouco mais de perto.
É porque a gente sabe que eles tão na sala de aula, eles tão lá,
aprendendo, mas a gente num sabe o jeito que elas ficam com as crianças.
A gente sabe que elas tão ensinando. Mas aí tá mostrando o jeito que
elas tão, o carinho que elas tão com elas, as outras fotos também; eu
achei isso muito, chamou muita atenção.
(Marinês
– 33 anos)
No impacto com a foto em si, uma
experiência que emerge também é a do estranhamento. Notem como Sudário
elabora uma crítica a como ele mesmo é apresentado:
(entrevistador)
O senhor achou que o retrato saiu bem pior?
(Sudário)
Muito pior. Marmota daquela ali, ó. Ainda aqui tem outra: o meu tipo de
jeito é outro. Agora, tem aquele negócio... aquele ali também é
bacana. (...)
(entrevistador)
O senhor tem foto boa lá?
(Sudário)
Tenho. Depois te mostro. Mostro que tem uma que eu tô montado no cavalo.
Eu, num cavalo, dia sete. Eu vou trazer do mesmo jeito. Eu achei mais feia
que a minha. (...)
(entrevistador)
Parece que o senhor ficou meio revoltado com isso, não ficou?
(Sudário)
Não, não, não. Tem retrato que sai feio mesmo. Vou tirar ele dali. Ah,
retrato meu! Você não viu um retrato meu.
Ao apreciar a exposição, os
moradores de Morro Vermelho começaram a se identificar enquanto
participantes de uma história local, inseriam-se em um processo cultural
e social do qual são protagonistas, reconhecendo uma origem comum e
preocupações futuras; de maneira que se evidenciam inquietações sobre
a forma como estava sendo representada, esteticamente, a comunidade, como
aquele acontecimento se ligava à dinâmica das tradições e como poderia
retratar as características locais, como esse momento se tornava
provocativo para os moradores e os visitantes da cidade se darem conta da
importância de Morro Vermelho e, sobretudo, como a exposição se tornava
instrumento de conhecimento, crítica e aproximação da realidade do
povoado.
b) Elaboração da Experiência
com Referência Coletiva:
Curioso notar que, às vezes,
através de uma simples pergunta desenrolava-se uma longa conversa:
contavam histórias, davam exemplos, admiravam-se, emocionavam-se ao
observarem as fotos; ora porque reconheciam alguém na foto, ora porque um
detalhe na foto lembrava uma situação comovente, ora porque simplesmente
se reconheciam dentro de um contexto, como a festa. Bastava um pequeno
detalhe para que emergisse uma emoção profunda, uma história que estava
guardada como marcante, uma entrega e pronto: era como se o acontecimento
estivesse ocorrendo naquele instante.
Quando os moradores comentavam
algo que realmente os interessava, ressaltavam elementos presentes nas
fotos e um processo de rememoração de uma cena acontecida era
desencadeado. Para isso utilizavam exemplos, atualizando aquela lembrança
de alguma maneira, tornando-a presente dentro da realidade que a
suscitava; possibilitando o seu reconhecimento e a sua reconstrução.
Notem como um grupo de crianças entrevistadas comenta e revive um
acidente acontecido em ocasião da festa de setembro (incêndio do andor
de Nossa Senhora de Nazareth) no momento em que estão vendo as fotos
referentes à cavalhada mirim e à estátua da padroeira da cidade:
Tem
um embaixador, aqui que tá aquele cachorro que eu falei.
(...)
Aqui
a bengala (2) caiu na turma.
(...)
A
gente na hora, queimando a roupa da gente.
Foi
nessa daqui que pegou, ó, fogo, ó.
Foi
nesta.
(...)
Eu
tava perto d’Ela.
(...)
Tava
perto d’Ela na hora, num foi Silvânia? Eu estava passando no caminho
assim, ó, igual tá aqui; aí eles, soltou o negócio da bengala (Tosse),
aí foi e bateu...
(...)
A
cabecinha do anjo tá toda queimada. (...)
Aí
bateu fogo nesses anjo aqui, aí o negócio que tava enfeitado de isopor
pra não dá muito peso. Pegou fogo e saiu pegando fogo. Aí os menino
tirou a blusa e tava balançando assim pro fogo acabar...
(...)
Silvinho
tirou o paletó e começou a apagar e começou a queimar o paletó
também. Todo mundo foi passando a mão na cabeça pensando como que ia
fazer. Aí Pirreca tirou Ela do andor até quando apagasse o fogo. Aí
quando apagou o fogo puseram Ela de novo, aí começou a tocar. Aí eles
já falaram que era a última vez que ia andar com negócio assim que
causa acidente no andor d’Ela. (...)
Na
hora eu fiquei até tremendo.
