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- Nota
Bene: o
presente artigo foi concebido em um âmbito de debate, estabelecendo
analogias e diferenças entre horizontes culturais diversos. Sugere-se
a leitura confrontada de três artigos publicados neste número 1 da
revista Memorandum: "Empenhado
na mudança do milênio: identidade, história e profecia em uma
comunidade rural tradicional",
"Identidade, Tempo, Profecia na Visão de Padre Antônio Vieira",
"Rei, Sacerdote, Profeta: historicidade, religiosidade e
subjetividade".
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- Identidade,
Tempo, Profecia
- na
Visão de Padre Antônio Vieira
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- Identity,
Time and Prophecy in the View of Fr. Antônio Vieira
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- Marina
Massimi
- Departamento
de Psicologia e Educação
- FFCLRP-USP
- Brasil
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- Resumo
- O
objetivo deste trabalho é o estudo das relações entre
identidade pessoal e social, tempo e profecia assim como se
delineiam em algumas obras de Padre Antônio Vieira.
Escolhemos analisar a produção deste autor no período
compreendido entre 1640 e 1661 e neste âmbito nos detemos
sobre textos especialmente significativos no que diz
respeito à afirmação das concepções acerca do homem, do
tempo e da história. A análise enfoca as relações
implicadas entre sentido do tempo e da história, horizonte
escatológico, sentido da identidade pessoal e histórica do
sujeito.
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- Palavras-Chaves:
História das Idéias Psicológicas; Identidade,
História e Cultura; Idéias psicológicas no Brasil.
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- Abstract
- The
aim of this paper is the study of the relations between
personal and social identity, time and prophecy in selected
texts by Fr. Antonio Vieira. We chose to analyze the
production of this author in the period between 1640 and
1661, especially those texts about the conception of man,
time and history. The analysis focuses on the relations
between the sense of time and history, eschatological
horizon, sense of personal and historical identity of the
subject.
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- Keywords:
History of the Psychological Ideas; Identity, History and
Culture; Psychological Ideas in Brazil.
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Introdução:
identidade, tempo e profecia.
O presente artigo é parte de um diálogo entre três diversas
perspectivas de abordar o tema “identidade, tempo e profecia”, no âmbito
de diferentes momentos e espaços culturais, realizado pela autora
juntamente com o Prof. Dr. Miguel Mahfoud e o Prof. Dr Gilberto Safra -
cujas contribuições são publicadas na presente revista. Por isto, ao
longo deste artigo comparecem referências ao trabalho de Mahfoud (2001) no âmbito
da comunidade tradicional mineira de Morro Vermelho, bem como aos estudos
de Safra no âmbito da filosofia russa.
O interesse pelo tema “identidade, tempo e profecia” e pelo
estabelecimento de analogias e diferenças entre horizontes culturais
diversos quanto à sua abordagem, é suscitado pelo momento histórico em
que nos encontramos no presente. O início do terceiro milênio coloca o
homem diante da pergunta sobre o sentido do tempo e sobre o sentido de sua
presença como ator da história - pergunta esta que consideramos
essencial para a definição da identidade pessoal e social. O tema do
novo milênio, por acarretar uma busca do significado do tempo e a
articulação de um projeto histórico, tem sido relacionado também à
intuição de uma resposta e de uma perspectiva além
do tempo e por isto colocado inclusive dentro de um horizonte teológico
(1).
Por outro lado, o tema do novo milênio evidencia a importância da
historicidade enquanto dimensão essencial da identidade humana, pois
conforme afirma o filósofo russo N. Berdiaev, "o homem é em grande
medida um ser histórico; o homem vive no histórico e o histórico habita
no homem” (1979 p. 26). Berdiaev, discípulo do grande pensador Vladimir
Solovyov é um filósofo que muito contribuiu à formulação das relações
entre identidade humana, tempo e história e por isto sua perspectiva teórica
parece-nos especialmente reveladora para a reflexão acerca do tema aqui
proposto. Na visão dele, a reciprocidade profunda entre a história e o
homem proporciona na consciência da pessoa o reconhecimento de uma
identificação entre o destino histórico pessoal e o da humanidade, de
modo que dentro da história da humanidade ela descobre seu próprio
destino individual. Esta dinâmica é evidente na memória coletiva a qual
estabelece um nexo interior com o histórico, nexo este fundado na tradição
e que por sua vez possibilita modalidades peculiares de compreensão dos
acontecimentos históricos. É assim que o tempo e os fatos históricos
pertencem à própria definição da identidade humana, não se constituem
em algo estranho à interioridade do sujeito, mas pelo contrário
pertencem à consciência de si mesmo. As concepções iluminista e
positivista da história, porém determinaram a dissociação entre consciência
e história que marca toda a modernidade.
Por outro lado, vivências e concepções do tempo e da história
formuladas em horizontes culturais e de mentalidades não iluministas
propiciam-nos a possibilidade de reconhecer a presença desta relação
entre tempo, história e identidade pessoal e social. Tais vivências e
concepções, ao mesmo tempo, apresentam entre si profundas semelhanças e
analogias apesar de terem sido concebidas em contextos geográficos e
temporais entre si muito diferentes.
É nesta perspectiva que podemos estabelecer um horizonte comparativo
entre a concepção de si mesmo, do tempo e da história que emerge numa
entrevista realizada recentemente com um morador da comunidade tradicional
de Morro Vermelho – e as idéias a respeito deste mesmo tema, presentes
em sermões e obras de um autor muito representativo da tradição
cultural luso-brasileira tal qual padre Antônio Vieira (2).
É importante para o psicólogo refletir acerca das possíveis articulações
destas concepções assim como podem ser apreendidas na experiência e nas
elaborações culturais que as sustentam. Com efeito, a identidade pessoal
tem suas raízes na história: ela brota do
reconhecimento do sentido do tempo e de si mesmo como ator da dinâmica
histórica, sendo que esta dinâmica é originada pela afirmação de um
sentido presente no tempo da existência humana.
O ponto de partida do presente trabalho é o reconhecimento de claras
analogias presentes entre a concepção de identidade associada à
participação na história universal
que permeia a experiência da comunidade tradicional de Morro
Vermelho (estudada pelo prof. Mahfoud) e a concepção das relações
entre identidade pessoal e social, tempo e profecia assim como se
delineiam em alguns sermões de Padre Antônio Vieira.
De fato, se para os moradores de Morro Vermelho - a visão do valor
sagrado de seu passado comunitário baseia-se na inserção na história bíblica
ao mesmo tempo fundamentando o valor político da participação na história
atual brasileira, posição semelhante encontra-se expressa nos sermões
do grande pregador jesuíta do século XVII. Ambas as posições parecem
expressivas de uma mesma concepção político - religiosa, onde a
identidade pessoal e comunitária é tecida assumindo caráter profético
diante da história universal e o futuro próximo vem a confirmar os
ideais religiosos e políticos propostos.
Retórica e hermenêutica
de Antônio Vieira
Os
sermões de Antônio Vieira escolhidos para a nossa análise, foram
pronunciados no período compreendido entre 1640 e 1662, sendo este
momento histórico especialmente significativo da posição pessoal e
social deste autor. A análise se deteve sobre algumas pregações
especialmente significativas no que diz respeito à afirmação de concepções
milenaristas e escatológicas - acerca do homem, do tempo e da história.
