Massimi, M. (2003). Representações acerca dos índios brasileiros em documentos jesuítas do século XVI. Memoranum, 5, 69-85. Retirado em   /  / , do World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos05/massimi03.htm.

 

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Representações acerca dos índios brasileiros em documentos jesuítas do século XVI

 Representations about the brazilian indians in Jesuit documents of the sixteenth century

 Marina Massimi
Universidade de São Paulo

Brasil
 

Resumo

O conhecimento do índio brasileiro, adquirido pelos missionários jesuítas através da convivência quotidiana, norteada pelo objetivo da evangelização, transmitido e difundido através da correspondência epistolar foi, sucessivamente, organizado em tratados e informes. Nesses documentos o conhecimento do outro, adquirido pela experiência direta, é filtrado pelo crivo da visão antropológica da teologia católica e da filosofia da época (especialmente, da visão elaborada pelos teólogos e pelos filósofos aristotélico-tomistas da Companhia de Coimbra e em Roma). As proposições acerca do índio brasileiro, inspiradas nestes referenciais teóricos, comparadas com os resultados concretos da ação evangelizadora, não definem um modelo unívoco. Com efeito, contradições, dúvidas, revisões estão presentes na representação que o pensamento jesuíta constrói acerca do índio e do mundo social deste. No presente trabalho, serão analisados os documentos mais importantes produzidos pelos religiosos, significativos para a descrição da 'realidade' do índio brasileiro, assim como esta aparece aos olhos dos europeus.

Palavras-chave: representações dos índios; história das idéias; jesuítas.

Abstract

The knowledge about the Brazilian Indians, acquired by the Jesuit missionaries through the experience of daily conctact, guided by the goal of evangelization, transmitted through letters was, successively, organized in treaties and reports. In these documents, the knowledge of the other, acquired through direct experience, is filtered through the examination of the anthropological view of Catholic theology and philosophy of the time. The propositions regarding the Brazilian Indian, inspired in these theoretical background, compared with the concrete results of the acts of evangelization, do not define an univocal model. In fact, contradictions, doubts  and revisions are present in the representations that Jesuits construct regarding the Indian and its social world. In the present work, we will analyze the most important documents written by the religious persons, which are meaningful for the description of 'reality' of the Brazilian Indian, as it appears from the European point of view.

Keywords: representations about the indians; history of ideas; Jesuits.

 

Introdução
 

O estudo histórico das representações dos índios propostas em textos de jesuítas europeus que viveram no Brasil ao longo do século XVI permite acompanhar o dinamismo de construção do conhecimento de identidades humanas diversas, a partir das categorias conceituais disponíveis na cultura ocidental da época. (Todorov, 1989; Mazzoleni, 1992).

Nosso pressuposto é o de que o entendimento de experiências humanas diferentes da própria, elaborado a partir de um primeiro nível de compreensão proporcionado pela convivência quotidiana, estrutura-se numa mais complexa construção, moldada pelas categorias próprias do universo sociocultural do sujeito epistêmico. (Massimi, Mahfoud e col., 1997). Esse tipo de conhecimento seria, então, parcialmente determinado pela representação do outro disponível nesse âmbito, representação esta que se constitui num primeiro termo de comparação e  modelo de organização da experiência adquirida pelo contato direto. Através da ánalise de alguns documentos históricos, queremos acompanhar este processo, bem como evidenciar a possível presença de indícios que evidenciem a modificação e a transformação de tais conhecimentos preconcebidos, num novo contexto espaço-temporal de convivência.

No século XVI, os cronistas e os historiadores encarregados de preservar e transmitir a memória histórica dos contatos e dos choques com os novos mundos, possuíam um código de interpretação das realidades socioculturais alheios, construído a partir dos padrões disponíveis na Europa da época, e inspirado pela exigência pragmática de realizar relações e ações concretas nos novos mundos. São exemplares nesse sentido, os escritos acerca do Brasil e de seus habitantes, elaborados no seio da cultura oficial portuguesa, inspirados pela tentativa que o mundo intelectual, religioso e político português faz para reelaborar os resultados da aventura ultramarina no contexto do modelo cultural de referência, próprio de sua tradição e da do ocidente europeu em geral, visando inclusive legitimar os objetivos práticos, políticos e culturais da dita aventura. (Albuquerque e col., 1991; Barreto, 1993 e 1996; Buesco, 1983; Godinho, 1990; Hollanda, 1977; Margarido, 1984). Nessa literatura, é possível evidenciar a presença de algumas categorias básicas para a interpretação da experiência concreta de encontro com a alteridade, fundamentadas principalmente na antropologia aristotélico-tomista, e que dizem respeito aos aspectos físicos e raciais (cor, beleza, notadamente a beleza feminina), culturais (hábitos de vestuário e de alimentação), sociais (moradia, língua, organização social), políticos (meios de defesa militar e guerras administração do poder e do direito), aos comportamentos rituais (antropofagia, crenças e gestos religiosos). (Albuquerque e col., 1991; Gliozzi, 1977).

Entre os três tipos de fontes próprias da produção cultural da Europa quinhentista, que retratam o índio brasileiro (as “Crônicas”, ou seja os relatos históricos oficiais, os “Tratados históricos-descritivos” elaborados por viajantes ou colonos no último quartel do século XVI, e os relatos jesuíticos), somente nestes últimos pode-se reconhecer a presença de um certo interesse por fenômenos e comportamentos que hoje consideraríamos expressivos da subjetividade do outro; ao passo que, nos demais, a observação e a interpretação se detêm num nível propriamente exterior.

Essa característica parece-nos depender de dois fatores: por um lado, a necessidade de demonstrar que ó índio tenha uma vida subjetiva, uma “alma”, para fundamentar a possibilidade da cristianização do mesmo, razão esta da presença e da atuação da Companhia de Jesus no Brasil (Caeiro, 1982; Hanke, 1985; Rodrigues, 1985). Por outro lado, sendo tais informes e tratados reelaborações de informações derivadas das cartas enviadas do Brasil pelos missionários, pode-se supor que a longa convivência e as contínuas e dramáticas relações com os nativos tenham proporcionado a quem escreve um conhecimento mais profundo e global dos mesmos. (Massimi, Mahfoud e col., 1997).

