Nascimento, A.R.A. e Menandro, P.R.M. (2005). Memória social e saudade: especificidades e possibilidades de articulação na análise psicossocial de recordações. Memorandum, 8, 5-19 . Retirado em    /   /   , do World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos08/nascimenan01.htm

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Memória social e saudade: especificidades e possibilidades de articulação na análise psicossocial de recordações

 Social Memory and Nostalgia: specificities and possibilities of articulation in psychosocial analysis of recollections

 Adriano Roberto Afonso do Nascimento
Universidade Federal de Minas Gerais
Brasil

Paulo Rogério Meira Menandro
Universidade Federal do Espírito Santo
Brasil

Resumo
A despeito do interesse atual das Ciências Humanas pela questão da Memória, tem-se subestimado a recorrência com que eventos recordados são identificados como saudosos no discurso do dia a dia dos brasileiros. Memória e Saudade não têm o mesmo significado, mas estão fortemente relacionadas. Como aponta para a valorização de um componente afetivo do conteúdo mnemônico, a problemática dessa relação é de interesse para o entendimento de processos psicossociais mais amplos.
O presente estudo objetivou identificar distinções, analisando a produção teórica, nas noções de memória social e saudade. Num segundo momento, faz-se a proposta de que o tratamento articulado dessas duas noções pode resultar em ganhos na análise psicossocial das recordações.

Palavras-chave: Memória social; memória coletiva; saudade.


Abstract
Despite the current interest of Humanities in the question of Memory, the recurrence in which recorded events are identified as nostalgic in day-to-day discourse of Brazilians has been underestimated. Memory and Nostalgia (here understood as missing or longing after a lost past, after the Portuguese word “Saudade”) do not have the same meaning, but are strongly related. As it points out to an affective component of the mnemonic content, the problems of this relation are of interest for the understanding of ampler psychosocial processes.The present study aimed at identifying distinctions, analyzing the theoretical production, in the notions of social memory and nostalgia. In a second moment, the proposal is made that the articulate treatment of these two notions can result in gains in the psychosocial analysis of recollections.

 Keywords: Social memory; collective memory; nostalgia.

Tradicionalmente, a Saudade tem sido considerada tema menor na produção das Ciências Sociais no Brasil. De forma paradoxal, o termo é largamente utilizado no cotidiano dos falantes da língua portuguesa. É muito difícil imaginar que possa existir algum brasileiro que não tenha ouvido, desde criança, os adultos à sua volta conversarem sobre acontecimentos e experiências de momentos passados de suas vidas sem mencionarem "como era bom naquele tempo", sem concluírem a respeito do "tempo bom que não volta mais", sem lamentarem o fato de que "nada mais é como antes" e sem suspirarem de saudade em relação a um "tempo no qual a vida era mais fácil de viver". Esse tempo tão cheio de recordações também está retratado em inúmeras manifestações culturais brasileiras, sugerindo que estamos diante de um tema que marca profundamente a construção das nossas biografias.

Entretanto, considerado muitas vezes como elemento diretamente relacionado a uma forma mais idealizada de se ver o passado e, portanto, encobridora de elementos que remeteriam a uma avaliação mais “concreta” dos fatos vividos, uma espécie de ruído no discurso de memorialistas, o saudosismo tem raramente sido encarado como elemento crucial para a própria articulação social da memória brasileira.

Primeiro as possíveis distinções entre Memória Social e Saudade.

 

Memória social


Não é possível conceber o surgimento e a continuidade de culturas humanas sem tomar como condição indispensável a possibilidade dos indivíduos armazenarem e comunicarem informações. Por isso, as tentativas de compreensão de processos como a memorização, por exemplo, sempre caracterizaram os grupos humanos que atingiram um nível de conhecimento que constituísse base concreta para investigações e especulações construídas com algum método.

Segundo Stoetzel (1976), no âmbito da psicologia, os estudos pioneiros sobre a memória não fugiram da concepção, então hegemônica, de procurar desenvolver investigações que eliminassem, tão extensamente quanto possível, fatores que pudessem representar interferência no processo investigado e, portanto, perturbação na compreensão precisa das relações de causalidade, entre esses fatores os sociais.

Um dos pioneiros no estabelecimento de uma concepção que iniciou a transformação desse quadro foi o inglês Bartlett, a partir do final da década de 1920 (Stoetzel, 1976). Três de suas contribuições mais importantes podem ser assim resumidas: 1) No processo de memorização e recapitulação da informação os hábitos sociais e as interpretações pessoais desempenham função de influência importante desde o primeiro momento, função essa que se prolonga no tempo atuando na reestruturação do sentido da informação, o que altera continuamente a configuração com que as informações são memorizadas; 2) Dados obtidos em diferentes grupos étnicos mostram que a cultura desempenha papel fundamental na maior ou menor probabilidade de fixação de conteúdos; 3) A memorização não é independente de processos emocionais e as lembranças são narradas, muitas vezes, associadas a uma carga emocional que as acompanha, e em cuja origem também está implicada a cultura. Stoetzel (1976) resume dizendo que Bartlett chamou a atenção para os fatos de “que o significado é essencial à lembrança e, além disso, [de] que é fornecido pela cultura” (p. 130).

