Introdução
Em meados do século
XX, os salesianos, membros da terceira maior congregação católica do mundo
cujo patrono é Francisco de Sales, realizaram a importação de um moderno
laboratório de psicologia para a, então recente e hoje já extinta,
Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei.
Objetivando desenvolver conhecimentos e pesquisas em psicologia
semelhantes, principalmente, àqueles desenvolvidos nos laboratórios de
psicologia europeus, adquiriram aparelhos, testes e equipamentos nos
moldes dos existentes no Instituto de Psicologia de Milão, no Instituto
Superior de Pedagogia de Turim, no Instituto Jean Jacques Rousseau, no
Instituto de Psicologia de Louvain e no Instituto Católico de Paris.
A aquisição do
laboratório reorientou o conteúdo programático do curso de pedagogia
existente, fortalecendo as temáticas de pesquisa e prática pertinentes à
psicologia. Com o desenrolar das atividades do laboratório, foi possível a
fundação de um instituto de psicologia e pedagogia, a criação de um curso
de Orientação Educacional e o desenvolvimento de um ativo serviço de
orientação educacional e profissional.
Neste trabalho,
parte integrante de um projeto maior, nossa intenção foi a de
debruçarmo-nos sobre as séries documentais pertencentes ao acervo desse
antigo Laboratório de Psicologia da Faculdade Dom Bosco de Filosofia,
Ciências e Letras de São João del-Rei para a análise da origem e da
constituição do referido laboratório. Como responsáveis pelo projeto de
levantamento, análise e disponibilização
desse
acervo, respaldamo-nos, neste artigo, na perspectiva metodológica da
história documental (Carvalho, 1976). Assim, relacionamos a constituição
do laboratório com sua origem histórica e com seus desdobramentos na
década de 1950, a partir da documentação existente.
O atual projeto de
levantamento, análise e disponibilização
do
acervo, no qual estamos envolvidas, visa restaurar e higienizar as
documentações existentes e elaborar, num catálogo, o registro do material,
tendo em vista a sua disponibilização para consultas e pesquisas. Uma
futura informatização do acervo possibilitará que os dados estejam
disponíveis em redes computadorizadas oferecendo, assim, uma ampla
divulgação da documentação que não seja confidencial. Pretende-se, também,
criar um centro de documentação e história da psicologia que funcionará
como uma unidade de apoio documental para o desenvolvimento de estudos e
pesquisas em psicologia, reunindo informações e documentos relevantes na
área. Objetivando ser um órgão de atenção às necessidades de estudiosos e
pesquisadores de psicologia e áreas afins, o centro de documentação e
história da psicologia poderá estabelecer laços de cooperação e
intercâmbio ativos com instituições congêneres, nacionais e estrangeiras,
no sentido de promover campanhas em prol dos centros de documentação de
psicologia, fazer convergir os acervos da área porventura desativados ou
com pequena utilização e incentivar publicações em história da psicologia
no Brasil.
As origens do laboratório
A congregação
dos salesianos foi fundada pelo italiano João Melchior Bosco (1815-1888),
que recebeu, após ser consagrado sacerdote católico, conforme o costume
italiano, o nome de Dom Bosco.
Dom Bosco era um
padre muito afeiçoado à leitura e à educação e consta que aproveitava todo
o tempo disponível para a realização de seus estudos. Estudava enquanto
levava o rebanho ao pasto, durante as refeições e antes de dormir.
Aprendeu as línguas francesa e hebraica e estudou as obras de Cornélio
Nepos (99-24 a.C.), Cícero (106-43 a.C.), Salústio (86-35 a.C.), Tito
Lívio (59 a.C.-17 d.C.), Tácito (59-119 d.C), Ovídio (43 a.C.–18 d.C.),
Virgílio (70 -19 a.C.) e Horácio Flacco (65–8 a.C.). Leu, também, as obras
do beneditino Dom Calmet (1672-1757), do historiador judeu Flávio Josefo
(37–101 d.C.), os volumes sobre a defesa ao cristianismo de Denis-Luc
Frayssinous (1765-1841), o dominicano Iàcopo Passavanti (1300-1357), o
teólogo jesuíta Cornelius Lapide (1567-1637), além de Jaime Luciano Balmes
(1810-1848) e Domenico Cavalca (1270-1342). Gostava de recitar trechos das
obras de Dante, Petrarca, Tasso, Parini e Monti, numa evidente
manifestação de sua boa memória. Estudou no seminário de Chieri, cidade
próxima de Turim, e, após ter-se consagrado sacerdote, em 1841, ingressou
no Convento Eclesiástico de Turim, dando início à sua obra sacerdotal.
