Introdução: Michel
Foucault e o nomadismo no pensamento
A crítica
foucaultiana à pretensão de unidade do discurso em função da noção de
autor estabelecida em O que é um autor? (1992) talvez não encontre
maior pertinência que na reunião de enunciados cunhados pela assinatura do
próprio Michel Foucault. Quase impossível detectar um traço qualquer de
permanência, que não seja o da constante ultrapassagem de um pensamento,
que sempre apaga suas próprias pistas e produz novas evidências. Como se a
essência do pensar pudesse ser constantemente se dis-pensar se re-pensar.
Impossível falar em nome de Foucault, impossível Ser foucaultiano. Antes
de se perguntar “Quem-Foucault?”, é necessário se perguntar “Qual-Foucault?”,
na instantaneidade de um certo texto, no conjunto de forças momentâneas
que atravessam os enunciados assinados com o seu nome. Daí que sob a
máscara foucaultiana podemos encontrar o zumbido de um coletivo. A tarefa
deste artigo será tentar captar um dos personagens que se escondem sob
esta assinatura, e tentar delinear os possíveis diálogos que se fazem com
a psicanálise e a psicologia.
Fica difícil
portanto avaliar o conjunto de textos foucaultianos conforme um bloco, ou
segundo um conjunto de princípios. Não é possível jamais reconhecer um
sistema filosófico delineando os seus textos. Contudo, segundo Márcio
Goldman (1998), persistiria ao longo dos trabalhos de Foucault: a) um modo
de constituição de objetos, b) um procedimento de exame e c) um conjunto
de objetivos.
Quanto à
constituição de objetos, Foucault, segundo Goldman, escreveria conforme
Carmelo Bene em seu manifesto do menos, extraindo os personagens
maiores da cena, e dando vida aos menores e coadjuvantes. É deste modo que
este pensador procederia, retirando de foco, por exemplo, ciência e
ideologia como eternos protagonistas, e introduzindo saber e poder
(1).
No que tange ao
procedimento de exame, o ponto de partida se encontra numa questão, ou
numa luta presente. A partir daí, toma-se um determinado objeto em questão
como a clínica, a prisão, ou a sexualidade, e dissolve-o em suas condições
de possibilidade históricas, acontecimentalizando-o e lançando-o na
singularidade de suas múltiplas causas. É deste modo que toda necessidade
remontaria a uma contingência objetivada e rarificada ao longo da
história.
Por fim, o seu
objetivo, como se pode entrever, é político. Mas não no sentido de
fornecer diretrizes, e sim instrumentalizando lutas. E isto seria
realizado de três modos: 1) tornando crítico o que escapava à crítica
através da historicização; 2) problematizando a própria luta,
estabelecendo-a tão local e histórica quanto os seus alvos; 3)
participando nas próprias lutas através da passagem pela alteridade e pela
diferença.
O próprio Foucault
sob o pseudônimo de Maurice Florence, escreve no Dictionnaire des
philosophes (Paris, PUF, 1984) artigo sobre si próprio, em que destaca
três atitudes de seu pensamento voltadas contra qualquer universal
antropológico:
1) Evitar até onde
se possa, para interrogá-los em sua constituição histórica, os universais
antropológicos [...]
2) Inverter o
movimento filosófico de ascensão em direção ao sujeito constituinte em que
se pede que possa dar conta de qualquer objeto do conhecimento em geral;
trata-se, pelo contrário, de se descer em direção ao estudo de práticas
concretas nas quais o sujeito é construído na imanência de um domínio de
conhecimento.
3) [...] São as
práticas entendidas como modo de atuar e de pensar que dão a chave para a
inteligibilidade da constituição correlativa do sujeito e do objeto
(Citado por Morey, 1996, p.32).
Contudo, esta
constante proposição de objetos, modos de exame e lutas faz entrever a
existência de alguns períodos no pensamento foucaultiano baseado em alguns
critérios como:
1) A influência e
parceria de alguns filósofos tomados por Foucault, especialmente Friedrich
Nietzsche e Imannuel Kant.
2) Os seus alvos
críticos: o positivismo, o humanismo-fenomenológico, o estruturalismo, o
marxismo (a comunistologia), e a psicanálise.
3) O que afirma em
cada período como alternativa: a literatura e o ser da linguagem, a
revolução e os contrapoderes, a liberdade e a possibilidade de
estranhamento de nossas formas de subjetivação.
4) A trama
conceitual expressa nos principais objetos postulados: saberes e discursos
(arqueologias), poderes e governamentalidade (genealogias), cuidados de si
ou éticas (subjetivações).