Como sabemos, estes - assim como os demais sermões - foram sucessivamente
transcritos pelo próprio autor; são eles: o Sermão
de Nossa Senhora do Ó, pregado na Bahia em 1640; o Sermão dos Bons Anos, pronunciado em Lisboa em 1641; os Sermões
do Advento (pregados a partir do ano de 1650), o Sermão
da Epifania de 1662 pregado na Capela Real de Lisboa, o Sermão
de Dia de Reis, pregado na Bahia em 1641; os dois Sermões sobre o Espírito Santo pronunciados em São Luís do
Maranhão naqueles anos, o Sermão
da publicação do Jubileu pregado em São Luís do Maranhão em 1654;
o Sermão das Exéquias de El-Rey D. João IV; o Sermão de São Roque pregado na Capela Real de Lisboa em 1644. A
leitura destes sermões foi acompanhada também do estudo de outro texto
muito significativo de padre Vieira, o Livro Anteprimeiro da História
do Futuro (1665). O livro foi concebido em 1661, quando da volta do
jesuíta a Portugal após nove anos vividos no Maranhão, sendo dedicado a
exposição do grande ideal político do “Quinto Império”, o Reino de
Cristo que dentro em breve se havia de instalar na terra. (3)
Na concepção antropológica de Vieira, a articulação das referidas
relações parece ser um fator que estrutura profundamente a personalidade
humana: tal concepção parece-nos expressiva da posição cultural própria
do assim chamado Barroco luso-brasileiro (4) da
qual Vieira é herdeiro, porta-voz, transmissor e que ainda hoje pode ser
reencontrada na tradição cultural brasileira.
Desengano
de nossa vaidade
Em primeiro lugar, o fim de um milênio, assim como o fim de um ano,
remete o ser humano à consideração do significado da história,
especialmente revelado por seu objetivo último, seu fim e destino. Desse
modo, nos sermões do primeiro domingo de Advento dedicados ao comentário
de um trecho do Evangelho que descreve o fim do mundo (Evangelho de Lucas,
cap. XXII), Vieira dedica-se a ilustrar o sentido da história, do tempo e
o valor de cada instante da humana peregrinação, tendo como ponto de
partida a perspectiva de seu destino final. Nesta ótica, a descrição do
juízo final baseada na literatura sagrada (os livros dos profetas do
Antigo Testamento, os Evangelhos e o livro da Apocalipse), adquire um
significado decisivo para o tempo presente. O receio do fim do mundo não
diz respeito tanto à necessidade de uma preparação para um suposto
ponto final da história a ocorrer num futuro próximo, quanto ao fato de
que já no presente o juízo de Deus e a presença de Cristo nas
vicissitudes humanas são fatos reais que implicam numa mudança da consciência
com a qual homens e povos vivem sua função na sociedade. Desse modo, e
leitura destes sermões não revela um Vieira propriamente milenarista (se
por milenarismo entende-se a crença num futuro reinado de Cristo sobre a
terra durante mil anos, cf. Delumeau, 1997, 5);
ao invés, suas idéias parecem-nos muito mais próximas da concepção
agostiniana da história (explicitada especialmente no livro A Cidade
de Deus). Para Agostinho, os mil anos do reinado terrestre iniciam com
a encarnação de Cristo, sendo que terminarão com o juízo final e o
advento da cidade celeste que não terá fim. Tal reinado encontra-se em
estado de guerra, numa continua confrontação com inimigos. Todavia, a
Igreja na terra é desde já o reino de Cristo e na vida de cada cristão,
desde já, realiza-se o juízo final. (Delumeau, 1997). È propriamente
esta ênfase no valor decisivo do presente que caracteriza os referidos
sermões de Vieira.
No Sermão da Primeira Dominga do
Advento, pregado na capela real no ano de 1550 (ed. 1993, vol. um, pp.
107-225), Vieira descreve em tons foscos o aproximar-se do juízo final:
Abrasado,
pois o mundo e consumido pela violência do fogo tudo o que a soberba dos
homens, e o esquecimento deste dia levantou e edificou na Terra: quando já
não se verão neste formoso e dilatado mapa senão umas poucas cinzas,
relíquias de sua grandeza, e desengano de nossa vaidade, soará no ar uma
trombeta espantosa, não metafórica, mas verdadeira (...): e obedecendo
aos impérios daquela voz o Céu, o Inferno, o Purgatório, o Limbo, o
Mar, a terra, abrir-se-ão em um momento as sepulturas, e aparecerão no
mundo os mortos vivos (1993, vol. um, p. 108).
Finalmente, Vieira retrata a cena
do Juízo:
Presente
enfim no vale todo o gênero humano, correr-se-ão as cortinas do Céu, e
aparecerá o Supremo Juiz sobre um trono de resplandecentes nuvens,
acompanhado de todas as jerarquias dos anjos, e muito mais de sua própria
majestade (1993, vol. um, p. 117).
Os homens serão separados
inicialmente conforme o estado que ocuparam neste mundo e depois "se
começará a segunda separação, segundo o estado que hão de ter na
outra, e que há de durar para sempre".(1993, vol um, p. 117)
Ninguém escapará disto, nem os pontífices, pois mesmo dentre eles Deus
separará os bons dos maus e se verá no dia final que “a santidade não
consiste no nome, senão nas obras” (1993, vol um, p. 118). Mas, se o
dia do juízo pode surpreender no despreparo inclusive religiosos, padres
e pregadores, o que será do rei e de sua corte - destinatários deste
sermão -? Os próprios reis serão julgados sem todos “os aparatos de
majestade, mas todos sós, e acompanhados somente de suas obras, estarão
em pé como réus”.(1993, vol um, p. 118). Comprovando seu juízo com a
história do povo de Israel, Vieira afirma que é algo muito difícil os
soberanos se salvarem e conclui: “Muito arriscada cousa deve ser o
reinar, pois em tantos tempos e em tantos reis, se salvam ou tão poucos
ou nenhum”. (1993, vol um, p. 121)
Desde logo, o pregador faz questão de declarar que, na realidade, o drama
do juízo de Deus sobre a história se decide no momento presente e não
num longínquo e imprevisível futuro:
O
que me espanta, e o que deve assombrar a todos, é que haja de bastar esta
trombeta para ressuscitar os mortos, e que não baste para espertar os
mortais! (1993, vol um, p. 109).
Portanto, a consideração do último dia é para Vieira ocasião de
dirigir uma crítica dura e direta aos homens poderosos de seu tempo,
sendo que os principais alvos de sua reprovação são o rei e os homens
da corte - para os quais ele está proferindo este sermão! Assim, os tons da pregação apresentam-se realmente graves e
acusadores, quando, por exemplo, ele diz que um das “considerações
mais dignas de sentimento” é esta: “quanta gente bem nascida se verá
naquele dia mal-ressuscitada!” (1993, vol um, p. 109), pois “na
ressurreição sobrenatural, cada um ressuscita como vive”.