Os oratórios
festivos, uma de suas contribuições, eram reuniões com crianças e jovens
desamparados que, aos domingos e dias festivos, se agregavam para
atividades de lazer e de aprendizagem da fé cristã. Era o início do
sistema preventivo – melhor prevenir do que remediar –, que seria adotado
nas atividades educativas dos salesianos apoiadas em três pilares: razão,
amor e religião.
Ao fundar a
congregação, Dom Bosco insistiu que os seus sacerdotes estudassem. A
partir da reforma educacional italiana de 13 de novembro de 1854, quando
foi promulgada a Lei Casati – considerada laica e instituída num momento
de hostilidade em relação à influência da Igreja Católica –, empenhou-se
para que seus sacerdotes, sem perda de tempo, possuíssem os títulos e
láureas legais e evitassem, assim, o fechamento das instituições escolares
por falta de professores. Era seu desejo que seus padres se apresentassem
para os exames de licença normal, uma espécie de curso de magistério
superior existente na Itália, ou que se inscrevessem nos cursos das
Faculdades de Filosofia, Ciências, Letras e Matemática da Régia
Universidade de Turim.
Em 1872, os
salesianos passaram a contar com a colaboração feminina, a partir dos
trabalhos das jovens Maria Verzotti, Francesca Riccardi e Luigina
Carpanera, integrantes do Oratório das Filhas de Maria Auxiliadora de
Turim. Era o início da obra da congregação católica Filhas de Maria
Auxiliadora.
A preocupação de Dom
Bosco com o aperfeiçoamento educacional de seus sacerdotes era grande e,
antes de sua morte, manifestou o desejo de enviá-los para as universidades
romanas. Contudo, isso só ocorreria, em 1890, após sua morte, quando seus
sucessores, Pe. Miguel Rua, Pe. Paulo Albera e Pe. Pedro Ricaldone,
encarregaram-se da continuidade de sua obra que, então, já alcançara
vários países do mundo.
Na Itália, a
partir da década de 1930, os salesianos promoveram mudanças na orientação
relativa aos títulos acadêmicos, em função dos novos métodos e recursos
técnicos existentes, privilegiando, também, a formação em cursos de
pedagogia. Neste sentido:
... notamos dois
grandes passos:
1º As insistências
para que se dê a máxima atenção e importância à consecução dos títulos
acadêmicos, até mesmos os relacionados com Artes, Profissões e
Agricultura. As estatísticas em 1939 fizeram ver que mais de 900.000
trabalhadores (operários – artífices – agricultores) passaram pelas
Escolas Profissionais Salesianas nos 87 anos de existência. Era necessário
estar à altura do progresso, com novos métodos e recursos da técnica.
2º O Conselheiro
Escolar Geral a firmar a orientação de enviar os salesianos a freqüentar
os cursos universitários nas universidades de maior renome, principalmente
pedagógico (Faculdade Dom Bosco, s/d, p. 5-6).
Em 1940, conseguem a
aprovação do Ateneu Eclesiástico Salesiano, em Turim, onde eram
ministrados os cursos de Filosofia, Teologia e Direito Canônico. Do
investimento nos cursos de pedagogia, resultou, em 1941, a fundação do
Instituto Superior de Pedagogia, que objetivava difundir os princípios da
pedagogia cristã, as propostas psicológicas e formativas de Francisco de
Sales e o sistema pedagógico de Dom Bosco. O Instituto Superior de
Pedagogia cresceu e, aos poucos, foram criados os institutos de Psicologia
Experimental, de Biologia, de Física e Química, de Antropologia e
Etnografia e de Ciências Sociais, gerando, na Itália de 1956, o Instituto
Superior de Ciências Pedagógicas. Com um modelo de ensino superior
estruturado, urgia incrementá-lo nos vários países que dispunham dos
serviços salesianos.