Entretanto, só a partir da década de 1970 observa-se um aumento no interesse de se estudar a memória numa perspectiva que a considera eminentemente um objeto social, coletivo. Em grande parte, tal fato está relacionado à retomada do conjunto de estudos desenvolvidos entre 1920 e 1940 por Maurice Halbwachs, retomada essa que proporcionou nesses últimos 35 anos a proposição de novos problemas teóricos para as áreas da história, da sociologia, da antropologia e da psicologia social, entre outras. Stoetzel (1976), por exemplo, já afirmava que “a originalidade e o mérito de Halbwachs só agora começam a ser reconhecidos, no âmbito internacional, no que concerne às sua obras sobre a memória coletiva” (p. 133).

A literatura sobre a memória nessa perspectiva aponta para uma variabilidade considerável tanto de objetos de estudo, quanto de denominações dessa memória. Pode-se, entretanto, avaliar que, de longe, as duas denominações mais comumente usadas são “Memória Coletiva”, como em Halbwachs (1990), e “Memória Social” (Olick e Robbins, 1998). Deve-se notar que, na maior parte das vezes, as duas denominações não refletem formas fundamentalmente diferentes de se pensar os processos mnemônicos, estando relacionadas, sobretudo, às particularidades das abordagens de diferentes pesquisadores ou áreas. Nesse sentido, Jedlowski (2001) procura definir memória da seguinte forma:

a palavra “memória” na linguagem científica e cotidiana refere-se a um vasto conjunto de fenômenos não completamente homogêneos. Em largo sentido, memória pode ser considerada como a capacidade de um sistema (vivo ou artificial) responder a eventos acumulando a informação resultante e modificando sua estrutura de modo que a resposta a eventos subseqüentes é afetada por aquisições prévias. Em um sentido mais estreito, memória significa a faculdade humana de, preservando certos traços de experiências passadas, dar acesso a esses – ao menos em parte – através de lembranças (p. 29).

Mesmo com termos tão amplos, uma tentativa, certamente válida, de definir um processo bastante complexo expõe uma dificuldade central na construção do campo teórico da Memória Social: a quantidade de fenômenos considerados, tanto no senso comum quanto nas áreas acadêmicas, como efetivamente relacionados ao que se chama indiscriminadamente Memória.

Numa tentativa de discernir, a título de introdução, os vários tipos de Memória, Connerton (1999) propõe a seguinte divisão:

a)              Memórias Pessoais:

dizem respeito àqueles atos de recordação que tomam como objeto a história de vida de cada um. Falamos delas como memórias pessoais porque se localizam num passado pessoal e a ele se referem. As minhas memórias pessoais podem exprimir-se desta forma: eu fiz isto e aquilo, em tal e tal altura, em tal e tal lugar. Assim, ao recordar um acontecimento estou também preocupado comigo próprio (p. 25).

b)              Memórias cognitivas:

Abrange[m] as utilizações do verbo “recordar” em que se pode dizer que recordamos o significado de palavras, de linhas de um poema, de anedotas, de histórias, do traçado de uma cidade, de equações matemá-ticas, de princípios da lógica, ou de fatos sobre o futuro. Para existir uma memória deste tipo o nosso conhecimento pressupõe, de algum modo, a ocorrência anterior de um estado pessoal cognitivo ou sensorial (pp. 25-26).

c)              Memória-hábito:

Consiste pura e simplesmente na nossa capacidade de reproduzir uma determinada ação. Deste modo, recordar como se lê, escreve ou anda de bicicleta é, em cada um dos casos, uma questão de sermos capazes de fazer estas coisas, de forma mais ou menos eficiente, quando tal necessidade surge (p. 26).

A classificação de diferentes tipos de memória, baseada também na “utilidade” da recordação, não esconde a percepção de que mesmo essa divisão é determinada socialmente (Fentress e Wickham, 1992). Ainda assim, nos deteremos mais especificamente no primeiro tipo de memórias: aquelas a que chamamos memórias pessoais. Sobretudo, nos interessará como essas memórias são eminentemente partilhadas.

Tanto Fentress e Wickham (1992) quanto Lowenthal (1998) identificam como função principal da memória dar sentido ao presente de um grupo ou de um indivíduo, sentido esse que deve ser continuamente construído, uma vez que a memória não é estática, pois na base da sua formação encontra-se a negociação entre as lembranças do sujeito ou grupo e as dos outros grupos ou sujeitos. Halbwachs (1990) aponta essa característica como a condição fundamental para que as lembranças sobrevivam: quando lembramos, mesmo que nos achemos sozinhos, o lembrar implica inserção em um meio social que o possibilita. Mais do que contexto, lembrar implica partilhar lembranças.