A ênfase no momento histórico atual é assim o ponto de partida para a
afirmação do ideal de justiça social – ideal este a ser realizado
apesar de constantemente traído pelos homens. Com efeito, - e isto há de
ser de “grande consolação para aqueles a quem não alcançou a fortuna
dos altos nascimentos!”, - no Dia do Juízo Deus dará “uma grande
satisfação à desigualdade com que nascem os homens, sendo todos da
mesma natureza”.(1993, vol um, p. 110). Ocorrerá então o
restabelecimento da ordem definitiva e própria do Reino de Deus na terra.
De modo que:
Homens
humildes e desprezados do povo, boa nova. Se a natureza ou a fortuna foi
escassa convosco no nascimento, sabei que ainda haveis de nascer outra
vez, e tão honradamente como quiserdes: então emendareis a natureza, então
vos vingareis da fortuna (1993,
vol um, p. 110).
Todavia, a realização desta ordem final, não depende unicamente da ação
de Deus na história, mas também da ação humana, que por sua vez
estrutura-se a partir do posicionamento da liberdade (ou livre arbítrio):
desse modo, num certo sentido, o homem vem a decidir o lugar que ocupa na
história, tendo o poder de modificá-lo. Aquelas que Vieira define como
“mudanças notáveis” serão manifestas no último dia e serão
definitivas:
O
pequeno achará seus ossos em um adro sem pedra nem letreiro, e
ressuscitará tão ilustre como as estrelas. O grande, pelo contrário,
achará seu corpo embalsamado em caixa de pórfiro, aos ombros de leões,
ou elefantes de mármore, com soberbos e magníficos epitáfios, e
ressuscitará mais vil que a mesma vileza. Oh, que metamorfose tão
triste, mas que verdadeira! (1993,
vol um, p. 110).
Haverá, em suma, um “segundo nascimento” cujo êxito dependerá
da liberdade do homem: “não se
faz agravo na desigualdade do nascer, a quem se deu a eleição de
ressuscitar. A ressurreição é um segundo nascimento com alvedrio”.
O
ser bem-nascido, que é uma vaidade que se acaba com a vida, é verdade
que o não pôs Deus na nossa mão; mas o ser bem ressuscitado, que é
aquela nobreza que há de durar por toda a eternidade, essa deixou Deus no
alvedrio de cada um. No nascimento somos filhos de nossos pais, na
ressurreição seremos filhos de nossas obras (1993, vol um, p. 111).
Em suma, nossa própria condição final “na nossa mão está, se o
quisermos ser”. (1993, vol um, p. 112)
A importância da ação humana é assinalada por Vieira inclusive em seu
aspecto negativo: dentre os pecados que levam à perdição os homens,
Vieira coloca a omissão: “A omissão é um pecado que se faz não
fazendo” (1993, vol. um, p. 125). Este pecado acomete especialmente príncipes
e reis, sendo esta a causa da perdição de tantos:
Está
o príncipe, está o rei divertido, sem fazer má obra, sem dizer má
palavra, sem ter mau nem bom pensamento: e talvez naquela mesma hora, por
culpa de uma omissão, está cometendo maiores danos, maiores estragos,
maiores destruições, que todos os malfeitores do mundo em muitos anos (1993, vol. um, p. 125).
Hoje,
amanhã, e cada dia, é o fim do mundo.
Dois anos mais tarde (1652), Vieira prega um segundo sermão, na mesma
ocasião litúrgica e na mesma capela: o Sermão
da Primeira Dominga de Advento e novamente o exórdio da pregação é
a descrição da cena apocalíptica do fim do mundo – sendo que desta
vez os tons são ainda mais sombrios e atemorizadores:
Sabemos
que antes do dia do juízo, o Sol que soía fazer o dia, se há de
obscurecer e esconder totalmente com o mais horrendo e assombroso eclipse
que nunca viram os mortais. Sabemos que a Lua, não por interposição da
Terra, mas contra toda a ordem da natureza, se há-de mostrar entre as
trevas medonhamente desfigurada, e toda coberta de sangue. Sabemos que as
estrelas do firmamento, desencaixadas dos orbes celestes, hão-de cair: e
como no mundo inferior não têm onde caber, lá hão-de estalar a pedaços,
como horrível estrondo, e exalar-se em vapores ardentes. Sabemos que o
mar há-de sair furiosamente de si, e atroar os ouvidos atônitos com
pavorosos roncos, e levantando as ondas imensas até as nuvens, já não há-de
bater como dantes as praias; mas sorver inteiras as ilhas, e afogar os
montes (1993, vol. um, p. 135).
Vieira declara que - se acerca destes acontecimentos temerosos, os homens
foram instruídos pelo próprio Cristo nos Evangelhos - há, porém duas
coisas que permanecem desconhecidas: os anos e o dia em que isto ocorrerá.
Acerca do ano, ele apresenta várias teorias sobre o fim do mundo,
especificamente quatro e neste primeiro momento, parece colocar uma
perspectiva milenarista. Com efeito, afirma sua adesão à doutrina - abraçada
por autores clássicos e também por vários modernos (Cardeal Belarmino,
Pico Mirandulano) - que coloca o fim do mundo no sétimo milênio – em
analogia ao sétimo dia do livro do Gênesis, quando Deus descansou do
trabalho da criação:
Na
suposição dela, (...) desde o ano presente, em que estamos, até o último,
não lhe restam de duração mais que trezentos e cinqüenta: e daqui
podem inferir os que hoje edificam tão magnificamente em todas as cortes,
Roma, Paris, e na nossa Lisboa, que tudo isto que fazem, e em que tanto se
cansam, é em ir ajuntando lenha para o fogo do Dia do Juízo (1993,
vol. um, p. 140-1).
Ainda mais próximo o fim do mundo aparece na teoria do cardeal e filósofo
alemão Nicolau de Cues (ou Cusano), proposta na obra Conjectura de
ultimis diebus (1452), segundo a qual depois do ano jubilar de 1700 a
Igreja seria transferida da Terra para o Céu (6),
sendo que assim ocorreria o fim do mundo. Exatamente,
“Daqui
a quarenta e nove anos” afirma Vieira e alerta: Segundo esta conta,
muitos dos que hoje são vivos, se podem achar presentes a toda a tragédia
do Dia do Juízo, e ver os horrendos sinais que o hão-de preceder. Oh se
houvesse alguns que se persuadissem a isto! Que pouco cuidado lhes dariam
outros futuros, que tão pouco importam: e que pouco se cansariam a si e
aos príncipes, em requerer comendas e rendas para muitas vidas! (1993,
vol. um, p. 140-1).
Todavia, avançando no percurso discursivo do sermão, fica claro que aqui
o milenarismo é utilizado por
Vieira como recurso retórico tendo o objetivo de chamar a atenção dos
ouvintes para o empenho decisivo no momento presente. Com efeito, se o ano
do juízo permanece misterioso, não é assim quanto ao dia, pois o dia do
juízo acontece todos os dias:
É
hoje, foi ontem, há de ser amanhã, e não amanhece nem anoitece dia, que
não seja certamente o dia do Juízo. Que coisa é o dia do juízo? É um
dia em que se há-de acabar o mundo: é um dia em que Cristo nos há-de
vir julgar: é um dia em que havemos de dar conta de toda nossa vida; e em
que os bons hão-de ir para o Céu, e os maus para o Inferno. Não é esta
a essência e substância do Dia do Juízo? Sim, pois isto é o que se faz
hoje, o que se fez ontem, o que se há-de fazer amanhã, e todos os dias.
