Introdução
O estudo histórico das
representações dos índios propostas em textos de jesuítas europeus que
viveram no Brasil ao longo do século XVI permite acompanhar o dinamismo de
construção do conhecimento de identidades humanas diversas, a partir das
categorias conceituais disponíveis na cultura ocidental da época.
(Todorov, 1989; Mazzoleni, 1992).
Nosso pressuposto é o de que
o entendimento de experiências humanas diferentes da própria, elaborado a
partir de um primeiro nível de compreensão proporcionado pela convivência
quotidiana, estrutura-se numa mais complexa construção, moldada pelas
categorias próprias do universo sociocultural do sujeito epistêmico. (Massimi,
Mahfoud e col., 1997). Esse tipo de conhecimento seria, então,
parcialmente determinado pela representação do outro disponível nesse
âmbito, representação esta que se constitui num primeiro termo de
comparação e modelo de organização da experiência adquirida pelo contato
direto. Através da ánalise de alguns documentos históricos, queremos
acompanhar este processo, bem como evidenciar a possível presença de
indícios que evidenciem a modificação e a transformação de tais
conhecimentos preconcebidos, num novo contexto espaço-temporal de
convivência.
No século XVI, os cronistas e os historiadores encarregados de preservar e
transmitir a memória histórica dos contatos e dos choques com os novos
mundos, possuíam um código de interpretação das realidades socioculturais
alheios, construído a partir dos padrões disponíveis na Europa da época, e
inspirado pela exigência pragmática de realizar relações e ações concretas
nos novos mundos. São exemplares nesse sentido, os escritos acerca do
Brasil e de seus habitantes, elaborados no seio da cultura oficial
portuguesa, inspirados pela tentativa que o mundo intelectual, religioso e
político português faz para reelaborar os resultados da aventura
ultramarina no contexto do modelo cultural de referência, próprio de sua
tradição e da do ocidente europeu em geral, visando inclusive legitimar os
objetivos práticos, políticos e culturais da dita aventura. (Albuquerque e
col., 1991; Barreto, 1993 e 1996; Buesco, 1983; Godinho, 1990; Hollanda,
1977; Margarido, 1984). Nessa literatura, é possível evidenciar a presença
de algumas categorias básicas para a interpretação da experiência concreta
de encontro com a alteridade, fundamentadas principalmente na antropologia
aristotélico-tomista, e que dizem respeito aos aspectos físicos e raciais
(cor, beleza, notadamente a beleza feminina), culturais (hábitos de
vestuário e de alimentação), sociais (moradia, língua, organização
social), políticos (meios de defesa militar e guerras administração do
poder e do direito), aos comportamentos rituais (antropofagia, crenças e
gestos religiosos). (Albuquerque e col., 1991; Gliozzi, 1977).
Entre os três tipos de fontes próprias da produção cultural da Europa
quinhentista, que retratam o índio brasileiro (as “Crônicas”, ou seja os
relatos históricos oficiais, os “Tratados históricos-descritivos”
elaborados por viajantes ou colonos no último quartel do século XVI, e os
relatos jesuíticos), somente nestes últimos pode-se reconhecer a presença
de um certo interesse por fenômenos e comportamentos que hoje
consideraríamos expressivos da subjetividade do outro; ao passo
que, nos demais, a observação e a interpretação se detêm num nível
propriamente exterior.
Essa característica parece-nos depender de dois fatores: por um lado, a
necessidade de demonstrar que ó índio tenha uma vida subjetiva, uma
“alma”, para fundamentar a possibilidade da cristianização do mesmo, razão
esta da presença e da atuação da Companhia de Jesus no Brasil (Caeiro,
1982; Hanke, 1985; Rodrigues, 1985). Por outro lado, sendo tais informes e
tratados reelaborações de informações derivadas das cartas enviadas do
Brasil pelos missionários, pode-se supor que a longa convivência e as
contínuas e dramáticas relações com os nativos tenham proporcionado a quem
escreve um conhecimento mais profundo e global dos mesmos. (Massimi,
Mahfoud e col., 1997).
Além do mais, é possível que a ênfase na individualidade humana e nos
aspectos subjetivos da vida pessoal, que caracteriza entre outras coisas o
carisma dos seguidores de Inácio de Loyola, tenha orientado o “olhar” dos
narradores na consideração daquela modalidade de ser humano nova e
desconhecida com que quotidianamente se deparavam.
Com efeito, os pensadores da
Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola no século
XVI, visando realizar uma síntese entre a herança do catolicismo medieval
e o novo espírito renascentista
(1),
encarregaram-se de “traduzir” tais concepções num método de formação do
homem, seja em seu percurso evolutivo da infância até à maturidade pela
educação (Giard, 1995), seja no que diz respeito à aculturação dos povos
ameríndios, africanos e orientais, através do processo de cristianização (Caeiro,
1989). Nesse âmbito, o conhecimento da subjetividade, por um lado, e da
dinâmica das relações sociais, por outro, aparecem como instrumentos
necessários e, num certo sentido, privilegiados.
No Brasil, ao longo de pelo menos dois séculos, os jesuítas
constituíram-se numa presença cultural e social significativa. Apesar de
estarem mergulhados no contexto do regime colonial, profundamente imbuído
por contradições e conflitos, e submetidos às regras e aos jogos do poder
régio, os missionários da Companhia foram responsáveis pela criação da
primeira rede de ensino no país e pela construção de numerosas obras,
visando à integração das culturas indígenas e das culturas européias.
Destacam-se, entre outras, as peças teatrais e poéticas e o compêndio da
gramática da língua tupi - guarani, redigidas por José de Anchieta (Buesco,
1983).
O conhecimento do índio,
adquirido pelos missionários jesuítas através da convivência quotidiana
com eles, norteada pelo objetivo da evangelização, transmitido e difundido
através da correspondência epistolar é, sucessivamente, organizado em
tratados e informes. Nesses documentos, o conhecimento do outro,
adquirido pela experiência direta, é filtrado pelo crivo da visão
antropológica da filosofia e da teologia católica da época, visão esta
elaborada entre os jesuítas, principalmente pelos mestres atuantes nos
Colégios da Companhia em Coimbra e em Roma (Tavares, 1948; Giard, 1995;
Giard e Vaucelles, 1996). As proposições desta filosofia e desta teologia,
comparadas com os resultados concretos da ação evangelizadora, não
definiram porém um modelo unívoco, sendo que contradições, dúvidas,
revisões permeiam a representação que o pensamento jesuíta constrói acerca
do índio e do mundo social deste (Santos, 1955).