Segundo Halbwachs,

Para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum. Não é suficiente reconstruir peça por peça a imagem de um acontecimento do passado para se obter uma lembrança. É necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessan-temente desses para aquele, e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade. Somente assim podemos compreender que uma lembrança possa ser ao mesmo tempo reconhecida e construída (p. 34).

É nesse sentido também que Lowenthal (1998) afirma que as lembranças dos outros têm, para nós, a função de confirmar e dar continuidade às nossas próprias lembranças. Essa confirmação não se relaciona propriamente à veracidade do fato lembrado. Certamente não se afirma que a memória ou mesmo grande parte dela seja formada exclusivamente por eventos que não presenciamos, mas que nos foram contados, as “lembranças por tabela” (Pollak, 1992) ou as “lembranças de lembranças” (Lowenthal, 1998). Por outro lado, parece inegável que muito do que recordamos está relacionado aos grupos dos quais fazemos parte e que servem de parâmetros para nossas lembranças. Admite-se, sobretudo, que nas lembranças mais remotas, mas não só nelas, há um enfumaçado que nos obriga muitas vezes a duvidar explicitamente de que essa ou aquela lembrança seja “real”. A literatura memorialística, por exemplo, trata recorrentemente dessa nebulosa que são as primeiras lembranças. Três dos principais escritores brasileiros começaram assim seus livros de memórias da infância:

A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta. Ignoro onde o vi, quando o vi, e se uma parte do caso remoto não desaguasse noutro posterior, julgá-lo-ia sonho. Talvez nem me recorde bem do vaso: é possível que a imagem, brilhante e esguia, permaneça por eu a ter comunicado a pessoas que a confirmaram. Assim, não conservo a lembrança de uma alfaia esquisita, mas a reprodução dela, corroborada por indivíduos que lhe fixaram o conteúdo e a forma (Graciliano Ramos, Infância, 1976, p. 9).

 

Tanto me contaram a história que ela se transformou na minha primeira recordação da infância. Revejo ainda hoje a minha mãe deitada na cama branca, a sua fisionomia de olhos compridos, o quarto cheio de gente e uma voz sumida que dizia: - Maria, deixa ele engatinhar para eu ver (José Lins do Rego, Meus Verdes Anos, 1993, p. 5).

 

De tanto ouvir minha mãe contar, a cena se tornou viva e real como se eu houvesse guardado memória do acontecido: a égua tombando morta, meu pai lavado em sangue, erguendo-me do chão (Jorge Amado, Menino Grapiúna, 1996, p. 11).

Todas as lembranças acima possuem claramente a família como o grupo ao qual podemos relacioná-las. Entretanto, no cotidiano, estamos inseridos em vários grupos. Pode-se daí depreender que, se um conjunto de lembranças possui como esteio um grupo ao qual elas se relacionam, caso o grupo mude, mudam as lembranças. Mudam, não se apagam. Se considerarmos, como acima dissemos, que a memória não é estática e que ela se produz enquanto a relatamos, conforme o contexto no qual ela é articulada (Pollak, 1992), devemos admitir que a memória é um processo incessante de adaptação de informações ao meio.

O meio no qual se escoram nossas lembranças não é somente o conjunto das nossas relações nos diversos grupos nos quais no inserimos. Ele é também, e, principalmente, para Halbwachs (1990), o quadro espacial no qual convivem pessoas e grupos:

Não há memória coletiva que não se desenvolva num quadro espacial. Ora, o espaço é uma realidade que dura: nossas impressões se sucedem, uma à outra, nada permanece em nosso espírito, e não seria possível compreender que pudéssemos recuperar o passado, se ele não se conservasse, com efeito, no meio material que nos cerca. É sobre o espaço, sobre o nosso espaço — aquele que ocupamos, por onde sempre passamos, ao qual sempre temos acesso, e que em todo o caso, nossa imaginação ou nosso pensamento, é a cada momento capaz de reconstruir — que devemos voltar nossa atenção; é sobre ele que nosso pensamento deve se fixar, para que reapareça esta ou aquela categoria de lembranças (p. 143).

Se a memória desempenha o papel fundamental de dar coerência à história de um grupo, e se admitirmos que comumente percebemos o passado como fixo, ainda que nossa memória não o seja, uma mudança no que chamamos quadro espacial implica uma nova configuração que ameaça a própria identidade do grupo, uma vez que lhe priva dos marcos concretos da recordação. Considerando-se o processo acelerado de mudanças urbanas no ocidente, sobretudo a partir do Século XIX, pode-se entender porque Jedlowski (2001) aponta três fenômenos relacionados de forma explícita à modernidade: a consolidação de um conhecimento especificamente histórico, o crescimento do sentimento nostálgico e o aumento considerável de antiquários, casas de restauração e museus - segundo Nora (1993), essencialmente lugares de memória.