Acaba-se o mundo todos os dias; porque para quem morre acabou-se o mundo.
Vem Cristo a julgar todos os dias (1993, vol. um, p. 141-2).
Portanto, Vieira conclui que “o conceito que ordinariamente fazemos do
Dia do Juízo, é muito enganoso e muito errado”. O engano está no fato
de que
Consideramos
o Dia do Juízo como uma coisa medonha e espantosa; mas que está não
muito longe, como as serpes na areia da Líbia, ou os crocodilos no Nilo,
e por isso nos não faz medo. Não é assim: o Dia do Juízo não está
longe: está tão perto como o dia de amanhã, e como o dia de hoje, e
como esta hora em que estamos: Veni
hora, et nunc est. O vale de Josafat não está só em Jerusalém, nem
entre o monte Sião e o Olivete; está em Lisboa, está neste mesmo lugar,
e em todos os do Mundo (1993, vol. um, p. 148).
Desse modo, se o dia do Juízo é a própria morte que pode surpreende o
homem em qualquer lugar ele se encontre “no
mar, na campanha, ou na própria cama” (1993, vol. um, p. 148), o
acento decisivo refere-se ao hic et nunc, ao aqui e agora,
onde é julgado todo o valor do empenho humano. A consideração do princípio
e do fim da história deve remeter-nos à apreciação adequada do tempo
histórico, pois é no tempo dado a cada um que se inscreve o seu destino.
Por isto, o fim do mundo para cada um ocorre realmente na hora da morte,
pois com ela o mundo acaba para mim e eu para o mundo: “Daqui
se segue com evidência, que também hoje, amanhã, e cada dia, é o fim
do mundo”(1993, vol. um, p. 150). Neste sentido, para o homem deve
ser mais temido o dia da morte do que o dia do juízo final, pois se este
será preanunciado por vários e claros sinais de modo a permitir que cada
um se prepare, pelo contrário aquele virá de repente, sem pré – aviso
nenhum.
“Tudo
passa e nada passa”
Qual é o sentido da temporalidade humana? o que é o tempo histórico?
Vieira esclarece mormente este tópico num terceiro sermão - o Sermão
da Primeira Dominga de Advento pregado em Lisboa. Naquele “teatro
universal” do derradeiro dia, - afirma Vieira - quando o princípio do
mundo aparecerá junto com o fim, se virá, por um lado, que tudo passou,
mas, por outro lado, que nada passou, pois tudo participará da ressurreição
final: “Tudo passa para a vida, e
nada passa para a conta” (1993, vol. um, p. 178). Por um lado, é
verdade que
Nenhuma
cousa deste mundo para, ou permanece; todas passam. (...) Considerai-me o
mundo desde seus princípios, e vê-lo-eis sempre como nova figura no
teatro, aparecendo e desaparecendo juntamente, porque sempre está
passando (1993, vol. 1, p. 149-150).
Conforme já alertara o apostolo Paulo, numa famosa carta (I Cor, 7, 29),
“passa a figura deste mundo”, sendo que todas as coisas no tempo
correm para o nada. A imagem da mutabilidade das coisas e de sua
instabilidade, o paralelo entre a fugacidade da vida e o sonho, característicos
da mentalidade barroca (Maravall, 1997), aparecem nas palavras de Vieira
com toda a força:
Todas
as cousas do mundo, por grandes e estáveis que pareçam, tirou-as Deus
com o mesmo mundo do não ser ao ser; e como Deus as criou do nada, todas
correm precipitadamente e sem que ninguém as possa ter na mão, ao mesmo
nada de que foram criadas. Vistes o torrente formado da tempestade súbita,
como se despenha impetuoso e com ruído; e tanto que cessou a chuva, também
ele se secou, e sumiu subitamente e tornou a ser o nada que dantes era?
(...) Sonhastes no último quarto da noite, quando as representações da
fantasia são menos confusas, que possuíeis grandes riquezas, que gozáveis
grandes delícias, e que estáveis levantando a grandes dignidades; e
quando depois acordardes, vistes com os olhos abertos, que tudo era nada?
Pois assim passam a ser nada em um abrir de olhos todas as aparências
deste mundo (1993, vol. um, p. 190).
Assim como os grandes reinos, as cidades, as casas, as pedras, são
passageiros, da mesma forma o homem – apesar dele não se aperceber
disso:
E
vendo o homem com os olhos abertos e ainda os cegos, como tudo passa, só
nós vivemos como se não passáramos. Somos como os que navegando com
vento e maré, e correndo velocissimamente pelo Tejo acima, se olham
fixamente para a terra, parece-lhes que os montes, as torres, e a cidade
é a que passa; e os que passam, são eles (1993, vol. um, p. 194).
A metáfora do navio e da navegação exemplifica poeticamente esta visão
da existência: os homens todos, embarcados na mesma nau, que é a vida,
navegam com o mesmo vento, que é o tempo. Assim como na nau “uns
governam o leme, outros mareiam as velas; uns vigiam, outros dormem; uns
passeiam, outros estão sentados; uns cantam, outros jogam” (1993,
vol. um, p. 195), mas todos igualmente sem distinção de condição e de
função caminham ao mesmo porto; assim toda a humanidade, ainda que o não
pareça, transcorre sempre, avizinhando-se ao seu destino final.
Terminada a vida temporal, vem a “conta
que não passa” da vida eterna. Nesta, os homens haverão de dar
conta de si e de tudo o que governaram, de seus talentos, seus bens e também
suas penas, ou seja, de todos os meios recebidos na vida para chegar à
salvação:
Dá
conta dos cuidados, pensamentos e máquinas do teu entendimento; das
lembranças e esquecimentos da tua memória; dos desejos e afeições da
tua vontade. Dá conta de todos os passos de teus pés, de todas as obras
de tuas mãos, de todas as vistas dos teus olhos, de todas as atenções
dos teus ouvidos, de todas as palavras de tua língua, e de tudo o mais
que tu sabes e não cabe em palavras (1993, vol. um, p. 219).
Por isto, a conclusão de Vieira é a seguinte: se de tudo nos será
pedida a conta “e se tudo passa para a vida e nada passa para a conta;
que cegueira, e que insânia é a dos que todos seus cuidados empregam no
que passa, sem memória nem cuidado do que não-há de passar?” (1993,
vol. um, p. 222)
Portanto, o sentido do tempo é cuidar da eternidade, os bens temporais
devem ser utilizados em função dos bens eternos. Este juízo (o chamado
“desengano”) não corresponde apenas a um sentimento psicológico da
vida, mas sugere uma modalidade de uso das coisas e dos relacionamentos na
consciência de sua paradoxal dimensão passageira e definitiva. Em suma o
significado temporal de cada coisa e pessoa só pode ser adequadamente
afirmado na consideração de seu sentido último.