No presente trabalho, foram analisadas, em primeiro lugar, as categorias
teóricas utilizadas no âmbito do saber elaborado pela Companhia de Jesus,
no período considerado, para definir as dimensões antropológica e
psicológica da experiência humana bem como os fenômenos a esta
relacionados. Para tanto, abordou-se o estudo da psicologia filosófica
elaborada pelos pensadores da Companhia, em obras cuja influência no
contexto luso-brasileiro foi marcante: trata-se dos assim chamados
tratados Conimbricences, redigidos pelos professores do Colégio das
Artes da Companhia em Coimbra, e que, posteriormente, foram utilizados
para os estudos filosóficos nos colégios da Companhia no Brasil (Barreto,
1983; Caeiro, 1982; Martins, 1989; Santos, 1955; Tavares, 1948). Os
tratados são comentários das obras aristotélicas. No caso do
estudo antropológico e psicológico,
evidenciam-se os seguintes textos: o comentário ao tratado De Anima
(Sobre a Alma, Góis, 1602), o comentário ao tratado Parva
Naturalia (Pequenas coisas naturais, Góis, 1593a), o comentário ao
tratado Ética a Nicomaco (Gois, 1593b), o comentário ao De
Generatione et Corruptione (Sobre a geração e a corrupção,
Góis, 1607). No âmbito dos referidos textos - todos redigidos em idioma
latino - evidenciaram-se os principais conceitos referentes ao
conhecimento antropológico psicológico. Uma vez fundamentados no
conhecimento deste referencial teórico, analisamos alguns documentos
produzidos pelos religiosos da Companhia, significativos para o
entendimento da representação do índio brasileiro, por eles elaborada.
O Diálogo do Padre Nóbrega sobre a conversão do gentio
Um exemplo importante da dinâmica epistemológica pela qual o conhecimento
do índio vem sendo construído pelos missionários é o Diálogo do Padre
Nóbrega sobre a conversão do gentio. Neste texto, Nóbrega (1560c.
/ 1988) utiliza
a figura retórica do diálogo, comum à cultura da época, marcada pela
retomada do platonismo à luz dos ideais humanistas. Nóbrega utiliza tal
recurso retórico para apresentar duas visões contrastantes existentes na
Companhia de Jesus, acerca do índio e do trabalho missionário. A primeira
é expressa pela figura do irmão Gonçalo Alves pregador nas aldeias
indígenas, e a outra pela pessoa de seu interlocutor, o irmão Mateus
Nogueira, ferreiro de ofício. A conversa entre os dois tem como ponto de
partida a tomada de consciência de uma crise interna no grupo dos
missionários, que vindo de Portugal com os melhores propósitos de dedicar
suas vidas à conversão dos nativos, acabam ficando “resfriados, porque
vinham cuidando de converter a todo o Brasil em uma hora, e vêm-se que não
podem converter em um ano, por sua rudeza e bestialidade” (1560c.
/ 1988, p. 230).
Inclusive o próprio Gonçalo está “meio desesperado” (Idem, p. 229), sendo
“tentado” a pensar que a conversão dos índios ao cristianismo seja de fato
impossível. Por isso, solicita Nogueira a fim de que este, a partir de sua
opinião pessoal e das discussões ouvidas no Colégio da Companhia sobre o
assunto, indique-lhe algumas razões para reafirmar a esperança na
possibilidade de conversão dos nativos. Com efeito, a única perspectiva, a
seu ver, é a da doutrinação dos gentios através da imposição da fé cristã
pela força e pelo medo, sobretudo considerando a situação histórica na
perspectiva do futuro: uma vez submetidos os pais, “os filhos, netos e
dahi por diante, poderiam vir a ser cristãos” (Idem, p. 235).
A
resposta de Nogueira às dúvidas de Gonçalo Alves tem como ponto de partida
uma afirmação doutrinária de caráter universal:
estou eu imaginando todas as almas dos homens uma, nos serem umas e todas
de um metal feitas à imagem e semelhança de Deus, e todas capazes de
gloria e criadas para ella, e tanto val diante de Deus por naturaleza a
alma do Papa, como a alma do vosso escravo Papana. (Idem, p. 237).
Assumindo este enunciado
como ponto de partida, Nogueira aplica-o ao caso dos índios, para
comprovar que estes também têm alma. A verificação desta afirmação é feita
baseando-se no dado de observação de que eles possuem todas as “potências”
atribuídas pelos filósofos à alma, a saber “entendimento, memória e
vontade”. (Idem, p. 237). Em suma, a demonstração da humanidade do
índio é feita a partir do conhecimento de suas características
psicológicas, definidas pela filosofia da época.
Com efeito, algumas teses fundamentais referentes à definição
aristotélico-tomista da alma humana e do homem, constituem-se nos
alicerces da afirmação de Nogueira. Em primeiro lugar, destaca-se a
definição de alma como ato primeiro substancial do corpo, forma do corpo e
princípio da nossa atividade, definição esta que remonta à doutrina
aristotélica clássica (Aristóteles, séc. IV a.C. / 1993a, 1993b, 1994,
1996). A alma possui capacidades peculiares, que, na linguagem da dita
doutrina, são denominadas de potências. São elas: a potência
vegetativa; a sensitiva (a saber a capacidade sensorial proporcionada
pelos sentidos internos e externos), a locomotora, a apetitiva (sensitiva
e inteletiva); a cogitativa ou estimativa e a potência intelectiva
(intuitiva e abstrativa). Na realidade, as potências da alma correspondem
ao que hoje a psicologia moderna define como funções psíquicas,
notadamente: as funções sensoriais, as funções motivacionais e emocionais,
as funções intelectuais
(2).
A reproposição da psicologia aristotélica pelos jesuítas passa pela
interpretação que dela foi realizada pelo filósofo e teólogo Tomás de
Aquino (1980), no século XIII, assumindo portanto a denominação de
doutrina aristotélico-tomista.
Todavia, para além da continuidade
com esta tradição filosófica medieval, os
pensadores jesuítas de Coimbra sofrem a influência das mudanças culturais
que marcam o período humanista e renascentista ao qual pertencem. Deve-se
a tal influência, por exemplo, o fato de que, na discussão dos
Conimbricences, as teses e as questões
referentes à dinâmica das potências psicológicas sejam enfrentadas
inclusive no plano do comportamento humano, acarretando a interseção entre
os domínios da Psicologia e da Ética. Com efeito, o Humanismo e sobretudo
a Renascença – devido à ênfase na visão do homem como fazedor de si
mesmo (Cassirer, 1977; Garin, 1995) - revisitaram o pensamento
ético de Aristóteles, sendo que por isto a Ética a Nicomaco
(Aristóteles, 1996) foi um dos livros mais lidos e interpretados pelos
pensadores daquele período, inclusive pelos intelectuais da Companhia de
Jesus.
A
dinâmica psíquica que dá origem às ações humanas é a resultante da
interseção e interação entre a vontade, o intelecto e o desejo e o apetite
sensitivo. Todavia, na esteira do pensamento da época, os
Conimbricences supõem que haja uma relação de dependência entre as
demais potências da alma e a vontade e por isto detêm-se na análise da
dinâmica pela qual a vontade move as demais potências. Para tanto, o
elemento básico é a noção de desejo, que – na tradição do aristotelismo -
consiste na apetição ou seja na inclinação de todas as coisas para
o bem. Distingue-se entre o apetite inato e o apetite aprendido (elícito)
– pois a ênfase na formação do homem pela educação própria dos séculos XV
e XVI ressalta a importância da aprendizagem. O apetite inato
distingue-se em natural sensitivo (concupiscência) e natural intelectivo
(vontade).