Consideradas em linhas bastante gerais algumas das características do que chamamos Memória Social, é necessário que nos detenhamos nos aspectos mais particulares da sua produção e em como esses aspectos condicionam a produção de Memórias Autobiográficas.

Halbwachs (1990) afirma que quanto mais distantes os fatos recordados, maior a probabilidade de que nos venham à lembrança em conjunto. Nesse conjunto, sobressaem-se claramente as similitudes dos eventos, mais do que a sua diferenciação. Tal informação está de acordo com o que estudos posteriores apontam. Fentress e Wickham (1992) identificam uma tendência à simplificação e à esquematização na memória. Essa tendência é considerada fundamental para a transformação de informações em conceitos. Isso possibilita que o conteúdo mnemônico seja articulado em linguagem e possa ser transmitido, “pois os conceitos são mais fáceis de recordar do que as representações completas” (pp. 48-49). Deve-se considerar que é central nesse processo, como afirma Pollak (1989), “uma exigência de credibilidade que depende da coerência dos discursos sucessivos” (p. 10). Já havíamos indicado acima que, para Lowenthal (1998), o princípio de confirmação/coerência muitas vezes sobrepõe-se ao da veracidade. Deve-se entender aqui que esse critério é o que articula a estabilidade de identidades tanto grupais quanto individuais. É necessário que vejamos nosso passado e o dos grupos em que estamos inseridos como coerente com o que somos, nós e nossos grupos, hoje. Para isso, compartilhamos da percepção de que se mudamos, mudamos muito lentamente ao longo dos anos e, principalmente, essas mudanças não nos impossibilitaram de continuarmos nos reconhecendo. Entretanto, obviamente, a coerência só é possível se, na atualização coletiva de nossas lembranças, chegamos a um repertório consensual do que deve ser lembrado: “a memória social não é estável como informação; mas é-o ao nível dos significados partilhados e das imagens recordadas” (Fentress e Wickham, 1992, p. 79). Estabilidade não implica, é bom que se diga, imutabilidade. A Memória Social é “viva”, se adapta, pois é constantemente confrontada com outras memórias. Nesse sentido, a negociação entre as memórias de diferentes grupos não se dá, como se sabe, de forma sempre harmoniosa. Numa comparação intergrupos, diversas vezes uma coerência pode custar a outra. Num nível mais abrangente de construção da Memória Social de uma nação, o conteúdo dessa Memória será necessariamente resultante de um conflito entre grupos com interesses diversos, pois também, assim como no nível dos grupos e do indivíduo, a Memória dá significado ao presente, projetando esse mesmo presente para possíveis futuros (Jedlowski, 2001).

Se a própria dinâmica da Memória possibilita que negociemos continuamente no passado nosso presente e nossas expectativas quanto a um futuro deles decorrente, mantendo nessa negociação uma coerência que nos é tão cara, por que se tem insistido tanto numa “cristalização” do passado na forma de autobiografias?

Nora (1993) identifica no fim do Século XIX, num contexto de desagregação de tradições, o processo de substituição definitiva de parte de uma memória mais dispersa e mais socialmente dinâmica por um discurso eminentemente historiográfico que valorizou sobremaneira a emergência das memórias privadas, apontando assim para a necessidade de que cada indivíduo fosse “um historiador de si” (p. 17).

É possível se pensar, entretanto, que o acréscimo no interesse pela produção de relatos autobiográficos proporcionou ao investigador social a possibilidade de acesso a novas fontes que podem viabilizar a investigação da memória “por dentro”, tendência também claramente relacionada ao contexto acima descrito. Nesse sentido, por exemplo, e também de acordo com uma progressiva valorização do “sentimento da infância” a partir dos Séculos XVI e XVII na Europa (Ariès, 1981), a avaliação de que a própria vida merecia ser contada produziu uma quantidade razoável de relatos sobre os “tempos de menino”. Em grande parte desses relatos encontramos saudosismo.

O elemento saudoso presente em diversas falas sobre a infância aponta que os sujeitos, ainda que de forma diferente, avaliam e tomam partido hoje na disputa entre o seu passado, mesmo que duro, e o presente, mesmo que incerto. Esse elemento que conjuga lembrar e sentir e que é recorrente no discurso sobre a infância, por exemplo, tem sido relegado no estudo da Memória Social no Brasil. Segundo Lowenthal (1998), “ao contrário do panorama esquematizado da memória funcional, acontecimentos recordados com paixão são com freqüência mais enfáticos do que quando geralmente experimentados” (p. 99). Apesar disso, a produção acadêmica brasileira tem tratado a influência do componente saudoso, que é indicativo de um tratamento também afetivo do conteúdo da memória, como um tema menor ou como característica de um sentimento nostálgico que já está desde sempre entendido.