Além do mais, é possível que a ênfase na individualidade humana e nos aspectos subjetivos da vida pessoal, que caracteriza entre outras coisas o carisma dos seguidores de Inácio de Loyola, tenha orientado o “olhar” dos narradores na consideração daquela modalidade de ser humano nova e desconhecida com que quotidianamente se deparavam.

Com efeito, os pensadores da Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola no século XVI, visando realizar uma síntese entre a herança do catolicismo medieval e o novo espírito renascentista (1), encarregaram-se de “traduzir” tais concepções num método de formação do homem, seja em seu percurso evolutivo da infância até à maturidade pela educação (Giard, 1995), seja no que diz respeito à aculturação dos povos ameríndios, africanos e orientais, através do processo de cristianização (Caeiro, 1989). Nesse âmbito, o conhecimento da subjetividade, por um lado, e da dinâmica das relações sociais, por outro, aparecem como instrumentos necessários e, num certo sentido, privilegiados.

No Brasil, ao longo de pelo menos dois séculos, os jesuítas constituíram-se numa presença cultural e social significativa. Apesar de estarem mergulhados no contexto do regime colonial, profundamente imbuído por contradições e conflitos, e submetidos às regras e aos jogos do poder régio, os missionários da Companhia foram responsáveis pela criação da primeira rede de ensino no país e pela construção de numerosas obras, visando à integração das culturas indígenas e das culturas européias. Destacam-se, entre outras, as peças teatrais e poéticas e o compêndio da gramática da língua tupi - guarani, redigidas por José de Anchieta (Buesco, 1983).

O conhecimento do índio, adquirido pelos missionários jesuítas através da convivência quotidiana com eles, norteada pelo objetivo da evangelização, transmitido e difundido através da correspondência epistolar é, sucessivamente, organizado em tratados e informes. Nesses documentos, o conhecimento do outro, adquirido pela experiência direta, é filtrado pelo crivo da visão antropológica da filosofia e da teologia católica da época, visão esta elaborada entre os jesuítas, principalmente pelos mestres atuantes nos Colégios da Companhia em Coimbra e em Roma (Tavares, 1948; Giard, 1995; Giard e Vaucelles, 1996). As proposições desta filosofia e desta teologia, comparadas com os resultados concretos da ação evangelizadora, não definiram porém um modelo unívoco, sendo que contradições, dúvidas, revisões permeiam a representação que o pensamento jesuíta constrói acerca do índio e do mundo social deste (Santos, 1955).

No presente trabalho, foram analisadas, em primeiro lugar, as categorias teóricas utilizadas no âmbito do saber elaborado pela Companhia de Jesus, no período considerado, para definir as dimensões antropológica e psicológica da experiência humana bem como os fenômenos a esta relacionados. Para tanto, abordou-se o estudo da psicologia filosófica elaborada pelos pensadores da Companhia, em obras cuja influência no contexto luso-brasileiro foi marcante: trata-se dos assim chamados tratados Conimbricences, redigidos pelos professores do Colégio das Artes da Companhia em Coimbra, e que, posteriormente, foram utilizados para os estudos filosóficos nos colégios da Companhia no Brasil (Barreto, 1983; Caeiro, 1982; Martins, 1989; Santos, 1955; Tavares, 1948). Os tratados são comentários das obras aristotélicas. No caso do estudo antropológico e psicológico, evidenciam-se os seguintes textos: o comentário ao tratado De Anima (Sobre a Alma, Góis, 1602), o comentário ao tratado Parva Naturalia (Pequenas coisas naturais, Góis, 1593a), o comentário ao tratado Ética a Nicomaco (Gois, 1593b), o comentário ao De Generatione et Corruptione (Sobre a geração e a corrupção, Góis, 1607). No âmbito dos referidos textos - todos redigidos em idioma latino - evidenciaram-se os principais conceitos referentes ao conhecimento antropológico psicológico. Uma vez fundamentados no conhecimento deste referencial teórico, analisamos alguns documentos produzidos pelos religiosos da Companhia, significativos para o entendimento da representação do índio brasileiro, por eles elaborada.

O Diálogo do Padre Nóbrega sobre a conversão do gentio

Um exemplo importante da dinâmica epistemológica pela qual o conhecimento do índio vem sendo construído pelos missionários é o Diálogo do Padre Nóbrega sobre a conversão do gentio. Neste texto, Nóbrega (1560c. / 1988) utiliza a figura retórica do diálogo, comum à cultura da época, marcada pela retomada do platonismo à luz dos ideais humanistas. Nóbrega utiliza tal recurso retórico para apresentar duas visões contrastantes existentes na Companhia de Jesus, acerca do índio e do trabalho missionário. A primeira é expressa pela figura do irmão Gonçalo Alves pregador nas aldeias indígenas, e a outra pela pessoa de seu interlocutor, o irmão Mateus Nogueira, ferreiro de ofício. A conversa entre os dois tem como ponto de partida a tomada de consciência de uma crise interna no grupo dos missionários, que vindo de Portugal com os melhores propósitos de dedicar suas vidas à conversão dos nativos, acabam ficando “resfriados, porque vinham cuidando de converter a todo o Brasil em uma hora, e vêm-se que não podem converter em um ano, por sua rudeza e bestialidade” (1560c. / 1988, p. 230). Inclusive o próprio Gonçalo está “meio desesperado” (Idem, p. 229), sendo “tentado” a pensar que a conversão dos índios ao cristianismo seja de fato impossível. Por isso, solicita Nogueira a fim de que este, a partir de sua opinião pessoal e das discussões ouvidas no Colégio da Companhia sobre o assunto, indique-lhe algumas razões para reafirmar a esperança na possibilidade de conversão dos nativos. Com efeito, a única perspectiva, a seu ver, é a da doutrinação dos gentios através da imposição da fé cristã pela força e pelo medo, sobretudo considerando a situação histórica na perspectiva do futuro: uma vez submetidos os pais, “os filhos, netos e dahi por diante, poderiam vir a ser cristãos” (Idem, p. 235).