A lembrança do incêndio no
andor de Nossa Senhora de Nazareth ocorreu a partir de alguns detalhes
presentes nas fotos observadas pelas crianças. As fotos tornaram-se uma
provocação à memória: a "bengala" na foto, que enfeita a
procissão de Nossa Senhora de Nazareth, provoca a lembrança da cena do
incêndio. A presença de "fogos de artifício" imediatamente é
associada ao fogo do incêndio. A cena é reconstruída porque alguns
elementos são reconhecidos e podem ser relatados segundo a experiência
de terem vivido o momento do incêndio dentro de um contexto de tempo e
espaço diferenciados. As crianças comentam as fotos da exposição,
relatando a situação em que esse fato aconteceu: o momento é revivido
ali com um conjunto de interesses diferentes. Aquela lembrança estrutura
a memória das crianças ao afirmarem um significado: "Silvinho tirou
o paletó e começou a apagar e começou a queimar o paletó também. Todo
mundo foi passando a mão na cabeça pensando como que ia fazer: Aí
Pirreca tirou Ela do andor até quando apagasse o fogo. Aí quando apagou
o fogo puseram Ela de novo, aí começou a tocar. Aí eles já falaram que
era a última vez que ia andar com negócio assim que causa acidente no
andor d’Ela". No momento do incêndio, eles apreenderam uma
experiência de que algo sério havia acontecido: "todos ficaram
preocupados"; "eles tiraram os anjos, tiraram as flores
queimadas e jogaram fora, aí a procissão continuou". Assim, é como
se a situação começasse a acontecer naquele instante, como se
estivessem assistindo a cena de incêndio do andor de Nossa Senhora de
Nazareth. A cena ganha vitalidade, na qual fica explícita a relação
afetiva que as crianças têm com a padroeira; falar desse acontecimento
é falar deles: "na hora eu fiquei até tremendo"; "todo
mundo ia passando a mão na cabeça pensando como que ia fazer". Elas
relatam a situação a partir da lembrança de como as pessoas reagiram
àquele acidente, como foi algo que provocou a todos da comunidade, como
era preocupante que Nossa Senhora de Nazareth estivesse naquela
situação.
Esse mesmo processo acontece em
outro relato desse grupo de crianças ao comentarem a "queima do
Judas" na Semana Santa, dando continuidade às conexões de sentido a
partir dos jogos de artifício:
A
carreira de bengalinha que caiu daqui, ó, da redor, da bengala ao redor.
Ah, gostei foi mais disso.
(...)
A
bengala que tava ao redor.
(...)
Quando
eles ia estourar o Judas, eles punham o fio e ligava até o boneco.
(...)
Até
que ficava cheio de bombas, aí quando chegava... O Judas.
(...)
É.
Aí quando chegava a hora...
(...)
Na
hora eles botavam o fogo e dava aquele estouro - Bum!
(...)
Aí
eles punha fogo assim e vinha sapecando até no Judas. Aí chegava e num
parava.
Nessa narração, a carreira de
bengalinhas e fogos estourando são os elementos da foto que os ajudam a
reviver uma outra situação: a queima do Judas. Ao lembrarem de outro
momento, realizam uma conexão pela memória: "carreira de bengalinha
– quando ia estourar o Judas, eles punham o fio e ligava até o
boneco". E a cena novamente é contada como se aquele acontecimento
estivesse se desenrolando naquele instante.
Ao se remeterem a momentos da
vida comunitária, crianças e adultos realizavam uma elaboração segundo
o lugar que ocupam no mundo. É enquanto crianças que elas vão descrever
a própria experiência de comunidade: "o cachorro aqui andando no
meio"; "Eu gostei de ver muito povo aqui", "gostei foi
a dos cavalinho" (referindo-se à cavalhada mirim). O
"cachorro", "o cavalo", "cavalinho",
"muita gente" são elementos levantados por elas que nos dão
acesso ao modo próprio das crianças perceberem e viverem a festa de
Nossa Senhora de Nazareth. Assim, elas comentam:
Bonita,
tem muita gente na festa, muita gente montando cavalo, tem cavalinho, tem
os meninos com as bengala andando no cavalinho, até que tem também um
cachorrinho andando no meio dos cavalinho, tem até a missa que gravou no
quadro, tirou retrato. Tem muito cavalo de verdade ali na foto, tem as
banda ensinando a tocar.
Os adultos também descrevem a
festa segundo uma maneira peculiar de vivenciar essa ocasião; valorizando
e evidenciando em seus relatos alguns aspectos como a relação que a
comunidade tem com as imagens e a experiência de fé nos santos, os
intensos momentos de convivência em comunidade, como as procissões e
brincadeiras que não ocorrem mais.
É
essa aqui, ó, beijando o Nosso Senhor dos Passos. Então chamou assim
muita atenção. Igual tem as lá do corredor também, as que olhavam, tá
vendo? da janela? Aqui, aqui. Essa daqui: uns vieram, num acompanha a
procissão, mas sempre fica na janela quando tem uma procissão; elas são
assim, pessoas já de idade, elas num consegue acompanhar. Então elas
ficam assim na janela. Essa aqui também foi na casa dos outros, igual
esse senhor aí. E ficam outros também.
(Marinês
– 33 anos)
Por
exemplo, tudo assim tava muito natural. Igual, por exemplo, tem lá que...
eu vi, por exemplo: a fé que o povo tem com os santos, sabe? Igual tinha
lá, assim, tinha até uma moça com a cabeça baixa que... Num foi coisa
forçada, tava fazendo com fé mesmo! Acho que é isso. Tem um mundo de
gente de fora também ali. É a dedicação que eles têm com a festa. É
interessante.