É propriamente no plano de
uma fragilidade dos apetites e da vontade, fragilidade induzida (segundo a
teologia católica) pelo “pecado original” que – no entendimento de
Nogueira - pode ser explicado o “estado de barbaridade” dos índios. Esta
condição existencial, pela qual o homem “foi tornado semelhante à besta”,
é comum a todos os povos, seja os mais civilizados seja os menos, no
momento atual da história:
de maneira que todos, assim portuguezes, como castelhanos, como Tamoios,
como Aimurés, ficamos semelhantes a besta, por naturaleza corrupta, e
nisto todos somos iguaes, nem dispensou a naturaleza, mais com uma
geração, que com outra. (1988, p. 238).
Sendo esta a condição básica comum a todos os homens, a transformação é
pensada numa perspectiva totalmente moldada pelo Humanismo, pois ocorre
através da educação. Assim como o ferro “mettido na forja, o fogo o torna,
que mais parece fogo que ferro: assim todas as almas sem graça e charidade
de Deus, são ferros frios sem proveito, mas, quanto mais se aquenta, tanto
mais fazes delle o que quereis.” (Idem). O atributo de “bestialidade”
reservado aos índios pela literatura quinhentista, leiga e confessional, é
considerado por Nogueira comum a “todas as gerações” e civilizações:
adoravam pedras e páus, dos homens faziam deuses, tinham credito em
feitiçarias do diabo; outros adoravam os bois e vaccas, e outros adoravam
por deus aos ratos, e outras immundicies; e os judeus, que eram a gente de
mais razão, que no mundo havia, e que tinha contas com Deus, e tinha as
escrituras desde o começo do mundo, adoravam uma bezerra de metal... os
romanos, os gregos, e todos os outros gentios, pintam e têm inda por deus
a um idolo, a uma vacca, a um gallo. (Idem, p. 239).
Em comparação, a idolatria
dos índios aparece como mais razoável, pois eles cultuam um objeto que os
atemoriza, a saber o trovão: “os índios têm que há Deus, e dizem que é o
trovão, porque é cousa que elles acham mais temerosa, e nisto têm mais
razão, que os que adorão as rãs e os galos.” (Idem). Para Nogueira, a
inferioridade cultural dos povos indígenas em relação às outras nações não
é devida a uma diversidade quanto à estrutura psicológica dos mesmos (por
exemplo, o estado de barbaridade em que eles vivem não deve ser atribuido
a uma pressuposta inferioridade intelectual), e sim à educação: “terem os
romanos e outros gentios mais polícia que estes, não lhes veiu de terem
naturalmente melhor entendimento, mas de terem melhor criação, e
criarem-se mais politicamente” (1988, p. 240). O aspecto particularmente
significativo deste enunciado é o fato de que ele é comprovado pelo
conhecimento por experiência direta do índio:
e
bem creio que vós o vereis claro pois trataes com elles, e vêdes, que nas
cousas de seu mestre, e em que elles tratam, têm tão boas subtilezas, e
tão boas invenções e tão discretas palavras, como todos, o os padres os
experimentam cada dia com seus filhos, os quaes acham de tão bom
entendimento, que muito fazem a vantagem aos filhos dos christãos. (Idem).
A conclusão deste raciocínio
é, então, a afirmação de que a personalidade humana e o desenvolvimento de
suas potencialidades dependem do processo educacional:
um homem tem dois filhos de igual entendimento, um criado na aldea, e
outro na cidade; o da aldea empregou seu entendimento em fazer um arado, e
outras coisas da aldea, o da cidade em ser cortezão e político; certo
está, que ainda que tenha diversa criação, ambos têm um entendimento
natural exercitado segundo sua criação. (Idem).
A
tese de Nogueira é inovadora se comparada à representação do índio própria
do modelo cultural da época e anteriormente analisada, o que fica ainda
mais evidente procedendo ao estudo da continuidade de seu discurso, ou
seja a refutação da explicação da inferioridade cultural do índio baseada
na teoria da maldição bíblica da raça camítica, explicação bastante
difundida e acreditada naquele momento histórico:
dae-me vós que lhe entre a fé no coração que o mesmo será de um que de
outro, e o tempo e o trabalho e a diligência, que é necessário para
convencer um judeu ou um philosopho, se outro tantos gastardes com
doutrinar de novo um destes, mais fácil será sua conversão de coração.
(Idem).
Por outro lado, como já dissemos, esta visão fundamenta-se nos alicerces
do pensamento pedagógico humanista, que juntamente com a psicologia
aristotélico tomista, é a grande fonte inspiradora da doutrina
antropológica da Companhia.
Não é casual, por exemplo, o grande espaço dedicado no Comentário ao De
Anima (Góis, 1602) à questão das diferenças individuais quanto à alma
humana. Este tema – já abordado por Tomás de Aquino na Suma Teológica
(séc. XIII / 1980) de forma um tanto duvidosa, e interpretado pelos
filósofos peripatéticos de diferentes maneiras, é tratado com grande
ênfase pelos autor jesuíta do Comentário, o professor Manuel de Góis, no
capítulo referente às qualidades da alma. Aqui, afirma-se com firmeza que,
no que diz respeito à alma e às suas potências, os homens de todas as
raças e de todos os tempos, são iguais. Desse modo, a deficiência ou a
perfeição quanto às operações da mesma potência não devem ser atribuídas à
menor ou maior perfeição da potência, e sim ao defeito ou à perfeição do
órgão empregado (Góis, 1602, artigo II, capitulo I, quaestio V).
Tendo o objetivo de afirmar
as efetivas possibilidades de cristianização dos índios e de legitimar o
trabalho missionário da Companhia, Nogueira chega a declarar que quanto à
fé esses têm maior predisposição do que os povos ocidentais imbuídos de
racionalismo, fundamentando tal afirmação mais uma vez num elemento
derivado do seu conhecimento direto (por “experiência”) da psicologia
indígena. Com efeito, Nogueira acha que os nativos são mais dispostos a
acreditar na palavra dos outros, pois “se lhes deitaes a morte, cuidam,
que os podeis matar, e morrerem da imaginação pelo muito e sobejo que crêm
e crêm que o panicú ha de ir à roça, e outras coisas semelhantes, que seus
feiticeros lhes mettem na cabeça.” (1988, p. 241).
Além de referir o dado
derivado da observação dos índios em seu mundo cultural, Nogueira constata
que análoga disposição se manifesta com relação à pregação dos
missionários católicos: “muito há, que estou na terra, e tenho fallado de
Deus muito, por mandado dos padres, e nunca vi a nenhum ter tanta fé, que
me parecesse que morreria por ella, se fosse necessário.” (Idem, p.
241-242). Quanto aos casos em que os nativos resistam à pregação, a causa
é, para Nogueira, o fato de que eles não podem confiar na palavra dos
pregadores, os quais com seus maus exemplos desacreditam seu próprio
discurso.
Em todas estas afirmações,
fica evidente a influência do pensamento humanista do século XVI:
notadamente a relevância atribuida à palavra e ao exemplo, um certo teor
utópico na consideração do homem e da sociedade, a ênfase no poder da
imaginação (rotulada como fantasia e como potência cogitativa).
Não devemos esquecer, todavia, que o motivo inspirador de toda esta
discussão no âmbito da Companhia é eminentemente pragmático. Com efeito, o
Diálogo, provavelmente elaborado visando a intenção de
convencer a opinião pública católica acerca do valor e da eficácia dos
trabalhos missionários dos jesuítas junto aos índios brasileiros, obedece
evidentemente à mesma lógica política e cultural que inspirou Nóbrega e a
Companhia em sua atuação no Brasil.