A resposta de Nogueira às dúvidas de Gonçalo Alves tem como ponto de partida uma afirmação doutrinária de caráter universal:

estou eu imaginando todas as almas dos homens uma, nos serem umas e todas de um metal feitas à imagem e semelhança de Deus, e todas capazes de gloria e criadas para ella, e tanto val diante de Deus por naturaleza a alma do Papa, como a alma do vosso escravo Papana. (Idem, p. 237).

 

Assumindo este enunciado como ponto de partida, Nogueira aplica-o ao caso dos índios, para comprovar que estes também têm alma. A verificação desta afirmação é feita baseando-se no dado de observação de que eles possuem todas as “potências” atribuídas pelos filósofos à alma, a saber “entendimento, memória e vontade”. (Idem, p. 237). Em suma, a demonstração da humanidade do índio é feita a partir do conhecimento de suas características psicológicas, definidas pela  filosofia da época.

Com efeito, algumas teses fundamentais referentes à definição aristotélico-tomista da alma humana e do homem, constituem-se nos alicerces da afirmação de Nogueira. Em primeiro lugar, destaca-se a  definição de alma como ato primeiro substancial do corpo, forma do corpo e princípio da nossa atividade, definição esta que remonta à doutrina aristotélica clássica (Aristóteles, séc. IV a.C. / 1993a, 1993b, 1994, 1996). A alma possui capacidades peculiares, que, na linguagem da dita doutrina, são denominadas de potências. São elas: a potência vegetativa; a sensitiva (a saber a capacidade sensorial proporcionada pelos sentidos internos e externos), a locomotora, a apetitiva (sensitiva e inteletiva); a cogitativa ou estimativa e a potência intelectiva (intuitiva e abstrativa). Na realidade, as potências da alma correspondem ao que hoje a psicologia moderna define como funções psíquicas, notadamente: as funções sensoriais, as funções motivacionais e emocionais, as funções intelectuais (2). A reproposição da psicologia aristotélica pelos jesuítas passa pela interpretação que dela foi realizada pelo filósofo e teólogo Tomás de Aquino (1980), no século XIII, assumindo portanto a denominação de doutrina aristotélico-tomista.

Todavia, para além da continuidade com esta tradição filosófica medieval, os pensadores jesuítas de Coimbra sofrem a influência das mudanças culturais que marcam o período humanista e renascentista ao qual pertencem. Deve-se a tal influência, por exemplo, o fato de que, na discussão dos Conimbricences, as teses e as questões referentes à dinâmica das potências psicológicas sejam enfrentadas inclusive no plano do comportamento humano, acarretando a interseção entre os domínios da Psicologia e da Ética. Com efeito, o Humanismo e sobretudo a Renascença – devido à ênfase na visão do homem como fazedor de si mesmo (Cassirer, 1977; Garin, 1995) - revisitaram o pensamento ético de Aristóteles, sendo que por isto a Ética a Nicomaco (Aristóteles, 1996) foi um dos livros mais lidos e interpretados pelos pensadores daquele período, inclusive pelos intelectuais da Companhia de Jesus.

A dinâmica psíquica que dá origem às ações humanas é a resultante da interseção e interação entre a vontade, o intelecto e o desejo e o apetite sensitivo. Todavia, na esteira do pensamento da época, os Conimbricences supõem que haja uma relação de dependência entre as demais potências da alma e a vontade e por isto detêm-se na análise da dinâmica pela qual a vontade move as demais potências. Para tanto, o elemento básico é a noção de desejo, que – na tradição do aristotelismo - consiste na apetição ou seja na inclinação de todas as coisas para o bem. Distingue-se entre o apetite inato e o apetite aprendido (elícito) – pois a ênfase na formação do homem pela educação própria dos séculos XV e XVI  ressalta a importância da aprendizagem. O apetite inato distingue-se em natural sensitivo (concupiscência) e natural intelectivo (vontade).

É propriamente no plano de uma fragilidade dos apetites e da vontade, fragilidade induzida (segundo a teologia católica) pelo “pecado original” que – no entendimento de Nogueira - pode ser explicado o “estado de barbaridade” dos índios. Esta condição existencial, pela qual o homem “foi tornado semelhante à besta”, é comum a todos os povos, seja os mais civilizados seja os menos, no momento atual da história:

de maneira que todos, assim portuguezes, como castelhanos, como Tamoios, como Aimurés, ficamos semelhantes a besta, por naturaleza corrupta, e nisto todos somos iguaes, nem dispensou a naturaleza, mais com uma geração, que com outra. (1988, p. 238).

 

Sendo esta a condição básica comum a todos os homens, a transformação é pensada numa perspectiva totalmente moldada pelo Humanismo, pois ocorre através da educação. Assim como o ferro “mettido na forja, o fogo o torna, que mais parece fogo que ferro: assim todas as almas sem graça e charidade de Deus, são ferros frios sem proveito, mas, quanto mais se aquenta, tanto mais fazes delle o que quereis.” (Idem). O atributo de “bestialidade” reservado aos índios pela literatura quinhentista, leiga e confessional, é considerado por Nogueira comum a “todas as gerações” e civilizações:

adoravam pedras e páus, dos homens faziam deuses, tinham credito em feitiçarias do diabo; outros adoravam os bois e vaccas, e outros adoravam por deus aos ratos, e outras immundicies; e os judeus, que eram a gente de mais razão, que no mundo havia, e que tinha contas com Deus, e tinha as escrituras desde o começo do mundo, adoravam uma bezerra de metal... os romanos, os gregos, e todos os outros gentios, pintam e têm inda por deus a um idolo, a uma vacca, a um gallo. (Idem, p. 239).

