No dia 28 de março, o Departamento de Ciência Política da UFMG (DCP) deu início às comemorações dos seus 50 anos de existência com uma mesa de discussões que abordou a criação do Departamento, em dezembro de 1965. O evento teve a participação de dois de seus fundadores, Fábio Wanderley Reis e Antônio Octávio Cintra. Participaram também representantes de órgãos de pesquisa na área de Ciência Política, professores e servidores do DCP.
Um dos fundadores, Fábio lembra que o país estava sob a recém implantada ditadura militar (1964-1985) e, apesar do risco de repressão por parte dos militares, acredita que o quadro político catalisou o interesse dos professores. “É possível falar de um certo efeito positivo que o regime autoritário criou ‘perversamente’, por assim dizer, e que tem a ver com o fato de que as condições pouco propícias ao debate político geral criavam certo estímulo especial nos centros acadêmicos dedicados aos problemas sociais e políticos”, relembra.
Os primeiros anos do DCP foram muito movimentados, já que os percursores tinham que conciliar a rotina de professores do Departamento com a própria qualificação profissional, sobretudo em cursos de doutorado. Houveram também desafios derivados da vigência do regime autoritário e do clima político geral. Fábio conta que era necessário lutar em duas frentes. “De um lado, atuar no sentido de impedir que os estudantes viessem a sofrer os efeitos repressivos do Decreto-Lei 477 (que induzia a ação repressiva por parte das próprias autoridades das universidades) e, por outro lado, lidar com a oposição às vezes ruidosa de estudantes que percebiam os professores do DCP, em razão do apoio recebido da Fundação Ford, como vendidos ao imperialismo dos Estados Unidos”, diz.
Driblando a repressão dos militares e a oposição de alguns alunos, o DCP conseguiu se firmar como um dos mais importantes centros de pensamento político no país. Entre as contribuições da geração dos fundadores, está o pioneirismo na maneira de estudar política, preocupada com o rigor analítico e com o tratamento sistemático de dados empíricos, no lugar da tradição ensaística precedente.
Bruno Wanderley Reis é filho de Fábio e entrou para o Departamento em 1994, um ano antes de seu pai aposentar. “A primeira grande troca geracional foi precipitada por causa de um certo medo do Plano Real e das possíveis políticas neoliberais do governo de Fernando Henrique Cardoso, o que fez com que professores da primeira geração se aposentassem após as eleições de 1994”, conta.
Essa troca geracional alterou o perfil dos pesquisadores e das pesquisas. Agora, uma nova geração parece retomar o gosto pelo método empírico dos pioneiros. “Talvez agora estamos num momento ‘metodológico’ de novo, que valoriza mais os dados, mais a técnica. Mais até do que no corpo docente, isso é algo muito forte entre os doutorandos. Uma garotada de 30, 40 anos, super ambiciosos com técnica e metodológica”, diz Bruno. De perfil mais ensaísta, Bruno vê nessa troca benefícios para o DCP. “Meu cacoete intelectual é mais abstrato, teórico, do que tocador de pesquisa. Apesar disso vejo essa nova geração com bons olhos. Mas isso é cíclico, talvez os alunos deles serão um pouco diferentes deles em algum sentido, talvez ansiosos para fazer ensaio de teoria política. A minha sensação é que isso, a longo prazo, tende a produzir maturação do campo”, acredita.
Com o trabalho dessas gerações, o DCP chega em 2016 aos 50 anos de existência e conta com 23 docentes, que lecionam principalmente nos cursos de graduação em Ciências Sociais e Gestão Pública; na pós-graduação em Ciência Política; além de três especializações (Marketing Político e Comportamento Eleitoral; Políticas Públicas; e Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais). Além disso, os professores estão envolvidos em vários núcleos de pesquisas reconhecidos no meio acadêmico, como o Projeto República, o Centro de Referência do Interesse Público e o Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral.
Maturação talvez seja, de fato, a palavra-chave para lidar com os novos dilemas do cenário político. Segundo Bruno Reis, após o período mais estável da política brasileira (entre 1994 e 2013), vivemos uma nova instabilidade. “Quem nasceu depois dos anos 80 olha para democracia com naturalidade. Como a chuva cai do céu, a democracia está na política. Por isso eu acho que uma conjuntura como a de agora nos ensina a todos. Há uma inclinação psicológica quase irresistível em pensar que ou estamos vivendo sobre uma ditadura ou em uma democracia consolidada. Nunca ninguém falou que estávamos vivendo em uma democracia ‘mais ou menos’, vulnerável. Nesse sentido, 2016 é mais instrutivo, para relembrarmos onde estávamos em 1966 e qual tipo de dilema vamos ter que operar”, ressalta.
Foto: Foca Lisboa (Cedecom UFMG)