(Matildes
– 27 anos)
É
essa diferença: tinha presente, pau-de-sebo, quer dizer, eu nunca subi
não, mas tinha o pessoal que subia, punha dinheiro, o pessoal ficava
vendo, o pessoal ia lá pra pegar dinheiro. Tinha isso. Tinha muita
brincadeira. Hoje em dia acabou. Eles num fazem isso mais. Quer dizer,
algumas coisas eles vão eliminando.
(Irineu
– 59 anos)
Para ambos, crianças e adultos,
a descrição recebe a marca da memória pessoal e também da tradição
local, e identificam que a experiência retratada na foto pertence a uma
maneira de conviver que é peculiar a Morro Vermelho.
Através do recurso fotográfico,
os moradores descrevem e identificam situações e personagens que estão
inseridos no contexto da vida comunitária, de maneira que, ao se
lembrarem de alguns conteúdos significativos, a ênfase é dada à
lembrança suscitada e não, apenas, aos aspectos visíveis pela
fotografia; como para Irineu que provocado pela exposição, começa a
relatar experiências que não mais estão presentes em Morro Vermelho.
Esse é o trabalho próprio da memória que insere e diferencia a
descrição em um dado momento e em um dado local.
A diferenciação da lembrança
acerca de um evento significativo ocorre pela sua localização em um
quadro de referências espaço-temporal; como verificamos no relato de
crianças que se surpreendem retratadas no ambiente da escola:
Ó
eu aqui na escola.
Na
terceira serie que nós tava estudando.
Aqui
eu.
Lá
na terceira série.
Foi
aqui que tirou nosso retrato, ó eu aqui.
(...)
Eu
tava aqui, ó. Aqui eu tava na escola sentada na cadeira. Aí Kika tirou
meu retrato: ó eu aqui ó. Aqui é Rômulo sobrinho de Delino. Aqui nós
tava sentado na cadeira e Kika tirou nosso retrato.
(...)
Eu
gostei assim porque tá envolvendo assim com nós.
É
que tá muito junta.
Ao lembrar do momento em que eram
fotografadas, essas crianças fazem um recorte da própria experiência,
para ilustrar melhor o que estava acontecendo ali. Localizam a
experiência em uma época - "na terceira série que nós tava
estudando" -, de forma que possam examinar melhor a lembrança
evocada. O espaço-escola torna-se referência estruturadora da
lembrança. Através do contexto escola identificado na foto, essas
crianças relembram o acontecimento - "aí Kika tirou meu
retrato". São trechos que fazem referência a vivência coletiva,
uma vez que retomam o local, o amigo, a forma como estavam sentados, para
falar da situação - "tirou meu retrato". Elas retomam o quadro
de referência do acontecimento - "eu tava na escola sentada na
cadeira", "aqui é Rômulo, sobrinho de Delino" -, para
falarem da vivência que as tocou - "tirou o meu retrato". O
componente afetivo, ou seja, estarem ligados afetivamente àquele grupo de
referência ao qual pertencem – de amigos da escola, daquele grupo com o
qual compartilham uma visão de mundo – deu consistência e vitalidade
às lembranças.
Organizando melhor esse recorte,
situando e examinando a experiência de pertencer dentro de um quadro
social, o trabalho de memória possibilita a evocação e a permanência
da lembrança dentro de um quadro atual. Observem como Flávia ao afirmar
um significado fundamentado no relacionamento com um grupo de crianças
("Tá juntinha") ao ver a sua foto na escola, mantém viva e
presente a memória do espaço-escola e do tempo-terceira série. Flávia,
ainda, possibilita-nos identificar o seu critério de seleção desse
conteúdo rememorado no presente: "tá juntinha".
Tá
juntinha. Aí a gente pode lembrar quando a gente vim cá, a gente pode
lembrar que aonde a gente tava estudando era na terceira série.
(Flávia)
Para algumas pessoas, fazer um
comentário baseado no impacto ao ver determinada foto, tornava presente a
lembrança com significado original; possibilitando uma nova experiência:
atualização da lembrança e re-elaboração do significado atribuído.
Leiamos as narrações que se seguem para, em seguida, compreendermos
esses processos:
Os
fogos de artifício.
(...)
A
Santa saindo assim de uma escuridão pra acender, pra olhar pra todo
mundo, entendeu?
(entrevista
com um grupo de crianças)
É.
Dá a mesma impressão. Aquele ali já tá saindo mais das fumaças. Esse
aqui já tá saindo mais do escuro assim, aí vai chegando, vai
iluminando.
(entrevista
com um grupo de crianças)
Então
assim você observa foto por foto, o carinho, o amor, mas nós pedintes
que somos. A gente tá sempre pedindo. Uai, olha o semblante! Eu coloco
essas flores em agradecimento e ao mesmo tempo de pedintes: "Me dê
forças". Olha aí, muitos netos. Os filhos, a família que é muito
grande. "Me ajuda a arredar as pedras do caminho, Jesus? Por favor.
Trata aqui com dignidade, com respeito, até o topo". Bom, eu penso
assim.