 

Em comparação, a idolatria dos índios aparece como mais razoável, pois eles cultuam um objeto que os atemoriza, a saber o trovão: “os índios têm que há Deus, e dizem que é o trovão, porque é cousa que elles acham mais temerosa, e nisto têm mais razão, que os que adorão as rãs e os galos.” (Idem). Para Nogueira, a inferioridade cultural dos povos indígenas em relação às outras nações não é devida a uma diversidade quanto à estrutura psicológica dos mesmos (por exemplo, o estado de barbaridade em que eles vivem não deve ser atribuido a uma pressuposta inferioridade intelectual), e sim à educação: “terem os romanos e outros gentios mais polícia que estes, não lhes veiu de terem naturalmente melhor entendimento, mas de terem melhor criação, e criarem-se mais politicamente” (1988, p. 240). O aspecto particularmente significativo deste enunciado é o fato de que ele é comprovado pelo conhecimento por experiência direta do índio:

e bem creio que vós o vereis claro pois trataes com elles, e vêdes, que nas cousas de seu mestre, e em que elles tratam, têm tão boas subtilezas, e tão boas invenções e tão discretas palavras, como todos, o os padres os experimentam cada dia com seus filhos, os quaes acham de tão bom entendimento, que muito fazem a vantagem aos filhos dos christãos. (Idem).

 

A conclusão deste raciocínio é, então, a afirmação de que a personalidade humana e o desenvolvimento de suas potencialidades dependem do processo educacional:

um homem tem dois filhos de igual entendimento, um criado na aldea, e outro na cidade; o da aldea empregou seu entendimento em fazer um arado, e outras coisas da aldea, o da cidade em ser cortezão e político; certo está, que ainda que tenha diversa criação, ambos têm um entendimento natural exercitado segundo sua criação. (Idem).

 

A tese de Nogueira é inovadora se comparada à representação do índio própria do modelo cultural da época e anteriormente analisada, o que fica ainda mais evidente procedendo ao estudo da continuidade de seu discurso, ou seja a refutação da explicação da inferioridade cultural do índio baseada na teoria da maldição bíblica da raça camítica, explicação bastante difundida e acreditada naquele momento histórico:

dae-me vós que lhe entre a fé no coração que o mesmo será de um que de outro, e o tempo e o trabalho e a diligência, que é necessário para convencer um judeu ou um philosopho, se outro tantos gastardes com doutrinar de novo um destes, mais fácil será sua conversão de coração. (Idem).

 

Por outro lado, como já dissemos, esta visão fundamenta-se nos alicerces do pensamento pedagógico humanista, que juntamente com a psicologia aristotélico tomista, é a grande fonte inspiradora da doutrina antropológica da Companhia.

Não é casual, por exemplo, o grande espaço dedicado no Comentário ao De Anima (Góis, 1602) à questão das diferenças individuais quanto à alma humana. Este tema – já abordado por Tomás de Aquino na Suma Teológica (séc. XIII / 1980) de forma um tanto duvidosa, e interpretado pelos filósofos peripatéticos de diferentes maneiras, é tratado com grande ênfase pelos autor jesuíta do Comentário, o professor Manuel de Góis, no capítulo referente às qualidades da alma. Aqui, afirma-se com firmeza que, no que diz respeito à alma e às suas potências, os homens de todas as raças e de todos os tempos, são iguais. Desse modo, a deficiência ou a  perfeição quanto às operações da mesma potência não devem ser atribuídas à menor ou maior perfeição da potência, e sim ao defeito ou à perfeição do órgão empregado (Góis, 1602, artigo II, capitulo I, quaestio V).

Tendo o objetivo de afirmar as efetivas possibilidades de cristianização dos índios e de legitimar o trabalho missionário da Companhia, Nogueira chega a declarar que quanto à fé esses têm maior predisposição do que os povos ocidentais imbuídos de racionalismo, fundamentando tal afirmação mais uma vez num elemento derivado do seu conhecimento direto (por “experiência”) da psicologia indígena. Com efeito, Nogueira acha que os nativos são mais dispostos a acreditar na palavra dos outros, pois “se lhes deitaes a morte, cuidam, que os podeis matar, e morrerem da imaginação pelo muito e sobejo que crêm e crêm que o panicú ha de ir à roça, e outras coisas semelhantes, que seus feiticeros lhes mettem na cabeça.” (1988, p. 241).

Além de referir o dado derivado da observação dos índios em seu mundo cultural, Nogueira constata que análoga disposição se manifesta com relação à pregação dos missionários católicos: “muito há, que estou na terra, e tenho fallado de Deus muito, por mandado dos padres, e nunca vi a nenhum ter tanta fé, que me parecesse que morreria por ella, se fosse necessário.” (Idem, p. 241-242). Quanto aos casos em que os nativos resistam à pregação, a causa é, para Nogueira, o fato de que eles não podem confiar na palavra dos pregadores, os quais com seus maus exemplos desacreditam seu próprio discurso.

Em todas estas afirmações, fica evidente a influência do pensamento humanista do século XVI: notadamente a relevância atribuida à palavra e ao exemplo, um certo teor utópico na consideração do homem e da sociedade, a ênfase no poder da imaginação (rotulada como fantasia e como potência cogitativa).

Não devemos esquecer, todavia, que o motivo inspirador de toda esta discussão no âmbito da Companhia é eminentemente pragmático. Com efeito, o Diálogo, provavelmente elaborado visando a intenção de convencer a opinião pública católica acerca do valor e da eficácia dos trabalhos missionários dos jesuítas junto aos índios brasileiros, obedece evidentemente à mesma lógica política e cultural que inspirou Nóbrega e a Companhia em sua atuação no Brasil.

No que diz respeito ao objetivo específico de nossa análise, é interessante observar que a inferência de características psicológicas do índio é necessária, nesse texto, para corroborar a tese da humanidade do índio, tese que por sua vez justifica a ação evangelizadora dos religiosos junto a ele. Apesar do autor fazer, em várias ocasiões, referência ao seu conhecimento direto dos povos indígenas, é evidente que esta psicologia do índio é construída nos moldes do modelo cultural europeu da época, notadamente da filosofia aristotélica-tomista e do humanismo pedagógico, doutrinas essas que, conforme vimos, permeavam o espírito da formação jesuítica (Rodrigues, 1985; Giard, 1995).