No Brasil, e mais
especificamente em São João del-Rei, os salesianos haviam criado, em 1940,
o Colégio São João, uma instituição escolar destinada ao aspirantado
sacerdotal. Para sua fundação, foi designado o padre Francisco Gonçalves,
que havia cursado o Colégio São Miguel em Lavrinhas (São Paulo) e
desenvolvido seus estudos teológicos em São Paulo. Sua morte prematura, em
1947, gerou sua substituição pelo Padre José Vieira de Vasconcellos que,
entre outras funções, ocuparia, posteriormente, o cargo de presidente do
Conselho Federal de Educação.
O Colégio São João
possibilitou as condições de fundação, em 1948, do Instituto de Filosofia
e Pedagogia, uma instituição educacional destinada à formação, a nível
superior, dos jovens aspirantes ao sacerdócio. O Instituto de Filosofia e
Pedagogia foi um passo para a abertura, em nível superior, de cursos
destinados aos leigos da região. Assim, em 1954, nascia a Faculdade Dom
Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei.
A Faculdade Dom
Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei manteve,
inicialmente, os cursos de Filosofia, Letras e Pedagogia e era
contemporânea da Faculdade Salesiana de Lorena (São Paulo), fundada em
1952, e da Faculdade Auxilium, mantida pelas irmãs da congregação Filhas
de Maria Auxiliadora. Tinha na Faculdade de Lorena seu modelo mais
próximo. Como os salesianos de Lorena haviam solicitado a Giacomo
Lorenzini, então diretor do Instituto de Pedagogia do Ateneu Salesiano em
Turim, a compra de um laboratório de psicologia, semelhante iniciativa foi
tomada pelos padres de São João del-Rei tão logo se teve a notícia da
permissão para a efetivação da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências
e Letras de São João del-Rei. Antes mesmo da sua inauguração, os
salesianos iniciaram, através da inspetoria situada no Rio de Janeiro,
então capital federal, uma série de correspondências com o diretor do
Instituto de Pedagogia do Ateneu Salesiano, em Turim, Giacomo Lorenzini,
para a aquisição do laboratório de psicologia (Bomfim e Albergaria, prelo
A).
O laboratório de
psicologia de São João del-Rei não consta como um dos pioneiros
laboratórios de psicologia do país, conforme estudo realizado por Massimi
(1990). Também não foi o primeiro de Minas Gerais. Campos (1992) lembra
que:
Em agosto de 1929,
Antipoff assumiu a cadeira de Psicologia e criou o laboratório de
Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento, primeira instituição dedicada
especificamente à pesquisa em Psicologia em Minas. Vários programas de
pesquisa foram desenvolvidos pelo Laboratório no decorrer da década de 30
(p. 33).
Contudo, sua
importância pauta-se na sua constituição e na relevância social dos
trabalhos ali realizados.
A montagem e os custos do laboratório
Embora o responsável
pela aquisição do laboratório tenha sido Giacomo Lorenzini, foi
considerável a participação de profissionais como Agostinho Gemelli
(1878-1959), Albert Michotte (1881-1965), Walther Moede (1888-1958) e
Vicent Cimatti (1879-1965), que contribuíram, quer com o envio dos
aparelhos, quer apresentando seus inventos, ou mesmo sugerindo outras
aquisições.
Os aparelhos foram, em grande parte, construídos sob encomenda e eram
semelhantes aos usados nos laboratórios europeus; entre os quais, os de
Genebra, Turim, Louvain, Liège, Berlim, Paris, Madrid, Valência e Roma.
Copiavam os modelos dos existentes nos:
(...) Istituto di Psicologia di Milano (Gemelli), Istituto
Superiore di Pedagogia di Torino (Lorenzini-Biglietti), Institut
Jean Jacques Rousseau (Piéron-Piaget), Institut du Psychologie de
Louvain (Michotte-Fanville) Institut Catholique de Paris (Naville),
além de Lausanne (Carrrard), Bruxelles (Christians) Liège (Pasquasy)
Berlim (Moede), Petersburgo (Netchaieff), Budapest (Mnemômetro de
Ranchbourg), Valença (Tacodômetro de Mira) e Basiléia (Relógios de Jacquet).