(Maria
Lúcia)
Nesses casos, os moradores
comentam a simbologia da foto. Já é uma interpretação. Não estão
apenas lembrando da experiência e tornando-a presente: na procissão não
se percebe que Nossa Senhora "está saindo da escuridão pra
acender". Eles fazem uma experiência ao estar diante daquela
representação específica na foto, o conteúdo forte ao qual estão
ligados. Essa é uma percepção que ocorre ao se depararem com a
simbologia própria da foto: eles fazem uma experiência que não é dada
pela estátua, mas pela forma com que ela foi registrada.
Voltar-se para os aspectos que
expressam a vida em comunidade de Morro Vermelho, retratados na
exposição, deu aos moradores a possibilidade de uma perspectiva
histórica viva, de uma visão de povo.
Tão
mostrando tudo que a comunidade tem para mostrar, que é que o povo vive
aqui mais é de cultura; que é uma das únicas coisas que o povo do Morro
ainda preserva, que é importante, que ‘cê num vê em todo lugar porque
agora ultimamente tá acabando. Então Morro Vermelho ainda consegue com
força algumas coisas que traz lucro para a comunidade; por exemplo, a
festa de setembro traz muita gente de fora. Então as nossas fotografias
tão mostrando o que o povo tem pra mostrar: o que a gente vive aqui,
porque o ano pra gente roda em festa. A gente espera sempre, não pelo
final do ano, mas sim pela festa do dia 08 de setembro, que é que o povo
aqui geralmente roda em torno disso. Então o que a gente tem para mostrar
aqui é o que a gente tem de mais ou menos tradição e as coisas que a
gente conseguiu adquirir nesse tempo todo de vida que a gente ganhou
passando de pessoa pra pessoa. E aí eles fala que a gente ainda tenta
cultivar muita coisa. É mais ou menos isso.
(Charles
– 16 anos)
Eles se vêem fazendo parte de um
longo processo histórico: Morro Vermelho é fruto de uma tradição viva,
que eles conseguiram adquirir, "passando de pessoa pra pessoa",
no curso de uma longa história.
b) Elaboração da Experiência
com Referência Pessoal:
Alguns moradores manifestavam uma
certa curiosidade de entender o que a pessoa estava vivendo no instante em
que foi fotografada. Em outros momentos, identificavam na foto vivências
pessoais marcantes e significativas que se relacionavam à própria vida;
e aquela situação era revivida naquele instante.
Dessa dinâmica emergiam
descrições e interpretações extremamente afetivas e significativas,
como a de Antônio que ao se deparar com uma foto de seu amigo Sudário
atrás de um cavalo, faz uma brincadeira:
(Antônio)
Ele tinha um cavalo que ele falava que o retrato era dele e que eu ia
vender a foto do cavalo dele e ia ficar rico com o dinheiro da foto do
cavalo dele. Então com esses retratos ele veio falar que ocê quem vai
vender a foto dele e vai ganhar dinheiro. Ele vai ficar bravo. (...) Eu
vou falar que ocê tá ganhando dinheiro à custa dele agora.
Ele não retoma apenas a cena
estruturada pela memória e suscitada por elementos como
"cavalo", "retrato do cavalo", mas torna presente a
ligação que ele tem com o Sudário quando relembra uma situação
semelhante: "ele falava que o retrato era dele e que eu ia vender a
foto do cavalo dele e ia ficar rico com o dinheiro da foto do cavalo
dele"; e traz essa cena para o momento presente dizendo: "Eu vou
falar que ´ocê tá ganhando dinheiro a custa dele agora". Lembrar
daquele fato significativo, não é algo estático, mas algo com o qual
ele se relaciona com afetividade, com vivacidade no momento presente,
fazendo uma brincadeira.
Ou como a descrição de Nadil
que, ao olhar para a foto de Benvinda, se emocionou com a sua
concentração olhando para a vela e imediatamente aquele detalhe a
remeteu a uma experiência semelhante, que era a sua primeira comunhão:
Falando
sério, gostei daquela de Benvinda ali, viu Miguel? É muito bonita aquela
toda. Parece que ela tá tão concentrada. Ah, num tem como explicar não.
Parece que ela tá tão concentrada no jeito que ela tá olhando assim pra
vela. Igual assim: aquela vela fez eu lembrar muito a minha primeira
comunhão. Deve ser porque é a primeira vez que eu tomei a eucaristia.
Aí dá pra gente lembrar muito.
(Nadil)
Observem como no relato de Laura,
enquanto examina a foto referente à Procissão de Nosso Senhor dos
Passos, imediatamente faz menção à sua participação nos diversos
momentos daquela celebração através do gesto de cantar junto com outras
pessoas, trazendo para a sua narração uma descrição de como em geral
acontece:
É
por que nós fazemos parte no dia da Procissão dos Passos, sai do
Rosário. Então nós fizemos uma parte. É as cantoras com os músico
tocando; aí, deve ser na hora depois que nós tava cantando que Senhor
dos Passos chegou no Rosário e a gente faz adoração lá. E no dia da
Procissão do Encontro, nós cantamos também, na hora que Ele vai sair do
Rosário. Nós cantamos em latim lá também: o moteto todo, de passo em
passo vem cantando, sabe?
(Laura
– 73 anos)
As lembranças guardadas na
memória - de terem cantado juntos em latim, de que fizeram adoração,
dos passos da procissão -, ajudam Laura a se voltar para aquela foto com
interesse; acentuam os vários momentos e a modalidade com a qual faz
parte ativa.