As informações de José de Anchieta

Na Informação da Província do Brasil escrita por José de Anchieta em 1585 e destinada ao Padre Geral da Companhia, algumas das teses de Nóbrega são repropostas, embora com nuances diferentes. O juízo geral de Anchieta acerca da “natureza” do índio parece menos positivo do que o de Nobrega, pois ele afirma que “são gente de mui pouca capacidade natural, se bem que para sua salvação têm juízo bastante e não são tão boçais e rudes como por lá se imagina.” (ed. 1988, p. 441). Este trecho é muito significativo, pois ao mesmo tempo em que Anchieta parece propor uma representação do índio livre daquilo que ele acredita ser um fácil e retórico otimismo, contrapõe-na à visão negativa acerca do mesmo que teria sido elaborada “por lá”. O conhecimento do outro adquirido pela experiência direta é aqui explicitamente privilegiado e contraposto a um conhecimento a priori, determinado por um código cultural preconcebido. Anchieta propõe, então, um ponto de vista epistêmico a partir do qual pode construir o saber sobre o 'outro', baseado no contato direto com a realidade deste e não no que “lá se imagina” (Idem).

Quanto à importância da pregação como instrumento fundamental para a doutrinação dos índios, esta tese, já enunciada por Nóbrega, é reforçada por Anchieta a partir de considerações análogas às que já encontramos no pequeno tratado de Nóbrega, ou seja o enorme valor atribuído à fala e à palavra pelos índios:

Fazem muito caso entre si, como os Romanos, de bons línguas e lhes chama senhores da fala e um língua acaba com eles quanto quer e lhes fazem nas guerras que matem ou não matem e que vão a uma parte ou a uma outra, e é senhor da vida e morte e ouvem-no toda uma noite e às vezes também o dia sem dormir nem comer e para experimentar se é bom língua e eloqüente, se põem muitos com ele toda uma noite para o vencer e cansar, e se não o fazem, o têm por grande homem e língua. Por isso há pregadores entre eles muito estimados que os exortam a guerrear, matar homens e fazer outras façanhas desta sorte. (Idem, p. 441).

 

O olhar de Anchieta é particularmente atento aos traços psicológicos do temperamento dos nativos. Portanto, afirma que eles “são algo melancólicos e da mesma forma como vários outros autores acima analisados, retrata neles a sensibilidade e a força de sua imaginação: “se querem morrer com apreender somente a morte na imaginação ou com comer terra; ou lhes digam que se hão de morrer ou lhes ponham medo morrem brevissimamente.” (Idem, p. 442).

Neste ponto, Anchieta apoia-se nos conhecimentos próprios de uma área de saber definida no universo mental e cultural do Ocidente, como Medicina  da Alma  ou Medicina do Espírito. Na mentalidade do ocidente medieval e renascentista, a Medicina da Alma corresponde à “ciência” ou à “arte de viver”. Desse modo, teologia, filosofia e medicina encarregam-se de construir o domínio da Medicina da Alma - cada uma com suas competências e perspectivas próprias - e é assim que este domínio vem abarcar um conjunto de conhecimentos de vária natureza, desde as teorias médicas (como, por exemplo, a teoria humoralista) até aos conselhos sugeridos pela sabedoria dos Padres do deserto, da antiga tradição da Patrística cristã. A teoria humoralista – cujas origens remontam a Hipócrates e Galeno, considera a constituição do homem determinada pela presença de quatro humores fundamentais que, por sua vez, correspondem aos quatro elementos básicos da composição do Universo. Os humores são: biles preta (melancolia), biles amarela, fleuma e sangue. Conforme o predomínio de um destes na constituição dos indivíduos, tem-se quatro tipos de temperamentos: melancólico, colérico, fleumático e sangüíneo. Os temperamentos, por sua vez, determinam as características psicossomáticas do sujeito: sua condição orgânica bem como seus estados psíquicos (Klibansky, Panofsky e Saxl, 1983). No século XVI, o médico espanhol Huarte de San Juan, formado pela Universidade de Alcalá e autor do Examen de ingenios para las sciencias (1574), estabelece estreita correspondência entre a Medicina do corpo, a Medicina do Animo e a construção política e social da sociedade, baseando-se no modelo da República platônica. Desse modo, a prática social apoia-se na filosofia natural, sendo o corpo social estruturado em analogia com o microcosmo que é o homem (San Juan, 1989).

Os jesuítas dão continuidade a esta tradição e difundem-na, inclusive em seus âmbitos de presença missionária, como o Brasil. Já nos escritos de Inácio de Loyola, fundador da Ordem religiosa, vemos a referência freqüente a esta tradição de conhecimentos, em função do entendimento mais profundo do ser humano e de seu destino, visando à orientação (“direção”) de sua vida espiritual. Assim, por exemplo, em carta escrita ao Padre Antônio Brandão em junho de 1551, Loyola frisa a importância de que o mestre espiritual conheça o temperamento daquele que se entrega aos seus cuidados, afirmando a necessidade de “acomodar-se à complexão daquele com quem se conversa, a saber, se é fleumático ou colérico, etc. (...), e isto com moderação.” (Loyola, 1993, vol. 2, p. 89).

A mesma “arte de viver” (3) Loyola demostra ao indicar algumas regras de convivência ao Padres Broett e Salmerón (carta escrita em Roma, setembro de 1541):

Nos negócios com toda a gente, principalmente com iguais ou inferiores em dignidade, falar pouco e esperar, ouvir muito e de bom grado; sim, escutar longamente até acabarem de dizer o que querem. Depois disso, responder em diversos pontos, concluindo e despedindo-se. Se retomarem a questão, abreviar as respostas no que for possível. A despedida, embora rápida, seja amável.

