O Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (IBDCRIA-ABMP), diante do episódio noticiado como “Chacina da Sapiranga”, ocorrido em Fortaleza, Ceará, no dia 13/11/2017, quando seis jovens foram subtraídos durante a madrugada de uma unidade de semiliberdade destinada a adolescentes autores de ato infracional, sendo que quatro deles foram sumariamente executados a tiros logo depois, em uma rua próxima, vem manifestar o mais veemente REPÚDIO ao referido acontecimento, bem como expressar as seguintes considerações:
1º ) Às questões concernentes à perspectiva da educação para a cidadania, pedra basilar sobre a qual se assenta o sistema socioeducativo brasileiro, destinado à responsabilização e integração social de adolescentes e jovens a quem se atribua a prática de atos infracionais, devemos acrescentar aquelas que dizem respeito à forma como construímos nossos laços, nossos limites e nossa convivência.
2º ) Sabemos que a cultura do medo, oriunda da sensação de (in)segurança, insiste em anular o sujeito sob a imagem do criminoso, criando uma carreira delinquente assentada nos piores momentos e desempenhos de nossos jovens. Eles se tornam o mal a ser extirpado, corpos a serem eliminados.
3º ) Como pensar em novas formas de sociabilidade, quando já condenamos ao pior esses breves percursos de vida?
4º ) Essa chacina, contudo, vai além e interroga a capacidade de mediação do Estado e da sociedade civil em torno de nossas fronteiras e códigos de sociabilidade. Parece-nos inimaginável supor a entrada de adultos armados em um dispositivo de segurança pública para raptar e eliminar adolescentes que estavam sob a tutela do Estado. Há um evidente deslocamento: onde deveriam estar protegidos por adultos, são, ali mesmo, assassinatos por outros deles.
5º ) Qual futuro estamos a escrever quando testemunhamos essa tragédia? Com reagimos a ela? Como fazer para que entendamos que ela concerne a cada um de nós que diariamente educa seus próprios filhos ou convive com os filhos de outros? O que temos ensinado aos nossos e aprendido com a alteridade no cotidiano?
7º ) Ao expressar sua indignação e pesar diante do ocorrido, o IBDCRIA-ABMP também manifesta sua preocupação frente à falta de prioridade com que vem sendo tratado pelo Governo Federal o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), que, durante o corrente ano de 2017, teve reduzida e em alguns casos até suspensa a capacidade de atendimento em vários estados, em virtude da redução, atraso, ou falta de repasse de recursos federais aos estados que implementaram o referido Programa, em evidente desrespeito, pelos gestores responsáveis, da regra de prioridade prevista no artigo 227 da Constituição da República e explicitada no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
6º ) Ultrapassamos o umbral do respeito e da tolerância, é preciso fazer parar a história. E, se isso não for possível, reescrevê-la sob novas bases e alianças. Apenas lamentar e chorar pelas vítimas dessa violência simbólica, não alterará o curso da história.
Com estas breves considerações, o IBDCRIA-ABMP conclama a Sociedade, o Poder Público e as entidades de defesa e promoção de crianças e adolescentes à vigilância na garantia de responsabilização do governo local diante dessa chacina, bem como a serem capazes de refletir um pouco mais sobre fatos desta natureza e, finalmente, decidir e prover os esforços e investimentos necessários para a efetiva proteção da infância e da juventude, especialmente a infância e juventude que se encontra mais vulnerável aos fatores extremos de violência.
São Paulo, 14 de novembro de 2017.
IBDCRIA-ABMP