Curso de Especialização em Psicologia Clínica

A história da Psicologia Clínica remonta aos estudos pioneiros de Freud (1856-1939), que levaram ao surgimento e consolidação da Psicoterapia como prática psicológica humanizada voltada para a redução do sofrimento mental. Concomitantemente ao desenvolvimento da psicoterapia psicanalítica, Freud esforçou-se por seguir os ditames das ciências naturais, criando um sistema especulativo explicativo do comportamento humano fundamentado na hipótese do aparelho psíquico e de seu mais importante componente, o Inconsciente. Imediatamente, críticas epistemológicas a esse modelo surgiram, propondo a fenomenologia como sistema filosófico-conceitual mais adequado à compreensão dos fenômenos humanos.

A Fenomenologia surge como um método filosófico na obra de Edmund Husserl (1859 – 1938), mas rapidamente se desenvolve como fundamentação para uma antropologia filosófica. O método fenomenológico, também conhecido pelo termo epoché, objetiva remontar à constituição originária dos fenômenos. Enquanto fenômenos são tudo o que aparece ao ser humano, a constituição visada pela epoché retoma sua constituição pelo feixe de atos intencionais (noese) e objetos a que eles se dirigem (noema). Dito de outro modo, recupera a relação com o ser humano como co-autor da realidade. A epoché mostra os fios que compõem o aparecer e a possibilidade de referir-se ao que se encontra no mundo. Assim, abre-se a validação da realidade como multifacetada, isto é, podendo aparecer e ser de modos diversos a pessoas diversas.

O método fenomenológico foi utilizado na filosofia por Martin Heidegger para analisar a existência humana, resultando na obra Ser e Tempo . Nela, reserva-se o termo existência para se referir ao ser humano, que, ao invés de ser visado como organismo ou entidade, é descrito a partir da dimensão da responsabilidade inexorável por constituir-se e fazer-se ao longo da vida. Ou seja, existir é estar constantemente lidando com questões acerca do sentido da própria vida, quer se saiba disso ou não. Surgiu, assim, o que veio a ser chamado de fenomenologia da existência – ou fenomenologia existencial – que se abriu a senda para o surgimento do Existencialismo após a Segunda Guerra Mundial.

A compreensão de que a realidade pode ser vivenciada de modos diferentes é de suma importância para a Psicologia Clínica. Por esse motivo, já em 1913 foi utilizada por Karl Jaspers (1883 – 1969) para conhecer a experiência psicopatológica e fundar a ciência Psicopatológica apoiando-se em relatos daqueles que sofriam das então chamadas perturbações mentais (Jaspers, 1912/1987). A mesma preocupação de atentar cuidadosamente para o modo como cada pessoa vivência singularmente os acontecimentos de sua vida é a base da Análise Existencial desenvolvida por Ludwig Binswanger (1881 – 1966) e Medard Boss (1903 – 1990). Estes autores retomam da análise fenomenológica conduzida por Heidegger o caráter de indeterminação da existência, acentuando a responsabilidade humana por deixar-serem os fenômenos tal como se mostram a cada um, construindo sua vida como singular e irrepetível. Funda-se na existência como tarefa a vulnerabilidade antropológica ou existencial. Dado que existir é poder-ser, é também poder não-ser ou deixar-de-ser, o que implica a possiblidade de sofrimento.

Concomitantemente ao desenvolvimento da abordagem psicoterápica analítico-existencial na Europa, nos Estados Unidos da América ocorria um movimento epistemológico e cultural de questionamento de valores e atitudes. Um importante marco simbólico desse período histórico foi a eleição como Presidente da American Psychological Association (APA) de Abraham Maslow (1908 – 1970), psicólogo que desenvolveu entre 1951 e 1969 uma da motivação humana que enfatizava a liberdade humana. Suas pesquisas convergiam com críticas ao determinismo no sistema teórico psicanalítico e ao Behaviorismo, mais representante da Psicologia científica americana. Para as Psicologias Humanistas, como vieram a ser chamadas as abordagens psicológicas que preconizam a liberdade e a responsabilidade humanas, os comportamentos humanos não podem ser explicados exclusivamente por causas antecedentes. Toda ação humana é motivada, isto é, visa alguma realização futura. Ademais, este movimento na Psicologia estadunidense recusa explicações elementares do comportamento humano, pois o consideram multifacetado e inabarcável em sua totalidade por qualquer teoria científica.

É nesse contexto que se vê o crescimento da relevância da Gestalt-Terapia nos EUA e, posteriormente, no Brasil. A Gestalt-terapia foi inicialmente formulada por Frederick Perls (1893 – 1970) como uma abordagem psicoterápica que concebe a pessoa de forma integrada, não fragmentada e como um ser-no-mundo, em constante interação com ele e consigo mesma. Propõe todo o trabalho clínico baseado no diálogo e enfatiza a relação terapêutica como um de seus principais pilares. Sendo uma abordagem existencial, assume a constante construção humana, dotado de liberdade para escolher seu caminho e realizar a existência na relação com os outros e com o mundo. O processo de escolha é constante, contínuo fluxo de movimento no decorrer de toda a vida. Para entender o ser humano nessa visão, deve-se olhar para o seu próprio modo de existir no aqui-e-agora, presentificando sua experiência com toda a gama de sentidos vivenciados no momento presente.

Em suas bases teóricas e metodológicas, a Gestalt-Terapia recebeu influência da Fenomenologia, do Existencialismo, da Psicologia da Gestalt, da Teoria de Campo e da Teoria Organísmica. Perls, Hefferline & Goodman consideram a interação entre o organismo e seu ambiente como essencial em todo trabalho biológico, psicológico ou sociológico. Nesse sentido, o homem sempre faz parte de um campo, formando uma unidade com ele, na qual eles se constituem mutuamente e a qual deve ser considerada em todo trabalho psicológico.

Pelo exposto, a fundamentação filosófica e metodológica das duas abordagens em Psicologia Clínica (Gestalt-terapia e Análise Existencial) se caracteriza por ser fenomenológico-existencial, o que justifica a oferta das mesmas em um único curso de Especialização, ainda que possuam algumas diferenças em outros aspectos teóricos.