Através destes
critérios é possível mapear cerca de dez períodos no pensamento
foucaultiano, sendo a atribuição dos cinco primeiros inspirada no texto
de Roberto Machado, Ciência e Saber (1982):
a)
Um jovem Foucault, referindo-se ao período anterior aos escritos
que o consagraram nos anos sessenta (cobrindo os anos de 1953 a 1960).
b)
Um arqueólogo da percepção, , referindo-se ao período próximo à
publicação de A História da Loucura (cobrindo os anos de 1961 a
1962).
c)
Um arqueólogo da visão, referindo-se ao período próximo à
publicação de O Nascimento da Clínica. (cobrindo os anos de 1963 a
1965).
d)
Um arqueólogo dos saberes, referindo-se ao período próximo à
publicação de As Palavras e as Coisas (cobrindo os anos de 1966 a
1967).
e)
Um arqueólogo dos discursos, referindo-se ao período próximo à
publicação de A Arqueologia do Saber (cobrindo os anos de 1968 a
1970).
f)
Um genealogista das formas jurídicas, referindo-se ao período
anterior à publicação de Vigiar e Punir (cobrindo os anos de 1971 a
1973).
g)
Um genealogista do poder disciplinar, referindo-se ao período
próximo à publicação de Vigiar e Punir (cobrindo os anos de 1974 a
1975).
h)
Um genealogista do biopoder, referindo-se ao período próximo à
publicação de A Vontade deSaber (cobrindo os anos de 1976 a 1977).
i)
Um genealogista do poder pastoral, referindo-se ao período após à
publicação de Vigiar e Punir (cobrindo os anos de 1978 a 1980).
j)
Um historiador das formas de subjetivação ou de cuidado de si,
referindo-se ao período da publicação de Os Usos dos Prazeres e
O Cuidado de Si (cobrindo os anos de 1981 a 1984).
Examinemos o último
extrato do pensamento foucaultiano, buscando uma possível hipótese sobre o
surgimento da psicologia e da psicanálise, sempre tendo em mente que, ao
longo dos períodos anteriores, Foucault produziu outras hipóteses sobre o
surgimento dos saberes psi.
A
Ética de Si foucaultiana
Como tema
principal desta rede conceitual se impõe a Ética, ou Cuidado de
Si, ou Tecnologias de Si, ou ainda, o modo como nos
constituímos sujeitos. Nunca é demais destacar que este tema, por sua
historicidade nada tem a ver com a moderna investigação filosófica do
sujeito como sede estática e universal do conhecimento. Contudo, a
constituição deste tema histórico em Foucault possui também uma história.
Pode-se dizer que Foucault passa do indivíduo passivo ao sujeito
ativo governante de si nesta fase. Este tema do sujeito surge no final
dos anos setenta, na confluência entre o tema do governo de si (e
não mais dos outros) com o da sexualidade, enquanto campo
privilegiado da busca da verdade de si (como presente na História da
Sexualidade I, 1977). Nos textos iniciais desta fase (de 1980 a 1982),
a sobreposição não sintetizada entre sexualidade e governamentalidade é
bem patente, gerando este conceito não completamente integrado, que é o de
subjetividade
(2). Somente nos anos
finais deste período (1983-1984) é que Foucault transforma este governo de
si (em que a sexualidade é apenas um de seus possíveis alvos e a verdade
um de seus possíveis modos) em ética
(3).
Poder-se-ia pensar numa subdivisão em dois períodos menores nesta fase
subjetivo-ética do pensamento de Foucault em função da renomeação e
singularização do objeto de pesquisa, mas os últimos anos (1983-1984) nada
mais são do que uma organização sistemática da pesquisa dos primeiros anos
da década (1980-1982).