 

Saudade

Os termos saudade e memória não são sinônimos. Ao mesmo tempo em que se tem subestimado o componente saudoso no discurso memorialista, raramente trata-se a Memória e suas características de funcionamento como fatores relevantes para o entendimento do que se chama Saudade.

Desde D. Duarte e o seu Leal Conselheiro (Século XV) a discussão em torno da palavra saudade tem acirrado ânimos, principalmente os d’Além-mar. Discutiu-se se a palavra Saudade era indicativa de algo que só sentiam os portugueses (D. Duarte, Séc.XV/1986; Leão, 1606/1986; Pascoaes, 1912/1986a) e, por essa razão, intraduzível. Mostraram-nos Sérgio (1913/1986), Vasconcelos (1914/1996) e Carvalho (1952/1998b) que o sentimento saudoso não só está presente em outros povos, como esses mesmos povos também possuem um vocábulo que o representa, ainda que esse vocábulo não corresponda inteiramente ao da língua portuguesa (Vasconcelos, 1914/1996) e, mais, não possua a sombra da importância que ele adquiriu para os portugueses (Carvalho, 1952/1998b; Vasconcelos, 1914/1996; Pascoaes, 1952/1986d). Segundo o poeta e filósofo Teixeira de Pascoaes (1952/1986d), “a Saudade é um sentimento universal; mas, só na alma lusitana, atinge as alturas supremas da Poesia -, contendo uma concepção da vida e da existência” (p. 139).

Sentimento moldado pelo contexto de ausência da terra e do amor português, alicerces das navegações de expansão de Portugal (Melo, 1660/1986; Coimbra, 1923/1986), a Saudade identificada por Pascoaes (1912/1986a) como “essência da alma portuguesa” vai ser alçada, no início do Século XX, à condição de peça chave para o futuro daquele país. Capitaneado por Pascoaes, o Saudosismo nasce com a intenção de fazer da Saudade um Projeto para Portugal (Pascoaes, 1913/1986b, 1913/1986c), lançando-lhe as bases estética, religiosa e política com as quais “o espírito lusitano abrirá na História uma nova Era” (Pascoaes, 1912/1986a, p. 26). Pode-se supor que num contexto europeu francamente apontado para o futuro, tanto científica quanto culturalmente, relacionou-se, mesmo em Portugal, tal movimento a um desejo de imobilismo, a um medo da mudança (Sérgio, 1913/1986). Acompanhando o debate que se deu entre Teixeira de Pascoaes e Antônio Sérgio através das páginas da revista A Águia, entre 1913 e 1914 (Botelho e Teixeira, 1986), é possível se sentir a força do confronto entre o discurso eminentemente racional de Sérgio, que argumentava que o florescimento do sentimento saudoso em Portugal devia ser considerado em seu contexto e que, naquele momento, década de 1910, tratava-se já de um sentimento deslocado, e o lançamento das bases da metafísica da saudade de Pascoaes, para quem havia uma linha que ligava a Saudade dos antigos poetas e do povo àquela por ele proposta (o título de uma das cartas de António Sérgio a Pascoaes é Explicações Necessárias do homem da espada de pau ao arcanjo da espada dum relâmpago). Pascoaes parece ter vencido a peleja e ter realmente lançado as bases do que se constituiria no Portugal do Século XX como uma Filosofia da Saudade.

Eminentemente metafísica, com exceção feita para a abordagem fenomenológica de Joaquim de Carvalho (1950/1998a, 1952/1998b), a discussão sobre a Saudade em Portugal conduziu-a diretamente à divindade, como, por exemplo, no texto de Coimbra (1923/1986) que define a Saudade como “lembrança da Pátria com o desejo do regresso” (p. 183), esclarecendo que “o Éden era a Pátria, donde o homem foi escorraçado como conseqüência da revolta da sua vontade contra a união amorosa com o Deus criador” (p.190), ou ao nada, como em Piñeiro (1951/1986a, 1953/1986b), que defende a caracterização da saudade como um sentimento sem objeto, um sentimento puro.

Segundo Lourenço (1999),

habitados a tal ponto pela saudade, os portugueses renun-ciaram a defini-la. Da saudade fizeram uma espécie de enigma, essência do seu sentimento da existência, a ponto de a transformarem num ‘mito’. É essa mitificação de um senti-mento universal que dá à estranha melancolia sem tragé-dia que é o seu verdadeiro conteúdo cultural, e faz dela o brasão da sensibilidade portuguesa (p. 31).