O outro presente na foto, o
amigo, os parentes, certas crianças, os festeiros, provocava o
reconhecimento de si próprio, acrescido da surpresa de algo novo que
emergia sobre si:
Ah,
a foto de Nosso Senhor dos Passos ficou muito bonita! Ficou linda! Num sei
se é porque eu sou festeiro direto, entendeu? Num sei se é porque eu
também tenho muita fé! Ficou uma maravilha, num ficou?
(José
Evangelista – 45 anos)
Eu
gostei das crianças, porque afinal de contas é minha escola, né Miguel?
Ah, porque são os alunos da gente. É diferente, né Miguel? Que eles...
é seu trabalho, sua vida ali na escola, então eu adorei. Então, olha pr’ocê
ver, como que são alegres; eles adoram tirar retrato. São alegres,
felizes. Retrata o que a gente vive lá com eles. É muito bonito.
(Maria
do Carmo)
No relato de Maria do Carmo,
lembrar da escola é lembrar da convivência com os alunos. A presença
dos alunos nas fotos faz com que ela resgate o relacionamento que tem no
seu dia-a-dia com eles. Ela identifica na foto a experiência pessoal com
eles, marcada por um conteúdo afetivo - "são alegres, felizes"
-, pela surpresa - "olha pr’ocê ver, como que são alegres"
-, mas o ponto de referência continua sendo a convivência - "é seu
trabalho, sua vida ali na escola", "retrata o que a gente vive
lá com eles". A cena resgatada pelo trabalho de memória toma
consistência pelo fato de o sentimento ser uma provocação para lembrar
da importância do trabalho, da própria presença na escola, da vida das
crianças e da convivência dela com os alunos.
A surpresa de reconhecer a si
mesmo ou um outro nas fotos, possibilitava que os moradores resgatassem a
ligação viva com o momento retratado:
Olha
pr’ocê ver, tá todo mundo tão à vontade, olha. Todo mundo de olho
fechado (Ri). Eu não. (Ri)
Kika
me pegou de surpresa com essa! Eu num esperava; tanto é que eu botei o
dedo porque ela fez de conta que ia tirar. Olha pr’ocê ver... Ah, não!
É que eu num esperava de ter mesmo. Eu num esperava...
(Matildes
– 27 anos)
(Zé
Pirreca) Tem umas engraçadas. Aquela de Zé Costa ali no coisa. Essa
aqui. Essa, que coisa. Kika achou que ele tava rezando, mas ele tava
dormindo. (Ri)
(Cláudio)
Acho qu’ela tava fotografando a menina. Acho que ela fotografou mais a
menina, aí pegou ele.
(Zé
Pirreca) Mas será que foi a menina que ela...?
(Cláudio)
Essa aí, pra mim, ele tava dormindo (Ri), eu já falei com ele que ele
tava dormindo (Ri).
Na tentativa de intuir o que
estava acontecendo, Zé Pirreca e Cláudio, que olhavam para a foto
identificando Zé Costa de cabeça abaixada, começavam a interpretar o
que estava acontecendo ali: a situação tornou-se engraçada, uma
brincadeira, porque tinham presente o relacionamento entre eles e Zé
Costa, que foi suscitado ao vê-lo na foto.
Em alguns depoimentos, fica
evidente que a pessoa não apenas se emocionava ao identificar um
personagem significativo para si ou para a comunidade nas fotos, mas era
como se estivesse diante dele naquele instante:
Me
emocionou demais a de Tia Lica. A humildade e o carinho, respeito. O
senhor vê que ela tá com tanta fé. Presta atenção no semblante dela:
o semblante dela tá falando por mim, dispensa comentários, dispensa. A
pessoa que tem sensibilidade, ela percebe, certo? É como essa aqui, ó,
outra também que me chamou atenção! Ela tá pedindo, ela tá
agradecendo, olha bem o semblante dessa pessoa. Que exemplo de fé, que
exemplo de fé. É muito difícil você encontrar. Eu observo isso aqui em
Morro Vermelho.
(Maria
Lúcia – 63 anos)
Essa
assim do Biló, essa aqui ficou muito boa. Ele tá sempre mexendo, tá
sempre lembrando dessas coisas que ele mexe aí. Esse carinho que ele
coisa, a dedicação que ele tem. Essas coisas. Cada um tinha que levar
essa coroa aí, a gente acredita que Ele... por exemplo: eu num tenho dor
de cabeça, eu nunca senti dor de cabeça assim de por saúde, coisa de
saúde não; minha dor de cabeça é de ressaca. Eu acredito que é por
causa dessa coroa e a cabeleira que eu ponho na cabeça na hora dessa
coisa.
(Zé
Pirreca)
Eu
acho interessante que é como se Biló tivesse coroando Jesus mesmo.
Interessante. Ele olhando pra Ele, igual o Zé Pirreca falou, o carinho
que ele tem com a imagem. Pra ele a imagem é como se fosse de verdade
mesmo.
(Cláudio)
(Isabel
– 63 anos) É com carinho, é com uma fé, uma confiança! Olha o
semblante dele: tá como se tivesse cuidando de um amigo, um pai.
(Eduardo)
Isso é hereditário, o pai dele que fazia isso.