Se a pesquisa da
subjetivação tem que ser distinta das abordagens epistemologizantes, a
ética tem que ser separada do levantamento dos atos e códigos morais
(4). Estes
códigos agem ou determinando os atos que são permitidos e proibidos, ou
determinando apenas o valor de uma conduta possível. De caráter meramente
proibitivo ou prescritivo, teriam permanecido quase os mesmos desde a
antigüidade, regulando a freqüência sexual, as relações extraconjugais e o
sexo com os jovens (Foucault, 1995b, p. 265; 1984b, p.131). A Ética, ao
contrário, diz respeito ao modo de relação consigo mesmo (conferir
Foucault, 1995b, pp.254; 262-263). E seria composta de quatro elementos:
1) a substância ética (aspecto do comportamento que se encontra
ligado à conduta moral: pode ser a aphrodisia grega, a carne ou
desejo dos primeiros cristãos, a sexualidade moderna, a intenção kantiana
ou ainda os sentimentos); 2) os modos de sujeição (formas pelas
quais as pessoas são chamadas a reconhecer suas obrigações morais: pode
ser uma lei natural, uma regra racional, a ordem cosmológica etc.); 3) o
ascetismo ou prática de si (meios ou técnicas
utilizados para nos transformarmos em sujeitos éticos, como a hermenêutica
cristã); e, por último, 4) a teleologia (ou aquilo no que
visamos nos transformar no contato com a moral: sujeito político ativo ou
portador de uma bela existência conforme os gregos, sujeito purificado de
acordo com o cristianismo, ou ainda o indivíduo autêntico para nós,
modernos)(5).
Considerando estas
categorias éticas, Foucault redelineia o seu projeto de uma História da
Sexualidade (nome inadequado dentro dos novos propósitos), demarcando
novos períodos históricos neste cuidado de si. A partir daí é possível
vislumbrar: A) uma ética grega clássica, tendo como substância a
aphrodisia (mais centrada na saúde e na alimentação do que sobre o
sexo, visando especialmente a moderação), a sujeição como
estético-política (levando a que o indivíduo busque se constituir
através da justa medida como uma obra de arte), impondo, dentre as
técnicas, a contemplação ontológica de si (trata-se de uma
contemplação não-psicológica, pois o que estava em mira era a alma na
universalidade das Idéias contempladas, nada pois semelhante à alma
individualizada e pessoal) e, como teleologia, a maestria de si (ou
domínio de si); B) uma ética greco-romana (correspondendo à
antigüidade tardia), mantendo a mesma substância do período anterior, mas
tendo como sujeição a imagem do ser humano racional e universal
(6), o
surgimento de várias técnicas de austeridade (as principais
técnicas deste período são: a interpretação dos sonhos, o exame de si, a
askesis e a escrita de si, todas enfocando o que se faz e não ainda
o que se pensa) e tendo como finalidade um maior domínio de si (que não
visa mais o governo dos outros através da política, mas o governo de si
enquanto ser racional, buscando uma maior independência do mundo e a
preparação para a morte); 3) uma ética cristã, tendo com substância a carne (enquanto ligação
entre corpo e alma, conforme termo apresentado por São Paulo e retomado
por Santo Agostinho), um modo de sujeição religioso ou legal (a lei
divina), através de uma técnica de autodecifração hermenêutica
(7), e
visando teleologicamente a pureza (a busca de purificação, e seu
corolário, a virgindade, passam a cobrir a estética de si)e a imortalidade em um mundo além. Apesar de Foucault
não tratar de modo direto, poderia ser pensada uma ética moderna
(8), a partir
de algumas modificações da ética cristã, como a substituição do aspecto
religioso pelo científico (mas ainda se mantendo o legal)
quanto ao modo de sujeição, e a autenticidade ou afirmação do eu
como thelos (onde antes se buscava a sua purificação e recusa),
além da proposição de novas substâncias éticas, como os sentimentos
e as intenções (Cf. Foucault, 1995b, p.263). Inclusive, antes dessa
busca de afirmação do eu contemporânea, pode ter havido um esforço inicial
da modernidade de se trabalhar esta subjetividade buscando a sua depuração
do erro, notadamente em Descartes e nos primeiros físicos, como Galileu,
gerando um inflacionamento e uma cisão desse espaço interior. Cisão entre
uma sede da verdade (sujeito racional) e de uma fonte dos erros (sujeito
empírico); inflacionamento dessa substância ética gerada no cristianismo,
que se tornará objeto de culto e exame científico na modernidade
contemporânea.
Os Saberes Psi e o
Cuidado de Si
A partir
deste balizamento, desenvolve-se nos trabalhos de Foucault uma hipótese
clara sobre a gênese das psicologias e da psicanálise: elas seriam
oriundas de uma forma de subjetivação cristã
(9), a
hermenêutica de si, que seria alvo do exame do quarto volume não concluído
da História da Sexualidade: As Confissões da Carne. Não há
mais referência ao sexo, ou do dispositivo da sexualidade. Para Goldman
(1998, p.98), esta mudança se deve à primazia naturalizante do desejo
tanto dentro do enfoque psicanalítico (como falta e lei), quanto do
micropolítico de Gilles Deleuze e Félix Guattari (como positividade e
produção). Como em ambos os casos o sexo seria um caso particular, não
privilegiado do desejo, a genealogia de Foucault muda de objeto, ainda que
o alvo crítico de Foucault continue a ser a psicanálise. A proximidade com
nossa subjetivação psicologizada se daria na manutenção com poucas
modificações de uma substância ética (o desejo), e de um modo de sujeição
(a hermenêutica
(10), visando
o constante exame e confissão dos pensamentos mais recônditos) oriundos
dos primeiros cristãos. As diferenças podem ser vistas na teleologia (a
purificação ou a virgindade como finalidades cristãs) e na negação do eu
própria dos primeiros cristãos.