No trato de pessoas de qualidades insignes, procurar ganhar-lhes a afeição para maior serviço de Deus Nosso Senhor. Para isso atender primeiro ao seu temperamento e adaptar-se a ele. Se são coléricos e falam com viveza, tomar um pouco seu modo em bons e santos assuntos; para esses, nada de grave, lento ou melancólico. Mas com os sérios, lento no falar, graves e pesados, tomar também o modo deles, porque isto lhes agrada: “Fiz-me tudo para todos”.

Advirta-se o seguinte: se alguém é de temperamento colérico e trata com outro colérico, se não são de um mesmo sentir, há grandíssimo perigo de se desajustarem suas conversas. Portanto, se um conhece ser de compleição  colérica, deve ir, em todos os pontos do negócio, muito armado de consideração, com decisão de suportar e não altercar com o outro, principalmente se sabe que é doente. Mas se tratar com fleumático ou melancólico, não há tanto perigo de desajuste por palavras precipitadas. (Loyola, 1541 / 1993, vol. 3, pp. 21-22).

 

É natural então que, seguindo seu mestre Inácio, José de Anchieta utilize este referencial na observação dos índios brasileiros, visando o estabelecimento do melhor “trato” com eles.

Anchieta (1585 / 1988) frisa também o fato de que eles “amam muito os filhos” e interpreta a nudez como sinal de sua “candura natural”, representado “o estado de inocência” (p. 442). Esta notação é sucessivamente confirmada pela informação de que, após a conversão do índios ao cristianismo, eles “com andarem nus, não há homem que ponha o olho em mulher alheia.” (p. 443).

Outra qualidade positiva da psicologia indígena apontada por Anchieta é o da sociabilidade:

Não são demandões, mas benfazejos e caritativos; todos os que lhes entram em casa comem com eles sem lhes dizer nada... Vivem muitos juntos e umas casa mui grandes de palma que chamam ocas e com tanta paz que põem espanto, e com terem as casa sem portas e suas cousas sem chave por nenhum modo furtam uns aos outros. (1585 / 1988, p. 442).

 

Da mesma forma que Nóbrega, Anchieta acredita na educação como instrumento fundamental da conversão dos índios, os quais parecem “tamquam tabula rasa para imprimir-se-lhes todo o bem” (Idem, p. 443). O apego dos nativos ao seu modelo cultural e a seus costumes tradicionais parece ser subestimado por Anchieta neste informe pois ele escreve que

nem ha dificuldade em tirar-lhes rito nem adoração de ídolos porque não os têm e os costumes depravados, deixam-nos com facilidade e ficam muito sujeitos a nosso padres e lhes têm amor e respeito e não movem pé nem mão sem eles. (Idem, p. 443).

 

Sabemos porém, pela leitura da correspondência jesuítica, que nem sempre as coisas serião tão fáceis para os missionários, os quais deparavam-se muitas vezes com a resistência dos índios e com a recusa de abandonar suas tradições contrárias à ética cristã, ou com o retorno dos convertidos aos antigos hábitos pagãos.

A apreciação das capacidades intelectuais dos índios também é positiva, aos olhos de Anchieta, pois “compreendem muito bem a doutrina” (1585/ 1988, p. 443) e na aprendizagem da leitura, da escritura, da aritmética, do canto e da língua portuguesa, “tudo tomam mui bem” (ibidem).

É provável que, conforme já discutimos acerca do Diálogo de Nóbrega, tratando-se de uma informação de teor oficial destinada a obter apoios e aprovação dos trabalhos missionários, a ênfase positiva nesta descrição do índio seja devida, pelo menos em parte, à necessidade de convencer os leitores acerca das possibilidades de sucesso do empenho missionário dos padres jesuítas.

De qualquer forma, o interesse acerca do conhecimento das características psicológicas do índio parece marcante nos escritos de Anchieta. Na Informação dos casamentos dos índios do Brasil, o mesmo autor busca investigar as peculiares relações de parentesco existentes na comunidade indígena, procurando desvendar os sentimentos vivenciados em tais relações sociais. Ele descobre por exemplo que os índios não têm um particular “sentimento de adultério” (1585 / 1988, p. 457), e acerca dos índios polígamos os quais possuem várias mulheres, afirma que “não é possível saber-se com qual delas se juntaram com ânimo marital, porque nem eles entendem quanto importa falar nisto verdade, nem o sabem dizer realmente, porque para com todas tivera o mesmo ânimo” (Idem, p. 460). A dificuldade do missionário em compreender a psicologia do outro é, aqui, muito clara.

Anchieta busca inclusive entender os motivos de alguns fenômenos sociais particularmente curiosos e estranhos para o olhar europeu, já descritos pelos demais cronistas, como por exemplo, o fato de que, após o parto, é o pai a receber cuidados e visitas, e não a mãe. Isto explica-se pelo fato de que os índios “têm para si que o parentesco verdadeiro vem pela parte dos pais, que são os agentes; e que as mães não são mais que uns sacos, em respeito dos pais, em que se criam as crianças.” (Idem, p. 460).

Do princípio e origem dos índios do Brasil e narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica, de Fernão Cardim

Uma postura muito semelhante refletem os escritos Do princípio e origem dos índios do Brasil e a Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica, atribuídos ao jesuíta Fernão Cardim e redigidos provavelmente por volta de 1584.

Um aspecto muito interessante do primeiro texto é a de que nele Cardim faz distinção entre crenças religiosas e conhecimentos psicológicos dos índios. Estes, apesar de não parecerem ter crenças religiosas, revelam dispor de algum tipo de conhecimentos psicológicos em sua bagagem cultural: de fato, apesar de não ter noção de Deus nem de culto divino, sabem que têm alma e que esta não morre e depois da morte vão a uns campos onde ha muitas figueiras ao longo de um formoso rio, e todas juntas não fazem outra coisa senão bailar.” (1584 / 1980, p. 87).