O
círculo formado
pelo desejo
A relação entre tempo e eternidade fica ainda mais clara em outro sermão,
o que fora pronunciado por Vieira na ocasião da festa de Nossa
Senhora do Ó e pregado na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda na Bahia,
no ano de 1640 (1993, vol. quatro, pp. 207-236). O tema do sermão é a
concepção de Maria, Mãe de Cristo: por volta deste núcleo, o pregador
tece importantes considerações acerca da relação entre o finito e
temporal e o infinito e eterno. Baseando-se na figura de Maria, cujo útero
continha o próprio Deus e cuja invocação (Ó!) expressava o desejo da
manifestação deste sagrado conteúdo, Vieira afirma que o desejo
temporal e carnal do homem é capaz de conter em si mesmo o eterno (7).
Assim, o desejo humano que move a história, carrega em si a dimensão da
eternidade:
Nove
meses teve dentro em este círculo (ndr: o útero de Maria) a Deus; e quem
pudera imaginar, que estando cheio de todo Deus, ainda ali achasse o
desejo capacidade e lugar para formar outro círculo? Assim foi; e este
novo círculo formado pelo desejo, debaixo da figura e nome do O,
é o que hoje particularmente celebramos na expectação do parto já
concebido. (...) Assim como o círculo do ventre virginal na Conceição
do Verbo foi um O que
compreendeu o imenso, assim o O
dos desejos da Senhora na expectação do parto foi outro círculo que
compreendeu o Eterno (1993, vol quatro, p. 208).
Vieira adentra na explicação da metáfora do círculo: por que os
desejos de Maria constituíram “um círculo que compreendeu o eterno”?
Em primeiro lugar, Vieira coloca a semelhança entre desejo e eternidade
– semelhança que ele comprova inclusive pela história das culturas
humanas. Com efeito, o desejo contém em si o eterno como o objeto último
de sua satisfação plena; por sua natureza o desejo tende à eternidade:
A
eternidade e o desejo são duas coisas tão parecidas, que ambas se
retratam com a mesma figura. Os Egípcios nos seus jeroglíficos e antes
deles os caldeus para representar a eternidade pintaram um O: porque a
figura circular não tem princípio, nem fim; e isto é ser eterno. O
desejo ainda teve melhor pintor que é a natureza. Todos os que desejam,
se o afecto rompeu o silêncio e do coração passou á boca, o que
pronunciam naturalmente é O (.) e como a natureza em um O deu ao desejo a
figura da eternidade, e a arte em outro O deu à eternidade a figura do
desejo; não há desejo, se é grande, que na tardança e na duração não
tenha muito de eterno (1993, vol quatro, p. 217).
Em segundo lugar, ao descrever o conteúdo dos desejos de Maria, Viera
aprofunda a compreensão do gesto da Encarnação de Deus na história
humana e do anseio humano pela manifestação definitiva da Presença
divina como sentido último da história. Desse modo, a presença revelada
e escondida dentro da realidade não aplaca o desejo, pelo contrário
torna-o cada vez mais ardente. Desse modo, se é verdade que os desejos de
Maria resumem-se num “O quando?”
(8) e aparentemente começaram na conceição e
acabaram no parto, por outro lado, “nesta oficina miraculosa” (1993,
vol quatro, p.219) do corpo virginal, é possível que assim como “o
eterno se pode fazer temporal”, o tempo também se faça eterno.
Retomando a metáfora da roda utilizada pelo profeta Ezequiel (um, 16) no
Antigo Testamento, Vieira afirma que
A
roda do tempo é pequena e breve, a roda da eternidade é grandíssima e
amplíssima; e, contudo a roda do tempo encerra e revolve dentro em si a
roda da eternidade; porque qual for a vida temporal de cada um, tal será
a eterna (1993, vol quatro, p.219).
Se a roda do tempo encerra em si mesma a roda da eternidade, o desejo que
a move faz parecer eternos os instantes e os dias. Pois o desejo pode
fazer eternos os dias porque se unindo à roda do tempo, multiplica-o
infinitamente.
Assim é que Maria andava “suspirando e anelando sempre por aquela hora
que tanto mais tardava e se alongava, quanto mais era desejada” (1993,
vol quatro, p.221). Para exemplificar o conceito de multiplicação do
desejo pela dilação, Vieira utiliza-se de uma metáfora do mundo
natural:
Se
acaso, ou de indústria, lançastes uma pedra ao mar sereno e quieto, ao
primeiro toque da água vistes alguma perturbação nela; mas tanto que
esta perturbação se sossegou e a pedra ficou dentro do mar, no mesmo
ponto se formou nele um círculo perfeito, e logo outro círculo maior, e
após este outro, e outros, todos com a mesma proporção sucessiva, e
todos mais estendidos sempre, e de mais dilatada esfera (1993, vol
quatro, p. 222).
Vieira aplica esta metáfora, que os antigos filósofos utilizaram para
explicar a propagação da luz e do som, à definição do movimento que o
desejo humano produz na história da salvação, declarando que a comparação
ilustra
o
modo com que os OO dos desejos da Senhora, ao passo com que se
multiplicavam, juntamente se estendiam. A Virgem Maria era o mar, que isso
quer dizer Maria, a pedra era o Verbo encarnado, Cristo (...) e a pedra
desceu a seu centro, logo os círculos que eram os OO dos desejos da
senhora, se começaram a formar e crescer no seu coração de tal sorte
que sempre os que se iam sucedendo e multiplicando, à medida do amor, que
também crescia, eram mais crescidos também, e de maior e mais estendida
esfera (1993, vol quatro, p. 222).
De modo que “cresceu o desejo à proporção do amor, e o tempo à
proporção do desejo” pois “um só dia de ardente e ansioso desejo,
é igual a todo o tempo a que se pode estender a vida humana” (1993, vol
quatro, p. 223). No caso específico da Mãe de Deus, seus desejos
mediam-se pelo objeto desejado e sendo que “o desejado era imenso,
infinito, eterno” - “seriam também eternos os seus desejos” (1993,
vol quatro, p. 224). Por outro lado, conforme assinala Pécora, para
Vieira, “o desejo, para ser fecundo, teria de fundar-se sobre o
conhecimento efetivo de seu objeto” (1995 p. 402).
Qual é o motivo pelo qual Maria, no período de sua gravidez, contendo já
em si mesma o Objeto eterno e infinito do desejo, continuaria a desejar? Já
que o tempo determina na vontade diferentes tipos de afetos, não seria o
próprio desejo apaziguado pela presença do objeto?
A resposta de Vieira tem como ponto de partida a “verdadeira
filosofia” (1993, vol quatro, p. 231): esta fornece a explicação do
“porque o bem presente pode causar desejos, e porque a presença para se
lograr há-de ter alguma coisa de ausência”.(1993, vol quatro, p. 231).
Vejamos:
A
presença para ser presença, há-de ter alguma cousa de ausência. O
objecto da vista, para se poder ver, há-de ser presente; mas se está
pegado e unido à mesma potência, é como se estivera ausente: há-de ser
apartado dos olhos, para se poder ver. Assim a presença, para ser presença,
não há-de passar a ser íntima, nem há-de estar totalmente unida, senão
de algum modo distante (1993, vol quatro, p. 228).
Tal seria a experiência de Maria: “desejar que o que amo se ausente, e
se parte de mim”.(1993, vol quatro p. 228).