Isso é em parte correto. O que se pode perceber na leitura de alguns textos portugueses que tratam da saudade é uma intenção explícita de não abordá-la racionalmente; se ela é fundamentalmente mística ou/ e se caracteriza por ser um sentimento puro, torna-se evidente que não caiba em modelos. Entretanto, desde D. Duarte, que procura, pela comparação com outros sentimentos como o nojo e o pesar, traçar-lhe as especificidades, é possível encontramos, em alguns dos textos, informações que possibilitam minimamente uma caracterização geral da Saudade. A primeira definição, no sentido estrito do termo, é a de Duarte Nunes Leão (1606/1986), para quem saudade é: “lembrança de alguma coisa com o desejo dela” (p. 18). Em trabalho de leitura obrigatória para o tema, Vasconcelos (1914/1996) identifica os desdobramentos de sentido do vocábulo ao longo da história. A citação longa pode ser esclarecedora:

Soedade designava um lugar ermo; o estado da pessoa que está ou solitária sem companhia, quer no meio do mundo, quer apartada do mundo. Mas também significava isolamento, em abstrato.

Visto que sempre houve e há quem ame a solidão cingindo-se ao ditado antes só do que mal acompanhado, compreende-se que à soedade muita vez se apusessem qualificativos como amena e deleitosa, conquanto para a grande maioria fosse e seja triste.

Das acepções fundamentais de soedade há vestígios ainda na soidade do século XVI.

Recorrendo ao Poeta d’Os Lusíadas vejo que ele emprega soidade como equivalente de lugar vasto, ermo e solitário, p. ex. onde diz

                                     Lá numa soidade, onde estendida

A vista polo campo desfalece.

Do sentido isolamento derivaram muito cedo outros empregos abstratos: o de ausência, abandono, falta, míngua, carência, não só de pessoas, mas também de coisas necessárias ou desejadas, e o de desamparo, tristeza, melancolia. – Finalmente chegamos àquele dó de alma que se costuma apoderar de quem está só e senheiro. Por extensão designa o mal de ausência, a nostalgia. (Heimweh, o desejo de ver o home, sweet home). Todos os desabrimentos, cuidados, e desejos de solidão, a mágoa (conforme já defini a saudade) de já não se gozar um bem de que em tempos se fruía, a vontade de volver a desfrutá-lo no futuro, e mesmo a de possuir aquilo que nunca se possui: a bem aventurança, o céu (pp. 53-54).

Pode-se, na grande variedade de sentidos que comporta, apontar como fundamental a estreita ligação da Saudade com a percepção da passagem do tempo e com as implicações trazidas por essa passagem na consciência saudosa. Tanto Carvalho (1950/1998a) quanto Ferreira (1963/1986) apontam como central nessa consciência o contraste percebido entre passado e presente avaliados afetivamente:

O estar saudoso exprime psicologicamente um estado em que a consciência opõe ao que lhe é dado na experiência patente a preferência de algo já vivido e ausente. O passado é representado em conexão de algo atual e presente cuja dimensão afetiva é inferior à dimensão afetiva do passado representado (Carvalho, 1950/1998a, p. 62).

Como elementos desse passado de dimensão afetiva superior, talvez seja possível dizer como objetos da Saudade, temos:

todos os objetos que podem ser sujeitos de paixões e de afeição: todos os que foram testemunhas do afeto pessoal e individual; e que de algum modo estão ligados à emoção, à memória, à inteligência, e nos quais se fixou a atenção de alguém. A casinha onde se nasceu, o berço, o cantinho onde se brincou, o jardim que se tratou, os brinquedos, o rio da terra natal, o vale, a montanha íngreme e despida, o outeiro, as veigas verdes e bucólicas, a névoa misteriosa que nos ocasionaram tantas emoções e interrogações, a bandeira, o hino e a grandeza da Pátria, o eido nativo, as falas e costumes típicos, as pessoas que conviveram conosco na infância, as badaladas do sino da nossa aldeia, os velhos contos ouvidos à lareira, os carinhos maternos, as amizades de infância, os namoros de adolescente, os velhos tempos passados e espaços possuídos, as cantigas populares que trauteávamos, e outras situações e circunstâncias ligadas ao nosso passado e à nossa pessoa, que são com que terra desprendida do nosso ser e que agora, em tempo presente, demandamos retrotensos com uma intenção de mistério (Ferreira, 1963/1986, p. 349).

Talvez tenha sido mesmo essa quantidade de objetos aos quais podemos relacionar nossas Saudades, e certamente há outros mais, o que fez com que Coimbra (1923/1986) afirmasse: “a minha Memória é um eco de saudades” (p. 162).

De forma paralela àquela atribuída ao lembrar mais geral, Lourenço (1999) aponta o “regresso” da Saudade como algo que atribui um sentido ao passado. Sentido que, segundo ele, ultrapassa um simples ajuste aos acontecimentos do presente: “Com a saudade, não recuperamos apenas o passado como paraíso: inventamo-lo” (p. 14). Talvez seja essa percepção dada pela Saudade de que o tempo pode voltar melhor, ao menos na imaginação, o que caracterize um tempo da saudade (DaMatta, 1993), ou um tempo humano (Lourenço, 1999), que se contraponha ao tempo dos relógios e da correria do dia-a-dia, irremediavelmente fora das nossas mãos.