No que diz respeito aos conhecimentos acerca da psicologia indígena, repete-se aqui a observação de que os índios são em extremo submetidos ao poder da imaginação: assim, por exemplo, eles “têm grande medo do demônio e é tanto o medo que lhe têm, que só de imaginarem nelle morre, como aconteceu já muitas vezes.” (1584 / 1980, p. 87).

A importância das emoções e de suas influências (às vezes nefastas) no plano orgânico, é de fato enfatizada na literatura jesuítica bem como na cultura da época em geral. Os tratados Conimbricences, por exemplo, atribuem grande importância a estes estados da alma definidos como paixões, e que na linguagem da psicologia moderna correspondem às emoções ou sentimentos. As paixões são entendidas como movimentos do apetite sensitivo, provenientes da apreensão do bem ou do mal, acarretando algum tipo de mutação não natural do corpo. Neste sentido, elas dependeriam sempre de uma representação que o intelecto faz de algum objeto julgado como bom ou mau. Os Conimbricences, assim como toda a cultura do seu tempo, atribuem grande importância aos estados da alma definidos como paixões, e que na linguagem da psicologia moderna correspondem às emoções ou sentimentos. As paixões são entendidas como movimentos do apetite sensitivo, provenientes da apreensão do bem ou do mal, acarretando algum tipo de mutação não natural do corpo. Neste sentido, elas dependeriam sempre de uma representação que o intelecto faz de algum objeto julgado como bom ou mau. Como o apetite sensitivo tem sua localização orgânica no coração, é possível que um movimento muito brusco chegue a causar o óbito. (4)

Cardim também enfatiza a sociabilidade do temperamento indígena, que se expressa em vários sinais, desde a liberalidade no repartir o alimento (“repartem tudo o que têm com seus amigos”, idem, p. 88), até a estrutura da casa, chamada “oca”, na qual “não há repartimentos entre uns e outros... e entrando nella se vê tudo quanto tem.” (Idem, p. 90). A descrição da oca feita na Narrativa é ainda mais sugestiva:

Parece a casa um inferno ou labyrinto, uns cantam, outros choram, outros comem, outros fazem farinhas e vinhos, etc., e toda a casa arde em fogos; porém é tanta a conformidade entre elles que em todo o anno não há peleja, e com não terem nada fechado não há furtos; se fora qualquer outra nação, não poderiam viver da maneira que vivem sem muitos queixumes, desgostos, e ainda mortes, o que se não acha entre elles. (1584 / 1980, p 152).

 

Segundo Cardim, desde criança os índios acostumam-se ao convívio social, pois os meninos jogam entre eles

com muita quietação e amizade, (...) entre eles não se ouvem nomes ruins, nem pulhas, nem chamarem nomes aos pais e mães, e raramente quando jogão se desconcertão, nem desavêm por causa alguma, raramente dão uns nos outros, nem pelejão. (Idem, p. 93).

 

A sociabilidade no interior da tribo contrasta com a agressividade e a violência demostrada no comportamento contra os inimigos. Nesse aspecto, Cardim confirma o juízo dos demais autores: “são intrépidos e ferozes que mete espanto” (1584 / 1980, p. 95).

O valor atribuído à palavra e à disposição para o discurso é relatado por Cardim ao descrever o hábito que os chefes da tribo têm de pregar de madrugada, organizando e distribuindo tarefas para o ritmo quotidiano da vida da povoação. O autor refere a interpretação dada pelos próprios nativos acerca da origem desse hábito:

tomarão este modo de um passaro que se parece com os falções o qual canta de madrugada e lhe chamam rei, senhor dos outros passaros, e dizem elles que assim como aquelle passaro canta de madrugada para ser ouvido dos outros, assim convém que os principaes fação aquellas falas e pregações de madrugada para serem ouvidos dos seus. (Idem, p. 89).

 

Quanto aos sentimento, confirma-se o fato de que os índios “amão os filhos extraordinariamente” (p. 91) e que “não lhes dão nenhum gênero de castigo” (p. 91). Na Narrativa, Cardim voltar a observar que os nativos “nenhum gênero de castigo têm para os filhos; nem ha pai nem mãe que em toda a vida castigue nem toque em filho, tanto os trazem nos olhos” (1584 / 1980, p. 153). Cardim constata que, apesar disso, “em pequenos são obedientíssimos a seus pais e mães, e todos muito amáveis e aprazíveis”(Idem, p. 153), fato que devia intrigar muito a mentalidade e os conceitos pedagógicos do jesuíta europeu, acostumado a considerar a punição como necessária na relação educativa, conforme a prática de seu tempo, quando se usava castigar até estudantes universitários, príncipes e reis (Ariés, 1981).

Quanto ao temperamento, “são melancólicos” (Cardim, 1584 / 1980, p. 93), ainda que os “meninos são alegres e dados a folgar” (Idem), mais do que os meninos portugueses.

Outro aspecto do modelo cultural indígena de que Cardim ressalta a novidade é a saudação lacrimosa reservada aos hóspedes ou aos recém chegados, a respeito da qual o jesuíta comenta: “é cousa não somente nova, mas de grande espanto, ver o modo que têm em agasalhar os hospedes, os quaes agasalham chorando por um modo estranho” (Idem, p. 153). O narrador jesuíta declara sua incapacidade de avaliar a dimensão afetiva deste gesto (o choro que aos olhos do europeu é expressão de tristeza, para o índio pode comunicar também alegria), mas reconhece o valor que o gesto tem para o outro e a necessidade de respeitá-lo: “Neste tempo do triste ou alegre recebimento, a maior injuria que lhes podem fazer é dizer-lhes que se calem, ou que basta com esses choros” (Idem, p. 153). O missionário parece demonstrar aqui um conhecimento prático da psicologia dos índios, conhecimento este que é necessário para manter um bom relacionamento com esses, pois apesar dele ser incapaz de interpretar o significado de determinados gestos, novos aos seus olhos, entende que tais gestos são para o outro muito importantes, e como tais devem ser respeitados.