O
descobrir-se do encoberto
A presença ausente é o que
move o desejo e a invocação de Maria, mas é também a mola da história
humana: é o que permite a Padre Vieira no famoso Sermão
dos Bons Anos (1641), estabelecer um paralelismo entre a história
sagrada e a história atual de Portugal, especificamente entre a presença
- ausência de Cristo após sua ressurreição e a misteriosa figura do
Rei Encoberto, prestes a se manifestar:
Assim
como a Madalena no mesmo tempo tinha a Cristo presente e vivo, e O via com
seus olhos e Lhe falava, e não O conhecia, porque estava encoberto e
disfarçado, (...) nem mais nem menos Portugal, depois da morte de seu último
rei. Buscava-o por esse mundo, perguntava por ele, não sabia onde estava.
Chorava, gemia e o rei vivo e verdadeiro, deixava-se estar encoberto, e não
se manifestava, porque não era ainda chegada a ocasião; então se
descobriu o encoberto senhor, porque então era chegado o tempo (1993,
vol. um, p. 394-5).
A mesma concepção do desejo diante da presença
encoberta como elemento motor da história humana – fundamenta o Sermão
da Epifania, pregado na Capela Real no ano de 1662, dedicado à história dos três reis magos, símbolos das três nações
do Velho Mundo (Europa, Ásia e África): neste, Vieira afirma que a nova
terra e o novo céu que Deus irá criar – objeto das profecias do Antigo
Testamento - é o Novo Mundo –
cuja aparente novidade é na
realidade a revelação de algo já presente desde as origens, mas por
muito tempo encoberto aos olhos dos homens europeus:
Pois
essa é a terra nova e esses são os céus novos que Deus tinha prometido,
que havia de criar, não porque não estivessem já criados desde o princípio
do mundo, mas porque era este o Mundo Novo tão oculto e ignorado dentro
no mesmo mundo, que quando de repente se descobriu e apareceu, foi como se
então começara a ser, e Deus o criara de novo (1993, vol. 1, p. 417).
presença do Significado do tempo humano – Cristo Senhor da história,
presença oculta, mas real no Sacramento eucarístico - é o que
possibilita a unidade da história: por causa disto “a história que
foi” pode ser “prognóstico do que há-de ser” (Sermão dos Bons Anos, 1641, em: 1993, vol um, p. 405), sendo que
“Em
profecias e benefícios começados, o mesmo é referir o passado, que
prognosticar e segurar o futuro” (1993, vol. um, p.405).
“Profecias e Benefícios” já
começaram: algo que já acontece constitui-se no fundamento da certeza
que sustenta a esperança no futuro e a memória fecunda do passado. E a
presença do Sentido da história só pode desvelar-se à experiência do
homem na aventura bela e misteriosa do presente - fundamentando assim sua
ação e protagonismo.
Padre Viera, no último período de sua existência, diante das múltiplas
derrotas vividas por ele mesmo, pela Companhia e pela nação portuguesa,
tendo sido expulso em 1661 de Maranhão junto a toda a Companhia, após
nove anos de presença naquela região devido à suas lutas contra a
escravatura dos índios, coloca a realização histórica de seu desejo não
mais num projeto histórico voltado par ao presente e sim no plano da
esperança para o futuro, Concebe desse modo o plano do livro História
do futuro, esperanças de Portugal e Quinto Império do mundo,
dedicado ao ideal do Quinto Império,
a saber, o Reino de Cristo que dentro em breve se havia de instalar na
terra. Um príncipe português – o Encoberto – preconizado pelas
profecias ibéricas (Delumeau, 1997), liquidaria definitivamente os
inimigos da fé e conquistaria com grande espanto do mundo inteiro, a
Terra Santa. Uma vez realizadas estas façanhas, o Quinto Império não
tardaria em vir. Seria este um reino de mil anos, que havia de abranger
todas as raças e todas as culturas, fraternalmente unidas na fé católica
e incorporadas num só Império mundial; um reino de paz e de concórdia,
um reino de justiça e harmonia, na qual as diferentes nações e culturas
haviam de obedecer - de livre vontade - aos dois vigários de Cristo: ao
papa de Roma, no plano espiritual, e ao rei de Portugal, no plano
temporal. Terminado este período milenário, viria o Anticristo, a luta
final e a consumação dos tempos. Quando Vieira escreve este livro em
1661, aproximava-se o ano de 1666, data que ele, como muitos outros
pensadores dentro e fora de Portugal, tinham por decisiva na história da
humanidade, porque nele se manifestariam os primeiros sinais da gloriosa
transfiguração do mundo. Vieira, já no final de sua existência (pois
morreu em 1697), tornará a expor esta tese no livro Clavis Prophetarum
escrito em língua latina.
Na História do Futuro, Vieira reafirma a concepção
providencialista (9) da história humana: Deus
é o verdadeiro Senhor da história e a dirige conforme seus planos -
misteriosos aos olhos humanos, mas anunciados pelos profetas. Retomando
uma metáfora cara ao Barroco, a do teatro da vida, aplica-a para a
consideração da história:
Este
mundo é um teatro, os homens as figuras que nele representam, e a história
verdadeira de seus sucessos uma comédia de Deus, traçada e disposta
maravilhosamente pelas idades de sua Providência.
E
assim como o primor e subtileza da arte cômica consistem principalmente
naquela suspensão do entendimento e doce enleio dos sentidos com que o
enredo os vai levando após si, pendentes sempre de um sucesso para outro
sucesso, encobrindo-se de indústria o fim da história, sem que se possa
entender onde irá parar, Senão quando já vai chegando e se descobre
subitamente entre a expectação e o aplauso; assim Deus, soberano autor e
governador do mundo, e perfeitíssimo exemplar de toda a natureza e arte,
para maior manifestação de sua glória e admiração de sua sabedoria,
de tal maneira nos encobre as cousas futuras, ainda quando as manda
escrever pelos profetas, que não nos deixa compreender nem alcançar os
segredos de seus intentos, para nos ter sempre suspensos na expectação e
pendentes de sua Providência (1983, p. 110).
De modo semelhante ao povo hebreu no Antigo Testamento, no tempo presente
outro povo foi chamado a ter a função da profecia tendo sido escolhido e
preferido entre as demais nações da terra: o povo português. Alcir Pécora
comenta a respeito que “o progresso da cristandade universal, balizado
nos sermões de Antônio Vieira, sobretudo pela confluência do divino e
do humano na história, estaria, na verdade, para ele, dependente do avanço
dessa nação com especial inclinação para o serviço de Deus no
mundo”.(1994, p. 216).