As firmas que mais trabalharam na construção dos aparelhos são: LASM (Laboratori
Apparecchi Scientifici Medici), dirigido por Ceresa em Torino, IMR
(Instituto Missionário Rebaudengo) em Torino, DUFOUR em Paris, Istituto
Sacro Cuore di Milano e o Jacquet de Basiléia (Instituto de Psicologia
e Pedagogia, 1964, p. 47-48).
A análise das
correspondências entre os salesianos brasileiros e Giacomo Lorenzini
revela que, em 1954, havia sido enviada a quantia de 10.000 dólares,
correspondente a 6.210.000 liras italianas para a aquisição do laboratório
(Bomfim e Albergaria, prelo B).
Figura 1: Um aparelho - audiômetro
No ano da expedição dos aparelhos, grande parte da verba, mais
especificamente 4.890.644 liras esterlinas, já havia sido gasta, conforme
é possível verificar na correspondência datada de 11 de abril de 1955 e
enviada por Giacomo Lorenzini. Restava, ainda, a quantia de 1.319. 356
liras esterlinas que seria destinada à aquisição de três aparelhos cuja
construção não havia terminado.
A
análise da documentação do laboratório permite mapear em três eixos a
composição e os custos do laboratório:
.
o primeiro eixo é constituído pelos aparelhos, testes e demais
equipamentos;
.
o segundo eixo traduz o material bibliográfico, mais especificamente os
livros, as revistas e a aquisição de material musical;
.
o terceiro e último eixo mostra as despesas realizadas com embalagens,
transporte e demais taxas para a viabilização da importação dos
equipamentos.
Especificando os itens de cada um desses eixos, verifica-se que, no
primeiro eixo, relativo aos aparelhos, testes e demais equipamentos para a
instalação do laboratório, é possível relacionar cada item com os seus
respectivos valores expressos em liras esterlinas da época. Verifica-se,
também, que nesse eixo estão relacionados os móveis, os dispositivos
elétricos necessários ao funcionamento dos aparelhos, assim como um
microscópio, que foi destinado ao estudo de biologia educacional. Veja a
relação no Quadro I.
Quadro I: Relação dos equipamentos, testes e
aparelhos por valores em liras esterlinas (1955)
Relação dos
equipamentos,
testes e aparelhos. |
Valores em
liras
esterlinas em
1955
|
Ambidestrimetro ou
falso torno |
45.000 |
Amplificador,
microfone e altofalante |
82.500 |
Aparelho de Bedini
completo |
7.000 |
Aparelho de
controle de queda |
43.000 |
Aparelho de ilusão
de Muller Lyer |
2.400 |
Aparelho de Richter |
33.000 |
Aparelho
desmontável de Moede |
26.000 |
Aparelho para
fixação de gráficos |
24.000 |
Audiômetro completo |
295.000 |
Base de microfone |
6.800 |
Bloco de Wiggly |
3.800 |
Caixa de Decroly |
33.000 |
Caixa de derivação |
1.150 |
Caixa de lã
colorida |
2.200 |
Câmera
microfotográfica |
15.000 |
Campímetro de
Landelt |
56.800 |
Cardiógrafo de
Jacquet |
17.250 |
Cinco interruptores
para eletroquimó-grafo |
13.000 |
Cinestesiômetro |
34.000 |
Compasso
antropométrico |
7.700 |
Contador de erros
L. A S. M. |
24.000 |
Cronoscópio gráfico |
55.000 |
Dezoito pranchas
para daltonismo |
12.000 |
Dinamógrafo |
34.500 |
Dois alto-falantes |
25.000 |
Dois cronoscópio |
29.000 |
Dois Morse |
12.000 |
Dois Sinais
eletromagnéticos |
41.000 |
Dois Suportes
|
1.400 |
Duas cápsulas de
Marey |
41.000 |
Duas pranchas
otométricas |
500 |
Duplo
taquistoscópio |
26.000 |
Eletrocronoscópio |
62.000 |
Eletrogravímetro |
58.000 |
Eletroquimógrafo
|
155.000 |
Encaixes de
Friedrich-Delys |
29.000 |
Ergógrafo com
registro automático |
98.000 |
Esfignomamômetro |
6.000 |
Espirômetro modelo
Pini |
44.200 |
Estesiômetro de
Michotte |
48.500 |
Estesiômetro P. A
S. |
16.000 |
Fabricação de três
móveis para livros |
653.219 |