Ao contrário dos
primeiros cristãos, para os quais o eu é algo para ser examinado, mas
igualmente renunciado, nós, modernos, constituímos um novo eu na sua
vigilância e afirmação constantes através de uma ascese científica (e
também legal e religiosa):
Ao largo de todo o
cristianismo existe uma correlação entre a revelação do eu, dramática ou
verbalmente, e a renúncia ao eu. Ao estudar estas duas técnicas, minha
hipótese é de que a segunda, a verbalização, se torna mais importante.
Desde o século XVIII até o presente, as técnicas de verbalização têm sido
reinsertadas em um contexto diferente pelas chama-das ciências humanas para
ser utilizadas sem que haja renúncia ao eu, mas para construir
positivamente um novo eu (Foucault, 1996a, p. 94).
As ciências humanas,
junto com a importância hegemônica do sujeito do conhecimento em
filosofia, e com a educação cristã massiva proporcionam um predomínio
atual do “conhecimento de si mesmo” sobre o “cuidado de si” de modo
desproporcional (Foucault em sua Conferência de Toronto em 1982, citado
por Morey, 1996, p. 37). Em oposição a este culto de si, a história nos
oferta outros modos de subjetivação, como a estética da existência
greco-romana, cuja exposição não possui qualquer valor propositivo que não
o de abolir as investiduras universalizantes:
No culto de si da
Califórnia, devemos descobrir o verdadeiro si, separá-lo daquilo que
deveria obscurecê-lo, aliená-lo; decifrar o verdadeiro reconhecimento à
ciência psicológica ou psicana-lítica, supostamente capazes de apontar o
que é o verdadeiro eu. Portanto, não apenas não identifico esta antiga
cultura de si com aquilo que poderíamos chamar de culto californiano do
si; eu acho que são diametral-mente opostos (Foucault, 1995a, p.270).
Apesar destas poucas
referências ao que seria o cuidado de si moderno e a conseqüente gênese
dos saberes psi, pode ser buscado em outros períodos do pensamento
deste filósofo elementos que completem este esquema. Em A Vontade de
Saber (1977) Foucault destaca a passagem do dispositivo da carne
do cristianismo primitivo para o da sexualidade no século XVIII,
como base para a constituição de uma Sciencia Sexualis, em que,
mantida a confissão de nossa mais íntima verdade através do sexo, esta
passa a ser regulada pelos saberes científicos normatizadores e não mais
pela lei ou pelo poder eclesiástico. Contudo, a modificação nos modos de
sujeição com que realizamos a nossa hermenêutica de si, pouco nos informa
do modo atual com que prescrutamos as nossas verdades mais íntimas. Se é
verdade que este exame de nossa interioridade individualizada só é
possível dos primeiros mestres cristãos em diante (de acordo com Vernant,
1990) até os dias de hoje, o nosso exame de consciência se modificou
bastante.
Para considerarmos a
nossa atualidade, será tomado outro texto de Foucault, As Palavras e as
Coisas (1966), visando entender a constituição das ciências humanas.
Estas são vistas como produto do círculo antropológico moderno, que tem o
seu ponto de partida na constituição das ciências do homem (biologia,
economia e filologia), que são assim designadas por tomarem pela primeira
vez o homem como objeto empírico, enquanto ser que vive, trabalha e se
comunica. Contudo, este homem como objeto empírico será duplicado em
fundamento transcendental do conhecimento por algumas filosofias
antropológicas modernas como os positivismos, as dialéticas e as
fenomenologias. É deste modo que estas filosofias, na esteira crítica de
Imannuel Kant, acabam por contradizer a sua principal lição, qual seja a
da não mistura do nível empírico com o transcendental. Assim o homem
torna-se ao mesmo tempo sujeito e objeto dos saberes, na medida em vive,
trabalha e fala. Este círculo antropológico daria mais uma volta, quando
as ciências humanas como a psicologia, a sociologia e a análise literária
religariam as ciências do homem às filosofias antropológicas, estudando
como a vida, o trabalho e a linguagem são representados pelos homens.