No que diz respeito ao objetivo específico de nossa análise, é
interessante observar que a inferência de características psicológicas do
índio é necessária, nesse texto, para corroborar a tese da humanidade do
índio, tese que por sua vez justifica a ação evangelizadora dos religiosos
junto a ele. Apesar do autor fazer, em várias ocasiões, referência ao seu
conhecimento direto dos povos indígenas, é evidente que esta psicologia
do índio é construída nos moldes do modelo cultural europeu da época,
notadamente da filosofia aristotélica-tomista e do humanismo pedagógico,
doutrinas essas que, conforme vimos, permeavam o espírito da formação
jesuítica (Rodrigues, 1985; Giard, 1995).
As informações de José de Anchieta
Na Informação da Província do Brasil escrita por José de Anchieta
em 1585 e destinada ao Padre Geral da Companhia, algumas das teses de
Nóbrega são repropostas, embora com nuances diferentes. O juízo geral de
Anchieta acerca da “natureza” do índio parece menos positivo do que o de
Nobrega, pois ele afirma que “são gente de mui pouca capacidade natural,
se bem que para sua salvação têm juízo bastante e não são tão boçais e
rudes como por lá se imagina.” (ed. 1988, p. 441). Este trecho é muito
significativo, pois ao mesmo tempo em que Anchieta parece propor uma
representação do índio livre daquilo que ele acredita ser um fácil e
retórico otimismo, contrapõe-na à visão negativa acerca do mesmo que teria
sido elaborada “por lá”. O conhecimento do outro adquirido pela
experiência direta é aqui explicitamente privilegiado e contraposto a um
conhecimento a priori, determinado por um código cultural
preconcebido. Anchieta propõe, então, um ponto de vista epistêmico a
partir do qual pode construir o saber sobre o 'outro', baseado no contato
direto com a realidade deste e não no que “lá se imagina” (Idem).
Quanto à importância da
pregação como instrumento fundamental para a doutrinação dos índios, esta
tese, já enunciada por Nóbrega, é reforçada por Anchieta a partir de
considerações análogas às que já encontramos no pequeno tratado de
Nóbrega, ou seja o enorme valor atribuído à fala e à palavra pelos índios:
Fazem muito caso entre si, como os Romanos, de bons línguas e lhes chama
senhores da fala e um língua acaba com eles quanto quer e lhes fazem nas
guerras que matem ou não matem e que vão a uma parte ou a uma outra, e é
senhor da vida e morte e ouvem-no toda uma noite e às vezes também o dia
sem dormir nem comer e para experimentar se é bom língua e eloqüente, se
põem muitos com ele toda uma noite para o vencer e cansar, e se não o
fazem, o têm por grande homem e língua. Por isso há pregadores entre eles
muito estimados que os exortam a guerrear, matar homens e fazer outras
façanhas desta sorte. (Idem, p. 441).
O
olhar de Anchieta é particularmente atento aos traços psicológicos do
temperamento dos nativos. Portanto, afirma que eles “são algo melancólicos”
e da mesma forma como vários outros autores acima analisados, retrata
neles a sensibilidade e a força de sua imaginação: “se querem morrer com
apreender somente a morte na imaginação ou com comer terra; ou lhes digam
que se hão de morrer ou lhes ponham medo morrem brevissimamente.” (Idem,
p. 442).
Neste ponto, Anchieta apoia-se nos conhecimentos próprios de uma área de
saber definida no universo mental e cultural do Ocidente, como Medicina
da Alma ou Medicina do Espírito. Na mentalidade do ocidente
medieval e renascentista, a Medicina da Alma corresponde à “ciência” ou à
“arte de viver”. Desse modo, teologia, filosofia e medicina encarregam-se
de construir o domínio da Medicina da Alma - cada uma com suas
competências e perspectivas próprias - e é assim que este domínio vem
abarcar um conjunto de conhecimentos de vária natureza, desde as teorias
médicas (como, por exemplo, a teoria humoralista) até aos conselhos
sugeridos pela sabedoria dos Padres do deserto, da antiga tradição da
Patrística cristã. A teoria humoralista – cujas origens remontam a
Hipócrates e Galeno, considera a constituição do homem determinada pela
presença de quatro humores fundamentais que, por sua vez,
correspondem aos quatro elementos básicos da composição do Universo. Os
humores são: biles preta (melancolia), biles amarela, fleuma e sangue.
Conforme o predomínio de um destes na constituição dos indivíduos, tem-se
quatro tipos de temperamentos: melancólico, colérico, fleumático e
sangüíneo. Os temperamentos, por sua vez, determinam as características
psicossomáticas do sujeito: sua condição orgânica bem como seus estados
psíquicos (Klibansky, Panofsky e Saxl, 1983). No século XVI, o médico
espanhol Huarte de San Juan, formado pela Universidade de Alcalá e autor
do Examen de ingenios para las sciencias (1574), estabelece
estreita correspondência entre a Medicina do corpo, a Medicina do Animo e
a construção política e social da sociedade, baseando-se no modelo da
República platônica. Desse modo, a prática social apoia-se na
filosofia natural, sendo o corpo social estruturado em analogia com o
microcosmo que é o homem (San Juan, 1989).
Os jesuítas dão continuidade a esta tradição e difundem-na, inclusive em
seus âmbitos de presença missionária, como o Brasil. Já nos escritos de
Inácio de Loyola, fundador da Ordem religiosa, vemos a referência
freqüente a esta tradição de conhecimentos, em função do entendimento mais
profundo do ser humano e de seu destino, visando à orientação (“direção”)
de sua vida espiritual. Assim, por exemplo, em carta escrita ao Padre
Antônio Brandão em junho de 1551, Loyola frisa a importância de que o
mestre espiritual conheça o temperamento daquele que se entrega aos seus
cuidados, afirmando a necessidade de “acomodar-se à complexão daquele com
quem se conversa, a saber, se é fleumático ou colérico, etc. (...), e isto
com moderação.”
(Loyola, 1993, vol. 2, p. 89).
A
mesma “arte de viver”
(3)
Loyola demostra ao indicar algumas regras de convivência ao Padres Broett
e Salmerón (carta escrita em Roma, setembro de 1541):
Nos negócios com toda a gente, principalmente com iguais ou
inferiores em dignidade, falar pouco e esperar, ouvir muito e de bom
grado; sim, escutar longamente até acabarem de dizer o que querem. Depois
disso, responder em diversos pontos, concluindo e despedindo-se. Se
retomarem a questão, abreviar as respostas no que for possível. A
despedida, embora rápida, seja amável.
No trato de pessoas de qualidades insignes, procurar ganhar-lhes a afeição
para maior serviço de Deus Nosso Senhor. Para isso atender primeiro ao seu
temperamento e adaptar-se a ele. Se são coléricos e falam com viveza,
tomar um pouco seu modo em bons e santos assuntos; para esses, nada de
grave, lento ou melancólico. Mas com os sérios, lento no falar, graves e
pesados, tomar também o modo deles, porque isto lhes agrada: “Fiz-me tudo
para todos”.
