Uma carreira multifacetada, perpassada por diversos campos como a História, a Antropologia, as Artes Plásticas, entre tantos outros. Autora de várias pesquisas e livros, dentre eles o grande sucesso: ” Brasil: Uma Biografia”, com mais de 40 mil exemplares vendidos desde o lançamento no final de maio deste ano. Essas são algumas das credenciais da antropóloga e historiadora Lillia Moritz Schwarcz. No dia 3 de Setembro, ela esteve na Fafich ao lado da co-autora do livro e professora do departamento de História Heloísa Starling, para a aula inaugural da Faculdade. Lilia também concedeu uma entrevista para o site da Fafich, que contou com a participação do diretor Fernando Filgueiras.
Site: Lilia, a sua formação é no campo da Antropologia e em muitos aspectos de sua trajetória você se aproxima da História e constitui uma obra bastante interdisciplinar. Como você analisa a interação entre os diversos campos das Ciências Humanas e como isso tem se dado hoje, no Brasil? O que você pensa sobre o diálogo de disciplinas e a interdisciplinaridade nas Ciências Humanas?
Lillia: A minha formação é híbrida pois fiz a graduação em História, o mestrado em Antropologia na Unicamp e o doutorado na Antropologia da USP.
Eu sempre naveguei pelas áreas. A minha iniciação científica foi sobre a escravidão em Ilhabela. Era com o Fernando Novaes e eu já imprimi no projeto uma questão bastante interdisciplinar, que era pensar como os proprietários nos testamentos pensavam a noção da cor. Eu lembro que o Novaes dizia que eu estava abusando, que eu sou a terceira margem do Guimarães Rosa. Entre os antropólogos eu sou historiadora e entre os historiadores eu sou antropóloga. O que é uma situação confortável. Dá para escapar.
Na época esta não era uma questão muito fácil.Era difícil defender esta área de fronteira. Porque o meu trabalho era de história mas a pergunta era de Antropologia. No mestrado eu segui um tema para o qual eu acreditava que a Antropologia me daria mais recursos teóricos. Eu penso que esta questão vai se afirmando no cenário atual de uma forma mais vocacionada.
Na minha livre titularidade apresentei um ensaio que se chamava Antropologia e História: relações de fronteira. E na livre docência, atrevida que sou apresentei o trabalho sobre o Nicolas Antoine Taunay, eu recebi uma bolsa Guggenhein, que me permitiu viajar, fazer pós-doutorado em Oxford, em Brown e estudar História da Arte, porque a dificuldade que você tem em trabalhar em região de fronteira é que não vale fazer má História na Antropologia ou o contrário. Você tem que sofisticar sua reflexão nos vários campos que você entra.
Site: Como você avalia a reposição do tema do racismo na sociedade brasileira hoje? O que tem sido feito e qual a chave de reflexão sobre este tema nas Ciências Sociais? E como você avalia a política de cotas nas Universidades? As universidades, de forma geral, têm adotado mecanismos de ações afirmativas para contribuir para a diminuição das desigualdades sociais. Na sua avaliação, isso tem surtido efeito?
Lillia:
Site: Um traço forte de sua obra é analisar a trajetória de personagens históricos relevantes e também de estruturas sociais que solidificam características fundamentais da sociedade brasileira. Exemplo disso é no livro “As Barbas do Imperador”, em que a construção de um personagem corre em paralelo com uma narrativa sobre a sociedade brasileira. Como você desenvolve essa questão e qual a importância disso para as Ciências Humanas?
Lillia: Seguindo os passos de toda uma geração crítica a ideia de biografia…Bourdieu é um deles, Peter Gay é outro, Karl Schorske é outro, Carlo Ginzburg é outro a sua maneira. Eu ia tentando pensar a biografia, não como uma avenida, não como um projeto de ascensão, de progresso, mas contemplando contradições, problemas…E eu pensei: nada como enfrentar um personagem como Pedro II que é o personagem mais utilizado por este tipo de biografia mais positivista, mais elevatória, mais consagratória. Eu queria dar um novo olhar, uma outra esquina para o Pedro II.
É claro que eu levei uma patada. Um dos capítulos no texto da livre-docência era mais radical. Era só feito de imagens, era quando o Imperador tirava a coroa e vestia a cartola. Um dos membros da banca disse novamente Este capítulo eu não considero, uma tese de Ciências Humanas não pode ter este formato.
Na época tive uma bolsa da Fapesp e eu pude percorrer o país e dar a boa notícia e as vezes a má notícia. Por que em alguns lugares que eu fui as pessoas diziam: D. Pedro esteve aqui. Eu falava: hum hum..Porque às vezes não ia o Imperador, ia o retrato. Isto só confirmava a minha tese de como o retrato era importante para a construção. No fundo era uma tese menos sobre a história do D. Pedro e mais uma tese sobre a construção da memória do D. Pedro. Este é um percurso no qual eu tentei ir em frente. Veja como eu ia acomodando História com Antropologia, com esta ideia da representação Não que isto seja papel cativo da Antropologia, mas é a Antropologia que insistia mais.