No estofo da nossa
alma, o homem moderno buscaria não mais os signos do bem e do mal, mas os
transcendentais-empíricos das ciências do homem (vida, trabalho e
linguagem, além de outros mais que porventura surgiram, como os circuitos
informacionais do cognitivismo), que dariam o sentido de nossas verdades e
balizariam as nossas individualidades. Esse caminho no caso, é operado
pela maior parte das psicologias, visando a passagem de nossa experiência
vivida a um domínio fundamentante que a explica e a delimita a partir
destes transcendentais-empíricos. É assim que a nossa subjetividade
moderna cindida e inflacionada é reintegrada, ligando a nossa experiência
consciente a um determinado fator transcendental que somente os cientistas
humanos poderiam dar conta. É desta forma que encontramos o Inconsciente
da Psicanálise, as leis da Gestalt e os invariantes funcionais do
construtivismo piagetiano para além da nossa experiência consciente. Esta
postura da maior parte das psicologias, Luís Cláudio Figueiredo (1986)
designou como meta-psicológica. Mas, como situar o Behaviorismo,
esta curiosa psicologia, que recusa a priori o nosso estofo
psicológico da experiência vivida? Ele operará de igual modo neste
trânsito da experiência vivida ao trans-fenomenal, mas em via inversa,
pois partirá não do vivido, mas de um certo transcendental, a Vida em
processo de adaptação, entendida como processo de adaptação ao meio
através de condicionamentos. Para além do limite dos Behaviorismos
Metodológicos, todo Behaviorismo penetrará no que se oculta por debaixo de
nossa pele, enxergando aí dentro a mesma natureza do que se revela fora:
comportamentos laríngeos e viscerais governados pelos princípios do
condicionamento. É assim que são produzidos os “movimentos de nossa alma”,
o “nosso vivido”. Nas palavras de Figueiredo (1986), teríamos aqui uma
postura para-psicológica, ao partirmos do trans-fenomenal para o
empírico. Mas independente da postura ou da direção são os
transcendentais-empíricos da psicologia que nos dão uma natureza e nos
determinam em nossas mais íntimas verdades, ligando a nossa experiência
imediata (vivida) a uma mediata (científica). Que alternativas se impõem a
esta hermenêutica de si que vinga do cristianismo primitivo até os dias de
hoje, especialmente nos saberes psi?
A ontologia de si
como alternativa
Foucault neste período reservará ao intelectual o papel de destruidor das
evidências
(11), através
do estranhamento do modo como nos constituímos sujeitos na atualidade
(12),
apontando para tal outros modos de subjetivação ao longo da história, como
a estética da existência greco-romana, sem constituí-los como
modelos para nós mesmos. A base para este pensamento será buscada em Kant,
mas não através das grandes críticas, e sim a partir de um pequeno
trabalho de 1874 denominado Was ist Aufklärung? (O que é o
Esclarecimento?)
(13).
Foucault
detecta que, ao mesmo tempo que Kant delimita suas próprias questões que
irão conduzir a uma crítica do conhecimento, ou a uma analítica da
verdade, por outro lado, ele irá problematizar a própria atualidade de
sua tarefa crítica, abrindo uma reflexão sobre a história em sua
atualidade, ou uma ontologia do presente, inédita até então. Se a
primeira tarefa diz respeito a uma crítica transcendental, a segunda abre
a possibilidade da crítica histórica, visando identificar o que nos é dado
como universal e o que nos resta como contingente e arbitrário. Apesar da
referência a Kant, Nietzsche
(14), talvez
mais do que qualquer pensador, tenha transformado esta problematização do
atual em uma atitude própria da modernidade.
A finalidade deste
processo seria a constituição de uma nova forma de liberdade, nem
propositiva nem essencial ao homem, mas ao sabor das flutuações
históricas: sabermos que sempre podemos ser outros, estranharmos as nossas
figuras mais atuais. Esta seria a nova liberdade
(15) trazida
por Foucault para a filosofia segundo Rajchmann (1987)
(16) e base para uma psicoterapia
genealógica, de acordo com Hubert Dreyfus. Este autor (1990,
pp. 227-229) propõe a genealogia como terapia histórica, considerando as
ressonâncias de Foucault com os trabalhos existenciais de Maurice
Merleau-Ponty, Martin Heidegger e Ludwig Binswanger, em que ela se daria
como compreensão da atualidade, de como nos tornamos o que somos e qual o
preço que pagamos por tal, chegando-se à conclusão da contingência de
nossos universais e da possibilidade de sermos outros.