Folhas para o
campímetro |
1.500 |
Fotoestesiometro |
150.000 |
Gravador de fita (magnetofono) |
254.800
|
Máquina
datilográfica Olivetti |
38.000 |
Máquina
datilográfica Olivetti portátil |
38.000 |
Máquina de rotação
a motor |
92.000 |
Mecanismos de
Fritz-Heider |
29.000 |
Metrônomo com
contato elétrico |
14.500 |
Microscópio com
acessórios e sua preparação do microscópio |
351.000 |
Mil folhas de
respostas para o teste Bloco de Wiggly |
5.000 |
Mil folhas de
respostas para o teste Caixa Decroly |
5.000 |
Mnemometro de
Ranschurg |
43.000 |
Módulos para
atenção |
18.000 |
Móvel para o quadro
elétrico |
18.000 |
Ototipo |
1.300 |
Ototipo luminoso
com base e completo |
60.000 |
Plastoscópio |
6.000 |
Pneumográfo |
7.000 |
Pneumográfo
torácico |
9.500 |
Polidinamômetro |
33.200 |
Prancha otométrica
cor sobre cartão |
250 |
Prancha otométrica
para astigmatismo |
250 |
Projetor
epidiascópio com cavalete |
147.300 |
Projetor Yus com
duas lâmpadas |
6.000 |
Quadro elétrico |
180.000 |
Reprodutor de microfilme Didascalie |
8.000 |
Rodelas de
Piorkowsky |
5.200 |
Seis dispositivos
para conexão e seis dispositivos para suporte |
11.280 |
Série de pesos para
ilusão |
1.300 |
Sinuosidade de
Bonnardel |
25.000 |
Souricière de Moede |
9.000 |
Suporte universal |
25.000 |
Tapping |
5.000 |
Taquistoscópio
completo |
60.000 |
Taquitoscópio de Netchaieff |
38.000 |
Teste de Arthus
completo |
16.000 |
Teste de Baumgarten-Tramer |
18.000 |
Teste de Heuyer e Braille completo |
20.000 |
Teste do disco de
Léon Walther |
20.000 |
Testes de Piéron e
Toulouse |
47.000 |
Tremômetro completo |
22.000 |
Vinte rolos de
papel para quimógrafo, nove m. de tubo para prolongamento e cinqüenta
cm. de borracha p/ cápsulas de Marey |
6.100
|
Os aparelhos, testes
e equipamentos permitiam a realização de medidas biométricas, sensoriais,
de aptidões específicas, de personalidade e de interesses. Conforme o
relatório de atividades do Instituto de Psicologia e Pedagogia - IPP
(1964), alguns aparelhos destinavam-se ao uso geral, como é o caso do
quadro elétrico, do gravador de fita, do amplificador, do microscópio e do
projetor. Outros serviam como registradores e medidores, como o
eletroquimógrafo, o suporte universal, as cápsulas de Marey, os sinais
eletromagnéticos e os pneumógrafos. Para os exames visuais, eram
destinados o ototipo, o campímetro de Landelt, o plastoscópio (também
denominado estereômetro de Michotte) e o fotoestesiômetro. Para a medida
dos outros sentidos, eram usados o audiômetro (audição), o
eletrogravímetro (sensibilidade bárica), o estesiômetro (percepção tátil)
e o dinamômetro de Zimmermann (esforço e trabalho realizado). Os estudos
sobre a percepção demandavam o uso dos aparelhos de Muller e Lyer (ilusões
óticas), da máquina de rotação a motor (percepção de movimentos e cores),
do taquistoscópio (rapidez de percepção de imagens) e dos encaixes de
Friedrich-Delys (percepção de formas). O tapping, o teste de Heuyer e
Braille, o disco de Léon Walther, o tremômetro e as rodelas de Piorkowsky
eram usados para os estudos de psicomotricidade. Para a análise da
habilidade manual e da aprendizagem, eram utilizados o Souricière de Moede,
o cinestesiômetro, o falso torno, o bloco de Wiggly e a sinuosidade de
Bonnardel. Para a medida de habilidade mecânica, eram usados os mecanismos
de Fritz-Heider, a caixa de Decroly, os puzzles de
Baumgarten-Tramer e o aparelho de Richter. Para as medidas biométricas,
eram usados o espirômetro de Pini, o compasso antropométrico, o
esfignomanômetro e o polidinamômetro. Finalmente, os testes de Bedini e de
Toulouse e Pierón serviam para a medida de atenção.