Para além dos artifícios utilizados pelo divino Cenógrafo na Divina Comédia
da história para manter “suspensos” os espectadores, é, porém
verdade que em muitos casos as profecias não se entendem porque
simplesmente encobertas por vontade dos homens. Assim é que o homem, para
ser profeta, deve ter os olhos abertos e atentos a reconhecer as
verdadeiras realidades além das aparências. Ser profeta é então ser
capaz de reconhecer o verdadeiro sentido do tempo:
Como
se hão-de entender as revelações com os entendimentos e os olhos
velados? (...) Se os olhos estão cobertos e escurecidos com o véu do
afecto ou com a nuvem da paixão; se os cega o amor ou o ódio, a inveja
ou a lisonja, a vingança ou o interesse, a esperança ou o temor, como se
pode entender a verdade da profecia, por muito clara que nela esteja,
quando o primeiro intento é negá-la ou, quando menos, escurecê-la? As
nuvens que Deus põe sobre a profecia, o tempo as gasta e as desfaz, mas
os véus que os homens lançam sobre os próprios olhos, só eles os podem
tirar, porque eles são os que querem ser cegos (1983, p. 111).
Por outro lado, a história é um continuo revelar-se do Mistério e é
por isto que o transcorrer do tempo é um fator que colabora ao
desvelar-se das profecias. Com efeito, conforme assinala Pécora (1994),
na concepção de Vieira a presença divina se inscreve, dirigida aos
homens, dentro dos próprios fatos históricos, sendo esses concebidos
como lugares da manifestação de Deus. Por isto,
descobrimos
hoje mais, porque olhamos de mais alto, e distinguimos melhor, porque
vemos de mais perto; e trabalhamos menos, porque achamos os impedimentos
tirados. Olhamos de mais alto, porque vimos sobre os passados; vemos de
mais perto, porque estamos mais chegados aos futuros; e achamos os
impedimentos tirados, porque todos os que cavaram neste tesouro e varreram
esta casa, foram tirando impedimentos à vista; e tudo isto por benefício
do tempo, ou – para o dizer melhor – por providência do Senhor dos
tempos (1983, p. 112).
Em síntese, o homem que vive no tempo histórico, realiza plenamente sua
identidade ao tornar-se profeta, mas para isto deve adquirir o verdadeiro
conhecimento da realidade, buscando apreender seu sentido presente, mas
velado pelo mundo das aparências. Trata-se de viver o desengano
- categoria gnosiológica muito importante do pensamento barroco, que
consiste na capacidade de desenvolver um olhar para a realidade além do
engano das aparências.
Identidade,
tempo e história numa perspectiva pre-iluminista: tecendo comparações
Evidencia-se assim pelo percurso realizado que a posição de Vieira
expressa uma concepção histórica e gnosiológica pre-iluminista.
Encontra-se aqui a raiz da semelhança entre a visão de Vieira e o relato
de Zé Leal de Morro Vermelho acerca da passagem do milênio.
O filósofo russo N. Berdiaev (1979) define a forma de conceber os
acontecimentos temporais anterior ao Iluminismo, como marcada por uma
consciência antropológica onde o homem concebe-se em profunda comunhão
com o fator histórico. Pelo
contrário, a razão iluminista, própria dos séculos XVIII e XIX,
dissocia-se a si mesma da história do mundo a acaba por colocar-se de
modo externo aos acontecimentos, pretendendo medi-los e julga-los a partir
de critérios por ela mesma definidos. Desse modo, surge a divisão entre
o objeto (história) e o sujeito do conhecimento histórico, divisão esta
que caracteriza o homem da modernidade e a ciência histórica enquanto área
do saber. Berdiaev afirma que quando há uma ruptura da comunhão
misteriosa do homem com a tradição, permanece apenas o “cadáver da
história”, pois somente na medida em que o sujeito do conhecimento histórico
mantém vivo o vínculo com a vida interior, pode estar em comunhão com
sua intima essência (1979).
Na perspectiva pre-Iluminista, o homem é um ser histórico: ele vive na
história e a história habita nele, sendo que a história é conhecida
através da memória histórica, por sua vez indissociável da tradição:
“Entre o homem e o histórico
existe uma solidariedade tão profunda e misteriosa em seu fundamento
primordial, uma reciprocidade tão concreta, que é impossível
separa-los”.(1979 p.26, tradução nossa). Com efeito,
o
histórico está arraigado em um certo fundamento primordial profundíssimo
do ser e dá-nos a possibilidade de compreende-lo e entrar em comunhão
com ele. O histórico é una certa revelação da mais profunda essência
da realidade mundana, do destino do mundo e do que constitui seu número
fundamental: o destino do homem (ibidem).
A consciência pré-iluminista da história, estrutura-se dois momentos: o
momento conservador e o momento criador. O processo histórico é possível
pela união dos dois momentos. O momento conservador é o vinculo com o
passado espiritual, a tradição interior, o que há de mais sagrado no
passado. O momento dinâmico – criador indica uma tensão criadora
voltada para o futuro e para a resolução da história: “o
vinculo interior com os antepassados, com a pátria, com todo o que é
sagrado, é sempre um nexo com o processo dinâmico criador voltado ao
futuro, à resolução da história, à criação de um mundo novo”.(1979,
p. 45).
Berdiaev ressalta a atitude profética necessária a este tipo de consciência
histórica: trata-se do reconhecimento do nexo dinâmico interior, do
significado que liga passado, presente e futuro. Trata-se, em suma, de
possuir uma metafísica da história:
Somente
uma atitude profética com relação ao passado põe em movimento à história
e somente uma atitude profética para com o futuro poderá ligar este com
o presente e o passado, através de um certo movimento interior,
espiritual. Somente uma atitude profética para com a historia poderá
vivificar a historia, insuflando em seu caráter estático o fogo interior
do movimento espiritual (1979, p. 46).
A dimensão essencial da consciência histórica assim definida é o princípio
da liberdade humana – herança do cristianismo - como verdadeiro sujeito
da ação histórica, sem a qual seria inclusive impossível falar
propriamente em história.
O historiador francês Ph. Ariès (1989) afirma uma concepção semelhante
à de Berdiaev: segundo ele, seria uma contribuição própria do
cristianismo medieval a idéia de uma estreita dependência entre o homem
e a história. Com efeito, o cristianismo descobriu o conceito de história
universal, marcada pela existência de um sentido universal e sagrado,
sendo que na Encarnação, Deus comunica-se no tempo. Desse modo, “o
passado deixava de ser objeto de simples curiosidade. Os acontecimentos
tornavam-se meios para Deus manifestar-se aos homens” (1989, p.
103).
A perspectiva histórica - teológica define assim a identidade do povo
cristão no período medieval, sendo posteriormente esquecida pela
cristandade moderna, em proveito do dogmatismo e do moralismo. Toda a vida
da sociedade medieval baseava-se na recordação do passado: tratava-se de
“um sentido existencial do passado”
(1989, p. 100). Esta experiência própria da cultura da Idade Média
permanece, segundo o historiador francês, na vida quotidiana das
comunidades tradicionais ainda vivas na atualidade.
quando
são apreendidas antes de sua inserção numa estrutura mais complexa e
mais abstrata. Essas comunidades situam-se por si mesmas no tempo (...)
Podemos experimentar esse sentimento em nossas famílias, na consciência
que têm de sua própria história. (...) È um conjunto de anedotas, de
retratos, de narrativas, vagamente datadas por geração ou com relação
a um grande acontecimento histórico (...). Esse conjunto, porém, não é
incoerente: jamais reunido num todo, tem uma unidade profunda, constituída
pelo presente vivido. Pois esta história familiar não se distingue da
existência familiar (...) ela faz parte do tecido de vida familiar. Não
há vida familiar sem esta tendência de cada instante para a recordação.