Conclusão: um outro
diálogo com os Saberes Psi
Sob o
ponto de vista foucaultiano só nos restaria, a princípio, a caracterização
dos saberes psi a partir da perspectiva crítica. Contudo, a
sugestão de uma psicoterapia genealógica por Hubert Dreyfus (1990),
enquanto problematização dos nossos modos de existência cotidianos, abre a
possibilidade de um outro diálogo. Além desta proposta, de que outras
maneiras esta ontologia histórica de si mesmo poderia ser encarnada
na psicologia? Para Virgínia Kastrup (1999), a psicologia, em especial a
cognitiva, segue apenas a via analítica de Kant, deixando intocada a senda
histórica. É de resto uma tese isomorfa à de Eduardo Passos (1992), em
que, ao dividir as psicologias entre as que seguem um modelo espacial e as
que seguem outro temporal, denuncia a massiva opção da primeira
alternativa em detrimento da segunda. Na verdade, pode-se enxergar uma
carência dos modelos históricos na psicologia, uma vez que se circunscreva
estes a uma concepção muito específica do tempo, como operam estes
autores; trata-se aqui da noção de devir criativo e imprevisível, tal como
se pode extrair das filosofias de Henri Bergson e Gilles Deleuze. Dentro
desta concepção tão específica de tempo, pode-se de fato denunciar uma
carência de trabalhos psicológicos que considerem a dimensão criativa do
devir, ausência esta coberta por teses como as de Kastrup e Passos.
De igual modo,
Foucault opta por uma via histórica, a da ontologia do presente, uma vez
que ela remete a sua principal questão desta fase de seu trabalho: “como
podemos nos tornar diferentes do que somos na atualidade?”. Parece que é a
esta questão que o filósofo francês vê ligada a modernidade, e não a uma
ontologia do tempo como devir criativo
(17). E é
esse estranhamento de si que ele propõe como alternativa mais potente a um
modo de subjetivação hegemônico marcado pela hermenêutica de si,
que persiste desde o início da cristandade, em que buscamos nos relacionar
conosco através de uma verdade a ser desencavada a partir de nossa
interioridade mais íntima. Enfim, o que Foucault nos aponta é a
possibilidade não de nos acoplarmos a uma verdade, mas lançarmo-nos numa
deriva de estranhamento de si, intensificando numa escala menor o
descolamento que a história já nos revela numa escala maior. Aqui, uma
alternativa possível para o nosso campo, tendo a história como ferramenta
privilegiada.
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Notas
(1)
Paul Veyne (1980) e John Rajchmann (1987) consideram como marca
fundamental do pensamento foucaultiano o nominalismo realista,
por não partir de unidades tradicionais de exame como ideologia, sujeito,
estrutura, verdade, estado etc., sem contudo excluir estes universais, uma
vez que eles são abordados como quase-objetos, constituídos
historicamente através de práticas sociais raras e descontínuas.(volta).
(2)
Foucault sob pseudônimo de M. Florence (citado por Morey, 1996, p.21)
esclarece o que entende por subjetividade: “Se trata de uma história da
‘subjetividade’, se entendemos esta palavra como o modo em que o sujeito
faz a experiência de si em um jogo de verdade em que está em relação
consigo”. Contudo, a subjetivação transforma-se mais adiante em apenas uma
das possibilidades de constituição de si: “Chamarei de subjetivação o
processo pelo qual se obtém a constituição de um sujeito, mais exatamente
de uma subjetividade, que evidentemente é uma das possibilidades dadas de
organização de uma consciência de si” (Foucault, 1984b, p.137).(volta).
(3)
Da passagem da
subjetivação à ética, outras
denominações também foram
empregadas para designar a pesquisa desta época. Em primeiro lugar,
desponta a história do pensamento, enquanto constituição do saber e
de seus regimes de verdade (cf. Foucault, 1984c, p.75). Na transição entre
o sujeito e a ética, despontam as tecnologias ou técnicas de si:(Cf.
Foucault, citado por Morey, 1996, pp.35-36; cf. também Foucault, 1997b,
p.109). De igual modo, cuidado de si é igualmente usado, ainda que
se refira mais ao princípio de epimeleia heatou, próprio da
antigüidade, para opô-lo ao “conhece-te a ti mesmo”, enquanto nosso
imperativo ético atual desde a cristandade.(volta).