Coisas do Brasil, de Francisco Soares

O pequeno tratado Coisas do Brasil do jesuíta Francisco Soares (1590) descreve também alguns elementos da cultura indígena significativos no que diz respeito aos conhecimentos psicológicos. Entre outras coisas, Soares relata que

sabem estes índios que o homem tem alma (...) e que depois de morrerem vão suas almas a uns campos muito formosos cheios de árvores e figueiras e se ajuntam com outros doutra nação, mas os vêem afastados, e que lá não há tristeza, senão cantar e bailar junto ao rio (1590 / 1989, p. 146).

 

Além disto, também este autor jesuíta refere-se à grande influência da imaginação sobre o comportamento dos mesmos, pois morrem por medo dos demônios “por terem grande eficácia na imaginação”, (Idem). Soares refere a interpretação dos nativos acerca da origem do fogo, do diabo, da antropofagia, do dilúvio. Seu escrito confirma o juízo positivo dos textos anteriormente analisados, acerca da sociabilidade do temperamento dos índios (“logo repartem por todos” os frutos de sua caça, p. 150), mas à diferença de outros autores, Soares julga que “não são luxuriosos”e “posto que alguns tenham muitas mulheres, é por estado” (Idem).

Conclusão

A análise dos documentos acima apresentados evidenciou-se que para alguns entre os autores considerados, a compreensão do índio brasileiro em suas características psicológicas, culturais e sociais, para além de um código interpretativo preconcebido, ou de um crivo ideológico que oriente a construção de sua representação, foi favorecida pela existência de um âmbito espaço-temporal de convivência. Uma vez que esta condição se tornou possível, a representação do outro sugerida pelo modelo cultural de referência possuído pelo observador, exigiu de ser modificada pelos dados de observação da experiência direta e pelas interpretações destes dados, colhidas através de relacionamentos concretos com informantes nativos.

No que diz respeito ao nosso objeto de investigação, a saber, a representação das características psicológicas do índio na literatura jesuítica quinhentista, vimos como esta representação foi, na maioria dos casos, moldada por categorias próprias do modelo cultural tradicional. Assim, a atribuição ao índio de  um psiquismo, deriva, em parte, das condições que o código interpretativo da alteridade inerente a este modelo indica como elementos necessários para que outro ser possa ser reconhecido como ser humano. Por outro lado, o reconhecimento efetivo da identidade psicossocial do índio, enquanto sujeito, fundamenta-se num espaço de relações concretas onde a subjetividade dele se revele e os seus comportamentos possam ser considerados, respeitados e, eventualmente, entendidos em sua peculiaridade e diversidade. É o que vimos ocorrer, mesmo que parcialmente, nos escritos de José de Anchieta, de Fernão Cardim. Fora desse espaço constituído por relações sociais concretas, acaba prevalecendo um tipo de conhecimento preconcebido, construído com base em categorias apriorísticas e estandardizadas.

Com efeito, se, por um lado, tal conhecimento é fruto de uma tradição cultural fecunda e consistente, já amadurecida pelos contatos estabelecidos com outros povos e culturas ao longo da história,  por outro, é também delimitado por interesses e objetivos parciais de natureza política, doutrinária e econômica. Trata-se, para retomar a expressão de Anchieta, de uma “imagem de lá”, projetada num aqui-e-agora distante, na tentativa (ilusória) de torná-lo próximo, um aqui-e-agora que, somente para quem aventurou-se em atravessar o espaço da distância geográfica e aquele mais profundo da distância cultural e social, tornou-se presença real, evidência de alteridade, desafio para o conhecimento.

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Notas

(1) A importância da contribuição da Companhia de Jesus na elaboração do saber e da ciência ocidentais, a partir do século XVI, tem sido recentemente apontada por vários estudiosos. A historiografia da ciência e da pedagogia jesuítica constitui-se hoje numa área muito importante de atuação dos historiadores da ciência e da cultura (Andrade, 1981; Caeiro, 1982 e 1989; Giard, 1995; Giard e Vaucelles, 1996; Maravall, 1997; Rodrigues, 1985).(volta)

(2) Todavia, na perspectiva da psicologia aristotélica, as potências não se identificam tout court com os fenômenos, ao passo que a psicologia moderna reconhece existência apenas aos fenômenos, tendo sido inclusive esta diferenciação o salto decisivo para o nascimento da ciência psicológica no século XIX.(volta)

(3) A aplicação deste conhecimentos encontra-se também nos escritos de Cláudio Acquaviva (1543-1615), um dos sucessores de Inácio na Generalado da Companhia (Acquaviva, 1893).(volta)

(4) Os Conimbricences atribuem grande importância também às questões acerca dos correlatos fisiológicos e biológicos da dinâmica das paixões, tais como: as relações entre a tristeza, o sono e os sonhos; as relações entre os sonhos e as paixões; as relações entre as paixões, o sistema cárdio-vascular e a respiração; as relações entre as paixões e a constituição psicossomática dos indivíduos (temperamento); as relações entre as paixões e as diversas idades da vida. Afirmam os efeitos benéficos do sono no controle das paixões. Discutem os casos de óbitos ou de doenças induzidas por paixões de excessiva intensidade (especialmente os excessos na ira, no medo, na tristeza, ou na alegria). Analisam os efeitos somáticos de algumas paixões, tais como o empalidecer e o tremor induzidos pelo medo, a sede e o arrepio de cabelos em decorrência do medo; as relações complementares entre diversas paixões (por exemplo, entre a ira, a tristeza, a dor e o prazer) e os nexos entre o amor e a loucura.(volta)


Nota sobre a autora

Marina Massimi é Livre Docente e trabalha junto ao Departamento de Psicologia e Educação na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Campus de Ribeirão Preto, Brasil. Especialista na área de História das Idéias Psicológicas na Cultura Luso-Brasileira. Contato: Avenida Bandeirantes, 3900 - 14040-901 - Ribeirão Preto (SP) / Brasil. E-mail: mmarina@ffclrp.usp.br.

 

Data de recebimento: 31/07/2003
Data de aceite: 17/10/2003 

Memorandum 5, out/2003
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos05/massimi03.htm

 

 

 

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