Interessante observar que, na montagem do laboratório, os aparelhos,
testes e equipamentos ficavam próximos dos materiais bibliográficos,
compondo, num mesmo local, um ambiente para a leitura e para a realização
de medidas e avaliações experimentais. Assim, ao lado dos aparelhos,
testes e equipamentos, ficavam os livros e revistas da biblioteca
especial, conforme mostra a Figura 2.
Figura 2: Os livros no laboratório
No segundo eixo da montagem do laboratório, investigamos o conteúdo do
material bibliográfico da biblioteca especial e demais impressos. Para a
aquisição desse material, foi significativa a participação de Ralfy Mendes
de Oliveira, sacerdote salesiano brasileiro que, na ocasião, realizava seu
curso de especialização na Itália. Coube a ele a seleção dos livros
espanhóis e franceses, além e principalmente devido ao seu particular
interesse, de um livro de música e do material musical.
Com o material impresso de caráter catequético e musical foi despendida a
quantia de 32.130 liras esterlinas. Com a compra de livros na Espanha e na
França, foram gastas 70.000 liras esterlinas. As demais despesas foram
realizadas com as assinaturas de revistas e a compra de livros adquiridos
na Itália.
A relação total dos
livros para a biblioteca especial do laboratório foi composta por
cinqüenta títulos. A listagem da autoria dos livros com os seus
respectivos títulos encontra-se no Quadro II.
Quadro
II: Autoria por títulos dos livros
Autoria |
|
ARISTÓTELES |
Metafísica (libro XII) |
BAUDIN |
Corso
di psicologIa |
BIOT e GALLIMARD |
Guida
medica delle vocazioni sacerdotali e religiose |
BLESS |
Manuale di psichiatria pastorale |
BOGLIOLO |
La
tesi di laurea |
BOGLIOLO |
Aspetti del platonismo tomista |
BOUTONIER |
Les
dessins des enfants |
BUYSE |
La experimentación en pedagogía
|
CLAPARÈDE |
Comment diagnostiquer les aptitudes chez les écoliers |
COLLIN |
Précis
d´une psychologie de l´enfant |
CORALLO |
Educazione e libertá |
CORALLO |
La pedagogia della libertá
|
COUSINET |
La vie sociale des enfants
|
CRAECKER |
Les
enfants intellectuellement doués |
CHIEREGHIN |
Musica, divina armonia |
GEMELLI |
La
psicologia dell´etá evolutiva |
GESELL |
II
fanciullo daí cinque ai dieci anni |
GNOCCHI |
Restaurazione della persona umana |
JEAN LE PRESBYTRE |
Tu che
diventi uomo |
KÖHLER |
Les
problèmes neuropsychiatriques et médico-pédagogiques de l´enfant |
LACROIX |
L´adolescence scolaire |
LAMANNA |
Filosofia e pedagogia
|
LENOBLE |
Quand
vous aurez quinz´ans |
LEY e WAUTHIER |
Études
de psychologie instinctive et affective |
LORENZINI |
Psicopatologia e educazione |
MAISONNEUVE |
Psychologie sociale |
MATTAI |
Principi di vita sociale |
MONSABRE |
Esposizione del domma cattolico – 18 vol. |
NORA |
Psicologia junioristica |
NOSENGO |
L´adolescente e Dio |
PALADINI |
La
storia della scuola nell´antichità |
PICHOT |
Les
tests mentaux |
POROT |
Manuel
alphabétique de psychiatrie |
RORSCHACH |
Psychodiagnostic |
ROUART |
Psychopathologie de la puberté et de l´adolescence |
ROVIGATTI |
Educhiamo i meno dotati |
SEGNALI
|
Come
insegno le quattro operazioni |
SERTILLANGES |
Le
problème du mal: la solution |
TOULEMONDE |
Les
inquiets |
UNESCO |
L´enseignement de la géographie |
UNESCO |
La
préparation du personnel enseignant |
VIDONI |
Le
attitudini dell´uomo |
VIGLIETTI |
Orientamento professionale |
FALORNI
|
Lo
studio psicologico dell´intelligenza e della motricità |
ALABASTRO |
Reattivi mentali per l´esame psicologico del fanciullo |
LALAUME |
Pratique de psychotechnique apliquée à l´industrie |
PIÉRON |
Méthodologie psychotechnique |
MIALARET |
L´éducateur et le méthode des tests |
PAGANUZZI |
Purezza e pubertá |
PIÉRON |
Vocabulaire de la psychologie |
Pela relação dos
livros, observa-se que as temáticas psicológicas, pedagógicas e
psiquiátricas perfaziam o total de 41 títulos, seguidas da temática em
filosofia com cinco títulos, religião com quatro títulos e, finalmente, um
título em harmonia musical.