É possível que reconheçamos na literatura portuguesa sobre a Saudade várias das características que poderíamos atribuir também à nossa. Entretanto, Orico (s/d) adverte que a Saudade brasileira difere de forma considerável da portuguesa. Para ele,

Portugal nos transmitiu a civilização, a cruz e a língua, mas não poderia dar a correspondência exata de sentimentos gerados pela sua maneira de ser e de viver. Os brasileiros, portanto, não sen-tem nem traduzem a palavra como o fazem portugueses. A nossa saudade é já um sentimento misturado por outras concepções da vida, uma saudade que se libertou da influência das cantigas de mor-rer de amor ou das serranilhas que de ‘gran soêdade’ tornavam os olhos cativos (p. 44).

Mesmo que incorra no erro, segundo Bastide (1983), de misturar o banzo à saudade portuguesa, Orico tem o mérito de ter sido o único autor brasileiro a dedicar toda uma obra à problemática da Saudade no Brasil. Talvez seja de espantar que um tema tão presente no discurso cotidiano tenha repercutido tão pouco na produção das Ciências Humanas e Sociais no país. Lages (2002) aponta o que provavelmente foi a causa desse silêncio:

o tema da brasilidade ligada à produção artística fora um dos fios condutores da reflexão dos modernistas brasileiros, que procuraram justamente livrar a arte e a reflexão sobre a arte do peso da tradição portuguesa demasiado identificável com uma atitude excessivamente sentimental e saudosista (p. 47).

Talvez estejamos, desde então, ao lado de Antônio Sérgio, brandindo, com ele, nossas espadas de pau contra os sentimentalismos.

Em texto publicado em 1993, Roberto DaMatta procura apontar o quanto o tema da Saudade é pertinente ao entendimento da sociedade brasileira. Retomando alguns dos clássicos, propõe uma inversão crucial para a transformação da Saudade em objeto de estudo legítimo das Ciências Sociais. Segundo ele, a Saudade não pode ser entendida como um sentimento que se estende a objetos. Ela deve ser considerada, contrariamente, como uma categoria a qual objetos são relacionados. Nesse sentido, não é o sentimento que produz a categoria e sim a categoria é que produz o sentimento: “como brasileiros falantes de português e membros de uma comunidade histórica luso-brasileira, aprendemos a sentir saudade, como aprendemos a brincar carnaval e a comer feijoada...” (DaMatta, 1993, p. 23).

Aqui é possível que digamos: sendo fundamental para a Memória Social a partilha tanto de significados quanto de imagens, e se a Memória é componente fundamental da Saudade, não seria também razoável supor que no próprio aprendizado da Saudade estaria já embutida uma gama de elementos a serem valorizados socialmente como saudosos? Ou será por acaso que os relatos dos trabalhos sobre memórias de infância, por exemplo, apontam sentimentos saudosos para os mesmo objetos (Bosi, 1999; Caldana; 1998; Silva, Garcia e Ferrari, 1989)? Se a saudade é aprendida, e se aprendemos também o que lembrar, de que forma essas duas podem se conjugar em lembrança saudosa de um evento específico?

 

Discussão: memória social & saudade

O sentimento saudoso não é por princípio escapista. Mais do que uma fuga para um passado idealizado, ele permite ao sujeito saudoso, via comparação entre passado e presente, e conseqüentemente na forma como essa comparação abre perspectivas para um possível futuro, avaliar qualitativamente a sua própria história. Também não é essencialmente conformista. A crença em uma situação mais satisfatória, ainda que essa situação esteja localizada no passado, como na saudade da infância, sustenta ainda a possibilidade de um futuro se não tão satisfatório quanto, pelo menos mais próximo de um grau de satisfação anterior. Nesse sentido, perceba-se que a idéia que dá suporte ao argumento do presente menos feliz, fundamental no sentimento saudoso, também decorre da percepção social da passagem do tempo como “queda”, como perda de ilusões, de sonhos, de alegria e de vitalidade. Assim, saudade não pode ser entendida simplesmente como falta de.

Como vimos acima, é considerável a quantidade de objetos aos quais podemos dirigir nossas Saudades. Entretanto, pode-se argumentar que a utilização da palavra Saudade relacionada a objetos não tradicionais, como “saudade de dinheiro” ou “saudade do marido agressor”, só é possível em tom jocoso ou eminentemente reprovador. Tal fato pode dar indicativos da sua não equivalência completa ao sentido de falta, de querer de volta. Mesmo com essa última acepção, é preciso se observar que a variação entre o que é possível se ter de volta, como um amor ausente, e o que está definitivamente perdido, como a mocidade, impõe à compreensão do sentimento saudoso uma gradação de sentido que só o particulariza na dependência de seu objeto. É evidente que a complexidade das “saudades lá de casa” difere de forma significativa das saudades da infância em termos da possibilidade concreta de se voltar. Por outro lado, podemos identificar a recorrência de determinadas classes de objetos para a maior parte das saudades. Por exemplo, amigos, família, relacionamentos amorosos, que podem ser inseridos na categoria sociabilidade, estão presentes nas saudades de casa, da infância, da mocidade, da São Paulo dos lampiões de gás..., indicando a possível existência de um fio a conduzir essa multiplicidade de objetos.