Ele
sabe. Então assim, eu já tentei me entrosar em Belo Horizonte, nas
igrejas, já enfeitei andores, mas não adianta, nem os próprios padres,
eu acho que eles sente inseguros diante da comunidade, eles num fazem, num
tem aquela troca de energias. Não sei, não consigo. É aqui que eu me
sinto assim.
(Isabel
– 63 anos)
Aqui,
eu acho que pra mim mostrou, num sei se ela é a pessoa mais velha do
Morro hoje, é a mais velha? É. Olha pr’ocê ver, eu achei engraçado
assim: a fé dela, olha. Eu senti fé nisso aqui, olha: os meninos tão
pequenininhos, a diferença de idades e quando que isso aqui me pareceu
uma coisa antiga. Pelo fato dela tá aqui, olha. É uma coisa que hoje,
por exemplo, os meninos carregam, entendeu? Uma coisa de muito tempo, olha
pr’ocê ver. (Silêncio) Mas olha com’é que tia Lica tá tão cheia
de... Eu num sei se é porque essa mulher é educada demais, é muito
fina... Todo mundo gosta demais dela, olha pr’ocê ver. É maravilhosa! (Matildes
– 27 anos)
Em alguns momentos, os leitores
das fotos não apenas reconheciam um personagem significativo, como
também começavam a interpretar a vivência daquela pessoa retratada e,
sobretudo, se identificavam com aquela experiência, trazendo para o seu
relato uma experiência própria e semelhante. Faziam a experiência de
começar a ver como o personagem estaria vendo.
Mexeu
demais comigo. Ela tá oferecendo a Cristo. ‘Cê veio trazendo umas
flores e oferecendo Ele. Talvez assim, mulher sofrida que é a minha
cunhada. Eu sei, eu posso falar das dores, das aflições. E tá pondo na
mão de Cristo, nos pés de Cristo pra que Ele também dê ela força; no
meu modo de entender é que a maioria tá pedindo forças. Ah, eu choro,
eu converso, eu recebo tanto, gente, que ‘cês não podem nem imaginar!
Não tem jeito! Então eu interpreto assim, da maneira que eu sinto as
pessoas também, porque eu conheço assim o caminhar de cada um. É, fui
nascida e criada aqui. Minha mãe com muita luta, mas muito respeito, ela
falava assim: vai ali no Afrânio, Afrânio é tio dela, compra um
pedacinho de fita pra nós colocarmos - num é com essas palavras - pra
gente colocar em São Tomás, pra que Ele ajude que chegue alguma coisa
pra gente comer [chora]. Eu tô te falando de fé, porque eu tenho
testemunho vivo. Aí a gente ia lá no tio dela, que é a venda ali onde
é Zezito, comprava um pedacinho de fita, às vezes fiado, porque num
tinha dinheiro pra comprar aquele pedacinho de fita. Ela amarrava e fazia
o pedido. Daí a pouco um dos entiados chegava com uma cuia – conhece? O
que que é cuia? - com umas batatas ou com o pedaço de toucinho, ou um
pedaço de carne, pra saciar nossa necessidade, porque ela ficou viúva
com um monte de filhos, só um de maior. Mas ‘cê calcula, sem INSS?
Hoje com o salário que são cobrados, mas nós não tínhamos onde bater,
nem como bater. E num pedia também não. Então chegava um entiado:
"Comadre Amélia [olha o respeito: "comadre Amélia!"],
aqui, eu trouxe pra senhora; matei um porquinho, aqui, vim trazer pra
senhora". Então como que a fé remove montanha! Eu tenho exemplos
muitos sérios. Dá pra conversarmos num sei quantos dias sobre a fé.
(Ri) Por isso que nosso Morro Vermelho é gostoso assim. Ah, de tanta
coisa que a gente passou, a gente tem tanto amor. A fé. Senhora de
Nazareth dá pra gente tanto durante o ano. Mas é demais! É gostoso
demais! Ajudou a criar os filhos, tá a turminha toda aí, ó. Isso que é
bom demais! (Ri).
(Maria
Lúcia – 63 anos)
Maria Lúcia apreende que a
experiência daquela pessoa na foto é de entrega a Cristo, porque ela tem
um testemunho vivo na sua vida do que é entregar um pedido e esperar pela
resposta que sempre vinha. Na história que ela narra, cheia de
sofrimentos e dificuldades, ver sua mãe enfrentar essa situação com
fé, lhe possibilitava ter esperanças diante das circunstâncias de
infortúnios, pois tinha o "testemunho vivo": "Então como
que a fé remove montanha! Eu tenho exemplos muitos sérios". Ela
ainda compreende que essa é uma experiência de todos e para todos,
porque tem uma referência do que seja fé que não é só individual, mas
coletiva; e, então, Maria Lúcia pode comparar e identificar essa postura
em outras pessoas e também como sendo própria de Morro Vermelho.
Notem, também, como Cláudio, ao
observar as fotos em que Biló está colocando a coroa em Jesus e a que
há um detalhe de uma mão humana segurando na mão de Nosso Senhor dos
Passos, fica provocado pela maneira como se toca na estátua, ou como
Biló olha para o rosto do Crucificado, apreendendo da seguinte forma:
"como se Cristo estivesse ali".
