Pílulas dos acervos do LHTP: sindicalismo e ditadura nas memórias de Ênio Seabra

Reportagem publicada no jornal Correio da Manhã (1º caderno, p. 12) em 5 de maio de 1968, noticiando a prisão do líder sindical Ênio Seabra.

 

Há exatamente 25 anos, Ênio Seabra, metalúrgico e sindicalista, era entrevistado por Michel Le Ven e Marluci da Silva C. Moreira para o projeto integrado “Memória e história: visões de Minas”. Durante o mês de novembro de 1995, foram realizadas seis sessões de entrevistas com Seabra, a fim de constituir uma narrativa de história de vida em diálogo com os pesquisadores.

Nas entrevistas, Ênio Seabra, nascido em Belo Horizonte, em 1931, abordou diversos aspectos de sua vida. Falou sobre suas origens familiares, sua infância, juventude e a formação educacional. Também contou sobre seu casamento, a chegada dos filhos e o início da vida profissional. No início dos anos de 1950, Ênio começou a trabalhar na Companhia Siderúrgica Mannesmann, fundamental em sua trajetória, pois marcou também o início de sua atuação no movimento sindical. O entrevistado lembra-se de se ter sindicalizado em 1957, passando a integrar a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, a partir de 1959. Tornou-se uma das principais lideranças metalúrgicas e sindicais que atuou no meio operário em Belo Horizonte e na Cidade Industrial de Contagem, na década de 1960.

Em 1964, Ênio era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, mas com o golpe civil-militar, ele e os demais integrantes da diretoria foram destituídos do cargo – ação que se repetiria em diversos sindicatos, federações e confederações de trabalhadores pelo Brasil. Em sua entrevista, Ênio reconhece-se como simpatizante da Ação Popular, uma das organizações políticas que atuou no meio operário neste contexto, especialmente na Cidade Industrial de Contagem/MG. Em 1967, Seabra fez parte da chapa que ganhou as eleições para o sindicato, mas foi impedido de tomar posse pela Delegacia Regional do Trabalho. Ele se lembrou de como aqueles foram tempos difíceis para os ativistas sindicais. Mesmo com seus direitos políticos cassados, Ênio Seabra continuou atuando junto aos trabalhadores. Em abril de 1968, os metalúrgicos protagonizaram a primeira greve operária depois do golpe e Seabra foi eleito o líder do Comando de Greve. Lutavam contra o arrocho salarial e conquistaram um abono de 10% para todos os trabalhadores brasileiros. Em outubro de 1968, um novo movimento dos metalúrgicos eclodiu, os trabalhadores estavam bastante organizados, mas a reação da ditadura e das fábricas foi rápida. Ênio foi preso no 3º dia de greve junto com outras lideranças operárias, durante uma reunião em uma igreja local. O sindicato sofreu intervenção e sua diretoria foi destituída. Centenas de outros grevistas foram presos e trabalhadores foram demitidos.

Por sua atuação sindical e política, Ênio Seabra foi perseguido pela ditadura militar. Foi preso cinco vezes, entre 1968 e 1970, passando pelos seguintes lugares de repressão: Dops/MG, 12º Regimento de Infantaria do Exército e Colônia Penal de Ribeirão das Neves. Demitido da Mannesmann depois da greve de outubro, enfrentou dificuldades para conseguir trabalho em sua área. Nos anos de 1970 voltou ao meio metalúrgico, chegando a concorrer às eleições para diretoria do sindicato, em 1979.

Ouvir as entrevistas com Ênio Seabra possibilita não só conhecer a sua trajetória, mas a maneira como ele reconstrói suas memórias sobre o vivido. Para quem tiver interesse em saber mais sobre a vida desse importante líder sindical que atuou no meio metalúrgico de Belo Horizonte e Contagem, durante a ditadura militar, as transcrições de suas entrevistas estão disponíveis para consulta no acervo do Núcleo de História Oral/LHTP.

 

Carolina Dellamore

Doutora em história – UFMG, professora da rede pública de ensino de Contagem e pesquisadora do LHTP-UFMG

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