(4)
A idéia inicial de Foucault era
contrastar a moral sexual cristã com a da sociedade greco-romana da
antigüidade, na suposta liberalidade desta. Mas acaba se deparando na
antigüidade com os mesmos temas da austeridade cristã. A diferença não
estaria nas regras de autoridade, mas nas diversas técnicas de si ou
éticas (conferir Eribon, 1990, p.295; e Foucault, 1995b, p.254). (volta).
(5)
O
comportamento sexual, como uma parte deste conjunto, é visto conforme três
pólos: ato – prazer – desejo, sendo cada um deles predominante ou elidido
conforme a cultura em que se manifeste. Se o desejo é elidido pelos
estóicos, entre os chineses, o ato é que é excluído.Dentre os cristãos,
busca-se excluir o prazer, ao mesmo tempo em que se enfatiza o desejo na
busca de erradicá-lo. Os atos estariam a serviço da concepção e do dever
conjugal. Quanto a nós, modernos, o desejo é que é enfatizado,
desprezando-se
os atos e
ignorando-se
o que é o prazer (Cf. Foucault, 1995b, p.268).
(volta).
(6)
Mas este princípio não implica a presença de uma verdade no sujeito que
tenha que ser desvelada, mas pelo contrário, o governo de si implica o
conhecimento do mundo e de sua verdade, transmitida através do mestre; a
dialética grega cede à escuta como modo de conhecimento. Deste modo surge
uma nova concepção de verdade: ela está na memória e não na alma; pertence
ao mestre e não ao sujeito; este é apenas o ponto onde as regras se
agrupam: “Aqui estamos muito longe do que seria uma hermenêutica do
sujeito. Trata-se ao contrário, de armar o sujeito de uma verdade que não
conhecia e que não residia nele; trata-se de fazer desta verdade
aprendida, memorizada, progressivamente aplicada, um quase-sujeito que
reina soberano em nós mesmos” (Foucault, 1997c, p.130; conferir também
1996a, pp. 68,71-72,73).
(volta).
(7)
O exame de si, ou da consciência, é tomado dos antigos com novas
finalidades; não mais a descrição das ações em conformidade com as regras
racionais e universais. O novo uso do exame da consciência se vale
inclusive de técnicas consagradas entre os antigos, como os exercícios de
verbalização entre aluno e mestre. Assim tem-se a exomologesis,
dada na paradoxal expressão somática e simbólica dos pecados a fim de
apagá-los (própria do cristianismo secular), e a exagouresis, exame
da consciência por excelência realizado através dos princípios da
contemplação de seus pensamentos, e da obediência ao diretor da
consciência (Foucault, 1996a pp. 80-94). Trata-se neste último caso de uma
prática cristã surgida no interior dos monastérios do final da antigüidade.
(volta).
(8)
Após a ascensão da cristandade, assiste-se a alguns exemplos de retorno da
estética da existência. O primeiro no Renascimento, através da figura do
herói como sua própria obra de arte, tal como descrito por Bukhardt
(Foucault, 1995b, p.276). Outro exemplo presente na versão francesa deste
artigo (1994b, p. 629), opondo a estética da existência dândi, calcada no
prazer, às técnicas de si burguesas, calcadas no interesse.
(volta).
(9)
Um dos raros exemplos de práticas pré-cristãs que dariam ensejo à
psicanálise pode ser encontrado em Epíteto em seus exercícios ascéticos
(que visam um maior controle de si), notadamente os sofísticos (de
perguntas, respostas e lição moral) e éticos (ou ambulatórios,
verificando-se por exemplo as reações durante um passeio matinal). Em
ambos os casos o objetivo é o controle das representações permitindo-se
que se conforme às regras perante uma adversidade, não se buscando o
deciframento da verdade. Para Foucault (1996a, p.78), ainda que não haja
esta finalidade, constitui-se aqui “palavra por palavra uma verdadeira
máquina de censura pré-freudiana”, num auto-exame permanente em que cada
qual é o seu próprio censor.
(volta).
(10)
Um curioso mecanismo de reversão opera-se com a psicanálise. Se ela pôde
se originar das práticas cristãs de prospecção do pensamento a fim de
rastrear a presença do Inimigo em nosso espírito, hoje tem-se notícia de
um novo manual de exorcismo, De exorcismis et supplicationibus
quibusdam, expedido pela Congregação do Culto Divino do Vaticano, que
recomenda o recurso à psicanálise em casos difíceis (cf. Caderno B do
Jornal do Brasil, p.1. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1999). A
psicanálise, que já pôde, nas palavras de Freud, considerar-se uma peste
para a civilização ocidental, e avessa a qualquer visão de mundo de
natureza religiosa, torna-se um instrumento a mais, junto com a água
benta, no combate ao mal em nossos corações. São capturas e reversões
impossíveis de serem prevenidas.