Advirta-se o seguinte: se alguém é de temperamento colérico e trata com
outro colérico, se não são de um mesmo sentir, há grandíssimo perigo de se
desajustarem suas conversas. Portanto, se um conhece ser de compleição
colérica, deve ir, em todos os pontos do negócio, muito armado de
consideração, com decisão de suportar e não altercar com o outro,
principalmente se sabe que é doente. Mas se tratar com fleumático ou
melancólico, não há tanto perigo de desajuste por palavras precipitadas.
(Loyola, 1541 / 1993, vol. 3, pp. 21-22).
É
natural então que, seguindo seu mestre Inácio, José de Anchieta utilize
este referencial na observação dos índios brasileiros, visando o
estabelecimento do melhor “trato” com eles.
Anchieta (1585 / 1988) frisa também o fato de que eles “amam muito os
filhos” e interpreta a nudez como sinal de sua “candura natural”,
representado “o estado de inocência” (p. 442). Esta notação é
sucessivamente confirmada pela informação de que, após a conversão do
índios ao cristianismo, eles “com andarem nus, não há homem que ponha o
olho em mulher alheia.” (p. 443).
Outra qualidade positiva da psicologia indígena apontada por Anchieta é o
da sociabilidade:
Não são demandões, mas benfazejos e caritativos; todos os que lhes entram
em casa comem com eles sem lhes dizer nada... Vivem muitos juntos e umas
casa mui grandes de palma que chamam ocas e com tanta paz que põem
espanto, e com terem as casa sem portas e suas cousas sem chave por nenhum
modo furtam uns aos outros. (1585 / 1988, p. 442).
Da mesma forma que Nóbrega,
Anchieta acredita na educação como instrumento fundamental da conversão
dos índios, os quais parecem “tamquam tabula rasa para imprimir-se-lhes
todo o bem” (Idem, p. 443). O apego dos nativos ao seu modelo cultural e a
seus costumes tradicionais parece ser subestimado por Anchieta neste
informe pois ele escreve que
nem ha dificuldade em tirar-lhes rito nem adoração de ídolos porque não os
têm e os costumes depravados, deixam-nos com facilidade e ficam muito
sujeitos a nosso padres e lhes têm amor e respeito e não movem pé nem mão
sem eles. (Idem, p. 443).
Sabemos porém, pela leitura da correspondência jesuítica, que nem sempre
as coisas serião tão fáceis para os missionários, os quais deparavam-se
muitas vezes com a resistência dos índios e com a recusa de abandonar suas
tradições contrárias à ética cristã, ou com o retorno dos convertidos aos
antigos hábitos pagãos.
A
apreciação das capacidades intelectuais dos índios também é positiva, aos
olhos de Anchieta, pois “compreendem muito bem a doutrina” (1585/ 1988, p.
443) e na aprendizagem da leitura, da escritura, da aritmética, do canto e
da língua portuguesa, “tudo tomam mui bem” (ibidem).
É
provável que, conforme já discutimos acerca do Diálogo de Nóbrega,
tratando-se de uma informação de teor oficial destinada a obter apoios e
aprovação dos trabalhos missionários, a ênfase positiva nesta descrição do
índio seja devida, pelo menos em parte, à necessidade de convencer os
leitores acerca das possibilidades de sucesso do empenho missionário dos
padres jesuítas.
De qualquer forma, o interesse acerca do conhecimento das características
psicológicas do índio parece marcante nos escritos de Anchieta. Na
Informação dos casamentos dos índios do Brasil, o mesmo autor busca
investigar as peculiares relações de parentesco existentes na comunidade
indígena, procurando desvendar os sentimentos vivenciados em tais relações
sociais. Ele descobre por exemplo que os índios não têm um particular
“sentimento de adultério” (1585 / 1988, p. 457), e acerca dos índios
polígamos os quais possuem várias mulheres, afirma que “não é possível
saber-se com qual delas se juntaram com ânimo marital, porque nem eles
entendem quanto importa falar nisto verdade, nem o sabem dizer realmente,
porque para com todas tivera o mesmo ânimo” (Idem, p. 460). A dificuldade
do missionário em compreender a psicologia do outro é, aqui, muito clara.
Anchieta busca inclusive entender os motivos de alguns fenômenos sociais
particularmente curiosos e estranhos para o olhar europeu, já descritos
pelos demais cronistas, como por exemplo, o fato de que, após o parto, é o
pai a receber cuidados e visitas, e não a mãe. Isto explica-se pelo fato
de que os índios “têm para si que o parentesco verdadeiro vem pela parte
dos pais, que são os agentes; e que as mães não são mais que uns sacos, em
respeito dos pais, em que se criam as crianças.” (Idem, p. 460).
Do princípio e origem dos índios do Brasil e narrativa epistolar
de uma viagem e missão jesuítica, de Fernão Cardim
Uma postura muito semelhante refletem os escritos Do princípio e origem
dos índios do Brasil e a Narrativa epistolar de uma viagem e missão
jesuítica, atribuídos ao jesuíta Fernão Cardim e redigidos
provavelmente por volta de 1584.
Um aspecto muito interessante do primeiro texto é a de que nele Cardim faz
distinção entre crenças religiosas e conhecimentos psicológicos dos
índios. Estes, apesar de não parecerem ter crenças religiosas, revelam
dispor de algum tipo de conhecimentos psicológicos em sua bagagem
cultural: de fato, apesar de não ter noção de Deus nem de culto divino,
“sabem que têm alma e que esta não morre e depois da morte vão a uns
campos onde ha muitas figueiras ao longo de um formoso rio, e todas juntas
não fazem outra coisa senão bailar.” (1584 / 1980, p. 87).
No que diz respeito aos conhecimentos acerca da psicologia indígena,
repete-se aqui a observação de que os índios são em extremo submetidos ao
poder da imaginação: assim, por exemplo, eles “têm grande medo do demônio
e é tanto o medo que lhe têm, que só de imaginarem nelle morre, como
aconteceu já muitas vezes.” (1584 / 1980, p. 87).
A
importância das emoções e de suas influências (às vezes nefastas) no plano
orgânico, é de fato enfatizada na literatura jesuítica bem como na cultura
da época em geral. Os tratados Conimbricences, por exemplo,
atribuem grande importância a estes estados da alma definidos como
paixões, e que na linguagem da psicologia moderna correspondem às
emoções ou sentimentos. As paixões são entendidas como movimentos do
apetite sensitivo, provenientes da apreensão do bem ou do mal, acarretando
algum tipo de mutação não natural do corpo. Neste sentido, elas
dependeriam sempre de uma representação que o intelecto faz de algum
objeto julgado como bom ou mau. Os Conimbricences, assim como toda
a cultura do seu tempo, atribuem grande importância aos estados da alma
definidos como paixões, e que na linguagem da psicologia moderna
correspondem às emoções ou sentimentos. As paixões são entendidas como
movimentos do apetite sensitivo, provenientes da apreensão do bem ou do
mal, acarretando algum tipo de mutação não natural do corpo. Neste
sentido, elas dependeriam sempre de uma representação que o intelecto faz
de algum objeto julgado como bom ou mau. Como o apetite sensitivo tem sua
localização orgânica no coração, é possível que um movimento muito brusco
chegue a causar o óbito.