Também
achei a foto bonita, uma maneira que a pessoa tá tocando ali na mão de
Jesus Cristo. Tá dando pra ver que tá tocando mesmo, com fé. Como
aquela outra foto, como se tivesse ali mesmo, como se tivesse pegando a
mão de Jesus Cristo, por isso que eu achei interessante. Essa aqui
também: a maneira que a pessoa toca, você percebe, como se ele tivesse
tocando, como se Jesus tivesse ali. Através do rosto da pessoa a gente
vê.
(Cláudio)
Cláudio ao relatar sobre uma
intuição acerca de uma experiência que Biló estaria realizando ou
sobre uma certa maneira de tocar em uma estátua sagrada, confere uma
vitalidade àquelas fotografias, torna presente não apenas uma
descrição fotográfica, mas um testemunho da fé dessas pessoas, de uma
certa forma de relacionamento, vivo, com as imagens: "Essa aqui
também: a maneira que a pessoa toca, você percebe, como se ele tivesse
tocando, como se Jesus tivesse ali".
Deixar-se impactar pelo conteúdo
da foto, perguntar-se pelo que interessava foi o que Matildes relatou ao
se deparar com a foto das mãos:
Aquela
lá daquela mão, eu achei linda. Eu queria até descobrir quem que é o
dono daquela mão que tá segurando a mão do Nosso Senhor dos Passos. Eu
achei assim que ela tava pedindo tanta proteção. Me deu essa impressão.
Quem
que é o dono daquela mão, Miguel? Por que só tirou da mão mesmo ou foi
cortada a mão?
Eu
achei maravilhoso. Eu fiquei pensando, eu falei: gente, de quem que é
aquela mão? Porque eu achei bonito, eu acho que foi a fotografia que mais
mexeu comigo, foi aquela (Ri). Entendeu? Eu achei ela assim significativa.
É, eu achei. Achei que aquilo ali foi assim: um ato tão bonito. Eu achei
que era um pedido de proteção mesmo.
(Matildes
– 27 anos)
A experiência de entrega, de
pedir, faz com que ela se sinta curiosa para saber de quem é aquele
gesto. É uma atitude não só de reconhecimento, como de conhecimento de
si mesmo e do outro:
Gostei
muito desse. (Silêncio) Olha pr’ocê ver, Miguel: tá uma pessoa,
assim, dá pra entender, pedindo uma proteção, olha. Curiosidade é
saber o nome da mão. (Ri) Num é querendo saber, num é querer saber quem
que é. Eu num sei, toda vez que eu faço isso aqui, olha, eu tô sempre
colocando alguma coisa da minha vida nas mãos d’Ele. Eu. Então por
isso que eu também senti isso, entendeu Miguel? Olha pr’ocê ver, toda
vez que eu faço isso eu coloco alguma coisa da minha vida nas mãos d’Ele.
Por isso que eu sempre tenho o costume de fazer isso. Por isso qu’eu
acho que eu achei interessante.
(Matildes,
27 anos)
Lembrar de um acontecimento
marcante, ao apreender nas fotos uma experiência pessoal possibilitava
aos moradores fazerem uma experiência de identificação com a vivência
retratada e interpretação que leva a ressaltar aspectos da foto de
maneira criativa e original.
(Isabel,
63 anos) Puxa vida! Olha aí, tá pedindo também, pra Ele ajudar:
"me ajuda a carregar a minha cruz, tá muito pesada, me dê a
mão". Olh’ali, olha aqui: é um madeiro. Ele num tá debruçado
não é na cruz, mas ali ele tá conversando, ele tá significando. Aí
bom, eu tô interpretando assim: "me ajude que eu chegue com a minha
também". Num é Eduardo?
(Eduardo)
Exatamente.
(Isabel)
Impressionante! Tá uma expressão, uma coisa assim de luzes ou você não
vê assim? Olha, tá um reflexo. Eu num sei falar bonito, mas aí tem uma
energia muito boa, muito pura. Aqui tem uma madeira Eduardo. Ele tá
debruçado e tá pedindo: "me ajuda". Uma madeira que tá aí.
Me parece que esse senhor é o pai da Leila?
(Eduardo)
Não. Tá parecendo Zé Morais, né não?
(Isabel)
Não, não é Zé Morais não, pai da Leila. É ele sim. Olha a energia
dele como tá boa aqui, ó. Uma energia. Eu acho. Acho que tem uma
vibração muito, apesar de ser uma pessoa muito humilde, mas assim,
espiritualmente parece que tá descendo uma chama de luzes. Num sei se
são flores que tem aí. É gipso. Não, mas tá mesmo, no meio dessas
flores, aí tem algo de bom. Ele tá com a sinceridade muito grande. Aqui
em Morro Vermelho tem muita coisa aqui: são fotos pra olhar assim o
lugar. Eu vejo assim, né?
(...)
Tá
pedindo também, pra Ele ajudar: "me ajuda a carregar a minha cruz,
tá muito pesada, me dê a mão". Olh’ali, olha aqui: é um
madeiro, ele num tá debruçado não é na cruz? Mas ali ele tá
conversando, ele tá significando.