Dentre as obras que
vieram para o laboratório, foi possível localizar na atual biblioteca do
campus Dom Bosco da Universidade Federal de São João del-Rei,
herdeira da biblioteca da extinta Faculdade Dom Bosco, somente as de
Sertillanges (1951), Falorni (1952), Buyse (1937), Piéron (1951), Piéron,
Pichot, Faverge e Stoetzel (1952), Rouart (1954), Claparède (1924) e
Lamanna (1954).
A investigação sobre
o terceiro eixo, referente às despesas bancárias, transporte e embalagens,
levou-nos a um mapeamento em três agrupamentos. No primeiro agrupamento,
referente aos gastos com transporte, verificou-se a existência de despesas
com o material proveniente de Milão (500 liras esterlinas), com a
expedição para o Brasil (314.250 liras esterlinas) e com a taxa marítima
(300.000 liras esterlinas). No segundo agrupamento, foram computados os
investimentos realizados com as embalagens. Foram despesas realizadas com
o material para embalagens (3.800 liras esterlinas), com a construção de
seis caixas de embalagem (4.500 liras esterlinas) e com o pagamento dos
operários para a realização da tarefa (8.000 liras esterlinas).
Finalmente, no terceiro agrupamento, computaram-se as taxas e despesas
bancárias realizadas com Banca Nazionale del Lavoro (2.500 liras
esterlinas) e com a expedição de documentos (1.690 liras esterlinas). No
total, foram gastas 635.240 liras esterlinas com o transporte, as
embalagens e as taxas.
A relevância do
laboratório na década de 1950
Acondicionado em
salas do segundo andar da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e
Letras de São João del-Rei, o laboratório ocupou, basicamente, três salas
que se intercomunicavam e uma sala maior - destinada a aulas,
demonstrações experimentais ou filmes. Foi, inicialmente, coordenado por
Ralfy Mendes de Oliveira e os equipamentos eram utilizados nas
demonstrações didáticas e nos estudos relativos às análises da visão,
audição, tempo de reação motora e de reações fisiológicas.
Figura 3: Teste no laboratório
Em 1957, Ralfy
Mendes de Oliveira criou o Serviço de Orientação Educacional e
Profissional (SOEP), que agregou o trabalho, inicialmente voluntário, de
Maria do Carmo Carvalho Mazzoni, Antonia Benedito, Niva Dâmaso de
Oliveira, Hélia Ribeiro de Sá, Maria Lygia Rodrigues Leão e Antonina Gomes
da Silva.
Em 1958, em
outro desdobramento das atividades do laboratório, foi criado o Instituto
de Psicologia e Pedagogia (IPP). Entre seus objetivos, caberia ao IPP
zelar pela coordenação das disciplinas de psicologia ministradas nos
diferentes cursos da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras,
pelo incentivo e desenvolvimento de pesquisas e pela promoção da
especialização da equipe técnica. Entre suas atividades comunitárias, o
IPP manteve o Centro de Estudos Pedagógicos (CEP), criou o Serviço de
Orientação Educacional e Profissional (SOEP), o Centro de Pesquisas e os
Círculos de Pais. O Centro de Estudos Pedagógicos (CEP) promovia reuniões
com o professorado primário e secundário local objetivando a realização de
debates e conferências e um evento científico anual denominado Semana de
Estudos Pedagógicos, que propiciou um ativo intercâmbio com expressivos
profissionais brasileiros da área.