(volta).
(11)
“Meu papel – e esta é uma palavra demasiado enfática – consiste em ensinar
às pessoas que são mais livres do que sentem, que se aceita como verdade,
como evidência alguns temas que têm sido construídos durante um certo
momento na história, e que esta pretensa evidência pode ser criticada e
destruída” (Foucault, 1996b, pp.142-143; conferir também 1984c, p.83).
(volta).
(12)
“Sem
dúvida o objetivo principal hoje não é descobrir, mas recusar o que somos”
(Foucault, 1995a, p. 239). De igual modo define esta atitude como
“hiperativismo pessimista” (1995b, p. 256): “Minha opnião é que nem tudo é
ruim, mas tudo é perigoso, o que não significa exatamente o mesmo que
ruim. Se tudo é perigoso, sempre há algo a fazer [...] Acho que a
principal escolha ético-política que devemos fazer a cada dia é determinar
qual é o principal perigo” (este trecho da entrevista é modificado na
tradução francesa de Foucault, 1994b, p.612, ao se referir a um otimismo
conseqüente à ausência de uma idade de ouro e à necessidade de
problematizar quem somos).(volta).
(13)
Deve-se apenas observar que Foucault escreve dois textos sobre este
trabalho de Kant (1984a e 1994a). Estes dois textos, além de algumas
diferenças de conteúdo, possuem diferentes datas e locais de publicação. O
primeiro, escrito em francês e publicado em 1984a, visa a relação entre
filosofia e presente, enquanto que o segundo, redigido em inglês e lançado
igualmente em 1984 (1994a) , foca a ligação entre sujeito e presente. Um
bom texto de referência para tratar estas diferenças é o de Kastrup (1997,
p.22).
(volta).
(14) “Sonho com uma associação
de homens absoluta que não conhecem nenhuma concessão e querem ser
chamados ‘os destruidores’: aplicam a tudo a medida de sua crítica e se
sacrificam à verdade [...] Não queremos construir prematuramente, não
sabemos se poderemos construir e se não seria melhor nada construir”
(Nietzsche citado por Halévy, 1989, p.140).
(volta).
(15)
“Isto não significa que tenhamos que eliminar o que chamamos de direitos
humanos ou liberdade, mas que não podemos dizer que liberdade ou direitos
humanos têm que se limitar a certas fronteiras [...]. Me parece que
existem mais segredos, mais liberdades possíveis e mais invenções em nosso
futuro do que podemos imaginar no humanismo, tal como está representado
dogmaticamente de cada lado do leque político[...]”
(Foucault, 1996b,
pp.149-150).
(volta).
(16)
Rajchmann se refere a esta postura como heterotópica, em oposição à
utópica, proveniente da noção clássica de liberdade, como marca inerente
da natureza humana. A noção de heterotopia estaria em consonância
com o nominalismo realista, uma vez que advinda da liberdade
produzida pela ausência de qualquer objeto transhistórico, como por
exemplo, a natureza humana.
(volta).
(17)
No período genealógico, Foucault chega inclusive a desdenhar este tema: “A
partir de Kant, cabe ao filósofo pensar o tempo.
Hegel,
Bergson, Heidegger.
Com uma
desqualificação correlata do espaço, que aparece do lado do analítico, do
conceitual, do morto, do imóvel, do inerte. Lembro-me de ter falado, há
uns dez anos, destes problemas de uma política dos espaços e de me terem
respondido que era bastante reacionário insistir tanto sobre o espaço e
que o tempo, o projeto, era a vida e o progresso. É preciso dizer que esta
censura foi feita por um psicólogo – verdade e vergonha da filosofia do
século XIX” (Foucault, 1982, pp. 212-213).
(volta).
Nota
sobre o autor
Arthur
Arruda Leal Ferreira
é Professor Adjunto do Instituto de Psicologia e do Programa de
Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(Brasil), Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade
Católica da São Paulo (Brasil) e pesquisador financiado pela FAPERJ &
FUJB. Contato: Rua do Riachuelo 169/405. Rio de Janeiro – RJ,
Brasil. CEP: 20.230-014. E-mail: arleal@superig.com.br
Data de
recebimento: 06/03/2005
Data de
aceite: 29/04/2005
Memorandum
8, abr/2005
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos08/ferreira02.htm