Ela utiliza o recurso da
imaginação, fundamentando-se na memória: "Tá uma expressão, uma
coisa assim de luzes". Ela sabe que aquelas luzes são flores, mas
refaz a experiência de sagrado associando o madeiro à cruz e os gipsos a
luzes, o que torna a imagem viva, dinâmica e significativa para o
presente.
Imagem Fotográfica, Memória e
Pertencimento
A exposição de fotos tornou-se
um acontecimento em Morro Vermelho, que ficará guardado, "carimbado,
oficial". Ao avaliarem a exposição de fotos, os sujeitos
expressam-se com admiração em relação à beleza das imagens
representando situações recorrentes no povoado. Nas elaborações de
experiência como apreciação, identificamos dois aspectos fundamentais:
a valorização por ali estar retratada a verdadeira história da
comunidade e o fato de a exposição tornar-se instrumento de conhecimento
das tradições locais para os que estão por vir e para os que ainda não
têm contato com eles. Reconheceram que a exposição como um evento que
entra na dinâmica da tradição, na dinâmica de transmissão de seu modo
de ser para as próximas gerações.
Alguns detalhes significativos
nas fotos desencadearam o trabalho da memória, e a descrição que se
seguia trouxe uma cena passada ao presente. Através dessas elaborações
ficou evidente como a memória proporciona uma continuidade entre as três
instâncias temporais – passado, presente e futuro. Os sujeitos têm uma
experiência unitária que lhes permite se localizarem historicamente,
evidenciar a subjetividade e configurar uma identidade coletiva, ligados
afetivamente a um grupo de referência. Dessa maneira, pudemos concluir
que a tradição, para esses sujeitos, não é vivida como um conteúdo
estático e formulado, que indica ou prescreve um determinado modo de
falar, raciocinar e agir segundo uma lei de costumes, mas, ao contrário,
é dentro de um relacionamento com os antepassados (presentes ou ausentes)
que eles começam a aprender uma forma particular de viver a devoção à
padroeira, de receber as responsabilidades na festa, de organizar esse
momento. Para os moradores, aderir à essa tradição significa dar
continuidade a uma história da qual são protagonistas ativos. Assim, a
continuidade da festa torna-se a continuidade da história de um povo; e
essa é a contribuição que essas pessoas têm para oferecer às
gerações seguintes e àqueles que ainda não conhecem a maneira peculiar
de produzir cultura mantida por Morro Vermelho.
Enquanto observaram as fotos,
lembraram, fizeram memória, conheceram mais de Morro Vermelho, dos
ambientes e das festas tradicionais. E não cansavam de se maravilhar, de
se surpreender, muitas vezes, com determinadas posturas dos moradores
(fosse nas festas ou nas casas) reconhecidas como típicas de Morro
Vermelho. Afirmá-las como significava é afirmar a própria identidade.
Ficou explícito nos depoimentos a relação entre o processo da memória
e o vínculo afetivo estabelecido com o grupo de pertença: estar diante
de um acontecimento em Morro Vermelho era estar diante de alguém
significativo com o qual se compartilhava uma determinada experiência,
uma certa visão de mundo. Dessa maneira, foi possível identificar uma
certa experiência do outro com a própria experiência já vivenciada em
diversos momentos, reconhecendo-a como própria de Morro Vermelho. Mesmo
nas lembranças mais pessoais, estava ali o orgulho de pertencer ao povo
de Morro Vermelho, a gratidão por pertencer àquele povo, por ter
recebido aquela tradição "dos antigos". Essa referência
coletiva permitia a eles falarem de si, falando de um "nós" que
inclui os contemporâneos, os antepassados e os que estão por vir, ao
afirmarem o amor por Nossa Senhora de Nazareth, os relacionamentos com os
amigos, a saudade por um tempo que já passou, a necessidade de que a
exposição fosse um instrumento para as novas gerações conhecerem um
pouco mais sobre eles. Podemos afirmar que a exposição de fotos foi
introduzida pelos moradores na tradição local, uma vez que mantém a
apresentação do que é ser de Morro Vermelho. É neste mesmo significado
e nesta mesma dinâmica que este artigo quer se inserir, para daí dar-se
a conhecer a todos.
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Notas
(1) "Cultura
Popular e Escolar em Morro Vermelho", com o apoio da Fapemig.
Participaram da pesquisa como entrevistadores: Eneida Pereira dos Santos,
Fabiana Andrade Campos, Cristina d´Ávila, Simone Ribeiro, Miguel Mahfoud
(coordenador da pesquisa). (voltar)
(2) Tipo
de fogos de artifício. (voltar)
Notas sobre os autores
Renata Amaral Araújo é
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Minas Gerais. Contato: renata_araujo@ig.com.br.
Miguel Mahfoud é doutor em Psicologia Social,
professor adjunto do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Minas Gerais, atuando na linha de pesquisa
"Memória, cultura e subjetividade". Contato: Caixa
Postal: 253 - CEP: 31270-901 – Belo Horizonte – Minas Gerais –
Brasil. E-mail: mmahfoud@fafich.ufmg.br.
- Data de
recebimento: 04/04/2002
- Data de aceite:
22/04/2002
-
- Memorandum,
Abr/2002
- Belo Horizonte: UFMG;
Ribeirão Preto: USP.
- http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos02/araujo02.htm