(4)
Cardim também enfatiza a
sociabilidade do temperamento indígena, que se expressa em vários sinais,
desde a liberalidade no repartir o alimento (“repartem tudo o que têm com
seus amigos”, idem, p. 88), até a estrutura da casa, chamada “oca”, na
qual “não há repartimentos entre uns e outros... e entrando nella se vê
tudo quanto tem.” (Idem, p. 90). A descrição da oca feita na Narrativa
é ainda mais sugestiva:
Parece a casa um inferno ou labyrinto, uns cantam, outros choram, outros
comem, outros fazem farinhas e vinhos, etc., e toda a casa arde em fogos;
porém é tanta a conformidade entre elles que em todo o anno não há peleja,
e com não terem nada fechado não há furtos; se fora qualquer outra nação,
não poderiam viver da maneira que vivem sem muitos queixumes, desgostos, e
ainda mortes, o que se não acha entre elles. (1584 / 1980, p 152).
Segundo Cardim, desde
criança os índios acostumam-se ao convívio social, pois os meninos jogam
entre eles
com muita quietação e
amizade, (...) entre eles não se ouvem nomes ruins, nem pulhas, nem
chamarem nomes aos pais e mães, e raramente quando jogão se desconcertão,
nem desavêm por causa alguma, raramente dão uns nos outros, nem pelejão.
(Idem, p. 93).
A
sociabilidade no interior da tribo contrasta com a agressividade e a
violência demostrada no comportamento contra os inimigos. Nesse aspecto,
Cardim confirma o juízo dos demais autores: “são intrépidos e ferozes que
mete espanto” (1584 / 1980, p. 95).
O
valor atribuído à palavra e à disposição para o discurso é relatado por
Cardim ao descrever o hábito que os chefes da tribo têm de pregar de
madrugada, organizando e distribuindo tarefas para o ritmo quotidiano da
vida da povoação. O autor refere a interpretação dada pelos próprios
nativos acerca da origem desse hábito:
tomarão este modo de um passaro que se parece com os falções o qual canta
de madrugada e lhe chamam rei, senhor dos outros passaros, e dizem elles
que assim como aquelle passaro canta de madrugada para ser ouvido dos
outros, assim convém que os principaes fação aquellas falas e pregações de
madrugada para serem ouvidos dos seus. (Idem, p. 89).
Quanto aos sentimento, confirma-se o fato de que os índios “amão os filhos
extraordinariamente” (p. 91) e que “não lhes dão nenhum gênero de castigo”
(p. 91). Na Narrativa, Cardim voltar a observar que os
nativos “nenhum gênero de castigo têm para os filhos; nem ha pai nem mãe
que em toda a vida castigue nem toque em filho, tanto os trazem nos olhos”
(1584 / 1980, p. 153). Cardim constata que, apesar disso, “em pequenos são
obedientíssimos a seus pais e mães, e todos muito amáveis e
aprazíveis”(Idem, p. 153), fato que devia intrigar muito a mentalidade e
os conceitos pedagógicos do jesuíta europeu, acostumado a considerar a
punição como necessária na relação educativa, conforme a prática de seu
tempo, quando se usava castigar até estudantes universitários, príncipes e
reis (Ariés, 1981).
Quanto ao temperamento, “são melancólicos” (Cardim, 1584 / 1980, p. 93),
ainda que os “meninos são alegres e dados a folgar” (Idem), mais do que os
meninos portugueses.
Outro aspecto do modelo
cultural indígena de que Cardim ressalta a novidade é a saudação lacrimosa
reservada aos hóspedes ou aos recém chegados, a respeito da qual o jesuíta
comenta: “é cousa não somente nova, mas de grande espanto, ver o modo que
têm em agasalhar os hospedes, os quaes agasalham chorando por um modo
estranho” (Idem, p. 153). O narrador jesuíta declara sua incapacidade de
avaliar a dimensão afetiva deste gesto (o choro que aos olhos do europeu é
expressão de tristeza, para o índio pode comunicar também alegria), mas
reconhece o valor que o gesto tem para o outro e a necessidade de
respeitá-lo: “Neste tempo do triste ou alegre recebimento, a maior injuria
que lhes podem fazer é dizer-lhes que se calem, ou que basta com esses
choros” (Idem, p. 153). O missionário parece demonstrar aqui um
conhecimento prático da psicologia dos índios, conhecimento este que é
necessário para manter um bom relacionamento com esses, pois apesar dele
ser incapaz de interpretar o significado de determinados gestos, novos aos
seus olhos, entende que tais gestos são para o outro muito importantes, e
como tais devem ser respeitados.
Coisas do Brasil, de Francisco Soares
O
pequeno tratado Coisas do Brasil do jesuíta Francisco Soares (1590)
descreve também alguns elementos da cultura indígena significativos no que
diz respeito aos conhecimentos psicológicos. Entre outras coisas, Soares
relata que
sabem estes índios que o homem tem alma (...) e que depois de morrerem vão
suas almas a uns campos muito formosos cheios de árvores e figueiras e se
ajuntam com outros doutra nação, mas os vêem afastados, e que lá não há
tristeza, senão cantar e bailar junto ao rio (1590 / 1989, p. 146).
Além disto, também este autor jesuíta refere-se à grande influência da
imaginação sobre o comportamento dos mesmos, pois morrem por medo dos
demônios “por terem grande eficácia na imaginação”, (Idem). Soares refere
a interpretação dos nativos acerca da origem do fogo, do diabo, da
antropofagia, do dilúvio. Seu escrito confirma o juízo positivo dos textos
anteriormente analisados, acerca da sociabilidade do temperamento dos
índios (“logo repartem por todos” os frutos de sua caça, p. 150), mas à
diferença de outros autores, Soares julga que “não são luxuriosos”e “posto
que alguns tenham muitas mulheres, é por estado” (Idem).
Conclusão
A
análise dos documentos acima apresentados evidenciou-se que para alguns
entre os autores considerados, a compreensão do índio brasileiro em suas
características psicológicas, culturais e sociais, para além de um código
interpretativo preconcebido, ou de um crivo ideológico que oriente a
construção de sua representação, foi favorecida pela existência de um
âmbito espaço-temporal de convivência. Uma vez que esta condição se tornou
possível, a representação do outro sugerida pelo modelo cultural de
referência possuído pelo observador, exigiu de ser modificada pelos dados
de observação da experiência direta e pelas interpretações destes dados,
colhidas através de relacionamentos concretos com informantes nativos.
No que diz respeito ao nosso objeto de investigação, a saber, a
representação das características psicológicas do índio na literatura
jesuítica quinhentista, vimos como esta representação foi, na maioria dos
casos, moldada por categorias próprias do modelo cultural tradicional.
Assim, a atribuição ao índio de um psiquismo, deriva, em parte, das
condições que o código interpretativo da alteridade inerente a este modelo
indica como elementos necessários para que outro ser possa ser reconhecido
como ser humano. Por outro lado, o reconhecimento efetivo da identidade
psicossocial do índio, enquanto sujeito, fundamenta-se num espaço de
relações concretas onde a subjetividade dele se revele e os seus
comportamentos possam ser considerados, respeitados e, eventualmente,
entendidos em sua peculiaridade e diversidade. É o que vimos ocorrer,
mesmo que parcialmente, nos escritos de José de Anchieta, de Fernão Cardim.