Pode-se admitir com algum grau de segurança que se o conteúdo saudoso é socialmente compartilhado, sendo esse conteúdo indissociável da própria categoria saudade, a lembrança saudosa expõe não só o problema do que deve ser lembrado como qualitativamente melhor, mas, por outro lado, a questão do que não se deve ter saudade. Sendo a memória social um processo eminentemente ativo, onde o que é lembrado pode, e deve, ser corrigido a partir da situação atual do memorialista, não há por que supormos que o esquecimento também não o seja. Nesse aspecto, é possível pensarmos que numa gradação entre o que é lembrado com saudade e o que deve ser esquecido/silenciado encontra-se o que é lembrado sem saudade, uma categoria de elementos com carga afetiva menor do que as dos pólos citados, mas que é fundamental para a articulação desses, uma vez que proporciona coerência ao conjunto total do que é lembrado pelos sujeitos ou grupos.

Na interconexão entre essas três categorias possíveis de recordações, que por certo não são as únicas e, principalmente, não são consideradas aqui como auto-excludentes, os sujeitos ou grupos demarcam através de uma diferenciação de valores as bases do discurso memorialista e, por extensão, do próprio discurso saudoso. Sob essa lógica, a caracterização de um relato saudoso considerado indicativo de uma avaliação dos próprios sujeitos ou grupos sobre os fatos recordados mais do que ocultar o “concreto”, revela o que é eminentemente partilhado socialmente. Assim, pode-se supor que há lógicas discursivas que sustentam tanto o que deve ser calado quanto aquilo que é saudosamente recordado, indicando o saudoso como articulador de um determinado discurso, e não como uma simples adjetivação possível desse mesmo discurso.

A própria caracterização social de um relato como saudoso pode indicar sua especificidade no conjunto do discurso mnemônico. Vimos na breve revisão acima que saudade e memória não são sinônimos. Nem por isso estão desarticuladas no ato da lembrança. Depreende-se dessa constatação que ao mesmo tempo em que o discurso saudoso deve ser entendido em sua particularidade, como articulação qualitativa e afetiva de conteúdos, ele também está sob parâmetros mais gerais do funcionamento da memória social, por exemplo em seus aspectos de: a) coerência entre as diversas lembranças e; b) coerência entre essas lembranças e a manutenção de uma imagem integrada dos grupos e sujeitos que recordam.

Se é característica mais geral da memória a simplificação e a esquematização de conteúdos, é possível que entendamos a lembrança saudosa como uma lembrança capaz de ultrapassar o nível daquilo que fez parte da experiência imediata de sujeitos ou grupos. Assim, ter saudade do Estado onde se nasceu pode ser elemento partilhado por Amazonenses, Sergipanos ou Paranaenses migrantes. Pode-se pensar que a própria categoria saudade fornece a esquematização do seu conteúdo. Nesse sentido, Nascimento (2004) procura mostrar em trabalho sobre a saudade da infância em letras da Música Popular Brasileira que, ainda que haja variação naquilo que é lembrado, as características essenciais desse discurso saudoso se mantêm ao longo do Século XX: mais do que, por exemplo, um brinquedo específico, recorda-se com Saudade do próprio brincar, relacionado à falta de compromissos “sérios” e à liberdade.

É possível que essa aparente quase não variabilidade de características essenciais do discurso saudoso possa o relacionar, como geralmente se faz, ao que não é conflituoso, à estabilidade/imutabilidade. É preciso, entretanto, que se recoloque a questão lembrando que o próprio conteúdo da memória é palco de divergências entre grupos e sujeitos. No caso específico da lembrança saudosa, os conteúdos se integram sob “a percepção individual de privacidade das lembranças” aliada à “partilha social do sentimento”: saudades do meu tempo de menino, da minha terra etc. Talvez seja mesmo essa uma das principais características a unirem a multiplicidade de sentidos cotidianos da palavra Saudade.

 

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Nota sobre os autores

Adriano Roberto Afonso do Nascimento
é Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Contato: Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6.627, Campus Pampulha, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 31270-901. E-mail: fgian@uol.com.br

Paulo Rogério Meira Menandro é Doutor em Psicologia pela USP, Docente do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Contato: Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento, Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Fernando Ferrari, s/n, Goiabeiras, Vitória-ES, Brasil. CEP: 29060-900. E-mail: paulomenandro@uol.com.br

Data de recebimento: 22/01/2005
Data de aceite: 26/04/2005

Memorandum 8, abr/2005
Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos08/nascimenan01.htm

 

 

 

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