Entre 1959 e 1962,
funcionou o curso de Orientação Educacional criado por Luis Zver e José
Maria Telles, a partir de suas participações no I Simpósio de Orientação
Educacional, ocorrido em São Paulo, em 1957.
Embora as pesquisas
realizadas na década de 1950 não tenham sido localizadas, foi possível
verificar, pela menção em textos do laboratório, a existência de um
levantamento de aptidão musical nos seminaristas salesianos realizado por
Ralfy Mendes de Oliveira, em 1957, uma pesquisa relativa ao sentimento de
felicidade entre crianças de um grupo escolar conduzida por Maria do Carmo
Mazzoni e Antonia Benedito, em 1958, uma análise da situação emotiva de
menores abandonados desenvolvida por Hélia Ribeiro de Sá e Maria Lygia
Leão, em 1958, e uma pesquisa sobre a relação entre nível mental e
rendimento escolar realizada por Antonina Gomes e Niva Damaso de Oliveira,
em 1958.
Em 1959, Geraldo
Servo, que havia retornado da Europa no ano anterior, substituiu Ralfy
Mendes de Oliveira na coordenação do laboratório. Imediatamente,
incrementou as atividades do, ainda incipiente, Serviço de Orientação
Educacional e Profissional (SOEP) realizando, no referido ano, trabalhos
de orientação profissional, de orientação vital e atendimentos clínicos.
Nos prontuários de
orientação profissional, são freqüentes as fichas antropométricas,
contendo dados somáticos (dimensão craniana, peso, envergadura, altura
total e do tronco), dados biométricos (capacidade pulmonar, pressão
arterial e pulsações), informações de dinamometria (tração e compressão
das mãos) e índices cefálicos, vitais e de robustez. Aparecem, também, as
fichas médicas e biográficas, os resultados de exames de daltonismo e da
aprendizagem de coordenação visual-motora, assim como dos testes de Wiggly,
Otis e Souricière de Moede.
Para os trabalhos de
orientação vital, eram utilizados o sociométrico, a entrevista, as
respostas ao catálogo de livros e ao questionário de personalidade de
Brown e os resultados dos testes de Otis, Gex, Raven, Wiggly, Gaston
Berger, WISA ou Wechsler, Weil, DAT, Thurstone, Rorschach e Piéron. Para o
atendimento clínico, além dos dados coletados para orientação vital, eram
usados os testes Family Tree, Goodnough, Minhas Mãos e Rosenzweig,
acrescidos, quando necessário, da entrevista com os pais.
Considerações finais
O laboratório de
psicologia, nomeado também como gabinete de psicologia e como laboratório
de psicologia experimental, não foi um espaço restrito ao desenvolvimento
de experimentos ou medidas neurofisiológicas. Desde sua aquisição, esteve
atravessado pela concepção educacional dos salesianos que associava à
formação acadêmica a formação artística, mais especificamente a musical, e
priorizava a perspectiva religiosa e o atendimento à comunidade.
As pesquisas
passaram a ter articulação com os trabalhos comunitários desenvolvidos na
cidade e na região circunvizinha, principalmente nos oratórios festivos,
nos círculos de pais e nas escolas.
Sob a coordenação de
Geraldo Servo, as atividades relacionadas à psicologia experimental foram
cedendo lugar às atividades pertinentes à psicologia aplicada. Cresceram,
nos anos subseqüentes, as práticas do dinâmico Serviço de Orientação
Educacional e Profissional (SOEP) em detrimento das atividades de
pesquisa, modificando, assim, os objetivos originais do laboratório de
psicologia. O SOEP, nas décadas subseqüentes, passaria a ocupar o papel de
destaque, colaborando com as indústrias e demais organizações do trabalho
e desenvolvendo serviços de orientação profissional, seleção e treinamento
de pessoal. Cresceram, também, no SOEP, os atendimentos clínicos e
educacionais.
Os aparelhos,
pesados e fixos, foram rapidamente substituídos pelos testes, de fácil
locomoção e de aplicação coletiva. E, sem uso, foram tornando-se
obsoletos.
Contudo, permanecem
as lembranças, sempre presentes nas memórias dos são-joanenes, de um
importante e histórico laboratório de psicologia.