Fora desse espaço constituído por relações sociais concretas, acaba
prevalecendo um tipo de conhecimento preconcebido, construído com base em
categorias apriorísticas e estandardizadas.
Com efeito, se, por
um lado, tal conhecimento é fruto de uma tradição cultural fecunda e
consistente, já amadurecida pelos contatos estabelecidos com outros povos
e culturas ao longo da história, por outro, é também delimitado por
interesses e objetivos parciais de natureza política, doutrinária e
econômica. Trata-se, para retomar a expressão de Anchieta, de uma “imagem
de lá”, projetada num aqui-e-agora distante, na tentativa (ilusória)
de torná-lo próximo, um aqui-e-agora que, somente para quem aventurou-se
em atravessar o espaço da distância geográfica e aquele mais profundo da
distância cultural e social, tornou-se presença real, evidência de
alteridade, desafio para o conhecimento.
Referências bibliográficas
Albonico, A. (1990). Il cardinal
Federico “Americanista”. Roma: Bulzoni.
Albuquerque, L.; Ferronha, A.L.; Horta, J.S. & Loureiro, R. (Org.).
(1991). O confronto do olhar: o encontro dos povos na época das
navegações portuguesas. Lisboa: Caminho.
Anchieta, J. (1988). Cartas, informações, fragmentos históricos e
sermões. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia (Coleção Reconquista do Brasil, serie 2, 149).
Andrade, A.B. (1981). Contributos para a história da mentalidade
pedagógica portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda.
Acquaviva, C. (1893). Instructio ad reddendam rationem conscientiae iuxta
morem Societatis Iesu; Industriae ad curandos animi morbos Em B. De
Angelis (Org.). Institutum. v. 2. (pp. 397-440). Firenze:
Tipografia della Concezione. (Original publicado em 1600).
Aquino, T. (1980). Suma Teológica. v. 3. (R. Costa, Org.; A.
Correa, Trad.). Porto Alegre: Editora Sulina.
Aristote. (1993a). Rethorique. (P. Louis, Trad.). Paris: Les Belles
Lettres. (Original do séc. IV a.C.).
Aristote. (1994). Problémes
v. 3.
(P. Louis, Trad.). Paris: Les Belles Lettres. (Original do séc.
IV a.C.).
Aristotele. (1993b). Etica a Nicomaco.
(C.
Mazzarelli, Trad.) Milano: Rusconi. (Original do séc. IV a.C.).
Barreto, L.F. (1983). Descobrimentos e Renascimento: formas de pensar e
de ser nos séculos XV e XVI. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda.
Barreto, L.F. (1986). Caminhos do saber no renascimento português:
estudos de história e teoria da cultura. Lisboa, Imprensa nacional;
Casa da Moeda.
Bloch, M.
(1993). Os reis taumaturgos. (M. Vilela, Trad.). São Paulo:
Companhia das Letras. (Original publicado em 1983).
Buesco, M.L.C. (1983).
O estudo das línguas
exóticas no século XVI.
Lisboa: Instituto da Língua e Cultura Portuguesa.
Caeiro, F.G. (1982). O pensamento filosófico do século XVI ao século XVIII
em Portugal e no Brasil. Em Faculdade de Filosofia de Braga (Org.).
Acta do primeiro congresso luso-brasileiro de filosofia. (pp. 51-90).
Braga: Faculdade de Filosofia.
Caeiro, F.G. (1989).
El
problema de las raíces históricas. Em: E. Barba (Org.). Iberoamerica,
una comunidad. (pp. 377-389). Madrid: Ediciones de Cultura Hispánica.
Cardim, F. (1980). Tratados da terra e gentes do Brasil. São Paulo:
Editora Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Itatiaia (Coleção
Reconquista do Brasil, 13). (Original publicado em 1625).
Cardini,
F. (1986). Magia, stregoneria, superstizioni nell'Occidente medievale.
Firenze: La Nuova Italia.
Carvalho, J.B. (1980). O Renascimento português (em busca da sua
especificidade). Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda.
Cascudo,
L.C. (1989). Dicionario do folclore brasileiro. São Paulo: Editora
Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Itatiaia (Coleção Reconquista
do Brasil, 151).
Cassirer,
E. (1977). Individuo e cosmo nella filosofia del Rinascimento. (F.
Federici, Trad.). Firenze: La Nuova Italia (Original publicado em 1935).
Certeau,
M. (2000). A escrita da história. (M.L. Menezes, Trad.).
Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária. (Original publicado em
1975).
Crombie, A. (1987). Historia de la ciencia: de San Agustín a Galileo.
(J. Bernia Trad.). v. 1 e 2. Madrid: Alianza Universitaria.
(Original publicado em 1959).
Delumeau, J. (1994). A civilização do Renascimento. (M. Ruas, Trad.).
Lisboa: Estampa, v. 1 e 2 (Original publicado em 1964.
Eliade, M. (1991).
Paradiso e
utopia: il messianismo nella societá americana. I Quaderni di Avallon:
rivista di studi sull'uomo e il sacro, 24, 29-50.
Freyre,
G. (1958). Casa Grande & Senzala: formulação da família brasileira sob
regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: José Olympio. 2v.
Garin,
E. (1995). L’uomo del Rinascimento, Bari: Laterza.
Giard,
L. (1995). Les jésuites á la Renaissance: système éducatif et
production du savoir. Paris: PUF (Bibliothèque d’histoire des
sciences).
Giard,
L. & Vaucelles, L. (1996). Les jésuites à l’âge baroque, 1540-1640.
Grenoble:
Millon.
Gilardo, L.M. (1995).
Autobiografie di gesuiti in Italia (1540-1640):
storia e interpretazione.
Archivum Historicum
Societatis Iesu,
64, 3-38.
Gliozzi,
G. (1977). Adamo e il nuovo mondo. La nascita dell'Antropologia come
ideologia coloniale: dalle genealogie bibliche alle teorie razziali
(1500-1700).
Firenze: La Nuova Italia Editrice.
Godinho, V.M. (1990). Mito e mercadoria: utopia e pratica de navegar,
séculos XIII-XVIII. Lisboa: Difel.
Góis, M.
(1593). Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu in Libros
Aristotelis qui Parva Naturalia appellantur.
Lisboa: Simão Lopes.
Góis, M.
(1602). Commentarii Collegii Conimbricensis Societati Iesu in tres
Libros de Anima. Veneza: Tipografia Vincenzo Amandino.
Góis, M.
(1607). Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu in Libro de
generatione et corruptione Aristotelis stagiritae nunc recens omni
diligentia recogniti et emendati.
Veneza: Tipografia
Vincenzo Amadino.
Góis, M. (1957). Disputas do Curso sobre os livros da Moral da Ética a
Nicomaco, de Aristóteles em que se contêm alguns dos principais capítulos
da Moral (A B. Andrade, Trad.). Lisboa: Instituto de Alta Cultura.
(Original publicado em 1593).