Ora esta devoção com o passado, não é nunca uma reconstituição
objetiva. (...) Com efeito, a maneira com que cada família constrói
espontaneamente sua história, como podemos experimentá-la hoje, é um
tipo de memória coletiva muito próximo da noção medieval do
tempo (1989 p. 100-101).
Morro Vermelho é um exemplo vivo deste tipo de comunidade tradicional,
presente no tecido da cultura brasileira. A elaboração que o senhor Zé
Leal e os demais membros desta comunidade fazem de suas próprias experiências
é marcada por elementos advindos de uma concepção do homem, do tempo e
da história que - tendo suas raízes no longínquo passado medieval -
encontrou continuidade e expressão ao longo da história da cultura
luso-brasileira, nas palavras dos sermões que Antônio Vieira, assim como
muitos outros pregadores a ele contemporâneos pregaram ao povo, em
catedrais, igrejas e capelas do Brasil colonial. Conforme afirma G. Araujo,
“percebe-se hoje que a tradição oral brasileira é um pedaço da
tradição da Idade Média que ficou no Brasil. Talvez venha daí as
semelhanças que existem entre as duas”.(em: Gramani, 1997, p. 3).
Para além das grandes descontinuidades que marcam a história política e
cultural do Brasil, existem, portanto, laços de um tecido de permanências:
“Além,
além, além, o entrelaçar significa” (Gramani,
J.E., 1997)
Referências
Bibliográficas
Ariès,
P. (1989). O tempo da história. Rio de Janeiro: Alves.
Berdiaev,
N. (1979). El sentido de la historia. Madrid:
Encuentros.
Delumeau,
J. (1997). Mil anos de felicidade. Lisboa: Ed. Terra-mar.
Gramani,
J. G. e ANIMA (1997). Espiral do tempo, CD. Campinas: Anima - Música
popular brasileira e música antiga.
Maravall,
J. A. (1997). A cultura do Barroco. São Paulo: Edusp.
Mahfoud,
M. (2001). Empenhado na mudança do milênio: identidade, história e
profecia em uma comunidade rural tradicional. Memorandum, 1, 2-12.
Pécora,
A. (1994). Teatro do Sacramento. São Paulo: EDUSP; Campinas:
Editora Unicamp.
Pécora,
A. (1995). O desejado. Em A. Novaes (org.). O desejado (pp.
399-414). São
Paulo: Companhia das Letras.
Vieira,
A. (1993). Sermões. Cinco volumes. Porto: Lello e Irmão.
Vieira,
A. (1983). Livro Anteprimeiro da História do futuro. (Van
Beesselaar, org.). Lisboa:
Biblioteca Nacional.
Notas
(1)
Conforme afirma o historiador Ph. Ariés, discutindo a opção diante da
qual encontra-se o homem do fim do século XX: "ou efetivamente a
história é um movimento elementar, inflexível e sem amizade, ou então
existe uma comunhão misteriosa do homem na história: a apreensão do
sagrado imerso no tempo, um tempo que seu progresso não destrói, onde
todas as épocas são solidárias" (1989, p.43). Estabelece-se assim
uma relação entre historicidade, religiosidade e subjetividade. voltar
(2)
É nesta perspectiva também que a mesma entrevista poderá ser discutida
pelo Prof. Gilberto Safra, à luz do pensamento de Vladimir Soloyov,
sobretudo no que diz respeito às concepções de historicidade e de
sagrado como vértices organizadores do self. voltar
(3)
Nossa análise, porém, ocupou-se não tanto nos conteúdos milenaristas
dos referidos textos quanto nas relações implicadas entre sentido do
tempo e da história, horizonte escatológico, sentido da identidade
pessoal e histórica do sujeito - na concepção vieiriana. voltar
(4)
Maravall (1997) define como Barroco um conceito histórico que compreende
os três primeiros quartos do século XVII e que evidencia elementos de
relativa homogeneidade nas mentes e nos comportamentos do homem. Tais
elementos, em sua articulação conjunta dentro do contexto político,
econômico e social, formam uma realidade única. voltar
(5)
"No cristianismo deve chamar-se de milenarismo a crença num reinado
terrestre de Cristo e dos seus eleitos – devendo esse reinado futuro
durar mil anos, tomados quer à letra, quer em termos simbólicos. O
advento do milênio foi concebido como devendo situar-se entre uma primeira ressurreição – a dos eleitos já falecidos
– e uma segunda – a de todos os outros homens para serem julgados. O
milênio deve, pois, intercalar-se entre
o tempo da história e a descida da Jerusalém celeste. Dois períodos de
provações enquadrá-los-ão. O primeiro verá o reinado do Anticristo e
as tribulações dos fiéis de Jesus, que, com este triunfarão sobre as
forças do mal e estabelecerão o reino da paz e da felicidade. O segundo,
mais breve, verá uma nova libertação das potências demoníacas, que
serão vencidas num último combate" (Delumeau, 1997, p. 15). voltar
(6)
“Tudo isto se realizará depois do ano mil e setecentos do nascimento do
Filho de Deus no mundo e antes do ano mil setecentos e trinta e quatro”
(citado em Delumeau, 1997, p. 187). voltar
(7)
Com efeito, afirma Vieira: (p. 208)
“uma das maiores excelências das Escrituras Divinas, é não haver
nelas nem palavra, nem sílaba, nem ainda uma só letra, que seja supérflua,
ou careça de mistério. Tal é o misterioso O
que hoje começa a celebrar e todos estes dias repete a Igreja, breve na
voz, grande na significação, e nos mistérios profundíssimo.”. Neste
sentido, conforme assinala Pécora (1994), o sermão do pregador tem a função
de descobrir e afirmar através da palavra, os sinais divinos ocultos nas
Sagradas escrituras, mas também na história do mundo: “retórica análoga
à retórica divina que a hermenêutica descobre no avanço dos tempos”
(idem, p. 171). voltar
(8)
“Os desejos da Virgem Santíssima, todos eram: O quando chegará aquele
dia? O quando chegará aquela ditosa hora, em que veja com meus olhos e em
meus braços ao Filho de Deus e meu? O quando? O quando? O quando?” (p.
218). voltar
(9)
“Para Vieira, a questão relevante da história não é a de sinalizar
simplesmente o Ser absoluto de deus, mas sinalizá-lo enquanto Providência
divina dirigida ao próprio homem” (Pécora, 1994, p. 171). voltar
Nota
sobre a autora
Marina
Massimi é Livre Docente e trabalha junto ao Departamento de Psicologia e
Educação na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo, Campus de Ribeirão Preto, Brasil. Especialista na área de
História das Idéias Psicológicas na Cultura Luso-Brasileira. Contatos:
Avenida Bandeirantes, 3900 - 14040-901 - Ribeirão Preto (SP) /
Brasil. - e-mail: mmarina@ffclrp.usp.br.
- Fone: (55) (16) 6023802 - Fone: (55) (16) 6308738.
- Data de
recebimento: 09/08/2001
- Data de aceite:
10/10/2001
-
- Memorandum,
Out/2001
- Belo
Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP.
- http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos01/
massimi01.htm
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