Hanke,
L. (1985). La humanidad es una. Mexico: Fondo de Cultura Economica.
Holanda, S.B. (1977). Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia Nacional.
Iparraguirre, I. (1961). Répertoire de spiritualié ignatienne, de la
mort de S. Ignace à celle du P. Aquaviva, 1556-1615. Roma: Institutum
Historicum Societatis Iesu.
Iparraguirre, I. (1967). Comentarios de los Ejercicios Ignacianos (siglos
XVI-XVIII), Repertorio critico.
Roma: Institutum
Historicum Societais Iesu.
Klibansky, R.; Panofsky, E. & Saxl, F. (1983). Saturno e la melanconia.
(R. Federici, Trad.). Torino: Einaudi. (Original publicado em 1923).
Lamalle, E. (1981-1982). L’archivio di un grande ordine religioso: l’Archivio
Generale della Compagnia di Gesù. Archiva Ecclesiae, 24-25 (1),
89-120.
Leite, S. (Org.). (1956-60).
Monumenta Brasiliae.
Roma: Monumenta Historica Societatis Iesu. 5 v.
Loyola, I. (1993). Cartas. (A. Cardoso, Trad.). São Paulo:
Loyola. 3v. (Originais: 1524-1556).
Loyola, I. (1982). Obras completas. Madrid: Bibliotecas Autores
Cristianos.
Macedo, J.B. (1975). Livros impressos em Portugal no século XVI:
interesses e formas de mentalidades. Arquivos do Centro Cultural
Português,
IX,
183-221.
Maravall, J.A (1997). A cultura do barroco. (S. Garcia, Trad.).
São Paulo: Editora Universidade de São Paulo. (Original publicado em
1975).
Margarido, A. (1984). La vision de l'autre (Africain et indien d'Amérique)
dans la Renaissance portugaise. Paris: Foundation Calouse
Gulbenkian; Centre Cultural Portugaise.
Martins, A.M. (1989). Conimbricenses. Logos, 2, 1112-1126.
Massimi, M.; Mahfoud, M.; Silva, P.C.J. & Avanci, S.H.S. (1997). Navegadores,
colonos, misisonários na Terra de Santa Cruz: um estudo psicológico da
correspondência epistolar.
São Paulo: Loyola.
Massimi,
M. (2000). La psicologia dei temperamenti nei cataloghi triennali dei
gesuiti in Brasile. Physis: rivista internazionale di storia della
scienza, 37, 137-150.
Mazzoleni, G. (1992).
O Planeta cultural: para uma
antropologia histórica.
(L. Laganá, Trad.). São Paulo: Istituto Italiano di
Cultura di São Paulo; Editora Universidade de São Paulo. (Original
publicado em 1990).
Mello e Sousa, L. (1989). O diabo na Terra de Santa Cruz. Rio de
Janeiro: Companhia das Letras.
Mello e Sousa, L. (1993). O inferno atlântico. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras.
Metraux,
A. (1979). A religião dos Tupinanbás. (E. Pinto, Trad.). São
Paulo: Companhia Editora Nacional. (Original publicado em 1950).
Navarro,
A. e col. (1988). Cartas avulsas. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Editora Itatiaia. (Coleção
Reconquista do Brasil, 148).
Nóbrega, M. (1988). Cartas do Brasil. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Editora Itatiaia. (Coleção
Reconquista do Brasil, 147) (Originais de
1549-1560).
Paim, A. (1974). História das idéias filosóficas no Brasil. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.
Rodrigues, M.A. (1985). Do Humanismo à Contra-Reforma em Portugal.
Revista de história das idéias, 3, 40-52
San
Juan, H. (1989). Examen de ingenios. Madri: Catedra; Letras
Hispánicas. (Original publicado en 1574).
Santos, M.A. (1955). Apontamentos à margem das conclusões impressas dos
mestres jesuítas portugueses de Filosofia. Revista portuguesa de
filosofia, 11, 561-567.
Soares, F. (1989). Coisas notáveis do Brasil. Em L.. Albuquerque. O
reconhecimento do Brasil. (pp. 131-200). Lisboa: Publicações Alfa.
(Biblioteca da Expansão Portuguesa, 14).
Tavares, S. (1948). O Colégio das artes e a filosofia em Portugal.
Revista portuguesa de filosofia,4, 227-240.
Todorov, T. (1989). La conquista de América: el problema del otro
(M. Soler, Trad.). Madrid: Siglo XXI (Original publicado em 1982).
Verheecke, M. (1984). L’itineraire du chrétien d’après les Exercices
spirituels d’Ignace de Loyola et ses presupposés anthropologiques.
Louvain La Neuve: Diffusion Centre Cerfaux; Lefort.
Notas
(1) A importância da contribuição da Companhia de Jesus
na elaboração do saber e da ciência ocidentais, a partir do século XVI,
tem sido recentemente apontada por vários estudiosos. A historiografia da
ciência e da pedagogia jesuítica constitui-se hoje numa área muito
importante de atuação dos historiadores da ciência e da cultura (Andrade,
1981; Caeiro, 1982 e 1989; Giard, 1995; Giard e Vaucelles, 1996; Maravall,
1997; Rodrigues, 1985).(volta)
(2)
Todavia, na perspectiva da psicologia
aristotélica, as potências não se identificam tout court com os
fenômenos, ao passo que a psicologia moderna reconhece existência apenas
aos fenômenos, tendo sido inclusive esta diferenciação o salto decisivo
para o nascimento da ciência psicológica no século XIX.(volta)
(
3) A aplicação deste conhecimentos encontra-se também
nos escritos de Cláudio Acquaviva (1543-1615), um dos sucessores de Inácio
na Generalado da Companhia (Acquaviva, 1893).(volta)
(
4) Os Conimbricences atribuem grande importância também às
questões acerca dos correlatos fisiológicos e biológicos da dinâmica das
paixões, tais como: as relações entre a tristeza, o sono e os sonhos; as
relações entre os sonhos e as paixões; as relações entre as paixões, o
sistema cárdio-vascular e a respiração; as relações entre as paixões e a
constituição psicossomática dos indivíduos (temperamento); as relações
entre as paixões e as diversas idades da vida. Afirmam os efeitos
benéficos do sono no controle das paixões. Discutem os casos de óbitos ou
de doenças induzidas por paixões de excessiva intensidade (especialmente
os excessos na ira, no medo, na tristeza, ou na alegria). Analisam os
efeitos somáticos de algumas paixões, tais como o empalidecer e o tremor
induzidos pelo medo, a sede e o arrepio de cabelos em decorrência do medo;
as relações complementares entre diversas paixões (por exemplo, entre a
ira, a tristeza, a dor e o prazer) e os nexos entre o amor e a loucura.(volta)
Marina Massimi é Livre Docente e trabalha junto ao Departamento
de Psicologia e Educação na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, Campus de Ribeirão Preto, Brasil. Especialista
na área de História das Idéias Psicológicas na Cultura Luso-Brasileira.
Contato: Avenida Bandeirantes, 3900 - 14040-901 - Ribeirão
Preto (SP) / Brasil. E-mail:
mmarina@ffclrp.usp.br.
Data de recebimento: 31/07/2003
Data de aceite: 17/10/2003
Memorandum 5, out/2003
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos05/massimi03.htm